sábado, 30 de novembro de 2013

Cair na real

Como alguém escreveu, Bernardino Soares teve de chegar a Presidente da Câmara de Loures para perceber o significado de “não há dinheiro”. Enquanto admirador da democracia norte-coreana e líder da bancada parlamentar dos comunistas, o bom do Bernardino parecia acreditar que a “austeridade” era apenas uma grande mentira, uma manipulação orquestrada pelos “especuladores”, um pretexto para os malévolos dos “neoliberais” cortarem nos direitos dos portugueses. Bernardino parece ter caído na real e, contra tudo o que manda a sua cartilha, terá de (segurem-se) cortar na despesa.
Muitos acreditaram que as eleições de Setembro na Alemanha marcariam um ponto de viragem da política europeia (leia-se: os alemães abririam finalmente os cordões da bolsa aos países do sul). Ao fim de mais de dois meses de negociações, parece que a CDU lá se conseguiu entender com o SPD. Não há nada no acordo anunciado que dê sinais de qualquer inflexão no caminho até agora seguido. Para quem não andasse dormir ou não acreditasse em histórias da carochinha, este desfecho era mais do que expectável. A necessidade de “poupanças” (é assim que os alemães designam a “austeridade”) é consensual na sociedade alemã e só um partido com instintos suicidas iria contra esse sentimento.
Esqueçam portanto os eurobonds e quejandos. Ao contrário do que nos dizem os Bernardinos deste mundo (antes de assumirem funções executivas, claro), a “austeridade” não é uma opção ideológica, é uma fatalidade. A alternativa não é sobre se se deve ou não cortar na despesa do estado, a alternativa é sobre onde e como se deve cortar. Era bom que começassem, finalmente, a surgir "verdadeiras alternativas".

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Números de um desequilíbrio

De acordo com a Lei de Bases do Sector, o Sistema de Segurança Social compreende duas grandes áreas:
I – O Regime Geral da Segurança Social, subdividido em dois regimes, o da Previdência e o dos não contributivos;
II – O Regime Especial dos Funcionários Públicos, que também inclui dois regimes, o das pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA) e o da protecção na doença - a assistência na doença aos servidores do Estado (ADSE).
Em 2011, o subsistema previdencial de repartição da Segurança Social teve como receitas (contribuições dos trabalhadores e patrões) 13 757 milhões de euros e pagou de pensões 10 829 milhões de euros, mais 2 984 milhões em subsídios de desemprego, doença e parentalidade, o que perfaz cerca de 300 milhões de euros de saldo positivo. Uma parte deste dinheiro é canalizado para um subsistema de capitalização, que, em 2011, rondava os 10 mil milhões de euros, o suficiente para pagar 9 meses de pensões no caso de algum imprevisto.
Até aqui tudo aparentemente bem. Onde é que está então o buraco? Bem, começa com o regime dos não contributivos, que ascendia nesse ano a 7 mil milhões de euros, suportados principalmente pelo orçamento de estado, mas também por fundos da União Europeia, por receitas da SCML (uma percentagem sobre as receitas de jogos de fortuna) e, por vezes, por transferências do Regime de Previdência.
Os dois regimes dos funcionários públicos (CGA e ADSE) são ambos deficitários. No orçamento de estado de 2013, está previsto o pagamento de 8 000 milhões de euros em pensões dos funcionários do estado. Todavia, as contribuições são apenas de 4 100 milhões. A diferença é coberta essencialmente pelo orçamento de estado.
O regime de pensões da CGA representa 15% do total dos reformados portugueses, mas estes recebem 35% do total das pensões pagas em Portugal. A pensão média da CGA é de 1146 euros por mês, enquanto a pensão média do Regime Geral da Segurança Social é de 394 euros.
Não faço ideia se o diploma do Governo de convergência da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social é ou não constitucional, mas não tenho dúvidas de que o actual sistema é insustentável e iníquo. Basta olhar para os números.

