São nove horas. Há
um silêncio de domingo. E é quarta-feira. Há cinco anos que moro aqui – numa avenida
onde há trânsito intenso às horas de ponta, que, apesar das janelas com vidro
duplo, se apercebe claramente dentro de casa. E hoje, como há dias, não. Fui há
pouco à janela: a avenida está praticamente sem trânsito (descem três ou quatro
carros, sobem um ou dois). No passeio que posso ver ninguém sobe ou desce. Pensava,
nestes últimos dias, que quase não passavam ambulâncias. Mas não é verdade:
elas continuam a passar, que este é caminho natural para Santa Maria; só que não
precisam de sirene porque têm a via desimpedida. No céu, nada de aviões que
demandam o aeroporto, que dista escassos quilómetros da minha casa: desde há
dias tem sido um sossego. De algum modo poderia dizer que a vida, se não parou,
está em pausa, em Lisboa. É estranho.
A esta hora eu
costumava sair para fazer a minha caminhada diária, mais ou menos cinco quilómetros,
pelas redondezas: Campo Grande, Alvalade, Avenidas do Brasil, de Roma, da República,
Saldanha… faço isto há quase cinco anos, para não enferrujar. Pois é. Há uma
semana pus de parte este hábito que me ajudava a equilibrar o peso. Compreendi
que o devia fazer, sou um dos cidadãos com risco elevado face à epidemia, e
ainda que não me pareça que as minhas caminhadas fossem muito susceptíveis, por
si só, de serem perigosas, senti que devia aceitar o “mais vale prevenir…”
Para além dessa
hora, hora e pouco, de caminhada, eu estava em casa. Por isso esta clausura, que
sinto e aceito agora obrigatória, não me custa muito. Tenho sempre com que me
entreter, há muito tempo que ando a organizar papéis, transformando-os em pdf, e
continuo a escrever. Passo os olhos por alguns jornais na Net e visito dois ou
três blogs que estimo. Vejo alguns programas de televisão e, recentemente,
recomecei a usar o leitor de DVDs, revendo alguns que há muito estavam em
pousio.
Estou preocupado?
Como diria o nosso Primeiro Ministro, “vamos lá ver…” Nem eu nem ninguém teve
uma experiência igual, porque a grande epidemia mundial, a “nossa” pneumónica,
ou febre espanhola para a maior parte, foi há cem anos, e mesmo os centenários existentes
seriam muito crianças para terem memória directa desses tempos. Eu tive relatos
dos meus pais, que eram jovens na altura e, felizmente, não foram afectados pela
doença – e contaram-me coisas terríveis. Esta pandemia, a Covid-19, é na
verdade algo muito sério, e que, penso, só não será ainda mais sério por ter
surgido quando a humanidade já dispõe não só de conhecimento prévio como de
condições científicas e técnicas de eleição. Por isso, apesar do ritmo assustador
a que a doença se espalha e das situações tão graves e tão próximas da Itália,
da Espanha, e de outros países, creio que iremos vencer a crise – e por isso
estou apenas moderadamente preocupado.
Contudo, talvez
levado pelas análises de economistas, que têm a obrigação de saber do que falam
ou escrevem, o que me preocupa verdadeiramente é o “depois” da pandemia. E não
só em termos económicos, que podem de facto ser muito, mas muito sérios, mas
pelo que eles podem trazer a reboque – desestabilização social e política a diversos
níveis. Ninguém quererá regressar a tempos bem próximos. A incerteza agrava a
preocupação. Como estaremos nós, que seremos nós, daqui a três meses? No Natal?
Por isso deixei
aqui estas linhas, para memória futura.
Caro Candido,
ResponderEliminarEssas perguntas finais pode por num lindo postal e enviar com lacinho aqui para alguns dos seus colegas de blog que advogaram anos a fio a depauperizacao dos servicos publicos, a precarizacao das relacoes laborais, a privatizacao de sectores chave da economia, a subserviviencia economica/politica/intelectual aos ditames da UE.
"Afenal":
- parece que um servico publico, universal de saude e capaz de ter beneficios superiores aos seus custos
- parece que os sectores privados da economia nao tem capacidade de coordenacao necessaria para lidar com o que ai vem
- parece que certas "cenas" como: subsidio de desemprego, subsidio de baixa medica, seguranca social financiada em regime contributivo sao capazes de ser uteis nos tempos que se avizinham...
- parece que a UE nem consegue coordenar centralmente o fecho do Espaco Shengen (foi preciso os Estados-membros unilateralmente fecharem as suas fronteiras antes da UE, a contra-gosto finalmente fazer qualquer coisa
- parece que a UE nao e capaz de se organizar para criar um pacote de ajuda financeira aos estados membros de jeito... os EUA aprovam um estimulo no valor de 10% do PIB americano, a UE aprovou umas coisas no valor de 0,30? 0,40% do PIB da UE?
- parece que na Europa quem quer organizar a economia, o melhor que tem a fazer e esperar que a UE nao atrapalhe e tratar da sua vidinha.
parece, mas ai os economistas encartados, comentadores profissionais da nossa praca concerteza que nos vao explicar depois de amanha porque e que (mais uma vez) a teoria economica deles nos deixou atolados uma vez mais ontem.