quinta-feira, 30 de abril de 2015

Auto-estima

"A questão científica é antes de mais uma questão moral: a de saber se o amor à verdade é maior do que o amor a nós próprios." -- Padre João Seabra

Um dia...

Decidi, algures na minha cabeça, que um dia vou fazer uma viagem a Cuba. Enfio-me sozinha num avião nos EUA e, quando aterrar, haverá alguém que se encontrará comigo em Cuba. Não faço ideia quem será essa pessoa, mulher ou homem, ou de onde virá, mas eu quero que essas férias sejam assim, um dia. E, nessas férias, procuraremos comida interessante, leremos livros, faremos passeios, e conversaremos. Às vezes, passearemos pela praia, ao fim do dia, e eu apanharei conchas, como eu fazia com a minha mãe durante a maré baixa quando eu era pequenina. É só isso, até nos voltarmos a separar. Eu sei que regressarei a oeste, onde o sol se põe. Não faço ideia para onde irá a outra pessoa.

Já tenho estas férias na minha cabeça há bastante tempo, apesar de antes não ser possível viajar dos EUA a Cuba com um passaporte americano. Quando a administração Obama anunciou as negociações com Cuba fiquei feliz porque me facilitará muito a vida. Hoje, ao ver uma história na Bloomberg sobre Cuba, voltei a lembrar-me das minhas futuras férias.

Política fiscal vs. política monetária

Ben Bernanke decidiu implicar com o Wall Street Journal no seu post mais recente. A visão de Bernanke, de que uma política fiscal bem estruturada é muito mais poderosa na situação actual do que a política monetária, deveria ser do conhecimento de muito boa gente, como daquela moça que decidiu saltar à mesa de Mário Draghi porque, na visão dela, os males de toda a UE são da política monetária. Não é nada. Os males da UE são o resultado de uma política fiscal que distorce incentivos e cria perversões e ciclos viciosos.

A Alemanha, como os EUA, tem uma infraestrutura envelhecida. Nestes dois países faria sentido investir em infraestrutura física; nos países do sul faria sentido que desburocratizar e simplificar a legislação, mas como não há vontade política usa-se a política monetária. E porquê? Porque a política monetária é da responsabilidade de um número reduzido de pessoas que não competem entre si; a política fiscal é da responsabilidade de um número enorme de pessoas todas a puxar a brasa à sua sardinha--é o que se chama um rebanho de gatos: cada uma vai para um lado diferente. Com um rebanho de gatos, o pastor chega a casa sozinho.

Na UE, ainda temos a agravante de a Alemanha, ao crescer devido à política monetária, retirar o sumo que iria ajudar os países do sul da Europa a crescer. Basta ver as últimas estatísticas para ver que quem cresce mais é a Alemanha, quem tem redução de desemprego é a Alemanha. Nós já vimos este filme antes. Se o crescimento alemão anterior não se traduziu em crescimento para o sul da Europa, porque razão é que deveremos presumir que esta vez será diferente?

Vidas

Falava de livros usando metáforas, sinédoques e charadas.
Era um críptico literário.

A Uber

No fim-de-semana passado, usei pela primeira vez a Uber, em Houston. Foi muito fácil. Pedi o serviço através do meu telefone. O telefone deu a minha localização e o serviço deu-me o carro que estava mais próximo de mim. Como havia muita procura, o preço base tinha sido aumentado em 50%, de $4 para $6 e depois, sobre este, incidia uma taxa por milha percorrida. O ajuste no preço, por um lado, reduz a procura, mas também serve como incentivo para que mais carros saiam para atender clientes, ou seja, para que a oferta aumente. Se mais carros aparecerem, então não haverá excesso de procura e o preço é reduzido.

Antes de dar o OK final, a app informa-nos do preço que vai ser cobrado. Quando se entra no carro, é o telefone do condutor que dá a rota que o condutor deve seguir para nos levar. O preço final é decidido centralmente com base na rota. Depois, um recibo é enviado para o nosso email. Foi fácil de usar o serviço e, se eu precisar outra vez, irei decerto usá-lo, até porque o pagamento é feito por cartão de crédito o que me dá jeito, pois eu nem sempre trago dinheiro na carteira. O serviço UberPop, que foi o que eu usei, não é permitido em Portugal.

Contrasto esta experiência com um serviço de táxi que tive em 2006, em Portugal. Fui do aeroporto para uma pensão não muito longe, à noite, e custou €17 euros. Como eu já não ia a Portugal há cinco anos, eu não tinha um bom ponto de referência, mas pareceu-me muito caro. No dia seguinte custou apenas €6 para ir da pensão à estação de ferro e vi logo que o condutor me tinha enganado na noite anterior. Eu, em Portugal, sou um alvo--ainda por cima tinha um ruivo de olhão azul e 1,96 m ao meu lado, que anunciava ao mundo "Estrangeiro, estrangeiro, roubem-me!". Eu devia ter pensado nisso quando me casei... Quando sabem que eu venho dos EUA, há umas almas criativas que desatam a pensar em como me podem lixar. Já me aconteceu mais do que uma vez. Mas se fosse só eu a ser lixada, ainda era o menos. Era, naquela altura, normal ser-se enganado por taxistas em Portugal e julgo que, mesmo hoje em dia, ainda há enganos. Por isso pergunto-me por que razão é que o tribunal bloqueou a Uber em Portugal. Como é que os carros não são seguros se todos os carros têm de passar uma inspecção e têm de ter um seguro para andar na estrada e os condutores da Uber têm licença profissional?

Agora a Associação de Taxistas quer pedir uma indemnização à Uber--isto é juntar a fome à vontade de comer. Uma indemnização porquê? Quando um comerciante abre um talho também tem de receber a bênção dos outros talhos e/ou indemnizar os outros talhos por iniciar actividade? E quem é que indemniza os clientes que foram roubados por taxistas com menos escrúpulos? E antes que me comecem a insultar, informo-vos que o meu pai trabalhou como taxista durante algum tempo.

Portugal é um país onde a iniciativa privada inovadora é constantemente bloqueada. As instituições do estado, que deveriam proteger os cidadãos de abusos e ilegalidades, são elas próprias usadas para roubar os cidadãos. Basta pensar no caso das SCUTS, nas contas mal explicadas de impostos que se recebe em casa (eu já recebi), no preço da energia, etc. Sinceramente, não há vergonha!

Será que há algum político, que nos queira explicar o que pretende fazer com este abuso de poder se for eleito? Podem prometer o que quiserem em impostos e subsídios, mas enquanto o estado for usado como uma máquina de repressão, o país não irá crescer por aí além. Precisamos urgentemente de um Robin dos Bosques porque o que há mais é candidatos a Sheriff de Nottigham...

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Ainda o casamento homossexual

O Chief Justice John Roberts, que é conservador, decidiu pôr a lógica da coisa à prova:
"Se a Sue ama o Joe e o Tom ama o Joe, a Sue pode casar com ele mas o Tom não pode. E a diferença é baseada no facto de serem de sexos diferentes. Porque é que isto não é uma questão óbvia de discriminação sexual?"

Re: Ela não te merece

Li o Fictiongram no Expresso e fiquei perplexa com a ideia avançada. Será que devo sentir pena de alguém? Como é que, estando o trabalho mal feito, a chefe diz que está mal feito, e os empregados dizem que vão melhorar apesar da chefe não merecer? É que, para mim, esta gente não tem profissionalismo nenhum: a chefe porque não sabe comunicar com os empregados; os empregados porque têm uma atitude de merda, a da filosofia do "Para quem é, bacalhau basta".

A qualidade do nosso trabalho deve ser independente do nível de idiotice do chefe. Nós somos pagos para fazer uma coisa e devemos fazê-la o melhor que podemos dentro das nossas capacidades. Ter um chefe idiota é uma infelicidade, mas não deve servir de justificação para nós apresentarmos um trabalho abaixo do nível de qualidade que podemos apresentar. Quem se comporta assim não vai, nem merece ir, longe. E um país onde coisas destas acontecem também não vai longe.

É ao contrário

Em parte nenhuma dos Evangelhos nos é dito que devemos perdoar porque Deus faz o mesmo. O que Jesus disse, para grande escândalo dos fariseus, foi que se cada um de nós «no íntimo do coração, perdoar», Deus fará o mesmo.

Um pensamento simples

H. L. Mencken escreveu algures que se os grandes filósofos não são lidos, não é por causa da profundidade ou da complexidade das suas ideias. O motivo é mais simples: a maioria são péssimos escritores. Quem já tentou ler, por exemplo, a prosa tortuosa e intragável de Hegel ou Kant percebe bem o que Mencken queria dizer.

Amorosa

Hoje estou muito amorosa. Não se iludam, meus caros, pois há explicações para este mal. A mais óbvia é eu estar a ouvir os Goldfrapp e uma pessoa dificilmente escapa a "Dreaming, you're dreaming of the love" porque eu sou bem mandada. Ainda por cima fala do mar--"Rushing like the sea, you've come back to me!"--e, para quem não sabe, o Oceano Atlântico é o meu amante mais-que-perfeito--eu amo este mar tanto! Não sinto nenhuma afinidade pelos outros oceanos, no entanto.

Outra explicação é que eu falei com um amigo meu que está apaixonado por uma mulher e conversa comigo acerca do que deve e não deve fazer. Ele acha que eu sou muito intuitiva e conheço a natureza humana. As coisas que as pessoas vêem em mim... Eu acho que sou um bocado maluca, pois eu falo do "amor" e cito Nassim Taleb. Está bem, eu cito Taleb porque eu sei que o meu amigo, que trabalha com investimentos, percebe o que eu quero dizer com Taleb. E depois eu também cito Eugénio de Andrade e Nuno Júdice e, claro, não se pode falar de amor sem se falar de Neruda. Sim, também há a Florbela e muitos mais...