PS: A maior parte dos números referidos neste post foram retirados de "O meu programa de governo" do José Gomes Ferreira.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Um "regime sacrificial"

As contribuições dos funcionários públicos cobrem cerca de metade dos mais de 8 mil milhões de euros pagos anualmente em pensões. O buraco de mais de 4 mil milhões é tapado pelo orçamento de estado, ou seja, pelos contribuintes. O diploma de convergência da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social não elimina esse buraco, apenas o reduz um bocado, 728 milhões, ao que consta. Mesmo assim, Cavaco Silva fez um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma do Governo, alegando, entre outras coisas, tratar-se de um “regime sacrificial” que frusta as “legítimas expectativas dos pensionistas. Muito bem. Os contribuintes e os mais jovens que aguentem e se sacrifiquem em nome das “legítimas expectativas” dos pensionistas, da confiança, da proporcionalidade, da equidade e de todos os outros valores consagrados em todas as constituições deste mundo. Ah, é verdade, e, ainda por cima, não se deve retirar este tipo de conclusões, porque isso equivale a promover um conflito intergeracional, a falta de solidariedade pelos mais velhos, a pressionar o TC, etc., etc.. Em Portugal, há de facto um “regime sacrificial”, o pensionista Cavaco Silva, perdão, o Sr. Presidente da República é que não vê, ou não quer ver, quem são as suas principais vítimas.

Sobre o que não devia estar a acontecer no ensino superior

Saiu hoje um artigo no jornal de negócios em que dou o meu apoio à posição dos reitores contra os cortes, mas saliento que o problema vai muito mais longe do que isso.
As universidades e os professores universitários nunca defenderam que deviam ficar fora do esforço de consolidação orçamental. No entanto, a Troika defendeu isso. Defendeu que as verbas para o ensino universitário e para a ciência não deviam fazer parte dos cortes. E isso reflectiu-se no memorando de entendimento. As instituições da Troika reconheceram que esta área (ensino superior e ciência) era importante para o crescimento o país, e para além disso gastava abaixo da média da UE e estava a conseguir resultados muito positivos. Tudo isto levava a defender que esta não era uma área para fazer cortes. Em vez disso o Governo cortou. Não se limitou a cortar de forma igual à média. Cortou mais do que proporcionalmente.
A melhoria do ensino superior, mesmo já com os cortes anteriores, é muito interessante. Os  resultados podem ser visíveis no aumento das publicações e das patentes, no aumento do número de alunos em pós-graduação, etc, etc. No artigo saliento que são especialmente visíveis no facto de Portugal ter sido o segundo país do mundo com maior número de entradas para os rankings das 500 melhores universidades do Mundo. O primeiro foi a China, e colados e a seguir a Portugal apenas surgem países que estão a aumentar fortemente o que gastam em ensino superior e ciência (como a Austrália, Coreia ou Malásia). 
Na generalidade dos países europeus o número de universidades nas 500 melhores diminuiu ou estagnou na ultima década. Portugal em 2006 não tinha nenhuma universidade no ranking da ARWU, e tinha apenas uma no da NTU. Hoje tem 4 no da ARWU e tem entre 5 e 7 nos rankings da NTU, números superiores por exemplo aos da Irlanda, e idênticos ou próximos dos de países de dimensão semelhante como a Finlândia, Dinamarca, Noruega e apenas um pouco atrás da Áustria, Bélgica. Ficam ainda muito atrás por exemplo da Suécia ou da Holanda.   
Neste artigo chamo à atenção de que este progresso foi feito num contexto de diminuição de verbas.
Saliento também que ao contrário de outros países que lideram estes rankings (como os EUA, o Reino Unido, a Alemanha ou mesmo países que estão a entrar em força como a China, Coreia, Austrália), em Portugal não há uma politica que premeie o mérito, em que o facto de uma instituição se tornar melhor a faça atrair mais recursos.
Nos últimos anos isso aconteceu nas verbas da ciência, mas neste campo as regras estão a ser mudadas a meio de um processo de corte de verbas, o que pode ter resultados desastrosos.
No ensino verificou-se o contrário. Se olharmos para os últimos anos o decréscimo de recursos foi mais acentuado nas melhores instituições (as com maior capacidade de atrair alunos, que fazem mais investigação, que atraem alunos com melhores notas, que têm cursos maior empregabilidade)  do que nas piores. As sete universidades que estão nos rankings tiveram todas uma diminuição do número de docentes e das transferências do orçamento de Estado, enquanto instituições que estão entre as que estão mais longe de entrar para estes rankings ou sequer têm capacidade de atrair alunos aumentaram o número de docentes nos seus quadros. 
O ministro agora propõem que as Universidades que não puderam manter académicos muito bons, nem agarrar alguns  alunos excelentes, e os viram fugir para o estrangeiro, integrem em fusões mal definidas instituições que não se conseguiram afirmar nos últimos anos. Juntando o que é bom e mau num caldo mediano. Propõem ainda o ministério que se abram mais cursos curtos, sem se definir o que isto é, nem haver nada que demonstre que há especial procura para tais cursos, quer dos alunos, quer dos empregadores.  
É preocupante. Pois em 2 ou 3 anos este Governo pode mesmo dar cabo do trabalho que muito custou a desenvolver nos últimos 20, que fez as universidades portuguesas passar de uma situação de atraso e isolamento, para uma situação de afirmação pela qualidade, que ainda tem muito caminho para andar.
Eu no meu canto vejo muita gente com determinação para continuar a andar para a frente. 
Mas de cima, os cortes e as interferências são no sentido de andar para trás. 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Livro de Malaquias (versão Memorandex 1580)

