terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A lógica portuguesa escapa-me...

O Observador relata que no Hospital Amadora-Sintra, três dos seis médicos de serviço nas urgências na véspera de Natal meteram baixa à ultima hora e, no dia de Natal, quatro dos seis médicos de serviço meteram baixa, causando atrasos no atendimento das urgências de 20 horas. O remédio oferecido pela administração do hospital é que vão contratar mais médicos para que uma situação destas não se repita. Este remédio parece-me estranho.

A decisão de contratar mais médicos deve ser justificada por uma carga de trabalho regular que ocupe os médicos a contratar a tempo inteiro e não por um pico anormal de actividade, que tem pouca probabilidade de se repetir. Num país com sérios problemas de despesa pública, faz sentido ter médicos a mais durante 363 dias do ano para se ter o número adequado de médicos de serviço durante dois dias de um ano anormal, i.e., um ano em que uma taxa alta de absentismo se verifica durante dois dias seguidos?

Uma solução preferível, seria a de cooperar com outro hospital ou outros hospitais em que um pico de actividade num hospital combinada com uma falha no número de médicos necessários activa um plano de emergência que chama médicos de outros hospitais vizinhos para o hospital onde há uma emergência. Num país onde a probabilidade de haver um terramoto e/ou um tsunami destrutivo num futuro próximo é considerável, não haver um plano de emergência deste género é extremamente preocupante.

E por falar em coisas improváveis, 50% dos médicos não aparecerem num dia e 66.7% dos médicos não aparecerem no dia a seguir é raro de se observar aleatoriamente. O facto de se ter observado merece que a gerência do hospital abra uma investigação antes de proceder a qualquer plano para contratar mais médicos.

O dinheiro não cai do céu e os portugueses estão mais do que espremidos com salários baixos e impostos altos. Quem gere dinheiros públicos devia ter consciência deste facto e devia procurar soluções razoáveis que observem rigorosos critérios de benefício e custo. Seria muito melhor prevenir e/ou planear as situações de emergência antes delas acontecerem: sai mais barato, custa menos sofrimento, e frequentemente poupa vidas.

Actualização: No Público noticia-se que uma pessoa morreu nas urgências do Hospital de S. José após uma espera de seis horas. Entretanto, os hospitais são incapazes de contratar médicos suficientes (as contratações, contrariamente ao que eu tinha presumido inicialmente, são temporárias e não permanentes), apesar de se oferecerem salários de €30/hora. Parece que os médicos não querem mesmo trabalhar nesta altura. Mais uma vez, preocupa-me bastante não haver um plano de emergência que é activado para lidar com estas situações de picos anormais nas urgências.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A vez em que fui escolhido para cumprir quotas...

As I was boarding the plane I saw that the pilot was black. I had never seen a black pilot before, and the instant I did I had to quell my panic. How could a black man fly an airplane? But a moment later I caught myself: I had fallen into the apartheid mind-set, thinking Africans were inferior and that flying was a white man’s job.  ― in Long Walk to Freedom, Nelson Mandela.
Começa desta forma a minha participação activa na Maria Capaz. É uma espécie de coming out como feminista.

O esquecimento da procura da imortalidade

Antes de Sócrates (o filósofo grego), achava-se que o Homem podia alcançar a imortalidade através de obras, feitos e palavras. Só os melhores, que constantemente provam ser os melhores, e que perseguem a fama imortal são realmente humanos; os outros, satisfeitos com os prazeres que a natureza lhes propicia, vivem e morrem como animais. Até que a partir de determinado momento os filósofos gregos começaram a desconfiar, muito sensatamente, de que nenhuma obra saída de mãos mortais pode ser imortal. Descobriram então o eterno. O eterno, ao contrário da experiência do imortal, não corresponde a qualquer tipo de actividade humana. A queda do império romano deitou por terra qualquer ilusão sobre as possibilidades da imortalidade. Sobrou a eternidade, pregada pelo evangelho cristão. Passaram séculos. Na era moderna, a acção substituiu na hierarquia tradicional a contemplação, que, desde Platão passando pelos teólogos cristãos, era considerada a mais alta capacidade do Homem. Mas nada fez sair do esquecimento a procura da imortalidade, que outrora fora central para os gregos.