De quem eu gosto mesmo é de Aristófanes. Eu que não percebo nada de filosofia--a sério que não, apesar de eu ter um Doctorate of Philosophy--e percebo ainda menos de amor, gosto imenso da origem do amor que Aristófanes relata n'O Banquete de Platão.

Diz Aristófanes que, no início, havia uns seres que se pareciam com duas pessoas coladas umas às outras (eram duas bolas, com quatro pernas, quatro braços, etc) e que podiam ser femininos (duas pessoas do sexo feminino; este ser era descendente da Terra), masculinos (duas pessoas do sexo masculino; este ser era descendente do Sol), ou andróginos (uma fêmea e um macho; este ser era descendente da Lua). Como estes seres eram muito poderosos, revoltaram-se contra os deuses, o que não agradou aos deuses. Depois dos deuses deliberarem sobre o destino destas criaturas, Zeus decidiu separá-las: cortá-las ao meio a todas. A separação, do ponto de vista de Zeus, tinha a vantagem de duplicar o número de seres que adorariam os deuses e manteriam templos. Sem adoradores, de pouco valeria ser um deus. Zeus era, acima de tudo, pragmático.

À medida que Zeus cortava as criaturas, Apolo moldava-as em duas pessoas e polia-as. Em algumas das pessoas, Apolo deixava lembranças da sua antiga condição. Para se reproduzir, as criaturas separadas faziam como as cigarras e geravam na terra, pois não tinham a forma de pessoas actuais. A separação não correu muito bem, pois, segundo Aristófanes,

[...] desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por sua própria metade e a ela se unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao outro, no ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia em geral, por nada quererem fazer longe um do outro. E sempre que morria uma das metades e a outra ficava, a que ficava procurava outra e com ela se enlaçava, quer se encontrasse com a metade do todo que era mulher--o que agora chamamos mulher--quer com a de um homem; e assim iam-se destruindo.

Zeus teve pena destas pseudo-pessoas suicidas que não funcionavam sem uma outra metade e decidiu mudar-lhes o sexo para a frente do corpo. Nos casais andróginos, o macho acasalaria com a fêmea de forma a que nova vida pudesse ser gerada nas mulheres. Nos casais homossexuais não haveria reprodução, mas haveria saciedade do desejo que sentiam um pelo outro. Diz Aristófanes:

E então de há tanto tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da nossa antiga natureza, em sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza humana. [...] Quando então se encontra com aquele mesmo que é a sua própria metade, tanto o amante do jovem como qualquer outro, então extraordinárias são as emoções que sentem, de amizade, intimidade e amor, a ponto de não quererem por assim dizer separar-se um do outro nem por um pequeno momento. E os que continuam um com o outro pela vida afora são estes, os quais nem saberiam dizer o que querem que lhes venha da parte de um ao outro. A ninguém com efeito pareceria que se trata de união sexual, e que é porventura em vista disso que um gosta da companhia do outro assim com tanto interesse; ao contrário, que uma coisa quer a alma de cada um, é evidente, a qual coisa ela não pode dizer, mas adivinha o que quer e o indica por enigmas.

Ou seja, diz Aristófanes que os casais eram um só, foram separados, e desde então procuram a sua outra metade. Quando duas pessoas se encontram e amam, é como se voltassem a ser um só: aquele ser unido que era tão poderoso que constituía uma ameaça aos próprios deuses. Acho lindo...

Ah, o Taleb! Já sei que vocês estão a pensar o que é que o Taleb tem a ver com o amor. Bem, é assim: o meu amigo relatava-me coincidências e dizia-me que "it was meant to be". E eu dizia-lhe que o Nassim Taleb dava o exemplo de poemas no "Fooled by Randomness", que ele já leu: se construirmos combinações de todas as palavras que existem, algumas combinações formarão os mais belos poemas--alguns deles ainda nem foram escritos--e há uma probabilidade infinitamente pequena que, se nós tirássemos uma amostra aleatória desta população de combinações de palavras, alguns desses poemas seriam seleccionados. Isso não quer dizer que tenha havido uma intenção divina, foi apenas um resultado aleatório. You were fooled by randomness!

terça-feira, 28 de abril de 2015

I do...

Discute-se no Supremo Tribunal de Justiça americano o casamento homossexual. O Washington Post tem alguns excertos da conversa que vai dentro do Tribunal.

Há muitas questões pertinentes, como, por exemplo, a que levanta Stephen Breyer, da legitimidade de um grupo de nove pessoas decidir uma coisa que vai contra uma tradição que existe há milénios, em vez de a mudança se fazer através do voto popular. Ou a questão da procriação: será que o estado apenas se interessa pelo casamento de pessoas por causa do motivo da procriação? Elena Kagan levanta a questão de os estados poderem negar o casamento a casais de sexo oposto que não queiram procriar. Há também a questão dos direitos religiosos, que rapidamente foi posta de parte, pois mesmo no casamento de pessoas de sexo diferente essa questão está resolvida: um rabi, por exemplo, não é obrigado a casar pessoas de religiões diferentes, diz Kagan. Samuel Alito perguntou acerca de relações polígamas.

O mais giro, a meu ver, é a inclinação dos juízes. As mulheres (Sonia Sotomayor, Elena Kagan, e Ruth Bader Ginsburg) e Stephen G. Breyer parecem ser pró-gays; os homens (John Roberts, Samuel Alito, Antonin Scalia, e Clarence Thomas) parece que são contra o casamento gay. Presume-se que o juiz que vai decidir o voto é Anthony Kennedy. Clarence Thomas é conhecido por quase nunca falar, é um juiz silencioso, mas sabe-se que é conservador.

Um dos livros mais giros que eu li até hoje é "Becoming Justice Blackmun", de Linda Greenhouse, no qual, pela primeira vez, se levantou o véu do que se passa nos bastidores do Supremo Tribunal de Justiça dos EUA. O livro relata a vida de Harry Blackmun, que serviu no Tribunal entre 1970 e 1994. É um bom livro para lerem nas férias.

Corrupção e suborno

A notícia principal da Bloomberg, hoje de manhã (a minha manhã é a vossa tarde), é a de uma investigação de corrupção e suborno entre a United Airlines (UA) e o Port Authority (PA), nomeadamente o Chairman do PA, David Samson. A UA submeteu vários planos de investimento à agência e parece que, a certa altura, Samson exigiu que a companhia retomasse um voo que não era lucrativo para a empresa, mas que facilitaria as viagens de Samson à sua casa de férias.

Isto é importante porque Samson é um dos principais aliados de Chris Christie, o governador da Nova Jérsia, que pode vir a ser um dos candidatos às Presidenciais americanas pelo Partido Republicano. A meu ver, Chris Christie é, de longe, um dos melhores candidatos para os Republicanos. É uma pessoa que não tem medo de criticar o partido quando vê que o partido está errado. Não concordo com tudo o que ele diz, mas é uma pessoa que eu respeito.

A história lê-se como uma novela e a minha parte preferida é esta, especialmente a parte que eu sublinhei para vós:

Samson, who was Christie’s choice to head the Port Authority in 2010 after overseeing the governor’s transition team, vowed to be an activist chairman and to aggressively use the Port Authority as an engine for economic development and jobs in New Jersey.

Hands-On Approach
His hands-on approach meant a change in tone and protocol. Companies like United had for years done much of their business by negotiating with career professionals in the authority’s real estate, aviation and legal departments. Under Samson, those negotiations were often conducted with the authority’s political appointees and, at times, the chairman himself.

Ou seja, antes, as decisões de investimento eram feitas por profissionais de carreira; quando os políticos se envolveram, deu asneira e não demorou muito tempo para dar asneira. A ver vamos como se irá fechar este caso, pois poderá ter grandes consequências para as Presidenciais.

Como vêem, ninguém é perfeito, nem mesmo os americanos; mas eles têm um sistema de justiça muito bom e a comunicação social também é boa. Aposto que o caso não será arquivado...

O mundo é pequeno demais

Há dois anos, quando fui a Amsterdão, visitei o Museu Marítimo. Uma das coisas que retive da visita foi um texto que falava do século XVII, quando as pessoas usavam cartas para comunicarem umas com as outras. Dizia o texto que, por vezes, as cartas demoravam dois anos a chegar aos destinatários e não era pouco comum que, quando as cartas eram recebidas, ou o recipiente ou o remetente já havia falecido. Pensei eu, na altura, que hoje em dia temos uma grande sorte por conseguir ter notícias das pessoas de quem gostamos tão depressa. Há dias em que eu acordo e, quando ligo o telefone, a primeira coisa que vejo é uma mensagem de alguém amigo. Dizem-me coisas banais, do seu dia-a-dia, e fazem-me pensar, por uns segundos, que estou com eles. E depois há o Facebook, que nos permite ver a vida de muita gente desenrolar-se à nossa frente. Hoje o meu Facebook foi surreal.

A minha amiga Noëlle está em Catmandu, no Nepal. Uma das primeiras coisas que eu vi hoje foram as fotos dela com imagens de depois do terramoto. A acompanhar as fotos esta descrição:

A few photos of the aftermath....town square where people were gathering (around corner from our hotel) to avoid narrow streets with tall buildings that could collapse. We were in one of these areas for a number of hours before we could arrange transportation out of the city. There was a goat sacrifice, but I only took pics of the ceremony facing away from the carnage. The ceremony was an attempt to appease the gods and to prevent another earthquake. And yes, the goat was killed right there in public, which was surreal as we continued to experience tremors. There are a few more pics of some of the damages we saw on our way out of the city. We avoided the most hard hit areas so that we could get out safely, but damages were everywhere ...

