Tom
Nichols publicou The death of expertise
em 2017, depois do Brexit e da vitória de Donald Trump. Para Nichols, a morte
da expertise não é sinónimo de um
saudável cepticismo em relação aos especialistas. A morte da perícia é, antes de
mais, um rancor ou ressentimento dos leigos para com os especialistas. Nesta
fase pós-industrial, todos os cidadãos acreditam ser especialistas em tudo e
mais alguma coisa.
Perante
a morte da perícia, a explicação recorrente é acusar a internet. De facto, a
internet é um extraordinário repositório de conhecimento e, ao mesmo tempo, uma
fonte de conhecimentos errados. Mas esta explicação é demasiado simples. Os
ataques ao conhecimento estabelecido têm uma longa história. A internet é
apenas o elemento mais recente num problema com raízes profundas. Assim, além
da internet, Nichols identifica mais três grandes causas da morte da perícia:
as fraquezas humanas (a aversão à ambiguidade e à dissonância; a crença,
bastante enraizada, num mundo ordenado) que nos levam a cometer erros
sistemáticos (enviesamentos); a educação; e o novo jornalismo.
A
educação poderia ser a solução de problemas como o “enviesamento da
confirmação” ou das falhas e lacunas de conhecimento dos cidadãos. Infelizmente,
a educação faz hoje parte do problema. O estudante é tratado como um cliente. O
cliente paga e tem sempre razão. Esta tendência gerou efeitos altamente
perversos. A necessária humildade do bom estudante deu, muitas vezes, lugar a
uma arrogância sem fundamento, acompanhada de um conhecimento ilusório. Os
estudantes não desenvolvem hábitos de autocrítica que lhes permitam continuar a
aprender e a avaliar as complexas questões sobre as quais terão de deliberar e
votar como cidadãos.
Por
fim, os jornalistas profissionais enfrentam novos desafios na era da
informação. No meio altamente competitivo dos media, os editores e produtores não têm mais a paciência – ou os
meios financeiros – para permitir aos jornalistas desenvolverem a sua própria
perícia ou um conhecimento mais profundo dos assuntos. Para mais, não há sequer
provas de que a maioria dos consumidores esteja interessada em muitos detalhes.
E as pessoas envolvidas na indústria das notícias sabem hoje que, se as
reportagens não entreterem o suficiente, o público pode facilmente encontrar
outras com um simples clique.
O
desprezo pelos especialistas está a minar a democracia, conclui Nichols. Os representantes eleitos não podem
dominar todos os assuntos e, por consequência, irão precisar sempre dos
especialistas e de outros profissionais. Os especialistas aconselham; os
líderes eleitos decidem. Para julgar o desempenho dos especialistas e as
decisões dos políticos, os cidadãos devem familiarizar-se com os assuntos em
questão. Tal não significa um estudo profundo sobre as políticas, mas exige
interesse em obter uma literacia básica nos assuntos que afectam as suas vidas.
Quando
os cidadãos se afundam na ignorância, perdem o controlo das decisões importantes.
Pior, a democracia pode ser sequestrada por demagogos ignorantes ou as instituições
democráticas podem, paulatinamente, cair na decadência. A democracia pode transformar-se
numa tecnocracia autoritária. E este último ponto leva-nos ao "elitismo" - uma espécie de populismo virado do avesso - e ao
livro “Against democracy” do cientista político norte-americano Jason Brennan
de que falarei noutra oportunidade.
Não haverá uma possibilidade adicional - que é a "perícia" ter morrido num acidente com ela ao voltante? Isto é, que um conjunto de decisões aparentemente erradas tomadas por alegados peritos tenha posto em causa a credibilidade dos peritos em geral? Exemplos - guerra do Iraque e talvez a crise económica de 2008 e as suas sequelas.
ResponderEliminarJá agora, é um bocado forçado meter a eleição de Trump na narrativa - é verdade que é popular (tanto entre entusiastas como criticos) apresentar a vitória de Trump como uma revolta das "pessoas comuns" contra o "establishment", mas a verdade é que Trump foi eleito graças a um mecanismo constitucional criado para o presidente ser eleito por pessoas qualificadas e ponderadas e não pela populaça num momento de euforia momentânea; e o que aconteceu foi que as supostas "massas ululantes" votaram na Hillary Clinton (ou, pelo menos, mais nela que em Trump) mas o orgão de pessoas supostamente ponderadas e informadas elegeu Trump (ok, é verdade que o Colégio Eleitoral nunca funcionou como os Fundadores esperavam, e sempre foi mais uma forma particularmente complexa e quase-aleatória de ponderar votos populares em votos eleitorais do que um grupo de pessoas qualificadas e pestigiadas deliberando pacientemente quem será o melhor presidente, mas é revelador de como os filtros para limitar os excessos democráticos podem não ter o efeito previsto).
Tens razão, aliás o Nichols também menciona essa como uma das causas da morte da perícia: os erros notórios dos especialistas, as mudanças de opinião deles ao longo dos tempos (por exemplo, o que dizem sobre os alimentos varia, o que gera confusão e um natural cepticismo junto dos leigos), já para não falar conhecidos casos de fraudes académicas. De qualquer maneira, para Nichols, o ponto é que, em princípio, um especialista - ou seja, alguém com muitos anos de estudo, experiência e reconhecimento entre os pares numa determinada matéria ou área (a definição de especialista levava-nos a outra discussão) - sabe mais do que um leigo, as suas opiniões são mais competentes - diga-se que isto também é muito discutível nalgumas situações, nomeadamente em eventos que decorrem em tempo real, e por exemplo, autores como Philip Tetlock dizem que não há nenhum motivo para acreditarmos que as estrelas da universidade ou os colaboradores de revistas académicas de referência sejam melhores do que um jornalista ou leitor atento do New York Times na leitura de situações emergentes. Bem, o meu comentário já vai longo ...
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