PS: Lembrei-me de escrever este post depois de ver o filme “The fault in our stars”.

Mentira humana

Acho interessante que nenhuma das principais religiões tenha alguma vez incluído o acto de mentir entre os pecados mortais. Não existe nenhum mandamento que diga “não mentirás” - pois, o outro “não levantarás falsos testemunhos contra o teu próximo” tem uma natureza diferente. Talvez os profetas soubessem desde sempre que ninguém “aguenta muita realidade”, como nos explicou o T. S. Eliot. 

domingo, 28 de dezembro de 2014

A Prisão Preventiva numa democracia liberal


CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE
Título XVI 
Regras especiais 
CAPÍTULO I 
Prisão preventiva e detenção 
Artigo 123.º
Prisão preventiva
1 - A prisão preventiva, em conformidade com o princípio da presunção de inocência, é executada de forma a excluir qualquer restrição da liberdade não estritamente indispensável à realização da finalidade cautelar que determinou a sua aplicação e à manutenção da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional. 


Sobre a prisão preventiva, muitos não conseguem ver para lá de Sócrates. Num país em que cerca de 1 em cada 5 reclusos são presos preventivos, choca a incapacidade de ver além do odiozinho de estimação. 

Peguemos no último caso. Arnaut faz figura de pateta quando procura argumentar que se trata de uma perseguição a Sócrates. Objectivamente, Arnaut faz figuras ridículas quando fala de Sócrates, tal como outros antes dele.  É por demais evidente que os responsáveis pela cadeia apenas estão a aplicar regras cegamente e não a perseguir o ex-primeiro-ministro. Mas é por isso mesmo que este caso nos deve alertar. 

Se tratam assim um recluso quando sabem que estão a ser escrutinados ao milímetro, como não farão com outros? Custa muito perceber que José Sócrates é apenas a ponta do iceberg? Desprezar o que lhe acontece é desprezar todos os outros presos preventivos e suas famílias.

E, para mim, essa é a questão, com que legitimidade se desumaniza alguém? Com que legitimidade é que a nossa sociedade pega num cidadão presumivelmente inocente e o submete a um regime prisional em tudo semelhante ao de um condenado efectivo?  

Esqueçam, por momentos, José Sócrates. O que vos diria o bom senso relativamente à prisão preventiva? Dando de barato que seja necessária, e lembro que tal não é verdade em diversos ordenamentos jurídicos, terá sempre de ser excepcional e apenas na medida estritamente necessária, tal como garantido na Constituição da República (artº 28). Se vamos cercear a liberdade de alguém que, perante a lei, é inocente, devemos reduzir essa liberdade da forma menos agressiva possível. Isto é mero bom senso. Faz, ou devia fazer, parte dos princípios gerais do Direito.

Diz o João Miranda que por causa de Sócrates vamos ter de andar a rever dezenas de leis injustas aprovadas pelo próprio. Ao João Miranda, e a muitos outros que aplaudem este tipo de declarações, eu gostaria de dizer três coisas: 
  1. Se a prisão de Sócrates servir para tomarmos consciência da importância da liberdade será óptimo. Eu sei que parece ridículo dizer isto a alguém que se diz liberal e que faz da liberdade individual um valor quase absoluto, mas, claramente, não são só os apoiantes que ficam patetas quando falam de Sócrates. 
  2. Se essa tomada de consciência servir para rever alguns códigos e regulamentos, já não vai a tempo de beneficiar Sócrates, pelo que pode ficar descansado. Os beneficiados serão outros.
  3. Não é preciso andar a rever leis à pancada. As que existem, se aplicadas com bom senso, servem perfeitamente. Cito o nº 1 do artº 123 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade: A prisão preventiva, em conformidade com o princípio da presunção de inocência, é executada de forma a excluir qualquer restrição da liberdade não estritamente indispensável à realização da finalidade cautelar que determinou a sua aplicação e à manutenção da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional. 
Não devia ser necessário explicar isto, mas, num país em que a liberdade é regra e não a excepção, é evidente que a prisão preventiva tem de ser aplicada da forma menos restritiva e invasiva possível. Se uma pessoa que nem acusada foi não pode receber um livro, qual o valor que damos à liberdade em Portugal?

