terça-feira, 5 de junho de 2018

Uma velha crença

Foi George Orwell quem cunhou o termo “novilíngua” (newspeak) no seu arrepiante retrato de um estado totalitário em "1984". A novilíngua ocorre sempre que a função fundamental da linguagem – descrever a realidade – é substituída pela função rival que é a de exercer poder sobre a realidade. Mas o aprisionamento da linguagem pela esquerda é muito anterior a Orwell. Como relembra Roger Scruton no seu “Tolos, impostores e incendiários”, tudo começou com a revolução francesa e os seus slogans. A partir daí, nunca mais a esquerda dispensou os rótulos para estigmatizar os inimigos. A lista é extensa. Fascista, social fascista, revisionistas, negacionistas (este é mais recente), desviacionistas, esquerdistas infantis, socialistas utópicos, etc.. Um marco importante nesta história é o II congresso do partido trabalhista social-democrata russo de 1904. O grupo catalogado como mencheviques (minoria) era na realidade a maioria. A cristalização da mentira e o seu sucesso convenceram os comunistas de que podiam mudar a realidade com palavras. Se gritarmos muitas vezes “fim do capitalismo”, o capitalismo acaba. Se insistirmos muito na revolução do proletariado, o proletariado acabará por se erguer das brumas e defenestrar o inimigo, os "burgueses”. E por aí fora. No fundo, o politicamente correcto é mais uma expressão dessa crença no poder das palavras que sempre acompanhou a esquerda. 

6 comentários:

  1. Ah, é só a esquerda... interessante

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  2. Não estará o ponto de vista de J C Alexandre um pouco demais voltado para um lado?
    Nos EUA a palavra socialista é tida e vendida como comunista, a social-democracia uma espécie de comunismo disfarçado.
    Milenarmente, judeu, foi e continua ser, tido como um tipo indesejável. Hitler subjugou os alemães em geral usando os judeus como inimigo a erradicar da face do planeta ..

    Não há questões filosóficas, há questões de linguagem, considerou wittgenstein.
    É com palavras que os homens se desentendem e depois se matam uns aos outros.
    A palavra é um dom e uma arma da espécie humana que a tornou dominante mas pode acabar com ela.

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  3. "Como relembra Roger Scruton no seu “Tolos, impostores e incendiários”, tudo começou com a revolução francesa e os seus slogans. "

    Se "relembra", "relembra" mal - até parece que o uso da linguagem para fazer propaganda não é tão antigo como a humanidade.

    Alguns exemplos - tantos os derrotados no Concilio de Calcedónia como, uns séculos depois, os que se puseram ao lado do Patriarca de Constantinopla contra o Papa de Roma se chamam a si mesmo "ortodoxos", ou seja, autoproclamam-se como os defensores da linha correta (o que nalguns países do médio oriente pode dar confusão, já que há dois cristianismos ortodoxos em paralelo); já agora, os seus opositores chamam-se a si mesmo de "igreja universal" ("católica"), ou seja proclamam-se como sendo "a igreja" e não uma de várias; e que dizer dos "evangélicos" - será que são os únicos cristãos que evangelizam ou se regem pelos evangelhos? Ou seitas como os Ahl e-Haqq (literalmente "o povo da Verdade")? E os cátaros (os "puros")? E todas as guerras religiosas (ou simples tensões sem se chegar à guerra) em que cada lado designa os outros por "infiés" (e em inglês, "unbelievers", acho que ainda é pior)? Ou "pagãos" para as religiões não-abrâamicas (que quer dizer "são do campo", mesmo quando alguns "pagãos" eram da elite intelectual do império romano)?

    Ou os gregos e romanos que chamavam os outros povos de "bárbaros" (palavra que originalmente singificava "falam uma lingua que não se percebe nada")? E que por vezes se insultavam uns aos outros também se chamando de "bárbaros" (mesmo percebendo a língua)? Ou os povos (dos francos aos tuaregues) que se autonomeavam a si próprios como os "livres"?

    Ou os nomes dos partidos políticos ingleses, que começaram com insultos que cada um dava ao outro ("tories" - "bandoleiros"; "whigs" - mais ou menos "pastores", também com a conotação de semiprimitivo das montanhas)?

    Praticamente, desde que há conflitos (armados ou apenas mentais) que há a tradição de dar nomes pejorativos ao lado oposto e nomes valorativos ao nosso lado.

    E a direita também não disse desde sempre "jacobinos", "maçons", "comunistas" (ou "comunas"), "subversivos", (e nos EUA "liberals", "outside agitators" ou "ACLU card carrying members") etc. para designar os adversários (mesmo quando estão não o eram - tal e qual como a esquerda com os "fascistas" ou "reacionários")? Já que estamos no Orwell, temos o paradoxo que este identificou em Espanha, da imprensa conservadora inglesa estar a falar dos "comunistas", dos "Vermelhos", dos "bolcheviques", etc. quando o PC espanhol até era o menos revolucionário das forças republicanas.

    Mais recentemente começou a ser usado entre os liberais "estatistas" (quando na verdade ninguém é "estatista"; quem defende a intervenção do Estado para atingir um objetivo por norma é completamente contra intervenções em sentido contrário) ou, nos meios "Dark Enlightenment", o "demótico" (para se referir, não a uma antiga escrita, mas a um conceito que agrupo simultaneamente as democracias representativas, a Alemanha nazi, os regimes comunistas e talvez mais qualquer coisa). E "pseudo-intelectuais" também me parece mais usado à direita do que à esquerda.

    E, não em termos depreciativos (ou com a intenção de o serem) para os adversários, mas de supostos preciativos para os próprios, temos "legitimista".

    E, já agora, o que dizer do famoso binómio "terroristas"/"guerrilheiros", usado por todo o espetro político?

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  4. E já me ia esquecendo de todos os "partidos populares" da direita (que fazem companhia às "repúblicas", "frentes" e "forças" da esquerda).

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  5. Coloquei comentário que não foi publicado.
    Cometi algum erro?

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  6. Eu fiz uns comentários que parecem ter ficado pendurados.

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