domingo, 23 de setembro de 2012

Distribuição de sacrifícios em democracia


Um anónimo abaixo pergunta-me implicitamente se não seria melhor a proposta do Governo para a TSU do que a mais do que provável alternativa de retirar um salário a todos os trabalhadores, que não será entregue às empresas.
De facto, desde 2011, a muitos funcionários públicos já retiraram 3 (TRÊS) salários e os resultados para a consolidação orçamental são decepcionantes, bem como para o emprego (aqui, apesar de tudo, expectáveis).
Sendo obrigado a tornar os sacrifícios mais equitativos, será difícil ao Governo escapar a uma medida que retire um salário aos trabalhadores do sector privado. Esta teria sido a medida mais adequada no orçamento para 2012. Teríamos tido mais exigência de toda a sociedade em relação à redução da despesa pública. Se essa tivesse sido a opção, a melhoria das nossas contas externas teria sido verdadeiramente espectacular (infelizmente, não tenho a certeza em relação à redução da despesa pública). Com a opção do Governo em retirar dois salários à função pública (a somar ao que tinha retirado a muitos funcionários públicos em 2011) e não tributar o rendimento dos trabalhadores do privado houve uma larga parte da população portuguesa (a que não perdeu o emprego, nem viu o salário reduzido) para quem 2012 foi um ano 'normal'. E isso não é normal quando vivemos a mais grave crise do pós- 25 de Abril.
Um dos graves erros da proposta de alteração da TSU pelo Governo era precisamente propor a transferência de rendimento directamente dos trabalhadores para os proprietários da empresa. O Governo não ter fundamentado as vantagens que daí poderiam decorrer em termos macroeconómicos foi um erro crasso. Não perceber as consequências dessa medida para a paz social é simplesmente cegueira, que nos deve deixar a todos muito preocupados.
O Governo tem dois problemas muito difíceis pela frente: consolidação orçamental, num contexto de grave recessão e desemprego galopante. O Governo quis com uma medida atacar os dois problemas. No entanto, não conseguiu convencer ninguém da sua benignidade em relação a qualquer deles. Essa persuasão faz parte das regras no processo de decisão das políticas económicas num regime democrático (mesmo que intervencionado pela troika).

Em relação à pergunta concreta que o anónimo me faz: acho que, para esse caso como para o dos efeitos da medida proposta para a TSU, devemos todos fazer essa pergunta ao Banco de Portugal, que certamente estimou os efeitos das várias alternativas. Infelizmente, não conhecemos os resultados...

5 comentários:

  1. Caro Fernando Alexandre,

    Como me parece uma resposta bastante parva, a dada pelo seu amigo Luís Aguiar-Conraria, nem a vou comentar.
    Quanto a eu não ter “assinado” o meu comentário, chamo-me Rui Carvalho. Conhece? Faz diferença? Se não querem que se use o “anónimo”, retirem essa escolha. A maior parte das pessoas apenas a usa porque é a mais prática.
    Em relação à sua resposta, três pontos:
    1º As medidas de austeridade podem retirar dinheiro aos trabalhadores para ser entregue ao Estado. Nunca às empresas! Os portugueses que chamam ladrões e corruptos aos governantes, são os mesmos que que lhes querem entregar o dinheiro para eles se governarem. Muito bem visto!
    2º Equidade entre sector privado e público. Correcto! Podemos começar por exigir leis do trabalho iguais para todos! Só assim há equidade! Será que os sacrifícios têm de ser para todos, mas as regalias não?
    3ºNo meu comentário anterior apenas era formulada a seguinte pergunta: “Já agora, pergunto aos académicos que fizeram o estudo sobre o impacto das alterações da TSU no emprego: qual será o impacto no emprego de retirar um salário por inteiro aos trabalhadores, sem qualquer benefício para as empresas?”
    O Banco de Portugal que responda. Percebi…

    Ao tentar enviar este comentário reparei que já tinham retirado a opção de “anónimo”.
    Infelizmente continua a dar-se mais importância à forma do que ao conteúdo…

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  2. Sugiro uma sondagem: a casais ambos funcionários públicos em 2010, e a casais ambos trabalhadores do privado em 2010.

    Contabilizando despedimentos, não renovações, lay-offs, falências, retirada de vários benefícios, etc, acredito que o ano de 2012 terá sido muito mais "normal" para os funcionários públicos que para os do privado.

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  3. @ Rui Dantas
    essa interpretação, em que se 'agrega' o bem-estar daquelas duas 'classes', não faz sentido. todos os que têm rendimento devem contribuir para o processo de ajustamento. Como lhe disse muitos funcionários públicos perderam bem mais de 3 salários nos últimos dois anos. e aceitaram. o que é difícil de aceitar é que uma parte da população não seja incluído nesse esforço. é isso que está em questão neste momento. e se o Governo não perceber isso, tenho a certeza que isto vai correr muito mal. vai ser um ajustamento altamente disruptivo.

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  4. @Rui Carvalho,
    é verdade que é muito mau termos de corrigir o défice recorrendo a mais tributação. até pelos resultados que já conhecemos para este ano.
    Mas há muitas empresas que também não merecem receber essa transferência de rendimento. Não chegámos aonde chegámos apenas em resultado das asneiras do Estado. Há muita responsabilidade do lado das empresas, com destaque para o sector bancário. e as empresas do sector dos não-transaccionáveis eram as que mais iriam beneficiar da medida proposta pelo Governo.

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  5. @Fernando Alexandre,
    Vou tentar explicar melhor. Os trabalhadores privados que continuaram a ter emprego em muitos casos já perderam salário: empresas em lay-off, ou salário variável que deixaram de ter (ou porque não se consegue hoje em dia cumprir objectivos, ou simplesmente porque a empresa acabou com isso), outras regalias que se foram cortando. Dos que perderam emprego, se conseguiram outro estarão agora a receber talvez metade do que recebiam antes. Ou estão alguns meses empregados e outros desempregados (e também esses pagariam 18% SS). E, pela minha experiência, é muito frequente num casal ser ambos funcionário públicos ou ambos privados. No caso dos privados, se um dos dois tem (ainda) tido sorte, o outro provavelmente não.

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