Não me surpreende que ela esteja lá. Se vocês pensam que eu sou aventureira, enganem-se. Eu conheci-a em Oklahoma, na universidade. Depois do curso, ela foi para o Canadá para se casar com um rapaz que tinha conhecido. Pouco tempo depois de obter a cidadania, já estava ela na África do Sul para trabalhar com organizações não-lucrativas. Um dia, aparece que Facebook que ela vai mudar para o Dubai e foi para lá trabalhar com a família. Hoje é que eu reparei que estava em Catmandu, foi lá com um grupo de pessoas numa expedição de fotografia. Fui ver as fotos da Noëlle no Flickr e ela tem muito talento. Aqui estão algumas:

Postei o álbum de fotos dela no meu Facebook e o primeiro comentário foi da Brittany. E, quando o vi, fiquei com medo. A Brittany é americana, mas o seu marido é do Nepal e ela esteve no Nepal recentemente para conhecer a família dele. Estão todos bem, apesar de estarem em Catmandu. E hoje à noite, vi o post da Bhavana, uma amiga minha nepalesa, que partilhava um link da Cruz Vermelha. Conheci-a numa conferência. Ela ainda estava a fazer o doutoramento e eu já tinha terminado e tinha emprego. Ela conversou comigo para trocar ideias acerca de procurar emprego e da experiência que eu tinha tido. Agora vive na Florida com o marido e os filhos. Acabei de ver o comentário dela e toda a família também está bem.

Não sei se sou só eu que penso assim, mas o mundo tornou-se muito pequeno...

Todas as fotos são da Noëlle, podem ver a sua página de fotografia aqui.

Breve, concisa, abreviada e resumida história da “revolução gloriosa”

Em 1660, Carlos II ocupou o trono órfão do seu pai decapitado em 1649, Carlos I. Carlos II casou com a portuguesa Catarina de Bragança, que, ao que rezam as crónicas, introduziu o chá no reino da Inglaterra. Carlos II era um rei popular, um católico discreto e tolerante, conhecido pela sua grande quantidade de amantes. Sucedeu-lhe em 1680 o seu irmão Jaime II, um católico fervoroso, que deixava os protestantes a ferver e estes não descansaram enquanto não lhe fizeram a cama. Em 1688, deram-lhe guia de marcha e chamaram para o seu lugar a sua filha Maria, casada com Guilherme de Orange, ambos protestantes.

Surgiu então um imbróglio legal. Guilherme de Orange podia ou não ser rei de Inglaterra? Por causa disto, nasceram dois partidos: os whigs (designação pejorativa para ladrões de cavalos escoceses) que achavam que sim e os legalistas tories (termo depreciativo para os fora-da-lei irlandeses) que achavam que não. Ganharam os progressistas whigs.

Guilherme de Orange foi obrigado a assinar uma Bill of Rights, que se tornou o fundamento da constituição da Grã-Bretanha. Nela são garantidas a livre eleição do parlamento, a liberdade de expressão, a liberdade dos debates parlamentares e a sua imunidade judicial; nenhum imposto pode ser introduzido sem autorização do parlamento; o rei não pode revogar nem suspender qualquer lei do parlamento; o rei não pode ser católico e não pode manter um exército permanente sem a autorização do parlamento.

A esta história os britânicos chamaram muito justamente glorious revolution.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Vamos a um copinho?

Eu já vos disse que Houston é uma das cidades que mais cresce nos EUA. O crescimento está a sair de áreas que eram tradicionalmente industriais para zonas mais recentes, sem uma grande história. Houston era uma pequena cidade até 1900, altura em que um furacão destruiu a ilha de Galveston e causou o maior número de mortes por causa de um furacão nos EUA. Entre 6.000 e 12.000 pessoas pereceram. Depois disso, Galveston, que era uma cidade muito cosmopolita, perdeu o brio e Houston começou a crescer por ser mais dentro de terra e, por isso, não estar sujeita a tanta destruição em caso de furacões.

Um dos artigos de hoje na Bloomberg fala das cidades nos EUA onde há mais crescimento: são as cidades a oeste. Oeste nos EUA é uma coisa relativa. Por exemplo, o Texas é sudoeste, apesar de na minha cabeça isto ser mais leste do que outra coisa. Se pensarmos que os EUA foram povoados do nordeste para oeste, ajuda a compreender a lógica subjacente, mas eu tento não pensar muito no que os americanos chamam às coisas e vou com a maré. No artigo da Bloomberg, há este pedaço que eu acho delicioso:

“The decline in manufacturing in the East, combined with an increase in service and technology jobs, is moving the country’s economic gravity westward,” said Kenan Fikri, a researcher at Washington’s Brookings Institution. “Compared to eastern cities, those in the West don’t have the economic baggage that comes from an industrial legacy.”

Estão a ver o copo, não estão? Estes sítios, por não terem uma história de indústria, têm uma vantagem relativamente aos sítios tradicionalmente industriais. As desvantagens do passado tornaram-se as vantagens do presente e futuro. O copo que costumava estar meio-vazio, está agora meio-cheio. Pensem nisso na próxima vez que vos disserem que o presente e o futuro de Portugal estão limitados por causa do seu passado não-industrial.

O caminho da felicidade

O Leonid Bershidsky, que eu adoro, apesar de não concordar com tudo o que ele diz, tem uma peça de opinião acerca dos países do norte da Europa terem povos que são mais felizes. Na peça o Leo faz referência a um estudo, cujos editores incluem o Jeffrey Sachs. Quando eu trabalhava na Tyson Foods, ele foi ao nosso campus apresentar um seminário e eu tenho dois dos livros dele autografados (eu colecciono livros autografados). Espero bem que a Tyson Foods tenha dado muito dinheiro à Millenium Foundation; é mais do que justo. Uma vez, houve uma festa na casa de John Tyson e um rapaz de 19 anos roubou $140.000. Deve ser bom ter $140.000 em casa, assim como quem tem uma nota de $20. Eu não faço ideia do que isso seja; a maior parte das vezes, nem sequer $20 tenho. Nem o Ricardo Salgado deve saber o que isso é, pois ele é o CEO mais pobre que eu já vi. Nada era dele, coitado...

O cálculo felicífico era um dos sonhos do Jeremy Bentham, um economista da escola do Utilitarianismo. Bentham achava que, um dia, seria possível tratar a utilidade dos actos como uma coisa mensurável e as coisas mensuráveis são comparáveis. Acho que este exercício do Jeffrey Sachs é uma extensão disso. Mas eu acho que ainda estamos longe desse ponto porque no que diz respeito à felicidade, nós somos um bocado daltónicos: cada um vê as cores da coisa, mas não *vê* verdadeiramente nenhuma cor.

Cá para mim, este problema da felicidade dos nórdicos é um de genética. Estas pessoas vivem metade do ano sem boa luz, logo, com certeza, contentam-se com muito pouco. Se eu vivesse metade do ano num sítio assim seria muito infeliz porque eu cresci com a luz magnífica de Portugal, daí ser preferível estar no Texas, onde há boa luz, apesar de a concentração de pessoas com "ideias interessantes" ser muito grande e quase toda a gente ter uma arma, menos eu. No entanto, eu já disparei armas, inclusive uma Smith & Wesson, logo já não sou virgem nesse campo (e no outro também não).

Depois, há a comida. A comida do norte da Europa não sabe a nada. Se eles se contentam com aquilo, é claro que são mais felizes: têm gostos muito pouco exigentes. Então nós, portugueses, com uma comida muito saborosa, com a maior diversidade cultural e geográfica do mundo, dado o tamanho do nosso país, somos muito mais exigentes. Se até os italianos invejam a arquitectura de Lisboa, é sinal que nós somos uns estragados, só gostamos do melhor que há.

Por tudo isto, eles podem ter mais dinheiro, mas nós temos muito melhor qualidade de vida do que os escandinavos, pois apreciamos e consumimos as coisas mais refinadas que existem, a começar pelo café...

Ah, e sabem o que me fez feliz? Eu olhei para o gráfico que o Leo colou na Bloomberg e soube logo que aquilo foi feito com STATA.

A lambuzar-nos de manteiga...

Diz-nos o Primeiro Ministro japonês, numa peça assinada na Bloomberg, "When women thrive, so will the world".

Besunta-nos, sr. Abe, que já está tarde. Eu tenho uma amiga japonesa que casou com um alemão.

P.S. 1 Vocês têm de admitir que o meu portefólio de amigos é do mais colorido que há.
P.S. 2 E imaginem que eu sei o nome do Primeiro Ministro japonês! A minha mãe deve estar a dar pulos de alegria, onde quer que esteja. Quando eu andava no secundário ela dizia que eu não lia jornais portugueses para me cultivar. O problema não era um de falta de vontade de eu me cultivar, o problema era "jornais portugueses".

A sorte...

Hoje abri o Destreza e vi a foto que o Luís postou e mais uma vez pensei na sorte, um dos tópicos de reflexão do Zé Carlos. A maior parte de nós, que fazemos parte dos países chamados avançados, somos pessoas de muita sorte. A maior parte de nós não dá por isso, não sei se é uma coisa boa ou uma coisa má.

Depois de eu me mudar para Memphis e especialmente depois de vir para Houston, eu tenho cada vez mais noção da minha boa sorte. Não há razão nenhuma para eu ter a vida confortável que eu tenho. Podem dizer-me que eu trabalhei para isso, o que é verdade; podem dizer-me que eu sou capaz, o que é verdade; podem dizer-me que eu já tive muito azar e a minha sorte vem desse azar, o que também é verdade; mas o mundo está cheio de pessoas trabalhadoras e capazes com episódios de grande azar no passado, que não conseguem ter uma vida minimamente digna. A boa sorte insiste em não as visitar, por mais má sorte que tenham. Como ser humano, não há nada que me diferencie dessas pessoas a não ser o sítio onde eu nasci e a época em que nasci. São esses dois factores que me fazem "especial" e esses dois factores não dependem do meu esforço ou da minha capacidade intelectual.

