The Act of Killing (2012) de Joshua Oppenheimer e
de um anónimo é o documentário mais perturbante que vi até hoje. Oppenheimer
filma encenações dos próprios carrascos das execuções que fizeram 50 anos antes
na Indonésia. Em 1965-1966, o general Shuarto, apoiado pelos EUA, comandou um
golpe para derrubar os comunistas. Fala-se no massacre de 1 milhão de
comunistas, muitos de origem chinesa. Os carrascos são hoje heróis nacionais e
muitos estão no poder. Mataram com as próprias mãos centenas e centenas de
comunistas. Não se vê qualquer arrependimento do que fizeram. Estavam a salvar
o país e hoje fariam tudo na mesma. O regime continua, aliás, a louvá-los e a
homenageá-los sem cessar. Muitos não escondem inclusive o prazer que as
matanças lhes davam. Brincam com o sofrimento das vítimas. A personagem
principal, Anwar Congo, um gangster (significa homem livre, dizem eles amiúde)
muito temido nessa época, no fim diz sentir-se um bocado mal. As encenações das
execuções trouxeram-lhe de volta os mortos e esse não era um sentimento
agradável para ele. Ao mesmo tempo, muitos desses carrascos parecem pessoas
simples, normais, alegres, gostam de cantar e dançar. O que me perturbou foi
perceber que, vivessem eles noutro contexto, e teriam sido, provavelmente,
apenas uns tipos porreiros, bons pais de família e cidadãos exemplares.
Foi isto que Hannah Arendt percebeu quando, no início dos
anos 60, assistiu ao julgamento de “Eichmann em Jerusalém”. Eichmann era um
homem bastante inteligente e, ao mesmo tempo, profundamente estúpido na medida
em que não era capaz de perceber o que se passava com as pessoas à sua volta. O
seu pensamento reduzia-se a clichés, que são o conforto do mal como escreveria
Arendt. A banalidade do mal é isso. A suspensão do
pensamento, a superficialidade. A mente povoada de lugares-comuns torna os seres humanos mais
propensos a ceder ao mal. Eichmann era um tipo vulgar, como muitos que
conhecemos. Não era um ser demoníaco, como muitos o preferiam pintar. Arendt
descobriu uma coisa terrível. Uma das origens do mal é a superficialidade, a
estupidez e os lugares-comuns que lhe estão atrelados. À época, essa "descoberta" perturbou
imenso, em especial a comunidade judaica, e Arendt pagou um preço elevado. Foi
ostracizada. Quase 60 anos depois, a forte intuição de Arendt continua a
perturbar. The Act of Killing é uma prova disso.
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