Já tentei escrever sobre este assunto umas duas ou três vezes, mas desisti. Ao fim de alguns
parágrafos o texto fica demasiado complicado e com demasiadas tecnicalidades,
em que as nossas leis fiscais são férteis. Não vejam nisto uma queixa, é graças a essa complexidade que a minha
mulher é tão bem paga.
Vou, pela última
vez, tentar escrever alguma coisa a este respeito onde consiga explicar o que
penso. Simplificarei ao máximo, tentando sempre que as simplificações sejam explícitas. Por exemplo, vou falar do quociente familiar como se
cada criança valesse por 1 adulto (e não uma 0,3, como foi proposto) e vou
esquecer deduções específicas. No fim, retomarei estas duas questões.
Em Portugal, um
casal pode pagar IRS conjuntamente. Como as taxas de IRS são progressivas, se uma
pessoa que ganha 1.000€ se casar com outra que ganha 9.000€, o casal passará a pagar menos
impostos no total. Como apresentam declaração de IRS conjunta, a
taxa de imposto que pagam corresponde ao seu rendimento médio (ou seja, 5.000€). É, no entanto, fundamental perceber que o imposto que pagam é sobre os 10.000€. Ou seja,
pagam exactamente o dobro dos impostos de alguém que ganha 5.000€. Se os impostos fossem proporcionais, e não progressivos, dividir o rendimento por 1, por 2 ou por 30 daria sempre a mesma taxa.
Faz sentido que
assim seja. Considera-se que um casal em que um dos cônjuges ganhe 1.000€ e
outro ganhe 9.000€ deve pagar os mesmos impostos que um casal em que cada um
ganhe 5.000€, dado que o orçamento familiar é exactamente o mesmo, 10.000€. Isto tem
implicações engraçadas. Suponha que um dos cônjuges está desempregado e que não
tem rendimentos. Se esse desempregado estiver casado com alguém que ganha 9.000€,
então a taxa de IRS correspondente a 4.500€. Mas se estiver casado com
alguém que ganha 5.000€, a taxa corresponderá a 2.500€. Dada a
progressividade da taxa de IRS, a redução dos impostos a pagar é maior no caso
do casal mais rico.
Usando a argumentação
que se tem usado a respeito do quociente familiar para os filhos, concluir-se-ia que o Estado dá mais dinheiro pelo desempregado casado com uma mulher
rica do que ao desempregado casado com uma mulher pobre. Basta pensar dois minutos,
para perceber que esta interpretação é absurda. O Estado fez uma
escolha ideológica ao definir a progressividade da taxa de IRS e definiu que a
um rendimento médio de 2.500€ correspondia uma dada taxa que é menor do que a
um rendimento médio de 4.500€. A redução do imposto a pagar é uma consequência
da redução do rendimento médio, causado pelo desemprego, conjugada com a
progressividade do IRS. Sem progressividade, não haveria qualquer
redução de impostos. Ora a progressividade existe para penalizar os rendimentos
mais altos. Concluir que, pelo contrário, beneficia os mais ricos é,
simplesmente, absurdo.
É aqui que entram
as crianças. Não faz qualquer sentido que um homem que ganha 2.500€ e viva
sozinho pague uma taxa de imposto mais baixa do que um homem que ganha 3.000€ e tem
duas filhas a seu cargo. Os 3.000€ são a dividir por três pelo que a taxa de
imposto a pagar devia ser a taxa que corresponde ao rendimento de 1.000€. E o Estado, ao definir as tabelas de IRS, considerou
que a esses 1.000€ correspondia uma dada taxa. Mas, relembro, o imposto total incide sobre os 3.000€. É como se houvesse três pessoas que ganham 1.000€. É simplesmente
isto que está em causa. Para efeitos fiscais, a unidade é a família. A
questão é como se contam os membros da família. Contam-se só os adultos ou contam-se
as crianças também?
Porque é que se propõe que cada criança valha apenas apenas 0,3 e não 1? Penso que o que estará na cabeça
do legislador são duas coisas. Em primeiro, há economias de escala. Uma família de
4 não tem o dobro das despesas de uma família de 2. Em segundo, as crianças já recebem
apoios do Estado de diversas formas, como vacinação gratuita, escola gratuita, universidades subsidiadas, etc. Considerando que já há um conjunto de transferências do Estado para as
crianças então é razoável que aplque um coeficiente inferior a 1. Mas, ainda
assim, terá de ser maior do que zero, a não ser que se parta do princípio que o
Estado fornece tudo o que uma criança precisa. Imagino que o valor de 0,3 por
cada criança represente este compromisso (demasiado tímido, na minha opinião).
O que é verdadeiramente absurdo é considerar como uma benesse que o cálculo do rendimento per capita de uma família seja feito da forma correcta.
Qual a oposição
que eu esperaria de um partido de esquerda? Eu esperaria que o PS rasgasse as
vestes perante a ideia de que uma criança de uma família monoparental valha
apenas 0,15. Enfim, esperaria que o PS
exigisse o respeito por todo o tipo de famílias e de ter o seu rendimento per capita correctamente calculado.
Pedir deduções à
colecta específicas por cada filho é má política. O IRS é um excelente
instrumento para financiar o Estado. As políticas de combate à pobreza são
muito mais eficazes se forem feitas com apoios directos, seja, por exemplo, com
o complemento solidário dos idosos seja com o abono de família, se se quiser
apoiar as famílias que têm filhos.
Só para terminar, gostaria de dizer que, como princípio geral, sou contra a teia de deduções,
descontos e benefícios fiscais no IRS. Isso é uma forma de o Estado interferir
nas nossas escolhas. Se as pessoas são suficientemente adultas para pagar
impostos, então também deverão ser suficientemente adultas para gastar o seu
dinheiro como quiserem sem serem beneficiadas ou penalizadas pelas suas
escolhas.