PS Agradeço a Teresa Pizarro Beleza a dica que deu no Facebook relativamente a este artigo do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Adenda
Diz o João Miranda, sarcasticamente: "Por isso, há boas razões, como sugere o LA-C, para ter esperança que vamos ter grandes mudanças liberais na sequência do caso Sócrates. As experiências anteriores mostram que legislar sobre casos, ou tendo em mente a indignação que os casos geram, é uma grande ideia."
Ainda bem que eu escrevi, e passo a citar, "Não é preciso andar a rever leis à pancada. As que existem, se aplicadas com bom senso, servem perfeitamente." E queixam-se os liberais de que passam a vida a distorcer o que eles dizem.

Contratações para 2015

Aí estão. Se olharem para os nomes aí do lado já se podem aperceber de três novas contratações para o Blogue. Rita, Sandra e Vera.

A Rita Carreira teve, de certa forma, um percurso paralelo ao meu. Estudou Economia na FEUC e foi nos anos 90 fazer doutoramento em Economia para os EUA, mas a meio do caminho mudou agulhas para a Estatística, acabando por fazer doutoramento em Economia com minor em Estatística. Ao contrário de mim, por algum motivo, não sentiu a vocação da vida académica e foi trabalhar no sector privado. Dedica-se profissionalmente à Estatística e trabalha nos Estados Unidos. Conhecemo-nos no facebook graças ao meu irmão que pensava que nos conhecíamos. 

Sandra Maximiano fez doutoramento em Economia e dedicou-se a Economia Comportamental e Experimental. Um ramo da Economia que se dedica a mostrar que os modelos económicos de gajos como eu estão todos errados. Gosta de pôr em causa a racionalidade dos outros, mas se nos lembrarmos que agora se dedica a fazer trapézio voador (com rede, vá), rapidamente concluímos que irracional é ela. Quando um dia eu escrever um livro, será com ela.

A Vera Gouveia Barros também se dedicou à Economia estando perto de terminar o seu doutoramento. Costumamos vê-la pelo Diário Económico ou pelas TVs a comentar assuntos económicos. Em 2015 vai trabalhar a partir do Terreiro do Paço. Politicamente, define-se como uma radical do centro (não confundir com centrista radical). É raro estar em desacordo com ela, mas, quando estou, percebo o raciocínio da Vera. Ou seja, é uma neoclássica racionalista como eu. Conhecia-a como autora do único blogue cujo título eu invejava: Escorrega da Curva de Gauss.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Movimentações de mercado

Será possível melhorar a qualidade da Destreza das Dúvidas? Haverá ainda reforços por contratar no mercado de inverno do mundo blogosférico? Por incrível que pareça, há! Aguardai um pouco.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Títulos porreiros (2)


Já que estamos em saga de títulos do DN, aqui vai mais um: Afinal, Naomi Campbell prefere usar peles do que ficar nua.

Estou farto deste erro. Aliás, perde-se a conta às vezes que se ouve isto. Não há nada de errado em ter a Naomi Campbell nua, entenda-se. Mas a "Naomi Campbell prefere usar peles a ficar nua" e não "do que ficar nua".

Eu "gosto mais de uma coisa do que de outra", mas "prefiro" já quer dizer "gosto mais de", pelo que "prefiro uma coisa a outra", ou seja, nua.

PS É sempre possível que esta entrada não passe de um pretexto para pôr a Naomi Campbell nua na Destreza das Dúvidas. Que melhor forma de fechar o ano?

Títulos porreiros (1)

Vejam esta notícia explosiva na secção de Economia do DN:


Porra, como era possível que o Banco Central Europeu dissesse uma coisa destas? Fui procurar o estudo e logo leio na na capa do artigo: This Working Paper should not be reported as representing the views of the European Central Bank (ECB). The views expressed are those of the authors and do not necessarily reflect those of the ECB. OK, então afinal o BCE não defende nada disto, são, simplesmente, dois investigadores do Banco de Portugal, João Amador e Ana Cristina Soares, que escreveram um artigo sobre o assunto.