Tenho o hábito de conversar com as empregadas de limpeza nos sítios onde trabalho. Cumprimento-as sempre. Quando começo a conversar com elas, muitas delas assustam-se pois estão habituadas a trabalhar e a ser ignoradas por quase toda a gente. E depois eu falo com elas em espanhol, apesar do meu espanhol ser autodidacta, pois eu nunca estudei espanhol formalmente. A última senhora que limpava os nossos gabinetes era da Guatemala. Tem dois filhos, que ela conseguiu trazer para os EUA ilegalmente, como ela. Um dos filhos dela, quando atravessou o deserto, viu muitos corpos de pessoas que tinham falecido durante a viagem; o outro filho não reparou ou não viu nada. Eles vieram em alturas diferentes, talvez o que viu tivesse vindo por uma rota mais perigosa. Ela não me falou da experiência dela. Eu não sei o que pensar acerca dessas pessoas que faleceram na viagem. As suas ossadas estão no deserto, é aí a sua campa. Ninguém vela pela dignidade dessas pessoas, como velam pela dignidade das pessoas que morrem em acidentes de aviação. Não há diferenças entre uns e outros a não ser o sítio de onde vêm, que, por outro lado, determina, muitas vezes, a cor da sua pele.

Das nossas cores constroem-se diferenças entre pessoas que, na sua essência, são iguais. Mesmo na Europa há diferenças entre brancos. A minha prima é meia-holandesa e meia-portuguesa e é casada com um holandês e vive nos Países Baixos. Um dos filhos dela, uma criança extremamente bonita, tem o cabelo louro escuro e os olhos castanhos. Ela tem medo que ele seja discriminado só por a cor dos olhos dele ser castanho. Ela, branca, de cabelo e olhos castanhos, filha de mãe loura, já se sentiu alvo de descriminação.

Quando não é pela nossa cor que nos pegam, é pela roupa que vestimos. Uma amiga, em Portugal, conta-me histórias da escola dos seus filhotes, em que há pais e outros alunos que "falam" dos alunos de famílias com menos recursos por causa das roupas de marca. Algumas crianças chegam a assediar as outras. A roupa de marca não faz com que um idiota deixe de ser idiota; apenas faz dele um anúncio grátis da marca de roupa--poder-se-ia dizer que faz dele um idiota ainda maior, mas eu tenho a tendência a ver as coisas de forma diferente das outras pessoas.

No fim, tudo isto são construções artificiais. A minha mãe dizia-me frequentemente, que o único requisito para se morrer era estar vivo. E assim é. Não importa a roupa que vestimos ou as nossas cores, todos nós teremos uma morte. Para alguns, os vivos tentar-lhes-ão proporcionar uma morte com "dignidade"; para outros não haverá essa sorte na morte, assim como não houve na vida.

sábado, 25 de abril de 2015

Bloomington

Agora que já aqui estou há algum tempo, posso dizer com toda a confiança que nunca estive aqui antes.

(Lydia Davis, Não Posso nem Quero: Contos. Relógio d'Água, 2014)

Todos os dias podem ser assim...

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'O Nome das Coisas'

Uma ocorrência rara

O escritor francês Michel Houellebecq, no seu último romance, “Submissão”, imagina um cenário em que o partido a “Fraternidade Muçulmana”, liderado pelo “extremamente hábil” Mohammed Ben Abbes, ganha as eleições presidenciais francesas de 2022. Os primeiros passos do governo de Ben Abbes são coroados com um extraordinário estado de graça, para o qual contribuíram: a diminuição drástica da delinquência; a diminuição do desemprego (devido ao regresso das mulheres a casa); a estabilidade do défice público (os largos subsídios atribuídos às famílias eram compensados com os cortes na Educação Nacional – “de longe, no passado, a maior despesa do Estado”); o “distributivismo”, que estava de acordo com o espírito do tempo, ao retirar subsídios às grandes unidades industriais (que, mesmo assim, continuavam a fechar) e ao entregá-los a empresários por conta própria, permitindo, nomeadamente, aos jovens “montar o seu estaminé”, um “sonho profissional universalmente manifestado”.
No meio deste “impulso de esperança”, que arrasta a França para um “novo modelo de sociedade”, um jovem sociólogo chamado Daniel Da Silva publica um livro ironicamente intitulado “Um dia, tudo isto será teu meu filho”, com o subtítulo “Para uma família de conveniência”. Na introdução, Da Silva presta homenagem ao filósofo Pascal Bruckner, que dez anos antes havia publicado um livro no qual preconizava o regresso ao “casamento de conveniência”, com o argumento de que o “casamento por amor” havia falhado. Da mesma forma, Da Silva acha que as relações entre pai e filho não devem ser baseadas no amor, devem antes assentar na “transmissão do saber-fazer e do património”. Lentamente, o livro de Da Siva torna-se uma sensação. Estas teses “anti-românticas” conseguem quebrar o consenso mediático ”em torno da liberdade individual, do mistério do amor e de outras coisas que tais”.
Estas profecias de Houellebecq não nos deviam espantar ou chocar. Na verdade, o amor é uma das mais raras ocorrências da história da humanidade.

Mito moderno

Hoje, todos somos modernizadores. Não fazemos ideia do que significa ser-se moderno, mas temos a certeza de que essa qualidade nos garante um futuro.

25 de Abril sempre?

Se no 8 de Março defendi a necessidade da existência de um Dia da Mulher, hoje venho dizer que continuamos a precisar do 25 de Abril. Sem discursos, sem cravos. Só Liberdade e Democracia, que ainda tanto nos falta. Na minha argumentação, podia aludir às notícias da semana sobre uma proposta de alteração às regras de cobertura jornalística das campanhas eleitorais ou sobre enfermeiras mungidas para provar que amamentam. Podia relembrar os resultados das eleições - legislativas, autárquicas, europeias... - de há anos, onde o vencedor tem sido sempre o mesmo (como nas ditaduras travestidas onde se realizam plebiscitos): a abstenção. Podia citar um estudo da OCDE que mostra que, em Portugal, o sucesso escolar dos alunos ainda está muito correlacionado com a sua origem económico-social. Três factos que, na minha opinião, atestam, cada um por si, que 41 anos depois ainda há muito por fazer. Mas prefiro falar do que não vem nos motores de busca. Democracia é uma palavra de origem grega que significa "governo do povo". Popper definiu-a, não enquanto noção de soberania, mas como mecanismo de destituir governantes sem a necessidade de uma revolução. Num país onde o cidadão comum confunde "discordar de X" com "dizer mal de X", não pode haver Democracia. E continua a ser precisa uma revolução: na mentalidade.

Estar errado no momento certo

Estar errado no momento certo faz parte da arte da política. Mas não exagerem. Quem passou estes anos a assinar manifestos não pode aparecer a subscrever e apoiar o relatório do PS, “Uma Década para Portugal”, como se sempre tivesse defendido este tipo de propostas. Fazê-lo é de uma hipocrisia intelectual a toda a prova. Nem dá para disfarçar.

Escusado será de dizer que, apesar de não ter acabado de o ler, este relatório é uma agradável surpresa.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Sabes como é...

Não, não vou declamar o Neruda, apesar de esse ser provavelmente o meu poema dele preferido, mas um amigo meu disse-me que era um bocado irreal, porque exige de nós uma sintonia de sentimentos que não existe, quer dizer, quando um deixa de ter sentimentos, o outro também deixaria e nós não somos assim...

Bem, mas isso é irrelevante hoje. Hoje é a véspera! Amanhã é o 25 de Abril e vamos ter mais um ano mau depois da Revolução, porque todos os anos depois da Revolução são maus. Mas eu digo-vos uma coisa: Portugal é um grande país. Fazem-lhe as maiores barbaridades e o país continua, arranja sempre maneira de se safar--desenrasca-se! É o melhor país do mundo, já cá anda desde 1139 e ainda sobrevive. É o país do "Oh, wow!"--sempre que eu digo a um americano "A minha universidade portuguesa foi fundada em 1290." ou "Estava eu na Igreja de Sta Cruz, ao pé do túmulo do nosso primeiro rei, que morreu no século XII...", os americanos todos respondem "Oh, wow!"

Já sei que, amanhã, toda a gente vai dizer que não se devia comemorar o 25 de Abril; devia ser o 25 de Novembro. Eu gosto de Abril, simplesmente porque eu estava para nascer nesta altura mas atrasei-me na barriga na minha mãe mais de uma semana. E, mesmo assim, nasci com uns míseros 2,200 Kg.; mas foi o suficiente para lhe causar um parto difícil e ela colocar o meu pai fora do quarto da maternidade quando ele me foi ver pela primeira vez. Então, dá-me ideia que a nossa Revolução dos Cravos é para Portugal o que eu fui para a minha mãe: ambas causamos dores, mesmo depois do parto.

Amanhã é 25 de Abril e o 24 de Abril parece ser o "last fuckable day", pois a culpa de todo o mal de Portugal dizem-me que aconteceu por causa do 25 de Abril. Antecipo mais tempos difíceis à nossa frente e nós, aqui no blogue, vamos ser especialmente afectados: o NAJ era bom até hoje; amanhã, já estará junto do lado mau da Força.

Sabes como é, Nuno, este será o teu "last fuckable day". Parabéns!

Pensar o papel do Estado e pensar a longo prazo...