“Eu amei-vos”, diz a Troika. “Como nos amaste?”, perguntais. “Não está o Portas coligado com o Passos?”, declara a Troika. “E no entanto amámos a Passos mas a Portas odiámos.” Se Seguro diz, “Fomos destruídos mas eu reconstruirei as ruínas”, a tal responde a Troika, “podem construir, mas nós destruiremos e sereis chamados 'a terra ruim' e 'o povo com quem a Troika se zangou para sempre”. Vossos olhos verão isto e exclamareis, “Grande é a Troika para além das fronteiras de Portugal”.
“Um filho honra o pai, o servo o seu mestre. Se somos pai, onde está a nossa honra? Se somos mestre, onde está o nosso medo”, pergunta-vos a Troika, ó padres do comentário que desprezais o seu nome. Mas perguntais “Como desprezámos o seu nome?”. Oferecendo despesa impura no altar. Como lhe roubaram a pureza? Dizendo que a mesa da Troika é desprezível. Quando ofereceis animais cegos (como o Tó-Zé) em sacrifício, não é isso maldade?
Suplicai agora o favor da Troika, que nos ofereça o seu juro. Com tal oferenda na mão, terá ela alguma complacência para algum de vós?
Se houvesse ao menos um entre vós que fechasse as portas para que ninguém acenda em vão o fogo no meu altar. “Não temos apreço por vós”, diz a Troika, “e não aceitaremos oferendas das vossas mãos.” Desde a alvorada do memorando até ao crepúsculo do ajustamento o seu nome será grande entre as nações e em todas as reuniões da Comissão Europeia se queimará incenso em seu nome. Mas vós profanais o nosso nome quando dizeis que a mesa dos senhores é poluída e a sua comida pode ser desprezada.
E agora, ó profetas do crescimento, estas ordens são para vós. “Se não ouvirdes, se não tomardes nos vossos corações a honra do nosso nome”, diz a Troika, “lançaremos pragas sobre vós e pragas sobre as vossas preces aos mercados.” Na verdade, amaldiçoados estão, porque o Machete não consegue estar calado.
Os lábios dos governantes devem guardar a sabedoria e da sua boca deve o povo procurar as instruções, pois eles são os mensageiros da Troika. Mas vós fugistes do caminho. Causastes muitas quedas pela vossa vontade. Corrompestes a aliança e por isso vos desprezamos e achincalhamos perante todos os povos do Bundesbank, assim não persigais os nossos caminhos mas mostreis parcialidade nas vossas decisões.
Vós cobris o altar da Troika com lágrimas, com choros e com gemidos porque não mais aceita oferendas da vossa mão. Mas perguntais vós, e porquê? Porque é a Troika testemunha entre vós e o vosso Governo, a quem fostes infiéis, apesar de ser a vossa companhia pela aliança do memorando. Por isso, guardei-vos no espírito, e que nenhum de vós seja infiel ao Governo. Porque o eleitor que não ama o Governo e dele se divorcia, diz a Troika, cobre o seu parlamento com violência.

Tomai atenção. Nós vos enviamos o nosso mensageiro que prepara o caminho antes da nossa chegada. E o cheque que procurais irromperá no vosso seio e a mensagem da aliança que desejais, tomai atenção, em breve aterrará na Portela.

