sábado, 21 de fevereiro de 2015

Uma questão em aberto

No final do século XVIII e princípios do século XIX, a intelligentsia europeia alimentou uma interessante polémica que veio até aos nossos dias. A instrução ou formação é um fim em si mesmo ou é possibilitadora de um ofício? Por outras palavras, o que é que deve ser tido em conta: a formação da personalidade ou a resposta às necessidades profissionais da época? Pessoalmente, inclino-me mais para a primeira opção, embora considere legítimos os argumentos da segunda.

Em Portugal, suspeito que o problema é mais profundo. O objetivo principal da maioria dos estudantes (e dos pais) não é uma coisa, nem outra. Essencialmente, querem o canudo, querem ser doutores e engenheiros. Talvez esta atitude explique muitos dos problemas do ensino em Portugal.

9 comentários:

  1. Veja-se o texto de Mithá Ribeiro sobre tema conexo. Quanto a mim aqui reside o grande equívoco das sociedades modernas que as arrastará à decadência a saber; que a escola é a única fonte de conhecimento socialmente relevante Aqui está a grande distorção; adquire-se conhecimento, acriticamente, formatado pelos poderes dominantes, para acesso a estatuto profissional e social, quando muito associado a tarefas de controlo, constituindo aquilo que designo por economia parasita, que, com os mais variados e imperiosos pretexto, asfixia quem, efetivamente cria riqueza para a comunidade. Verdade seja dita que, nem sempre é assim, havendo exceções honrosas. Conhecimento sim, crítico, inclusivo, ao serviço da criatividade e da Liberdade, que é o que cada vez há menos, por exemplo, nesta europa cada vez mais centralizada, cada vez mais "iluminada" com laivos de totalitarismo.

    ResponderEliminar
  2. "o que é que deve ser tido em conta: a formação da personalidade ou a resposta às necessidades profissionais da época?" Nem uma, nem outra, atrevo-me a dizer. A Escola deve formar cidadãos, mas isso não é sinónimo de lhes conferir uma personalidade. Deve dar-lhes Conhecimento e obrigá-los a pensar, a ter sentido crítico. Nos anos em que fui professora, costumava perguntar aos meus alunos porque é que as ditaduras dificultam sempre o acesso à Educação; procurava levá-los a reflectir sobre a importância do acesso e detenção de informação e conhecimento; tentava convencê-los de que seres pensantes não são fáceis de agrilhoar e subjugar e que a liberdade individual passa muito por ali. A Escola que temos, por variadas e múltiplas razões, não cultiva o gosto pelo Saber (atenção, quando falo em Escola, estou a referir-me a todos os seus intervenientes, que somos todos nós, no fundo; não estou a atribuir o ónus aos professores ou aos directores). E, tragicamente, deixou de proporcionar o desenvolvimento dos talentos e aptidões de cada um, ou seja, deixou de funcionar como elevador social, que era um dos papéis fundamentais que desempenhava.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. E porque é que na maioria das ditaduras comunistas a aposta na educação era um bandeira de propaganda?

      Eliminar
    2. Caro LA-C,

      Acho que há uma diferença entre educação aplicada e educação teórica. As ditaduras comunistas queriam bons (excelentes aliás!) técnicos, não bons pensadores. Mesmo nas ditaduras de direita o ensino "vocacional" (seja formal em escolas, seja informal com aprendizagens) era encorajado. O que não era encorajados eram os livros.

      Eliminar
    3. Tem toda a razão. O que é interessante é que nos tempos actuais o mesmo se passa. Parece que os únicos cursos que interessam são os tecnológicos.

      Eliminar
  3. Cara Vera Gouveia Barros

    "Deve dar-lhes Conhecimento e obrigá-los a pensar, a ter sentido crítico", na minha modesta opinião, isto é uma das múltiplas facetas da "formação da personalidade". Mas posso reformular os conceitos e falar de uma visão humanista versus uma visão utilitarista do ensino. Penso que assim estamos de acordo neste ponto. Como disse, inclino-me mais para a primeira visão. Em termos ideais, pelo menos ao nível do ensino superior, devia-se estudar como quem vai à ópera, ou seja, não por motivos utilitários mas simplesmente porque se gosta.
    O Luís também coloca uma questão importante: A propaganda. Foi napoleão quem introduziu o ensino obrigatório e, mais tarde, na Alemanha, o Bismarck. Havia nessas iniciativas uma clara intenção (a principal) de formatar as mentes das crianças para a nova realidade , a França pós-revolucionária e o nascimento de uma nação, a Alemanha. Essa componente de propaganda continua a existir e convém não esquecê-la.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Parece-me que uma formação que seja exigente, que obrigue ao pensamento abstracto e que incentive o sentido crítico, sendo um fim em si mesmo, não deixa de ser bastante útil.

      Eliminar
    2. "não deixa de ser bastante útil": sim, mas não é esse o objectivo que preside e regula as acções. Quando disse "utilitarista" e "utilitário" estava mesmo pensar na filosofia utilitarista do século XIX, protagonizada por pessoas como Stuart Mill e Jeremy Bentham, um sistema moral em que o interesse pessoal regula as nossas acções, em que o útil é o princípio de todos os valores.

      Eliminar

Não são permitidos comentários anónimos.