Esta semana tive o prazer de estar numa conferência em que a oradora principal era a Mariana Mazzucato da Universidade de Sussex. É uma economista que se estuda questões ligadas ao crescimento e à inovação com especial enfase nas questões institucionais.   
As questões que colocam desafiam muito a visão conservadora hoje dominante na Europa sobre a atuação e o papel das instituições públicas na promoção da inovação e do crescimento.
Na apresentação que fez começa por caracterizar a visão dominante nos Governos europeus de hoje como uma que se limita a perguntar:

"Why doesn´t the government just get out of the way and let the private sector - the real revolutionaries innovate"?

Mariana Mazzucato questiona esta visão, e mostra que em países como os EUA ou a Alemanha foram instituições públicas que fizeram grande parte da inovação, e é o papel activo de diferentes instituições públicas que actuam em diferentes partes do processo de inovação que determina o sucesso americano em criar valor nesta área (podem ver uma talk mais curta do que a que apresentou no ISEG aqui).

Estas ideias estão no seu livro com o título provocador O Estado empreendedor que é descrito pela editora da seguinte forma: 

The Entrepreneurial State: debunking public vs. private sector myths - Anthem 2013 - is stirring up much-needed debate worldwide about the role of the state in fostering long-run innovation led economic growth.The book comprehensively debunks the myth of a lumbering, bureaucratic state versus a dynamic, innovative private sector. In a series of case studies—from IT, biotech, nanotech to today’s emerging green tech—Professor Mazzucato shows that the opposite is true: the private sector only finds the courage to invest after an entrepreneurial state has made the high-risk investments. In an intensely researched chapter, she reveals that every technology that makes the iPhone so ‘smart’ was government funded: the Internet, GPS, its touch-screen display and the voice-activated Siri. Mazzucato also controversially argues that in the history of modern capitalism the State has not only fixed market failures, but has also actively shaped and created markets. In doing so, it sometimes wins and sometimes fails. Yet by not admitting the State’s role in such active risk taking, and pretending that the state only cheers on the side-lines while the private sector roars, we have ended up creating an ‘innovation system’ whereby the public sector socializes risks, while rewards are privatized. The book considers how to change this dysfunctional dynamic so that economic growth can be not only ‘smart’ but also ‘inclusive’.

Eu confesso que concordo com muitas das ideias que apresentou. Nessa conferência tentei enquadrar o caso português, usando a experiência que tive com o estudo que fiz para a Gulbenkian. Salientei o importante avanço que houve na ciência, mas também na transferência de tecnologia e na inovação em vários sectores. Salientei que este avanço aconteceu em vários sectores, mas que foi particularmente notório em sectores em que instituições de transferência de tecnologia públicas ou semi-publicas cooperaram com associações empresariais, empresas e universidades de forma produtiva. Estes exemplos são muito variados e não surgiram apenas ou sequer especialmente em áreas de alta tecnologia.
A indústria do calçado em Portugal, por exemplo, não deu a volta por conseguir baixar salários, mas por conseguido evoluir para ter o segundo maior preço mundial. E quem conseguiu isso foram os empresários com visão, mas foram também as associações do sector, o centro tecnológico do calçado (CTCP) e a colaboração que desenvolveu com universidades, no design e engenharia, com a AICEP, o IAPMEI, etc. O mesmo pode ser dito do sector têxtil e vestuário, ou de outros tão diferentes como o sector agrícola, os produtos metálicos, automóvel, software ou do turismo.
As estratégias bem sucedidas partiram de iniciativas empresariais inovadoras, mas também da forma como estas se coordenaram com outras empresas e com instituições públicas relevantes. No sector agrícola a organização da comercialização fez uma enorme diferença. Nos produtos metálicos a melhoria da tecnologia e certificação mais avançada permitiu o salto que o sector está a dar. No têxtil e vestuário, a incorporação de novos materiais, o design e a melhoria da capacidade de resposta foram cruciais. No software, a maioria das principais empresas que temos saíram directamente da iniciativa de universitários. No caso do Turismo, uma política pública activa de atracção de “low costs” e de apoio a novos investimentos abriu novos mercados. No caso da indústria automóvel a intervenção pública foi essencial para o arranque em Portugal, mas também para o enraizamento da rede de fornecedores, tal como também foi em Espanha, na Coreia e em tantos outros países. 
Por exemplo hoje o CEIIA está a trabalhar com a Embraer e com empresas portuguesas para alargar a rede nacional de fornecedores para a industria aeronáutica. E há muitas outras áreas como a da Saúde, a Biotecnologia, a Energia, em que há ainda muitas oportunidades por explorar na resposta a problemas transversais (como o envelhecimento, os desafios da sustentabilidade, ou de encontrar novas soluções para a vivência e mobilidade dentro dos espaços urbanos), que requerem cooperação entre várias áreas do saber e entre universidades, hospitais, municípios, empresas, etc. Em todos estes casos as soluções inovadoras e a resolução mais eficiente e eficaz dos problemas sociais  A verdade é que em quase todos estes casos houve iniciativa de instituições públicas no arranque e desenvolvimento, e apoios públicos determinantes, para reforçar a competitividade empresarial. Hoje quase todas estas instituições estão subfinanciadas ou mesmo a lutar por sobreviver, centrando-se em actividades como a prestação de serviços com retorno imediato e adiando áreas em que podiam ter maior pioneirismo, mas apenas retorno dentro de alguns anos.A opinião que levei a essa conferência é a de que se tem de fazer mais nesta área e que os exemplos que há mostram que foi possível fazer muito com investimentos e recursos relativamente modestos. 


PS - Em jeito de resposta à Rita - A Mariana Mazzucato veio a Portugal por convite do António Costa, que encerrou a conferência. 

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Tecnologia crítica

Para escrever sms, uso a escrita inteligente do meu telemóvel. Na tentativa de escrever "audácia", o dicionário sugere "bufaria" e "badalhoca". Esta tecnologia é de outro nível. É que uma coisa é ter programação inteligente, outra é ter lido Bauman.

O Marco

Hoje vi o Marco outra vez. Ontem o meu carro aqueceu demais--é um carro muito "hot", como eu, se calhar...*--e hoje consegui levá-lo à oficina sem o escavacar por ter aquecido demais. O Marco é um dos rapazes que trabalha na oficina que eu uso e que me dá boleia da oficina para o trabalho e vice-versa, pois as boleias fazem parte do atendimento ao cliente da empresa. É do Equador e já está nos EUA há nove anos, se não estou em erro. Primeiro foi para Miami, na Florida, mas não gostou porque não conseguia sair da comunidade latina, quer dizer, quase que não aprendeu inglês. Depois veio para Houston, já não me recordo quando, e já sabe conversar em inglês. A maior parte das pessoas com quem trabalha são americanas e ele tem de usar inglês para trabalhar. Achei giro, que ele se sentisse mais à vontade no Texas porque, nas notícias, o Texas dá a ideia de ser um sítio muito pouco tolerante de imigrantes.

Na penúltima vez que vi o Marco, ele disse-me que queria arranjar outro emprego. Eu sugeri que ele fosse para uma universidade, mas ele disse que já tinha um curso universitário. Ele tem o curso de Ciências Computacionais (Computer Science) de uma universidade no Equador. Ele gosta do seu emprego actual, mas não acha que seja particularmente estimulante para o seu cérebro, e acha que pode fazer um trabalho mais exigente. Nesse dia, eu sugeri que ele procurasse emprego pela Internet, usando o motor de busca Indeed. Dei-lhe instruções de que palavras chave ele devia usar e de como aquilo funcionava. Sugeri empresas que poderiam usar os conhecimentos que ele tem. Depois disse-lhe para ele procurar exemplos de CVs na Internet para se orientar a criar o seu. Dei-lhe o meu email, caso ele precisasse de alguém para rever o CV em inglês.

Quando eu lhe sugeri para procurar por emprego na Internet, ele disse que ainda não tinha pensado nisso. Parece uma estratégia lógica, mas para quem não está habituado a fazer as coisas assim, por vezes o que parece óbvio é o que distancia a pessoa dos seus objectivos.

Durante a boleia para o trabalho, hoje, perguntei-lhe como ia a busca de emprego. Ele disse que ainda não tinha investido muito tempo. Há coisa de dois meses, ele e a esposa compraram uma casa e, como tal, há um período de ajustamento e de organização da casa. Hoje, disse-me que já estava tudo organizado, já tinha um quarto onde tinha o computador a funcionar. Eu disse-lhe que nesta altura do ano, há boas oportunidades de emprego. Muitos estudantes universitários terminam o curso em Maio, logo as empresas orientam a gestão dos seus recursos humanos para aproveitar e poder escolher os melhores candidatos. Ele ficou surpreendido quando eu lho disse, ainda não tinha pensado na dinâmica do mercado de trabalho dos EUA. É natural porque ele não fez o curso aqui.

Há mil e uma coisas que parecem ter pouca importância, mas algumas pessoas sabem-nas e outras não. Muitas vezes, são as pequenas coisas que fazem a diferença. Quando um balde apara a água de uma torneira a pingar, há uma gota de água que faz o balde transbordar. Essa gota, que parece tão insignificante de pequena que é, é que faz toda a diferença entre conservar o recurso e desperdiçá-lo.

* Já sabem que eu gosto de fazer piadinhas. Vocês têm vidas mais stressadas do que eu, logo sinto-me na obrigação de vos fazer rir ou, pelo menos, abanar a cabeça e queimar uma caloria para ficarem mais perto de um corpo de verão. Não é preciso agradecer, faço-o por gosto...

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Pensar à grande!

Já que temos ordens para pensar "à grande", aqui vai um pouco do pensamento dos grandes (ver artigo na Bloomberg).

