Pedi ao meu colega de Finanças, Artur Rodrigues, que escrevesse um texto sobre os swaps, para ajudar a perceber a embrulhada em que estamos.
Sobre os swaps
Artur Rodrigues
Nos últimos meses tem ocorrido em Portugal uma polémica mediática em torno do uso de contratos swaps por parte de várias empresas públicas. Não conhecendo em detalhe os contratos celebrados, não será exagerado supor que uma boa parte da polémica resulta do desconhecimento, dos jornalistas e do público em geral, sobre este tipo de contratos. A questão de fundo é saber se estas empresas deveriam ter recorrido a estes contratos. Mas antes mesmo de responder a esta questão, há duas questões prévias:
- Devem as empresas públicas endividar-se?
- Devem estas empresas financiar-se a taxas fixas ou a taxas variáveis?
Para responder à primeira questão, a teoria financeira divide-se entre os que argumentam sobre a irrelevância da estrutura de capitais das empresas e aqueles que sugerem a existência de uma estrutura ótima, em resultado de um trade-off entre os benefícios e os custos de um maior endividamento. O benefício principal advém da poupança de impostos resultante dos juros e os custos estão associados aos problemas de tesouraria e aos custos de falência da empresa. Ora no caso das empresas públicas, o benefício fiscal é irrelevante dado ser o Estado o acionista. Tal sugere que as empresas públicas não devem ter qualquer endividamento. É certo que alguns argumentarão que o endividamento poderá ajudar e reduzir os custos de agência, mas porventura essa "disciplina" poderá ser exercida por via indireta através do acionista Estado. Então porque se endividam (e bastante) estas empresas? Não vejo outra razão senão as regras de vigilância orçamental que permitem "esconder" o endividamento do Estado nestas empresas.
A resposta à segunda questão é bem mais fácil. O endividamento a taxas fixas ou a taxas variáveis é, em princípio, indiferente. Pressupondo a ausência de oportunidades de arbitragem, as duas taxas são equivalentes.* Há quem sugira, no entanto, que se a volatilidade dos fluxos de caixa implicar um custo (de falência ou dificuldades financeiras) as empresas com uma correlação positiva (negativa) entre os fluxos de caixa operacionais e as taxas de juro devem financiar-se com taxas variáveis (fixas).
Finalmente, a resposta à questão inicial. Devemos, em primeiro lugar ter presente que os contratos derivados (entre eles os swaps) são ativos financeiros redundantes. Um swap simples ("plain vanilla") de taxas de juro é um acordo de troca de taxas de juro fixas por variáveis (ou vice-versa). Um dos três mercados (taxa fixa, taxa variável e swap) pode ser criado "sinteticamente" com uma combinação dos outros dois. Em segundo lugar devemos ter presente que um swap tem um valor nulo quando é contratado. Ao longo da duração do contrato o seu valor variará de acordo com a evolução das taxas de juro, podendo ser positivo ou negativo. Estes dois factos e a respostas às duas questões prévias, permitem-nos afirmar o seguinte:
- O uso de swaps poderia ser justificado pelo facto de um dos mercados ser menos líquido (é o caso por exemplo do mercado da dívida pública a taxa variável, dado que tradicionalmente a dívida pública é emitida a taxa fixa), e o swap permitir o financiamento a taxa variável.
- As regras de vigilância orçamental serem menos “apertadas” quando o financiamento se faz originalmente num dos tipos de taxa e depois se usa o swap para a converter na outra, do que se o financiamento fosse feito diretamente no outro tipo de taxa. O uso de swaps por parte da Itália e da Grécia há vários anos atrás explorou esta lacuna... com o resultado que se viu.
Nesta entrada ignoramos, propositadamente, entre outras, as seguinte questões: o uso de swaps exóticos e os benefícios privados resultantes da sua contratação.
* Note-se que equivalente não quer dizer igual. Estão em equilíbrio. Ou, dito de outra forma, sendo diferentes, não é possível dizer, a priori, qual das duas é mais vantajosa.
"Devem as empresas públicas endividar-se?"
ResponderEliminarDepende do objectivo pretendido.
Se a intenção é ludibriar as regras de equilíbrio orçamental, o endividamento das empresas públicas, das câmaras municipais, ou quaisquer outros institutos públicos com "autonomia financeira" suportada em última instância pelo dinheiro dos contribuintes, o "veículo" é excelente até ao momento em que se estampa ... e nos mandam a conta a casa.
Excluo, evidentemente, as empresas públicas sob a forma de sociedades anónimas que
não se encontrem encostadas ao OE e relativamente às quais deve ser admitida a eventual possibilidade de falência e restringida as responsabilidades do Estado ao capital subscrito.
Se, pelo contrário, a intenção de controlo das contas públicas é séria,a dívida pública deve ser gerida exclusivamente pelos departamentos competentes (supõe-se que sejam) do governo central.
A propósito deste tema, ocorre-me que o FT publicou nestes últimos dias artigos sobre as perturbações observadas na Ásia, e no Brasil, em consequência da anunciada decisão da Fed reduzir a política de expansão monetária.
E, espantosamente, ou talvez não, descobriu-se que a China atingiu um nível de endividamento preocupante, para os chineses, e não só.
Como é que isto pode ter acontecido? Por várias razões mas também porque a nível das administrações locais (proibidas de contrair empréstimos) foram concebidos "veículos de endividamento" que contrataram empréstimos com os bancos e financiaram as obras, de cimento, claro, com que colocaram os municípios em situação de suspensão de pagamentos.
Na edição de anteontem, o FT ilustrava as manobras com um esquema.
Não há nada de verdadeiramente novo ao de cima da terra, incluindo o império do meio.