Entretanto, por achar esquisito que se tirassem conclusões tão fortes de um estudo académico, que são conhecidos pela sua sisudez, passei os olhos pelo artigo. Lendo o artigo, percebe-se que o resumo do DN é uma completa distorção do que lá está escrito. Os autores estudam o mercado laboral, verdade, mas dão particular relevo à questão da concorrência no mercado de bens. A conclusão que tiram é que não faz sentido estar a aumentar a concorrência no mercado laboral sem também aumentar a concorrência no mercado de produtos. 

Se quisessem resumir a coisa num título apelativo deveriam antes ter escrito: Falta de concorrência garante lucros anormais para as empresas, especialmente empresas nos sectores não-transaccionáveis. E depois poderiam acrescentar que a conclusão é de um estudo de dois investigadores do Banco Central Europeu.

Neste tipo de notícias absurdas, fica sempre a dúvida sobre se se trata de incompetência ou desonestidade intelectual. Inclino-me para a segunda hipótese, indo às conclusões é impossível não perceber que o foco do artigo é muito mais no mercado de bens do que no mercado laboral. Aliás, o último parágrafo do artigo diz assim:

"This paper confirms the findings of previous studies on the existence of a significant scope to improve competition in Portuguese product markets, particularly in the non-tradable sector. The non-existence of a suitable competitive setup in the past may have favored an over allocation of resources in the latter sector. Thus, improving competition is a crucial condition for a successful and sustainable adjustment process in the Portuguese economy, based on an efficient allocation of resources across firms and markets."

De qualquer forma, como não gosto de acusar ninguém de ser desonesto de ânimo leve, quero realçar que incompetência é sempre uma possível explicação.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Três narrativas

Após o eclodir da crise financeira de 2007-2008, surgiram na Europa e em Portugal em particular três grandes narrativas ou histórias. Chamemos-lhes a “narrativa da dívida”, a “narrativa do euro” e a “narrativa da banca”.

A primeira sublinha sobretudo a má gestão da política fiscal dos governos, que se endividaram demais e, por consequência, se expuseram demasiado aos mercados financeiros em período de recessão. Esta história sugere que o orçamento de Estado foi capturado por vários grupos de interesses e, como a despesa pública cresce a um ritmo superior ao do PIB, só é possível manter o atual estado de coisas com mais endividamento. Daqui decorre a necessidade das famigeradas "reformas estruturais".

A “narrativa do euro” aponta para as falhas institucionais da zona euro, ao não permitir, por exemplo, que um estado saia temporariamente da UEM para proceder a desvalorizações da moeda. Como corolário, defende-se uma maior integração europeia, nomeadamente através de uma expansão do orçamento comunitário, uma união bancária, etc.

Por fim, a “narrativa da banca” atribui as culpas da crise à ganância dos banqueiros e às falhas dos reguladores.

A esquerda, desde o início, tentou centrar a crise na “narrativa da banca”, atribuindo inclusive o problema (inegável) dos défices excessivos do Estado ao resgate de alguns bancos. A direita, por seu lado, agarrou-se sobretudo à “narrativa” da dívida”.

Tanto à direita como à esquerda, há, todavia, um certo consenso sobre a existência de erros no design institucional do euro, e embora a maioria das soluções apresentadas caminhe no sentido de uma maior integração europeia, não há unanimidade sobre a melhor forma de lá chegar.

Com o tempo, impôs-se, na opinião pública, a “narrativa da dívida”. Talvez porque fosse mais fácil de perceber pelo cidadão comum. A metáfora da família que ganha 100 e gasta 150 e que, por isso, tarde ou cedo, estará a braços com graves problemas financeiros é fácil de assimilar. Já as manigâncias da banca e os erros da regulação são questões demasiado esotéricas para a maioria dos cidadãos.

Cada uma destas narrativas tem um fundo de verdade, mas nenhuma delas conta a verdade toda.

É inegável que há um problema de sustentabilidade da despesa do Estado, que é muito anterior à crise. Entre 1980 e 2010, o nosso PIB cresceu à taxa média anual de 2,4% enquanto a despesa primária do Estado evoluiu à taxa de 4,2% (quase o dobro). Se nos concentrarmos no período 2000-2010, esses valores são, respectivamente, 0,6% e 2,9%. Bastam estes números para se perceber que, tarde ou cedo, Portugal acabaria por bater na parede. A crise veio apenas acelerar o inevitável.

