quarta-feira, 8 de abril de 2015

A espiral do silêncio

Em inquéritos realizados durante um período de 10 meses anteriores às eleições federais alemãs de setembro de 1965, duas questões apresentaram resultados de tal forma inesperados que dava a impressão que os inquiridos pertenciam a dois mundos diferentes e afastados.

Uma das questões dizia respeito às intenções de voto: entre dezembro de 1964 e agosto de 1965, os dois partidos (SPD e CDU) foram alternando na liderança das intenções de votos. A outra questão era: “Quem acha que vai ganhar as eleições?”

Até poucas semanas antes das eleições de setembro de 1965, as intenções de voto mantiveram-se estáveis. Em dezembro de 1964, tanto as expectativas sobre quem iria ganhar como as intenções de voto em cada partido rondavam os 50%.

Nove meses mais tarde, em Agosto de 1965, as expectativas de que os democratas-cristãos iriam ganhar as eleições subiram para mais de 50%, enquanto as expectativas de vitória dos social-democratas haviam caído para 16%. Foi a partir desta altura que as intenções de voto nos democratas-cristãos começaram a destacar-se, acabando estes por ganhar as eleições com uma vantagem de 8,6 pontos.

Estes dados provocaram um clique em Noelle-Neumann. Passaram, entretanto, seis anos até que fosse elaborada uma hipótese sobre o comportamento aparentemente dissonante das respostas àquelas duas questões, uma hipótese que combinasse a mudança, in extremis, nas intenções de voto a favor da CDU com a crescente expectativa sobre quem ganharia as eleições. Noelle-Neuman designaria essa hipótese de “espiral do silêncio”.

O ponto de partida de Noelle-Neumann era de que deveria haver uma disposição diferente nos dois campos políticos para expressar publicamente as suas convicções e opiniões. Se essa diferença na visibilidade pública existia de facto, então isto teria consequências nas estimativas dos eleitores sobre a força de cada campo e, por consequência, nas estimativas sobre as suas possibilidades de vitória. Um campo tornar-se-ia, assim, subestimado e o outro sobrestimado.

Os apoiantes do campo sobrestimado sentir-se-iam encorajados a expor publicamente as suas posições, enquanto os apoiantes do campo subestimado tenderiam a cair no silêncio. Apesar das intenções de voto serem das atitudes mais estáveis, quando um lado assume uma posição pública por um longo período de tempo e o outro, ao contrário, se remete ao silêncio, então esta tendência terá consequências nos eleitores indecisos, que tenderão a colocar-se no lado que lhes parece mais popular e vitorioso.

A ameaça de isolamento social, o medo desse isolamento (provavelmente genético, de acordo com a autora), a permanente observação do “clima de opinião” e da força ou debilidade dos diferentes pontos de vista determinam se as pessoas expressam as suas opiniões ou se se remetem ao silêncio. Partindo destas variáveis ou pressupostos, Noelle-Neuman formula um conceito de opinião pública, baseado na espiral do silêncio. Numa palavra, a opinião pública é aquela que se pode exprimir publicamente sem correr o risco de ficar socialmente isolado.

Na superfície de todo o processo da opinião pública, estará o medo de isolamento e a exploração desse medo por parte daqueles que querem impor a sua vontade à sociedade, seja para preservar uma opinião estabelecida, seja para introduzir uma nova regra.

Que consequências práticas pode um indivíduo retirar daqui para o seu comportamento numa democracia?

Primeira, se a opinião pública funciona nestes termos, então a oportunidade para a mudar ou moldar está reservada àqueles que não têm medo de ficar isolados. Dizendo e fazendo o que é impopular, chocando - como uma avant-garde ou um hard core - podem tornar as suas ideias proeminentes.

Segunda, se alguém tem uma convicção forte, deve exprimi-la publicamente. Ao contrário, se, devido ao medo do isolamento, cai no silêncio, contribui para o declínio das suas próprias convicções.

Todavia, de acordo com Noelle-Neumann, não é fácil contrariar este mecanismo. Porque nas palavras de James Madison, um dos pais da constituição americana: "Man is timid and cautious..."

4 comentários:

  1. Caro JCA,

    Tem algo semelhante (pelo menos assim penso) com o CDS em Portugal, com uma sobrevalorização em sondagens e que, ao contrário do que tem vindo a público, provavelmente tem menos a ver com falhas metodológicas e mais a ver com inibição por parte de votantes - e seria interessante saber quais - em se assumirem como tal.

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  2. Caro Carlos Duarte,
    Penso que sim. Há uma ideia parecida, e a Noelle-Neumann reconhece isso, que é a "maioria silenciosa", um slogan introduzido por Spiro Agnew,vice-presidente de Nixon entre 1969-1973. Os media jogam aqui um papel essencial, porque são o principal barómetro usado pelas pessoas para aferir as tendências em cada momento. Noelle-Neumann achava que as pessoas tinham um órgão (isso não está provado cientificamente) que lhes permitia perceber para onde é que o vento está a soprar. Muitas vezes os media não reflectem os sentimentos reais da população, e ao darem voz a certos protagonistas podem induzir as pessoas em erro fazendo-as crer estar perante uma opinião dominante, quando esta é marginal. As maiorias silenciosas só são despertadas quando aparece alguém a materializar em palavras os seus sentimentos muitas vezes vagos e difusos. Alguém que dê coragem a essas pessoas a exprimir-se e a descobrir, muitas vezes para sua grande surpresa, que afinal não estão sozinhas e até são a maioria.

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    1. O Boletim da Primavera da Sociedade Portuguesa de Estatística tem um estudo razoavelmente aprofundado sobre a performance das sondagens em Portugal, que ajuda a explicar alguns fenómenos como o da subestimação do CDS/PP em algumas eleições. http://www.spestatistica.pt/attachments/article/101/Boletim%20de%20Primavera%20%282011%29.pdf (ver a partir da página 37).

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    2. Obrigado pela sugestão, vou ler de certeza.

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