(Malaquias é o último livro do Antigo Testamento)

Irlanda vs Portugal

Antes da crise financeira, em 2007, a dívida pública irlandesa era de 25% do PIB. A portuguesa era de 68%, à qual se tinha de adicionar dívida escondida em leasings (como os submarinos), em algumas PPPs e no sector empresarial do Estado. Pode-se dizer que a Irlanda também tinha dívida escondida mas tinha-o em muito menor escala (até porque, ao contrário de Portugal, não precisava de disfarçar dívida dado que cumpria, por uma grande margem, o critério dos 60% para a dívida pública).

Antes da crise financeira, em 2007, e contando apenas o período pós-euro, a taxa de crescimento anual média na Irlanda era de 5,7%. A portuguesa era de 1,5% ― números que hoje nos podem parecer maravilhosos mas que são verdadeiramente medíocres.

Relativamente às nossas contas externas, desde 1985 que a Irlanda sempre teve um saldo positivo na Balança de Bens e Serviços. Portugal, com a possível excepção de 2013, sempre teve um saldo negativo (e bem negativo diga-se.

Ou seja, não comparem Portugal com a Irlanda. Com tantas diferenças entre os dois países, não vão conseguir isolar o motivo do sucesso (?) da Irlanda por comparação com Portugal. Não é no programa da tróica ― nem no seu (in)cumprimento, nem na forma como foi (in)cumprido ― que encontrarão a resposta.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Sobre o aumento do salário mínimo

Aumentar o salário mínimo nacional parece reunir o consenso nacional. À esquerda todos o desejam e, à direita, o governo também já disse que apenas a tróica o impedia de aumentar o salário mínimo. Marcelo Rebelo de Sousa, possível candidato da direita à presidência, também já declarou ser a favor de um aumento do salário mínimo. É assim provável que nos tempos mais próximos o salário mínimo seja aumentado.

Em primeiro lugar, e para que não haja dúvidas sobre isso, sou a favor da existência de um salário mínimo nacional. Em muitas situações, o poder negocial dos trabalhadores é muito baixo, sendo assim essencial a existência de um salário mínimo que os proteja dos desmandos de alguns empresários.
No entanto, o salário mínimo, servindo para evitar situações de exploração, não pode estar desligado da realidade do mercado laboral. Penso que todos entendem isto, caso contrário todos defenderíamos um salário mínimo de 10 000€. Não o defendemos porque é óbvio que tal salário mínimo implicaria uma explosão de desemprego.

Em Portugal, o desemprego está em níveis históricos. Esse dado, por si só, deveria alertar-nos para o perigo que é forçar um aumento artificial dos salários. Mas há outros indicadores nesse sentido. Por exemplo, o Índice de Kaitz, que mede a proximidade entre o salário mínimo e o salário mediano, mostra que em Portugal estes dois salários estão perigosamente perto. Enquanto nos anos 90 o índice para Portugal estava na média dos países da União Europeia, em 2009, Portugal tinha o segundo valor mais elevado da UE a 27. Ou seja, para a realidade do nosso mercado laboral, o salário mínimo subiu bastante na última década.

Pode sempre argumentar-se que, ao se subir o salário mínimo, se põe pressão para subir o salário mediano. Mas, com taxas de desemprego tão elevadas, parece-me que isso é entrar no reino da fantasia: enquanto as empresas tiveram à porta um exército de desempregados, os trabalhadores não têm força negocial para aumentar os salários. A melhor forma de aumentar salários é mesmo ter uma baixa taxa de desemprego.

Relembro o que escrevi em tempos: Imagine-se uma empresa onde trabalham 100 pessoas que recebem o salário mínimo. Um aumento do salário mínimo de apenas 20 euros traduz-se num aumento dos custos de 34 650 euros anuais. Do ponto de vista desta empresa, a situação é equivalente a um aumento de impostos de quase 35 mil euros. Ao se aumentar o salário mínimo penalizam-se empresas que exercem uma acção social muito importante que é a de empregar trabalhadores pouco qualificados, muitas vezes envelhecidos e sem hipóteses de requalificação profissional. Negar esta evidência é negar a realidade do nosso país.