Os EUA estão a tentar desenvolver um novo avião bombardeiro que deverá entrar em serviço em 2030. Já estão a discutir custos e há contestação porque o orçamento tem uns números estranhos. Estima-se que custará $550 milhões por avião em dólares de 2010 (isso é menos de $2 per capita nos EUA; em Portugal seria $55 per capita). Há críticos que dizem que o número é pura fantasia e que a Força Aérea tem um historial de exceder o orçamento. Depois há a questão de saber se essa tecnologia é a adequada. Será que daqui a 15 anos fará sentido ter aviões deste tipo?

Mas estão a ver a diferença que existe na mentalidade dos EUA vs. Portugal?

  • Os americanos planeiam com décadas de antecedência.
  • Há continuidade de estratégia. Eles decidem investir com um governo e quando outro governo chega ao poder, a estratégia é continuada.
  • Há controle de despesa, contestam-se os pressupostos usados nas estimativas, e mesmo um projecto secreto é discutido nos media. A discussão é baseada em factos, não é baseada em ideologia.
  • Discute-se a credibilidade dos números. Invoca-se falhas passadas para demonstrar que há grande probabilidade de haver erros.
  • A linguagem usada pelos americanos: affordablility, budget, funding, ou seja, financeiramente possível, orçamento, financiamento. Antes de ir à caça de gambozinos, eles já andam a ver de onde virá o dinheiro e quais os riscos.
  • Discutem a necessidade do investimento e se o investimento será relevante no futuro, ou seja, terá este investimento benefícios concretos?
Será que António Costa consegue pensar "à grande" usando esta metodologia? Porque é que ele não nos demonstra que os princípios de gestão que ele usou na CML eram "à grande" e, como tal, obedeciam a critérios de controle de despesa também eles "à grande"? Eu, que sou pequena, tenho medo de me perder em coisas grandes. (E, no entanto, vivo no Texas...)

Na selva...

Ontem, como de costume, passeei os meus cães à noite. Se o tempo permite, nós passeamos de manhã e à noite. Aqui há uns meses uma vizinha perguntou-me se eu passeava cães como profissão. Eu disse que não. Também já me chamaram "dishwasher" no meu escritório, tudo porque em vez de deixar pratos sujos no lava-louças, eu meto os meus pratos na máquina de lavar. No dia em que eu estava a lavar coisas, as coisas que eu estava a lavar eram plásticos de comida que eu ia meter no caixote de reciclagem. Então é assim: em certas coisas, eu sou o que os americanos chamam "anal-retentive", uma pessoa demasiado meticulosa. Felizmente, não sou obsessiva, há sempre um quarto cheio de tralha que eu mantenho e, normalmente, só o limpo pouco tempo antes de mudar de casa outra vez. Estou a tentar emendar-me e a não ter tanta tralha nem mudar de casa tão frequentemente.

Quando mudo de casa, um dos requisitos tem de ser uma vizinhança que permita passear os cães. Isto para os portugueses pode ser trivial, mas nos EUA, encontrar vizinhanças com passeios é uma aventura. As vizinhanças antigas têm passeios, depois chegou a modernidade e deixaram de construir passeios; agora, parece que os passeios estão a regressar, pelo menos em alguns sítios. Outro requisito das minhas casas tem de ser terem um jardim, ou pelo menos um sítio com relva para os meus cães, claro está.

Alguns meses depois de eu mudar para Houston, choveu muito, o que aqui não é anormal de todo, e encontrei uma cobrinha à porta da minha cozinha--sim, uma cobra bebé, dentro da minha cozinha, ao pé da porta. Por sorte, estava uma vassoura ao pé da porta e eu varri o bicho da minha cozinha para a rua, apesar de ter o meu coração prestes a saltar da minha boca para fora. Nestas alturas, eu torno-me numa pessoa muito religiosa com uma boca porca e grito "Sweet Mother of Jesus, what the fuck!!!" Nesse dia, também gritei "I want to go back to Memphis, fuck Houston!" Notem, que é muito mais fácil dizer asneiras em inglês do que em português. Soa melhor, deve ser por causa dos filmes e eu adoro os filmes do Tarantino. Houston é assim: há cobras de jardim, há outras cobras maiores e mais perigosas, há "fire ants" (formigas de fogo), que mordem e causam imensas dores, há umas melgas nojentas e enormes, há mosquitos, há baratas nojentas e enormes, etc.

Reparem que eu sou uma pessoa muito amiga de bichos e até gosto de aranhas, mas há aranhas venenosas nos EUA. Eu já vi as fiddleback (aranhas com um desenho de um violino nas costas) em Oklahoma. Quanto eu estava a terminar o meu doutoramento, vivi uns meses em casa dos meus sogros durante a semana e aos fins-de-semana vivia em Oklahoma City. Em casa dos meus sogros encontrei as aranhas fiddleback. E quase que me deu uma coisa má. Quis telefonar para a universidade, para o departamento de insectos, mas eu nem sabia o nome do departamento, pois tinha-se varrido tudo da minha cabeça. Era entomologia. Acho que fui à Internet para saber. Telefonei e falei com um professor, que me disse que, se as aranhas andavam pela casa, a infestação devia ser considerável. Os meus sogros tiveram de chamar alguém para desinfestar a casa porque eu os chateei até o fazerem. Eu gosto de violinos, mas não gosto de aranhas com violinos.

Então ontem, durante o nosso passeio, o meu cão Chopper começou a lamber uma pata. E parava para lamber a pata e não queria caminhar. E eu "Chopper, anda, vamos, come on, let's go!" (Os meus cães são bilingues como eu.) E ele sentava-se a lamber a pata muito aflito. Peguei nele ao colo, mas estava escuro e não dava para ver nada. Já era perto das 20h. Toquei-lhe na pata e estava completamente viscosa, pensei que ele tivesse pisado alguma coisa nojenta, mas não. A viscosidade era da saliva dele. Achei fascinante! A saliva contém propriedades anti-bacterianas e desinfectantes, logo o instinto dele foi encher a pata da sua saliva para combater o que o estava a incomodar. Falei com ele, fiz-lhe festas, e deitei-o no chão para continuarmos o passeio.

A certa altura, já perto de casa, ele começou a ficar letárgico e parou. Peguei nele, ficou completamente mole nos meus braços e levei-o para casa. Vi-lhe a cor das gengivas e estavam sem cor nenhuma, a língua estava fria. Numa das patas havia uma manchinha vermelha. Decidi levá-lo ao hospital, pois pensei que tivesse sido mordido por alguma cobra. Tenho visto imensas cobras pequenas mortas durante os passeios, logo está na época delas. Ele estava tão relaxado que nem foi preciso meter-lhe o cinto de segurança. A viagem deve ter demorado 15-20 minutos. Se vocês ouviram alguém gritar "Motherfucker!!!" a meio da noite, fui eu quando cheguei à passagem de nível e estava fechada por causa de um comboio. Felizmente, deu para dar a volta e ir noutra direcção.

Chegámos ao vet, que está aberto 24 horas. Ele foi levado para dentro para lhe tirarem os sinais vitais; mas, assim que o tiraram dos meus braços, o meu cão olhou para mim e arrebitou. Quando o trouxeram de volta para nós esperarmos para ver o veterinário, ele já estava melhor e quase que não parava quieto. Este meu cão é completamente dramático! Viu-se com os enfermeiros num sítio estranho sem mim e ficou logo aflito. No final, estava tudo bem. Ele deve ter tido uma reacção alérgica a algo que o mordeu, mas não foi uma cobra, pois as cobras de jardim não mordem e as mordidas das outras causam muitas dores.

Sobrevivemos, mais uma vez, à nossa selva doméstica e, pelo caminho, eu aprendi mais umas coisas...

terça-feira, 21 de abril de 2015

Prenda de natalidade para os governantes de Portugal

Caros Governantes Actuais e Futuros,

Parece que andam preocupados com a falta de bebés que as mulheres não produzem em Portugal. As mulheres também andam preocupadas com a falta de homens que lavam pratos lá em casa. É necessário um compromisso. O ideal será permitir, em Portugal, a poliandria: uma mulher e vários homens. Este arranjo é o ideal porque muitas mulheres para além de trabalhar fora de casa, também tratam de filhos e casa, ou seja, são multi-taskers. Os homens ainda não conseguiram obter tanta desenvoltura, logo é preciso um período de transição. A poliandria como suporte desse período de transição tem vários benefícios, como por exemplo:

  • As políticas actuais para governar Portugal causam depressão e homens deprimidos não têm vontade sexual, logo aumentando o acesso de uma mulher a vários homens, sem que a sociedade torça o nariz, ultrapassa-se esse problema facilmente.
  • É pro-natura: o pico da vida sexual das mulheres ocorre mais tarde do que o dos homens, logo é preciso mais do que um homem para as satisfazer, à medida que elas envelhecem.
  • Os homens teriam outro homem (ou outros) com quem partilhar a mancave e, partilhando as responsabilidades de casa, estas seriam feitas mais rapidamente, logo os homens poderiam jogar jogos de vídeo mais tempo.
  • Permite a uma mulher ter conversas especializadas: um homem com quem discutir poesia, outro matemática, etc.
  • Os lares terão pelo menos três salários ou três subsídios de desemprego/formação etc., o que permite economias de escala no consumo e aumenta a qualidade de vida dos cidadãos. Isto permite ao governo português continuar políticas de baixos salários, já que há uma clara incapacidade de produzir crescimento de salários (e da economia).
  • Esta política aumentaria a imigração de mulheres de outros países que viriam viver para Portugal.
  • É provável que mais homens estrangeiros também imigrassem para Portugal: o incentivo de ter mais tempo para jogar no computador ou na Playstation é imbatível.
  • Portugal seria visto como um dos países socialmente mais avançados no mundo e seríamos reverenciados internacionalmente pelo nosso engenho.
  • Haveria uma grande probabilidade de nós roubarmos população à Alemanha, em vez de eles continuarem a levar os nossos cérebros e a deixarem para os contribuintes portugueses a dívida dos ditos.
  • Os homens já passaram tempo suficiente a pensar em threesomes, agora é a vez das mulheres.