Por outro lado, parece hoje ridículo o discurso elogioso sobre a solidez da banca portuguesa que nos foi impingido durante anos e anos, inclusive após o eclodir da crise - lembram-se? E, retrospectivamente, parece inacreditável a maneira acéfala e acrítica com que a maioria das elites políticas e económicas nacionais acolheu o euro de braços abertos. Quando, por exemplo, Milton Friedman afirmava que a moeda única não resistiria à primeira depressão económica, os europeus (economistas incluídos) diziam, com arrogância, que se tratava apenas do medo dos EUA da concorrência ao dólar.

Não se pode discutir seriamente a crise ignorando ou desvalorizando qualquer uma destas “narrativas”. Qualquer solução que não tenha em conta estas três facetas da crise está condenada a falhar.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O Natal pela lupa dos economistas*

Em 2002, o meu orientador de doutoramento, Yi Wen, hoje a trabalhar na Reserva Federal Norte-Americana, calculou o impacto do Natal nas flutuações económicas. De acordo com Yi Wen, devido à aproximação do Natal, no último trimestre de cada ano o PIB de um país cresce à taxa 19%, para no primeiro trimestre do ano subsequente, cair 30%. Depois de contas bastante elaboradas e, confesso, difíceis de entender, Yi Wen estimou que cerca de 50% das flutuações económicas observadas são consequência do Natal.

Por esta época, todos, ou quase todos, nos dedicamos às compras de Natal. Há prendas que compramos por gosto, outras por obrigação ou reciprocidade. De 24 para 25 de Dezembro, os nossos esforços serão premiados recebendo prendas absolutamente inúteis. Vingamo-nos observando as faces de mal fingida alegria que as nossas prendas geram. 

De acordo com a teoria económica “standard”, a melhor prenda que eu posso dar a alguém é um cheque, que depois essa pessoa gastará como entender. A não ser que estejamos perfeitamente informados sobre as preferências da outra pessoa, dificilmente daremos tão bom uso ao dinheiro da prenda. Baseado nesta ideia, Joel Waldfogel, professor de Economia na Universidade de Pensilvânia, tentou calcular o que chamou o “peso morto do Natal”. Joel Waldfogel fez um inquérito aos seus alunos perguntando-lhes quanto estariam dispostos a pagar pelas ofertas que receberam. Concluiu que, em regra, o valor atribuído a cada prenda era sensivelmente mais baixo do que o seu preço. A isto chama-se desperdício. Este desperdício era particularmente elevado com as prendas que os avós dão aos netos. Extrapolando os seus resultados para a economia americana, Joel Waldfogel concluiu que o peso morto do Natal andava algures entre os 4 e os 12 mil milhões de dólares. 

Sei o que o leitor está a pensar, os economistas nem o espírito do Natal deixam em paz. Mas, sendo tão ineficiente, por que trocamos prendas? A resposta a esta pergunta tem dividido os cientistas sociais. Os economistas, como gostam de assumir que cada indivíduo é racional e egoísta, dificilmente encontram utilidade nas prendas. Por outro lado, mesmo assumindo algum altruísmo, a racionalidade sugere que as prendas sejam dadas em dinheiro. Como muitas vezes acontece, a realidade desmente os economistas: 90% das prendas são em géneros. 

Claro que os economistas encontram justificações para todos os gostos. Alguns argumentam que oferecemos prendas para receber favores em troca. Vêem as prendas como um investimento no futuro. De acordo com esta perspectiva, quanto mais ineficiente e inútil é uma prenda, maior é a garantia de que estamos dispostos a investir numa relação futura. Ou seja, quanto maior o diamante do anel de noivado, maior o nosso amor. Há também os que têm uma visão paternalista e que argumentam que damos as prendas que consideramos melhores e não necessariamente aquelas que serão as mais apreciadas. Será o caso de uma mãe que oferece um livro clássico ao filho em vez do último jogo da “Play Station”. 