Assim, dada a realidade actual, um aumento simples do salário mínimo, com toda a probabilidade, ao aumentar as dificuldades de muitas empresas, traduzir-se-á num aumento do desemprego. É isso que indica, por exemplo, um estudo de colegas meus do Minho (um deles co-autor deste blogue) e da FEP.

Se numa política de combate à pobreza, absolutamente legítima e com a qual concordo, se pretender aumentar o salário mínimo, tal deve ser feito sem penalizar as empresas que o pagam, nem penalizar os trabalhadores que ficariam desempregados por causa dessa subida. A melhor forma de assegurar este objectivo é complementar os rendimentos mais baixos com alguma transferência do Estado, por exemplo, um primeiro escalão de IRS com uma taxa negativa. Do ponto de vista do trabalhador, o salário mínimo líquido aumenta, mas evita-se aumentar os custos laborais para a empresa. Naturalmente, este subsídio é pago por todos nós, via impostos. Aumenta a coesão nacional, redistribuindo de rendimentos e aumentando as transferências das zonas mais ricas para as zonas mais pobres.

Os sinais de recuperação da economia portuguesa ainda são ténues. Com o Orçamento de Estado a ser brevemente aprovado, já está anunciada uma grande pancada para o próximo ano (e veremos se não tem já efeitos no 4º trimestre de 2013…). Numa economia que começa agora a respirar, não lhe dêem mais pancadas.

Excelente


Machete Kills parte III 

por João Miguel Tavares 

Este já é o meu terceiro "Machete Kills" em três meses e meio, e se Rui Machete continuar a espalhar declarações incontinentes por vários continentes, em breveterei coleccionado mais sequelas do que O Pesadelo em Elm Street. Nem Miguel Relvas conseguiu tanto em tão pouco tempo. Mas não se assustem: hoje não estou aqui para me indignar com mais uma gaffe. Quando até António José Seguro consegue passar por estadista ao declarar - com inteira razão - que as declarações indianas do ministro dos Negócios Estrangeiros "colocam Portugal sobre uma pressão que não precisava", é porque Machete bateu mesmo no fundo com os seus 4,5%.

Daí que o que me interessa é discutir uma outra coisa - não a gaffe propriamente dita, mas a ideia mitificada do "senador", esse antigo produto da Assembleia Constituinte e de um tempo puro, em que a política portuguesa estava cheia de homens brilhantes - homens como Rui Machete -, que aos poucos se foram afastando das lides partidárias deixando o Parlamento entregue a um cruzamento de intriguistas e oportunistas. Essa mitologia dos grandes homens não é mais do que isso mesmo - uma mitologia. E Machete regressou para o provar.

Licenciado em Direito, advogado influente, professor universitário, deputado em quatro legislaturas, ministro dos Assuntos Sociais após a revolução, ministro da Justiça entre 1983 e 1985, presidente do PSD, director da EDP, administrador do Banco de Portugal, presidente da FLAD, Rui Machete é o exemplo perfeito do homem do regime que já fez tudo e conhece toda a gente, o clássico senador que tem os números de telemóvel e consegue que lhe atendam as chamadas. Quando, em Julho, chegou novamente ao Governo, aos 73 anos, Passos Coelho achou que o prestígio acumulado e a disponibilidade para servir o país - quando a idade e a conta bancária o aconselhariam a despender as tardes na Quinta do Lago - se iriam sobrepor à passagem pela SLN.

Só que, cinco minutos após tomar posse, Machete já estava a pregar contra a "podridão dos hábitos políticos", e a partir daí foi sempre a descer. O que leva alguém envolvido, ainda que levemente, no vespeiro BPN a dizer uma coisa daquelas? A arrogância. A arrogância moral do senador, que nós detectamos em muitos outros, de Mário Soares a Cavaco Silva - como se a disponibilidade para servir o país os colocasse num plano superior ao comum dos mortais, e tudo o que fosse um escrutínio do seu percurso pessoal fosse visto como uma ofensa.

