Não me tenho
sentido muito bem por causa das longas ausências na DD. Afinal, fui eu que sugeri, ao iniciar a minha colaboração, que
se adicionasse o tema Educação aos que já figuravam no cabeçalho – o mais
interessante dos quais era (e é) “Laser Alexandrite”. Ora a verdade é que
tenho falhado completamente no que pensei poder ser a minha contribuição no
campo de actividade que foi, e é, o
meu.
Deixando de lado
possíveis razões para a parca assiduidade, relevarei hoje um tema que tem sido
aflorado nos últimos tempos e que se insere na política de reversão de medidas
tomadas em governos anteriores e que foi anunciada como “flexibilização
curricular”.
Disse-o na
altura, era indispensável que muitas das medidas tomadas pelo ministério de
Nuno Crato fossem alteradas. A que foi há tempo anunciada, e que já tinha sido objecto
de algumas declarações do Secretário de Estado João Costa, deixa-me
simultaneamente satisfeito e preocupado. Satisfeito, porque, no fundo, ela retoma
a decisão que, no virar do século (em 2001), definiu uma alteração importante
na vida das escolas, que foi conhecida por “gestão flexível dos currículos”,
para a qual contribuí com a convicção de que se tratava de uma das mais
importantes decisões para a melhoria das escolas no nosso país. Preocupado,
porque a experiência desses tempos reforçou a ideia de que grandes mudanças em
educação não podem ser impostas e necessitam de tempo e de um apoio efectivo
para a maior parte das escolas.
É verdade que o Ministro Brandão Rodrigues, de
acordo com uma notícia do Público de
9 de Abril, garantiu que “as escolas
estão no caminho”, com a ajuda da tutela, para terem “todas as condições” que
permitam a realização do projecto de flexibilização curricular. Permito-me no
entanto ter as maiores dúvidas sobre este ponto. Embora desconheça que tipo de
apoios tem o Ministério preparado para dar resposta aos problemas que
necessariamente vão surgir, parece-me que os professores ainda não estarão
“prontos”, para não falar das escolas, para a “novidade” (há quinze anos que a
ideia da flexibilização foi deixada cair).
Permitam-me uma
breve notícia histórica.
Nos finais dos anos
80 do século passado, na sequência da aprovação da Lei de Bases do Sistema
Educativo (Lei nº 44/86, de 14 de Outubro) e dos trabalhos da Comissão da
Reforma do Sistema Educativo, no tempo do ministro João de Deus Pinheiro, foi
posta em execução uma reforma curricular que, mau grado as excelentes ideias concebidas
no seio de um dos grupos de trabalho da referida comissão, não produziu um
documento claro, e mau grado alguns resultados interessantes (na chamada Área
Escola) revelou-se decepcionante.
No entanto, a ideia
de currículo (termo pouco usado até então, mas que já era objecto de ensino nas
escolas de formação de professores) passou a ser mais conhecida. Algumas
iniciativas de investigação desenvolvidas tiveram mesmo alguma projecção, como o “PROCUR – Projecto
Curricular e Construção Social” na Universidade do Minho, que propunha a
construção do currículo na escola. Em 1995, eu próprio publiquei um artigo na
Revista Colóquio – Educação e Sociedade,
intitulado “Caminhos para a descentralização curricular”, no qual advogava a
autonomia dos professores como gestores do currículo, libertando-se do
excessivo centralismo do sistema educativo nacional.
Esta ideia da
flexibilização curricular desenvolveu-se no tempo do Ministro Marçal Grilo e da
Secretária de Estado Ana Benavente, a partir de uma iniciativa muito
interessante que envolveu escolas e professores de todos os ramos de ensino e
que ficou conhecida por “Reflexão participada sobre os currículos do ensino
básico” (depois alargada ao secundário). Praticamente, todos os professores e
escolas, incluindo as do ensino superior, foram convidados a pronunciar-se
sobre uma proposta de reorganização curricular que pretendia, mais do que
“reformar”, reenquadrar o currículo numa perspectiva pedagogicamente mais
consequente com o que se deve entender por educação.