Claro que é necessário um estudo mais aprofundado desta alternativa. Sugiro que esse estudo seja conduzido apenas por mulheres, pois os homens já passaram tempo mais do que suficiente a forçar e a legislar o corpo da mulher. Nós já conquistámos o direito de decidir como melhor organizar a sociedade por uns tempos, pois os homens já tiveram esse privilégio por vários milénios.

P.S. Obrigada pela inspiração, Luís Lavoura. Isto é que é trabalho de equipa!

I love Bloomberg...

As coisas maradas que eu aprendo a ler a Bloomberg! Como por exemplo,
[...] the minimum number of days a man should wait between orgasms, a protocol Asprey found in an ancient Taoist text. (Age minus 7, divided by 4.)
Agora percebo porque é que eu gosto de homens mais novos do que eu...

É a economia e não só

Marx com a sua profecia de um cataclismo iminente do capitalismo encheu muitos corações de esperança. Depois dele, muitos discípulos não se cansaram de anunciar para breve o paraíso na terra, com a concomitante expurgação da propriedade privada, a origem de todo o mal. Desgraçadamente, o comunismo teimava em não medrar nos países industrializados, como havia profetizado o mestre, e, quando medrava, era em sociedades agrárias como a Rússia e a China, onde o paraíso rapidamente se revelou um inferno. Hoje, já são poucos os que acreditam nos “amanhãs que cantam”.
Todavia, nada disto impediu que a ideia central de Marx vingasse: é o dinheiro – a economia – que faz girar o mundo. “É a economia, estúpido”, como dizia o outro.
Niall Ferguson em “A lógica do dinheiro” tenta contrariar e desmontar este determinismo económico. A economia é importante? Com certeza. Mas não passa de um dos elos na “longa e emaranhada cadeia da motivação humana”. O homo economicus – alguém que visa maximizar constantemente a sua utilidade com cada transacção - continua a ser uma “raridade” e, para muitos, é uma aberração, uma “monstruosidade”.
Vejamos um dos casos concretos analisados por Ferguson. Hoje, faz parte da nova sabedoria do senso comum a ideia de que a popularidade do governo depende do desempenho económico - rendimentos reais, emprego, inflação, taxa de juro. E talvez ninguém acredite mais nesta verdade axiomática do que os próprios políticos. Mas serão as coisas assim tão simples e lineares? Será que mais prosperidade é sempre equivalente a mais popularidade? E a recessão implica sempre impopularidade?
Ferguson pega no caso britânico e chega à conclusão de que não se pode estabelecer uma relação de causalidade estável entre o sucesso económico e o sucesso político. Por duas razões. Primeira, as tentativas políticas para manipular o ciclo económico saem muitas vezes furadas, aparecendo muitas vezes consequências que ninguém previu. Segunda, os eleitores não se limitam a premiar os governos quando a economia cresce e a castigá-los quando isso não acontece.
No Reino Unido, entre 1832 e 1997, houve 50 mudanças de governo. Segundo Ferguson, apenas em quatro as questões económicas foram decisivas. Eis alguns exemplos relativamente recentes. Em 1983, o estado periclitante da economia britânica não impossibilitou que Thatcher voltasse a ganhar as eleições. Em 1992, com maus indicadores económicos, John Major ganhou as eleições; em contrapartida, perdeu-as em 1997 para Tony Blair, quando as coisas estavam notoriamente a correr bem economicamente.
Em suma, os eleitores estão longe de decidir apenas em função do “dinheiro que têm a mais ou a menos na carteira”.
Passos Coelho e António Costa fazem mal se centrarem o discurso apenas no passado, até porque já toda a gente conhece a ladainha. Na minha opinião, é mais vantajoso, para cada um, centrar o discurso no futuro. Isto não está para brincadeiras, e aos portugueses interessa perceber, por um lado, qual é o candidato que dá mais garantias em termos de competência e seriedade e, por outro, qual é o  projecto mais consistente e credível.

Re: Inveja dos doutorados

Em inglês, é muito pouco comum dizer-se "I am doctored". A bem dizer, eu nunca ouvi ninguém dizer isso; o normal é dizer "I have a doctorate" ou "I have a Ph.D.". O verbo "to doctor" tem muitos significados, entre eles, o de "aulterar, corromper, falsificar". E talvez seja por isso que as pessoas em inglês preferem dizer que têm um doutoramento, em vez de dizer que são doutoradas. Nos EUA, não é comum o nosso doutoramento vir à baila no dia-a-dia, nem sequer há grande preocupação em falar dos doutorados. Em Portugal, parece que anda por aí uma febre com doutorados. Talvez por ser uma coisa recente ter tanto doutorado, as pessoas não sabem o que fazer com eles ou o que pensar deles.

Não sei porque razão se deveria ter inveja dos doutorados, mas acusar alguém de ter inveja dos doutorados está na moda. Isso só me diz que há muitos doutorados inseguros. Um doutoramento não deve ser usado para dar validade a ninguém e, se há alguém que se sente com valor apenas por ter um doutoramento, podemos concluir com 99.99% de certeza que essa pessoa não vale grande coisa. No final de um doutoramento, a pessoa deveria sentir-se humilde porque uma das coisas que acontece no doutoramento é a realização de que nós somos uns grandes ignorantes. Aquilo que sabemos, comparado com o que não sabemos, é muito pequenino. Há uma certa fascinação em poder contribuir para e avançar o conhecimento humano, mas o desconhecimento é sempre infinitamente superior. E mesmo quando há uma descoberta, resta sempre a dúvida porque em ciência não há a certeza absoluta; isso é uma coisa que se reserva para a religião.

Eu, ao contrário da Teresa de Sousa, não concluo automaticamente que "esses doutorados sabem pelo menos que dispõem de ferramentas que mais tarde ou mais cedo lhes serão fundamentais para construir um futuro melhor." Em primeiro, há doutorados que são maus. Uma vez, um doutorado que eu conheço, escreveu uma descrição de um modelo logístico na qual misturou PROBIT e LOGIT--tinha o livro à frente e mesmo assim não percebeu nada do que leu, mas foi suficientemente bom para a sua dissertação ter sido considerada a melhor do departamento. Depois há a crítica óbvia: como é que isto funciona para os doutorados que trabalham para terroristas e/ou governos maus e desenvolvem investigação para fazer mal à humanidade e construir um futuro pior? Se todos os doutorados fossem bons e melhores do que o resto das pessoas, acho que já teríamos percebido que bastava criar governos de doutorados para construir um futuro melhor para toda a gente. Mas o mundo não funciona assim, pois não?

Já vos falei de Gary England, que é o Weather God de Oklahoma. Graças a ele milhares de vidas foram salvas. Na tal entrevista para o New York Times depois de se reformar, ele fala de um dos seus grandes arrependimentos. Diz o jornalista da história:

One big regret, he said, is that although he grew up surrounded by Cheyenne people in Seiling, he never asked them about tornadoes. He didn’t know any of the tribes’ severe-weather folklore or survival strategies — the wisdom they must have built up over centuries on the Plains. Greg Carbin, at the National Weather Service, told me something similar. It’s a shame, he said, but not much native lore has survived. Both men had an attitude of sad resignation. Despite all of our Dopplers and Storm Trackers and Dominators, the feeling seemed to be, we have lost the old wisdom forever.
Gary England não é doutorado, mas é melhor a prever tornados do que qualquer doutorado. E, no entanto, ele acha que seria melhor se tivesse conseguido obter informação das tribos nativas às Américas, que foi passada durante séculos, de geração para geração. Para nós, ocidentais, que estamos habituados ao método científico, estes povos são considerados primitivos. Mas muitos destes povos adquiriram conhecimento que nós ainda não descobrimos, apesar de termos tecnologia muito mais avançada do que eles tiveram e têm. Os doutorados que pensem nisto.

P.S. Obrigada ao NAJ por me enviar a peça de opinião do João Miguel Tavares.

O Haiti é aqui

Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
Em 1993, na sequência de uma campanha levada a cabo no Brasil de recolha de fundos para ajudar o Haiti, que vivia uma situação de catástrofe humanitária, Caetano Veloso lança uma canção/intervenção avisando que o Haiti, a catástrofe, era no Brasil. Não gosto do egoísmo implícito nessa mensagem, mas a chamada de atenção é verdadeiramente poderosa.


Neste momento, e já há alguns anos, podemos dizer que o Haiti é aqui, no Mediterrâneo, à entrada da Fortaleza Europa.

Turbinação do passado

Vi o vídeo da Ana Malhoa para me educar (ou será deseducar?). As mamas dela recordaram-me da última vez que fui a Las Vegas. Fui ao Crazy Horse com um amigo, que insistiu em comprar-me uma lap dance. Eu escolhi a moça, que era uma rapariga asiática, que eu achei bonita. Enquanto ela me conduzia ao sítio onde me iria fazer a lap dance, olhou para as minhas mamas e disse "Are those real?" Eu respondi "Yes", ao que ela disse "You're lucky, I had to pay for mine."

Inveja de mamas é uma condição que aflige muitas mulheres, mesmo as profissionais; também aflige alguns homens. Felizmente, ainda não tive de as espremer para ninguém. O cérebro espremo quase todos os dias. Work it, NAJ!!!