Esta forma de querer trazer para o presente os louros de um passado onde o jornalismo, apesar de tudo, era menos metediço (até porque só existia uma estação de televisão), revela apenas que há 30 anos era mais fácil um homem ser grande. As pessoas daquele tempo, neste tempo, fariam provavelmente as mesmas asneiras, e revelariam os mesmos problemas de inteligência e carácter. Como está acontecer, de forma caricatural, com Machete. O desastre Machete, de tão deprimente, serve pelo menos para nós percebermos que embora possa sempre haver homens excepcionais, é o contexto que traz à superfície o melhor ou o pior de nós. Em vez de sonharmos com os grandes homens do passado capazes de nos resgatarem à mediocridade instituída, talvez seja melhor primeiro desinstituir aos poucos a mediocridade, para os grandes homens do presente poderem finalmente emergir. Mitificar o passado até é giro. Mas é coisa que se costuma dar mal com a realidade. Machete que o diga.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013


Três ideias sobre as ideias do Paul de Grauwe (que entre outras coisas é o autor do livro de referência sobre a Moeda Única)

1. - A primeira é que a ideia que ele defende é que havendo uma crise de procura na Zona Euro, as reformas estruturais que actuam sobre a oferta não têm, no curto prazo, qualquer efeito na atenuação da crise. Não funcionam. A ideia que ele defende é que a solução para a saída da crise tem de passar por alterações da procura, principalmente dos países que têm balanças correntes e contas públicas excedentárias.
2. - A segunda ideia é que as causas da crise são mais complexas do que a simples teoria da culpabilização dos mal comportados. Num paper que apresentou na U. Nova, ele apresenta evidencia que mostra que os aumentos de spread  nas dividas soberanas nos países mais endividados apenas aconteceram nos países da Zona Euro.
Isto vai contra os que defendem que a situação insustentável das dividas dos países do sul da Europa tem como causa unica o seu elevado nível de endividamento. Os dados que PdG apresenta sugerem que países com o mesmo nível de endividamento estando fora da Zona euro não estão sujeitos ao mesmo aumento dos spreads. Em cima disto defende que as politicas de austeridade seguidas em conjunto não ajudaram a diminuir os rácios de endividamento, e o facto de todos os países europeus as terem seguido dificultou muito o ajustamento dos países do Sul da Europa.
O que esta evidência sugere é que foi estar no Euro, e foi a forma como os países da Zona Euro reagiram e geriram a crise, que levou à crise das dividas soberanas e pelo menos, não apenas o mau comportamento dos países. Em minha opinião esta opinião que partilho em nada faz um julgamento sobre se o nível de endividamento é bom ou mau. Para mim é bastante obvio que o nível de endividamento português já antes da crise era muito elevado e que isso é bastante mau para uma economia com envelhecimento e baixo crescimento.

Ver: http://www.novasbe.unl.pt/images/novasbe/files/News_-_Docs_and_Pdfs/Nova_SBE_Professor_Paul_de_Grauwe_2.pdf

3. - Apenas uma nota adicional sobre o fraco crescimento antes da crise e a necessidade de reformas estruturais. Há por aí umas correntes que defendem que o facto de termos um nível de crescimento mais lento entre 2000 e 2007 se deve a más politicas, mau investimento, e várias outras coisas. É bom lembrar que nesses anos houve um baixo crescimento do PIB em quase todos os países ocidentais (dos EUA à Alemanha, frança, Itália, Japão, etc). É bom lembrar também que países particularmente mal geridos como os da América do Sul ou África tiveram crescimentos muito acentuados.
Se olharmos para os efeitos da China no crescimento mundial (concorrência e baixa de preços de produtos industriais e aumento do preço das matérias primas) vemos que esse factor explica muito mais a atenuação do crescimento no Ocidente e a aceleração do crescimento em África, do que as alterações de politica.
Isso não significa que Portugal e os países europeus não precisem de reformas estruturais. Significa apenas que se calhar até fizemos nestes anos algumas das que necessitavamos (como o esfoço nas qualificações, a liberalização de mercados, a reforma da segurança social de 2007, alterações na estrutura de exportações, ou as reformas do mercado laboral em 2009 e em 2012), mas que essas reformas, perante um quadro mais dificil, com uma Europa mais aberta aos produtos de mão de obra barata da Asia e alargada a 12 países do leste com salários próximos ou abaixo dos de Portugal, colocaram uma forte pressão sobre a nossa competitividade e crescimento. Situação que foi ainda muito agravada pela valorização fortissima do Euro (politica apenas favorável aos países com excedentes na balança externa) e pela crise internacional.

domingo, 10 de novembro de 2013

Para quê as reformas estruturais?