Os resultados desse
inquérito foram objecto de publicação em Relatório circunstanciado. O então
Departamento da Educação Básica publicou vários pequenos livros sobre o tema
(por exemplo, Gestão Curricular.
Fundamentos e Práticas, da autoria de Maria do Céu Roldão), mas outros
surgiram, patrocinados por editoras, que promoveram acções de formação em todo
o país.
Logo após a
divulgação do Relatório o Ministério da Educação decidiu a abertura de um
relativamente largo período de “experimentação” (as aspas indicam que não teve
nunca as características de uma verdadeira experimentação, mas serviu para se
poderem tirar conclusões credíveis) que ocorreu entre 1998 e 2001. Foi criado
um “Conselho de Acompanhamento do Desenvolvimento dos Projectos de Gestão Curricular
Flexível”, representativo
de diversas instâncias educativas, que desde 1997-98 a 2000-2001, esteve atento
às várias escolas que se dispuseram a flexibilizar o currículo, apresentando-se
a concurso. Em 1997-1998 o projecto foi implementado em apenas 10 escolas; em
1998-1999 o número de participantes foi 39; e as escolas interessadas foram
aumentando, 93 em 1999-2000 e 187 em 2000-2001.
Na altura, as
opiniões de professores e técnicos da educação dividiam-se: havia quem tivesse
aderido convictamente ao projecto e quem duvidasse da sua exequibilidade.
Incluía-me no grupo dos primeiros. Estava – e estou – completamente de acordo
com colocar nas mãos dos professores (podia escrever das escolas, mas prefiro
ir direito aos executantes principais) a gestão pedagógica das aprendizagens
dos seus alunos.
Entretanto, o
Ministério da Educação, baseado nos indicadores obtidos, publica em Janeiro de
2001 a legislação que contempla a reorganização curricular dos ensinos básico e
secundário. No caso do ensino básico, o currículo é entendido como o meio de os
alunos adquirirem as competências que lhes permitam aprender ao longo da vida,
através das diferentes linguagens – as línguas, a matemática, a gestual, a
estética – mas também que aprenda a ser cidadão e a obter a informação
necessária para aprender. Por isso surgem novidades como a criação de áreas
curriculares não-disciplinares, Projecto,
Estudo Acompanhado e Formação Cívica,
bem como a sugestão de formações transdisciplinares, com especial relevo para a
Educação para a Cidadania e para as Tecnologias da Informação e Comunicação. Foram
também introduzidas actividades de complemento curricular (como o Inglês no
caso do 1º ciclo).
O Departamento de
Educação Básica publica, entretanto, dois livros, em 2001 e 2002, ambos com o
título Gestão Flexível do Currículo,
o primeiro com o subtítulo Escolas
Partilham Experiências, e o segundo com o subtítulo Reflexões de Formadores e Investigadores. Os textos, de um modo
geral, avalizavam a decisão tomada.
Estávamos, no
entanto, num período conturbado: em Dezembro de 2001 a demissão do governo vai
levar a uma mudança política e quando, em Abril de 2002, o novo governo toma
posse, o Ministro designado, David Justino, ainda que não tenha revogado
legislação, mostrou claramente que não era a favor do que se estava a construir.
E sem apoio do Ministério pode dizer-se que aí acabou o projecto da gestão
flexível do currículo. O óbito só foi lavrado em 2012, com a publicação do
Decreto-Lei nº 139/2012, de 5 de Julho.
O retomar de
princípios que restituem às escolas e aos professores a gestão curricular, o
que não sendo tarefa fácil é uma tarefa nobre, própria de profissionais, mesmo
que tenha ressuscitado a ira dos que pensam a educação como o puro acto de
transmissão de conhecimentos, dá-nos esperança que desta vez não se perca a
oportunidade de assumir a educação como um processo global, o que cada vez mais
se torna imprescindível num mundo que está a mudar muito mais depressa do que o
que pensávamos há vinte anos.
Reparei que, ao
começar a escrever este texto, coloquei no título um ponto de interrogação.
Novidades? Bom, em parte.
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