44. Nada em vão faz a natureza.
Que exagero, o deste Aristóteles. Talvez por ser de Estagira, e os cidadãos de Estagira serem exagerados, tal como os de Creta são mentirosos e os de Esparta espartanos. Talvez não, por outro lado, se formos a ver. Vendo ainda melhor, mantenho. É um exagero. Nada é, convenhamos, demasiada coisa, a saber, tudo. Tudo o que a natureza faz é o contrário de vão. Tudo o que a natureza faz é, escolhamos, útil. É ainda mais evidente o exagero assim que mostramos que nada é tudo. Ainda que deixemos de lado a questão de saber se útil é o contrário de vão. Não se pode pensar tudo ao mesmo tempo a não ser que sejamos espinosistas, e os espinosistas são demasiado alegres para poderem passar por pessoas sisudas, como aquelas que exageram. Que o diga, como costuma dizer-se, Inácio S., Ignatio para os seus correspondentes, vários e de diversas paragens. Exagerou toda a vida, e nunca foi visto alegre. As cartas que escrevia eram soturnas, lambia os selos como quem se despede da própria língua, encerrava os envelopes como quem pregava num caixão os pregos finais. A ida ao correio era uma marcha fúnebre, e ao carteiro esperava-o como quem espera o anúncio da desgraça. Nas pessoas com quem se cruzava via oráculos e presságios do fim. Os carros nas ruas eram juggernauts e as bicicletas cavalos do apocalipse. Os pássaros nos telhados eram mensageiros da peste e as árvores nos passeios eram intimações de cemitério. Nas crianças via olhos vazios e dentes vorazes, nos cães guardiões dos infernos, nos gatos satanases e belzebus. Eram pragas as moscas e as flores nos campos, como eram doenças os vinhos e maldições as uvas. Aos correspondentes escrevia jeremiadas e ladainhas. Às visitas declamava arengas e pregações. Um aranzel triste ouviam pelas janelas à noite os vizinhos. Sisudas as camisas, circunspectos os casacos, severas as calças. Era, enfim, uma pessoa séria, ou tudo ou nada.
"Nada em vão. Faz a natureza!"
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