Enfim, não deixe que nós, os economistas, lhe estraguemos o Natal. Nunca fomos grande coisa a lidar com emoções. Além disso, há altruísmos que dificilmente são explicados racionalmente. É o caso da autora do blogue Kassumai [http://www.kasumai.blogspot.com], que juntou pessoas em torno de um projecto, “Um Sorriso para a Guiné”, com o simples objectivo de recolher e enviar brinquedos e livros para o Natal das crianças da Guiné-Bissau. São estas pessoas que nos devolvem o sorriso pelo Natal.


* Publicado originariamente no Suplemento de Economia do Público em Dezembro de 2007 e republicado hoje a pedido de muitas famílias. Para ser sincero, foi só uma pessoa que pediu...

domingo, 21 de dezembro de 2014

Propriedade comutativa dos dilemas-filosófico morais

Suponham que em tempos de guerra um médico tem 6 feridos pela frente. 1 muito grave e 5 menos graves. Suponham também que o médico tem apenas duas alternativas:
  1. dedicar 5 horas ao doente muito grave, salvando-lhe a vida e deixando morrer os outros 5;
  2. dedicar 1 hora a cada um dos doentes menos graves e deixar morrer o mais grave. 
A imensa maioria das pessoas diria que preferia salvar 5 e deixar morrer 1 a fazer o inverso. O motivo é simples, é preferível deixar morrer 1 a deixar morrer 5. É uma visão consequencialista das nossas acções a que dificilmente algum de nós escapa.

  1. atirar o gordo da ponte, parando o comboio e impedindo que este mate as 5 pessoas;
  2. não sacrificar o gordo, deixando que o comboio atropele as pessoas.
De um ponto de vista estritamente consequencialista, faz todo o sentido matar o gordo para salvar as 5 pessoas. É melhor deixar morrer 1 do que deixar morrer 5. Mas, na verdade, a maioria das pessoas recusar-se-ia a atirar com o gordo da ponte abaixo. Ou seja, há algo em nós que não nos deixa sacrificar um inocente, para salvar terceiros. De alguma forma, somos obrigados a questionar o nosso utilitarismo para nos perguntarmos se a nossa acção é intrinsecamente justa ou não.

Por que conto estas histórias? Apenas porque achei curiosa a ordem dos factores nesta entrada de Mário Amorim Lopes. Ele começa por argumentar que a maioria de nós pensa que não é utilitarista para depois concluir que, afinal, como se uma falha de carácter se tratasse, quando as coisas apertam todos somos utilitaristas. Eu gosto mais de começar por convencer as pessoas de que são utilitaristas para depois as levar a concluir que afinal não é esse o caso, quando confrontadas seriamente com as consequências das suas decisões.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Sobre o abuso da prisão preventiva

A prisão preventiva, que por definição é aplicada a alguém que se presume inocente, devia ser, de acordo com os princípios gerais do Direito, uma medida absolutamente excepcional. Até porque um preso preventivo tem exactamente o mesmo tratamento que um preso comum.

Esta situação torna-se particularmente absurda quando se tem consciência de que muitos dos presos preventivos não podem ter acesso a uma defesa competente pela simples razão de que a defesa não tem sequer acesso ao processo. E isto é possível acontecer porque, em Portugal, é-se preso sem sequer ter sido formulada uma acusação. Ora, se nem sequer acusação há, a que pretexto é que o advogado de defesa se tem preocupar em conhecer o processo? Se não há acusação, nem precisa de se defender. Tão simples quanto isto. 

Kafka não nasceu em Portugal, mas se tivesse cá nascido não lhe faltaria inspiração. 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Re: A ver se eu percebo

Diz a Maria João Pires sarcasticamente:
Decreta-se a requisição civil para defender o interesse público e setores vitais da economia nacional... e ao mesmo tempo vai privatizar-se a empresa que tudo isto assegura. É isto, não é? Faz todo o sentido, claaaaaro.
Esta argumentação é que não faz sentido. Não é de todo obrigatório que o interesse público e os sectores vitais da economia nacional tenham de estar entregues a empresas públicas. Por exemplo, a alimentação é absolutamente vital e penso que não passa pela cabeça de ninguém nacionalizar todas as empresas alimentares em Portugal. Diria até que o argumento funciona ao contrário: a alimentação é um sector tão essencial que não podemos correr o risco de o entregar à gestão de mandatários de governos.