P.S. Tenho de meter isto em Competitividade: as mamas são uma vantagem comparativa...

À atenção dos senhores professores em serviço de júri de doutoramento

O Público indignou-se - e bem - com o facto de algumas funcionárias terem de espremer as mamas para fazer prova de estarem a amamentar. Nessa campanha para proteger partes do corpo humano de serem espremidos para fazer prova de alguma coisa, podemos incluir o cérebro?

Auto-depreciação injustificada

- Com certeza ganhaste alguma coisa enquanto lias e escrevias a tese de doutoramento.
- Sim, quinze quilos.

O futuro? Tá todo turbinado.

O Zé Carlos escreve um post sobre um putativo conflito de gerações e a sustentabilidade económica, e tem 23 comentários, muito interessados em discutir o futuro das novas gerações.
Eu escrevo um post sobre a relação directa entre a decadência do esteticismo e o sucesso de Ana Malhoa, e o único comentario obtido é da nossa colega Rita, ainda por cima para dizer que não conhece a obra da rainha do urban latin pop.
Pois bem, meus caros leitores e companheiros alienados da vida mundana, o último capítulo da saga artística da cantora já teve, em menos de um mês, novecentas mil visualizações no YouTube. O futuro das novas gerações não está na reforma do Estado Providência. O futuro das novas gerações já chegou, está aqui.


Nota de rodapé
Definição de ironia do Oxford Dictionary of Literary Terms, de Chris Baldick: "Uma percepção humorística subtil de inconsistência, na qual uma afirmação ou descrição aparentemente direccionadas são corroídas pelo seu contexto, por forma a oferecer-lhes uma significação muito diferente." (Tradução minha)

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Deturpação

Sinceramente, não percebo como funciona o cérebro de certos portugueses. Li esta notícia no Público acerca do estado empreendedor, onde se diz que o estado empreendedor americano é que cria iPhones e leva as pessoas à lua. Isto é uma completa deturpação do estado empreendedor americano. Em primeiro lugar, Portugal não tem o tamanho dos EUA, logo as economias de escala não estão presentes. Os EUA são dos países avançados que cobram menos impostos como percentagem do PIB. Ter uma população de mais de 300 milhões de almas, que ganham relativamente bem, cria economias de escala no pagamento e criação de receita de impostos com as quais Portugal nem sonha. Já as podíamos ter tido, com as colónias, mas neste momento, as únicas colónias que identifico são as de aranhas que enchem o cérebro de muita gente que decide distorcer a realidade.

Mas vou dar-vos um exemplo concreto, só para verem a subversão que se faz de como os EUA funcionam. Em 1956, os EUA embarcaram na construção do sistema de autoestradas inter-estaduais (Interstate Highway Sistem). O principal objectivo do mesmo era o de defender o país em caso de ataque, pois ainda estavam sob o estado de espírito da Segunda Grande Guerra Mundial. Foram os militares que decidiram onde colocar as autoestradas para melhor acesso a pontos estratégicos e protecção do país. Depois das autoestradas construídas, verificou-se que o comércio de bens e serviços e o movimento de pessoas foram também impulsionados porque a localização das autoestradas foi bem estudada e servia os interesses do país, o que facilitou o crescimento dos EUA. Notem que a maior parte do sistema de autoestradas americano é grátis, são muito poucos os sítios onde se cobra portagens.

Contrastem este enquadramento com a forma como se decidiu onde colocar autoestradas em Portugal. Houve alguma lógica subjacente? A única lógica que houve foi captar fundos comunitários, enriquecer as construtoras civis, e captar subornos para políticos corruptos. Para além disso, muitas das autoestradas portuguesas estão sujeitas a portagens que são muito mais caras do que em qualquer sítio nos EUA. Notem a diferença de salários dos EUA para Portugal e vêem como a política de infraestrutura de autoestradas portuguesa é um completo absurdo. Como é que isto gerou um sistema de autoestradas que serve os portugueses e os interesses de Portugal? Não gerou, o que gerou foi umas empresas que são parcerias publico-privadas e que vivem à custa do contribuinte português porque são mal geridas e quem as gere não tem capacidade para fazer lucro sem ter acesso a um estado que legitimiza a exploração dos portugueses. Gerou dívida; não gerou crescimento!

O caso do iPhone, que é apresentado por António Costa: mais uma vez foram os militares que desenvolveram muita da tecnologia para defender o país. Notem que os militares americanos usam programação matemática para optimizar a utilização de recursos já desde os anos 40 e estudos benefício-custo. Apresentem-me provas que Portugal desenvolve infraestrutura que obedece a critérios de boa gestão de recursos e que pondera os benefícios e os custos. Se isso acontecesse, como é que teríamos uma dívida pública de quase 130% do PIB? Num universo onde o investimento é feito de forma a que os benefícios excedam os custos, haveria alturas em que o rácio da dívida pública/PIB diminuiria porque o investimento criaria retorno, que se traduziria em crescimento mais acelerado do PIB. O investimento público não tem retorno em Portugal--notem que Portugal tem infraestrutura mais avançada do que a americana.

Os EUA não são propriamente um país que esbanja recursos, há notícias de recursos esbanjados porque nada é perfeito, mas também há casos como o da Bridge to Nowhere, que não chegou a ser construída, apesar de os fundos terem sido apropriados, mas o próprio Congresso cancelou o projecto. Esses exemplos são mencionados ad nauseum pelos americanos como lições para controlar a despesa e evitar situações de despesismo. Despesismo por causas políticas nos EUA é o chamado "pork barrel".

O investimento mais importante que Portugal deveria fazer era recolha e análise de dados e disponibilização dos mesmos às empresas portuguesas, ensiná-las a usar informação, e incentivar a cooperação entre as empresas para explorar infraestrutura e conseguirem atingir economias de escala. Para além disso, as universidades deveriam estar atentas aos interesses do sector privado, pois deveria haver uma maior cooperação e disseminação de conhecimento técnico--já sei pelo LAC que a Universidade do Minho faz isto, mas isto não é a regra. As empresas portuguesas andam às cegas e nem sabem como gerir informação e risco. O século XXI é o século da informação e Portugal não usa ou usa mal a informação. Se querem governar Portugal e fazer Portugal crescer deixem de repetir os mesmos erros do passado. E já agora importam-se de baixar as portagens?

Quando o Steve Jobs regressou à Apple, telefonou ao Bill Gates para o Bill Gates financiar a Apple. Em 1997, a Microsoft emprestou $150 milhões à Apple, que era sua concorrente. O Steve Jobs não telefonou ao governo americano a pedir um subsídio. Sem esse empréstimo, não teria havido estado empreendedor que valesse à Apple.

Imaginar a guerra

Depois de ler o Zé Carlos, lembrei-me de uma entrevista que ouvi na NPR acerca da Segunda Grande Guerra Mundial.

Nos EUA, o final da Segunda Grande Guerra Mundial é muitas vezes ilustrado por uma fotografia que saiu na revista Life e que se refere ao fim do conflito com o Japão:

A ideia que temos é que tudo foi melhor depois do fim da guerra, mas a verdade está longe de ser tão feliz, como relata o Keith Lowe numa entrevista no Fresh Air. A Europa estava completamente destruída, não havia instituições, havia fome, as pessoas prostituíam-se por comida, havia homicídios, e as mulheres que tinham dormido com soldados alemães eram publicamente humilhadas e a sua cabeça rapada.

Isto para além das mulheres que foram violadas por soldados russos, americanos, franceses, e alemães durante e depois da guerra. Os historiadores estimam que dois milhões de mulheres alemãs foram violadas, depois da derrota da Alemanha. Na Noruega, as crianças que foram fruto de relações sexuais com soldados alemães foram ostracizadas e foi-lhes negada a cidadania até atingirem os 18 anos. O governo norueguês chegou a interpelar o governo australiano para tirar essas crianças do país; a Austrália recusou depois de saber que os pais eram alemães.

Durante a entrevista, cuja transcrição está aqui, diz o autor acerca da Segunda Grande Guerra Mundial:

"And [in] America too, this was seen as ... the good war. It was unambiguously a good war; you were fighting against this horrible, evil regime. Things seemed nice and clear-cut then. Now all of this is, of course, a big myth. Things weren't clear-cut. They weren't clear-cut for the British. They weren't clear-cut for Americans either. There were all kinds of complications involved. But it's nice for us; it's cozy for us to remember it this way, because it makes us feel good about who we are and who we've become."

O autor sugere que, hoje em dia, seria difícil imaginar que tais actos pudessem voltar a acontecer. Eu não tenho grande dificuldade em imaginar que, se houvesse um novo conflito, muitas destas barbaridades seriam novamente cometidas. Elas são cometidas todos os dias, basta ler as notícias dos conflitos internacionais que estão a decorrer.

O poder mortífero dos alemães

No século XX, a Alemanha perdeu as duas grandes guerras. Isso não impediu que tivessem morrido muito mais aliados do que alemães. Na I Guerra mundial, os alemães conseguiram matar mais 35% de soldados inimigos do que homens seus perdidos – uma diferença, em termos absolutos, de 1,4 milhões.
Na II Guerra mundial, a “contagem de corpos líquida” é ainda mais favorável aos nazis. Se contarmos apenas os militares, os alemães mataram duas vezes e meia mais inimigos do que tiveram baixas; se considerarmos os civis, a extensão homicida do Eixo é ainda mais expressiva: morreram oito vezes mais civis do lado Aliado. No total, morreram cinco vezes mais aliados do que alemães: uma contagem de corpos líquida de 38 milhões.
Felizmente, a vitória na guerra não vai necessariamente para o lado que mata mais.