Paul de Grawe, entre outras considerações com as quais até concordo —  apesar de me parecer que a ideia de que o governo pode simplesmente enfrentar a tróica é um mito —, vem dizer que a necessidade de reformas estruturais em Portugal é um "mito", justificando que quem defende essa solução é porque desconhece que é a falta de procura que provoca a recessão da economia.

Esse argumento pode ter alguma validade em outros países como os EUA. Mas não será verdade para todos os países europeus e, definitivamente, não é verdade para Portugal. Portugal está estagnado desde que entrou no Euro. Já antes desta crise internacional que era mais do que óbvia a necessidade de reformas estruturais. Negar que os problemas de Portugal são anteriores à crise internacional é simples cegueira ou desconhecimento.

Aliás, é muito provável que a forte descida do desemprego que se tem vindo a assistir este ano tenha a ver com uma dessas reformas: a reforma no mercado de trabalho, fazendo com que seja menos oneroso e muito menos arriscado para as empresas contratar novos trabalhadores. Ainda é cedo para poder confirmar esta tese com um razoável grau de certeza, mas é uma forte possibilidade.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Boas notícias

De manhã, no intervalo de uma aula, vi as notícias de que o desemprego tinha caído. Logo depois, li artigos a explicar que o emprego tinha caído ainda mais. Assim, concluí que a queda da taxa de desemprego se tinha devido à diminuição da população activa (ou seja, à emigração).

Há pouco, li um artigo de Pedro Romano que diz que o emprego aumentou ligeiramente, pelo que a interpretação anterior tem de estar errada.

Partindo do princípio de que ninguém estava a mentir, princípio bastante saudável, li os artigos com um pouco de mais cuidado, tomando atenção aos detalhes. E o detalhe é simples e tem a ver com o período de comparação:
  1. comparando dados deste trimestre com os dados do mesmo trimestre do ano anterior, a explicação via emigração faz sentido, porque, de facto, há uma redução da população activa;
  2. mas comparando os resultados deste trimestre com os do trimestre anterior, vemos o desemprego a cair sem que haja qualquer redução da população activa.

Assim, temos que relativamente ao ano anterior a queda da taxa de desemprego se deve à quebra na população activa, mas em relação ao segundo trimestre a redução do desemprego se deve ao aumento da actividade económica.

Boas notícias, portanto.

domingo, 3 de novembro de 2013

«Isto não é o "Zeca"»

Entre as inúmeras homenagens a Lou Reed, certamente uma das mais estranhas aconteceu sexta-feira em Lisboa, onde uma série de músicos portugueses interpretou canções óbvias do norte-americano. Interpretaram ou, pelo que testemunhei nas notícias, demoliram. Mas o mais espantoso foi contemplar indivíduos associados ao PCP e a partidos similares mostrarem devoção por um anticomunista primário, que é como todos os anticomunistas devem ser. Veja-se o papel de Reed na resistência checa ao totalitarismo soviético. Ouça-se Black Angel"s Death Song, tema do disco inicial dos Velvet Underground e de oblíqua repulsa pela URSS. Recorde-se o ataque ao terrorismo palestiniano no álbum New York. Ecumenismo? Hipocrisia? Provavelmente ignorância, que é do que a casa gasta.Alberto Gonçalves.

Este trecho é extraordinário. Esta besta não consegue apreciar um dos melhores músicos do século XX, Zeca Afonso, por causa das suas inclinações ideológicas. Não consegue vislumbrar mérito literário em José Saramago, com certeza que por causa do que este fez enquanto director de um jornal, nos anos quentes da revolução. E lá porque este tipo é um quadrado, pensa que os outros também têm de o ser. Um comunista apreciar Lou Reed só se for ignorante. Não pode ser por gosto ou, simplesmente, porque sabe distinguir arte da ideologia. Este tipo é uma besta e é um quadrado. Uma besta-quadrada, portanto.

sábado, 2 de novembro de 2013

É triste

O principal ataque que se faz a Tózé Seguro  e com toda a razão, reconheça-se  é que ao fim de mais de dois anos de liderança da oposição ainda não é possível descortinar um programa de governo.
Já o Guião da Reforma do Estado veio demonstrar que, ao fim de mais de dois anos de governação, este governo ainda não tem um programa de governo.