No caso concreto da TAP, não concordo com a requisição civil. Da parte que me toca, em todas as viagens que faço, dou sempre instruções claras de que quero evitar viajar na TAP a todo o custo. O risco é demasiado grande. Dezenas de más experiências consecutivas convenceram-me de que a sigla TAP é um conselho a ser seguido: Take Another Plane. Esta greve era mais um passo para que mais uns milhares de pessoas se convencessem do mesmo. E só quando este sentimento for generalizado é que acabarão as pressões para que o Estado injecte milhões na TAP.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Sobre a prisão preventiva

Em Portugal a presunção de inocência tem as costas muito apertadas. Tão apertadas que uma pessoa se arrisca a ir presa vários meses sem sequer lhe ser feita uma acusação. Literalmente, prende-se alguém para investigar se há material para acusar, quanto mais para condenar.

É paradoxal. A um condenado em primeira instância dão-se todas as garantias possíveis e imaginárias, permitindo que quem tem possibilidades possa arrastar processos por anos a fio levando, algumas vezes, a prescrições escandalosas. Já um tipo que formalmente nem foi acusado de nada, pode ir parar com os costados à prisão durante meses a fio. Basta para tal uma decisão pouco sindicável de um juiz. E digo pouco sindicável porque, objectivamente, a lei atribui um enorme discricionário na decisão relativamente à prisão preventiva

O exemplo mais absurdo das garantias que são dadas a condenados, por oposição à falta de garantias de quem ainda não teve direito a um julgamento, foi dado pela recente condenação de Duarte Lima. Depois de ter estado 2 anos e meio em prisão preventiva, foi condenado a 10 anos de prisão. Tendo recorrido desta pena, aguarda em liberdade a decisão relativamente aos seus recursos.

É a total inversão do bom senso. Enquanto não foi sujeito ao crivo sério de um julgamento, esteve dois anos e meio preso. Depois do julgamento, que o deu como culpado e condenou a 10 anos de prisão, pode andar em liberdade. Obviamente que não está em causa o seu direito a recorrer a instâncias superiores. Mas se alguém que nem acusado foi pode esperar na prisão pela formalização da acusação e depois pelo julgamento, por maioria de razão, alguém que já foi condenado deveria fazer todos os seus recursos a partir da prisão. Esta seria uma excelente forma de desincentivar manobras dilatórias a que muitos advogados recorrem com o único objectivo de atrasar os processos.

PS Para quem pensa que esta entrada é sobre José Sócrates, lembro que Sócrates não é o único preso preventivo em Portugal a quem nem sequer foi feita qualquer acusação. E os outros também têm familiares cá fora.

O perigo de simplesmente aparecer

Séneca conta-nos uma historieta passada na Roma imperial. Naquela época, foi apresentada ao Senado a proposta de que os escravos usassem em público traje idêntico, para que fossem fácil e prontamente diferenciados dos cidadãos livres. A proposta foi rejeitada por ser muito perigosa, uma vez que os escravos poderiam então reconhecer-se uns aos outros e tomar assim consciência do seu poder. Os intérpretes modernos tendem com certeza a retirar deste episódio a conclusão de que o número de escravos da época devia ser muito elevado. Estão  enganados. Não era isso que afligia os senadores romanos. O que o assisado instinto político romano julgava perigoso era o simples aparecimento em si, independentemente do número de pessoas envolvidas.

sábado, 13 de dezembro de 2014

Irritam-me pessoas que se saem com declarações francamente infelizes, tipo Isabel Jonet, e que depois em vez de pedirem desculpa pelo que disseram alegam que foram mal interpretadas, que lhes estão a atribuir más intenções, que estão a fazer julgamentos de carácter, etc.

