Verdade que, aqui e acolá, transparece no documentário um certo desprezo e paternalismo dos ingleses em relação aos portugueses - somos pobres, os polícias andavam mal-vestidos, eram poucos profissionais, gostavam era de grandes almoçaradas, como, aliás, logo à época vários jornais britânicos acusaram. Acho até que têm razão nalgumas críticas aos métodos da Polícia Judiciária, que nós, na altura, gostávamos de acreditar que era a melhor do mundo - sempre achei uma treta sem pés na cabeça a tese de que os portugueses têm falta de auto-estima; nós somos "os melhores do mundo", como não se cansa de dizer o nosso querido e muito amado "Presidente dos afectos".
Dito isto, passado todo este tempo, continuam a chocar-me algumas coisas. Como é que os pais deixaram três crianças com menos de três anos a dormir sozinhas num quarto, enquanto jantavam tranquilamente num restaurante a dezenas de metros de distância? Pelos vistos, é uma prática normal entre os britânicos. Não há volta a dar. Este é um comportamento considerado bárbaro pelos nossos padrões, e ainda bem. Segundo, impressiona-me o impulso dos pais - um casal de médicos de Leicester - de chamar de imediato a comunicação social - ao que parece, antes de chamarem as próprias entidades policiais. Há muito a dizer sobre isto. Parece-me, antes de mais, um sinal de uma sociedade corrompida durante muito tempo por um jornalismo tablóide e por uma classe política rendida ao espectáculo e aos faits-divers – eram os anos áureos de Tony Blair e do seu amigo Rupert Murdoch. Quem se envolve com os media está a enfiar a cabeça na boca de um tigre com dentes bem afiados. Os heróis passam a vilões num piscar de olhos. Apresentados numa primeira fase como vítimas pela comunicação social, os McCann rapidamente foram vilipendiados e achincalhados por meio mundo. Por azar, esta tragédia coincidiu com o advento das redes sociais, onde os trolls puderam aliviar-se de todo o seu ódio em cima do casal. Hoje, os McCann devem estar arrependidos dessa imprudência. Ainda por cima. em vez de ajudar, os media podem antes ter - nalgumas fases, pelo menos - prejudicado a investigação.
Entretanto, os McCann processaram vários órgãos de comunicação social e apelaram a um debate sobre o papel dos media na sociedade. Há 100 anos, o jornalista e analista norte-americano Walter Lippmann explicou que os jornalistas se interessam por aquilo que acham que interessa ao seu público. Neste particular, nada mudou. O público quer boas histórias, e não se pode desiludir o público.
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