No início de dezembro de 2016, na terceira volta
das eleições presidenciais austríacas (o tribunal mandou repetir as
eleições da segunda volta), Alexander Van Der Bellen do partido os verdes
venceu o populista Norbert Hofer do FPÖ, o partido da liberdade. Antes, em
maio, na primeira volta, os candidatos haviam obtido, respectivamente, 21% e
35%. O partido social-democrata (SPÖ) e os conservadores do partido popular (ÖVP) obtiveram apenas um
quarto dos votos. Pela primeira vez, desde o pós-guerra, a “grande
coligação” ficou abaixo dos 50%. Era mais um aviso lançado à Europa e ao mundo.
A seguir viriam o Brexit e Trump.
Já poucos se lembram, mas foi Jörg Haider
(1950-2008) quem revolucionou por completo o FPÖ a partir de 1986, ano em que
assumiu a sua liderança. Até então, o FPÖ não passava dos 5% do eleitorado. Nos
anos 50, começou por ser um albergue dos “nacional socialistas". A partir dos
anos 60 tornou-se um partido liberal. Pretendia aproximar-se do centro e
transformar-se num partido de poder. Em 1983, entrou numa coligação com os
social-democratas, a qual cairia em 1986 com a chegada de Haider.
Haider anunciou desde o início que o seu fito era ser
chanceler. Rodeou-se de jovens, bem vestidos e bem-parecidos, sendo ele próprio
um fanático do corpo em forma. A juventude era, desde logo, uma forma de se
diferenciar dos outros partidos. Toda a sua estratégia assentava numa presença
permanente nos media, em especial na televisão. Tornou-se uma pop
star. Chegava a mudar de roupa dez vezes por dia, de forma a adaptar-se à
audiência que tinha à sua frente. Casaco de cabedal, trajes tradicionais, fatos
de excelente corte... Utilizava inclusive diferentes sotaques, conforme a região
onde discursasse.
Com uma liderança autoritária, em que tudo passava
pelo chefe, os críticos internos eram silenciados ou expulsos do partido – em
1993, vários ex-dirigentes do FPÖ bateram com a porta e formaram o partido
liberal (LIF). Este tipo de procedimentos era impossível dentro dos principais
partidos austríacos, com os seus milhares de militantes e grupos de interesse bem definidos.
Haider tinha uma equipa a procurar permanentemente
escândalos da oligarquia e não hesitava em atirá-los à cara dos seus
adversários, nomeadamente em debates televisivos, em que era exímio e temível.
Introduziu na Áustria uma “campanha permanente”, com slogans bem conseguidos –
muitos, ao que consta, da sua própria autoria; ele, pelos menos, gostava de
dizer que quando saísse da política se dedicaria à publicidade. Esta estratégia
de comunicação não era barata. Alguns estudos falam em 70 milhões de euros
gastos durante a liderança de Haider, apesar deste sublinhar que não recorria a
sondagens.
Haider exigia referendos, nomeadamente sobre
questões “europeias”. O FPÖ deixou de ser um partido pró-Europa. A União
Europeia, com a sua burocracia e atropelos às soberanias nacionais, passou a
ser um dos alvos principais de Haider. As instituições políticas tradicionais
eram apresentadas como o principal inimigo do povo. Carregados de privilégios,
os “oligarcas” apenas perseguiam os seus próprios interesses, não ouviam as
pessoas e eram incapazes de resolver os problemas “reais”. Com esta mesma
fórmula, atacava a União Europeia – “Bruxelas tira-nos o dinheiro”, “A Europa
rouba-nos a soberania e tenta controlar-nos”, etc.
Haider soube explorar de forma eficaz o problema da
imigração. O seu discurso tinha uma alta carga emocional e era carregado de
estereótipos. Os “traficantes de droga negros”, os imigrantes ligados a
actividades criminosas. A lei e a ordem eram associadas à imigração sem controlo.
Enfim, numa realidade cada vez mais complexa, Haider explorou assuntos
emocionais e construiu assim um inimigo claro e bem definido que dava alguma
orientação às ansiedades e receios populares.
Partindo de um resultado de 5%, Haider alienou sem
hesitações o eleitorado tradicional do FPÖ, nomeadamente os colarinhos
brancos e quadros intermédios. As classes trabalhadoras e os jovens passaram a
ser os seus principais públicos-alvo. Os social-democratas viram assim fugir
muito do seu eleitorado. Em 1999, o FPÖ obteve 26,9% dos votos nas eleições
legislativas, o mesmo resultado que os conservadores do partido popular (ÖVP).
Os dois partidos formaram uma coligação. Devido sobretudo às
pressões da União Europeia, Haider ficou fora do governo e abandonou a liderança
do partido. Em 2002, o governo caiu e o FPÖ obteve apenas 10% nas
eleições. A perda da liderança eficaz de Haider, o mau desempenho de vários
ministros do FPÖ no governo, a impossibilidade de pôr em prática muitas das
promessas eleitorais foram fatais.
Haider foi, entretanto, eleito governador de
Caríntia. Em 2005 saiu do FPÖ e fundou um novo partido, a Aliança para o futuro
da Áustria (BZÖ), mas sem grande sucesso. Em 2008, morreu num acidente de
automóvel. Mas o populismo na Áustria não morreu com Haider, como alguns
vaticinaram. Como referimos no início, em 2016, o FPÖ esteve muito próximo de
ganhar as presidenciais. O perigo permanece bem vivo. Haider foi apenas o
primeiro aviso.
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