De vez em quando, há alguém que se sai com este tipo de declarações palermas e faz um pedido incondicional de desculpas. Foi o caso, há uns anos, da Cristina Espírito Santo com a história de brincar aos pobrezinhos. Na altura, declarou: 
Não obstante considerar que se verificou um inapropriado e descontextualizado aproveitamento das minhas declarações, não posso deixar de admitir que fui infeliz na forma como me expressei. Não penso o que saiu publicado no Expresso, nem me revejo na síntese da declaração que lá vem feita. Por isso peço desculpa a todos a quem ofendi inadvertidamente.
Quando assim é, o assunto deve ficar para trás. Não é correcto que, a propósito das malfeitorias de Ricardo Salgado, estejam constantemente a trazer as declarações infelizes de Cristina Espírito Santo à baila. Até porque, tirando os graus de parentesco, não se lhe conhece nenhuma culpa.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Either gay or European

A entrada anterior fez-me lembrar uma vez, quando estava a trabalhar no doutoramento na Cornell, em que critiquei o meu grande amigo Patrick Nolen por andar sempre vestido como um maltrapilho. Ele explicou-me que se andasse bem vestido pensariam que ele era gay. Mais sério ainda, usar calças de ganga pretas era um sinal seguro de que era gay

Como esse é o tipo de calças que eu costumava usar, imediatamente perguntei se era isso que as pessoas pensavam de mim. Ao que ele me respondeu que não, como eu era europeu podia usar essas roupas sem problemas. Os americanos estavam habituados a que os europeus seguissem modas diferentes.

Não me dei por vencido. Então perguntei ao Patrick o que diria ele se da próxima vez que saíssemos juntos eu usasse calças pretas e um pólo cor-de-rosa. O Patrick, com um ar assustado, respondeu-me:

Oh fuck…, I will just say you’re French!

Homem que é homem não usa amarelo, rosa ou roxo. Isso são coisas de mulher.

Isto é hilariante. Chamaram mulher ao Goucha no "5 para a Meia-Noite". O apresentador do programa de entrevistas "Homem para Homem" processou-os. Este portador do par XY acha razoável processar o mau gosto.


Aqui estão dois exemplos distintos, um deles portador do par de cromossomas XY e outro portador do par XX, que não passara, pelo processo de auto-selecção referido na entrada anterior.

Post Scriptum O próximo que gozar com a minha camisa cor-de-rosa é processado.

Homens têm um sentido de interesse público muito mais apurado do que as mulheres

De acordo com um estudo publicado no British Medical Journal, grande parte das 318 mortes mais estúpidas dos últimos 20 anos foram sofridas por homens. Estes casos incluem “o do homem que tentou ir de boleia para casa ao prender o carrinho das compras a um comboio ou o do homem que deu um tiro na cabeça para mostrar a um amigo que a arma era real.”

É legítimo, a partir destes dados, concluir que existe um processo de auto-selecção entre a malta com os cromossomas XY que faz com que apenas os inteligentes circulem à face da Terra. Já as mulheres estúpidas, como não correm riscos desnecessários que as levem à morte prematura, andam por aí a encanzinar-nos as vidas.

O título deste artigo seria bem mais certeiro se fosse: "Homens preocupam-se mais com o interesse público."

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Sobre o quociente familiar e conjugal

Já tentei escrever sobre este assunto umas duas ou três vezes, mas desisti. Ao fim de alguns parágrafos o texto fica demasiado complicado e com demasiadas tecnicalidades, em que as nossas leis fiscais são férteis. Não vejam nisto uma queixa, é graças a essa complexidade que a minha mulher é tão bem paga.

Vou, pela última vez, tentar escrever alguma coisa a este respeito onde consiga explicar o que penso. Simplificarei ao máximo, tentando sempre que as simplificações sejam explícitas. Por exemplo, vou falar do quociente familiar como se cada criança valesse por 1 adulto (e não uma 0,3, como foi proposto) e vou esquecer deduções específicas. No fim, retomarei estas duas questões.

Em Portugal, um casal pode pagar IRS conjuntamente. Como as taxas de IRS são progressivas, se uma pessoa que ganha 1.000€ se casar com outra que ganha 9.000€, o casal passará a pagar menos impostos no total. Como apresentam declaração de IRS conjunta, a taxa de imposto que pagam corresponde ao seu rendimento médio (ou seja, 5.000€). É, no entanto, fundamental perceber que o imposto que pagam é sobre os 10.000€. Ou seja, pagam exactamente o dobro dos impostos de alguém que ganha 5.000€. Se os impostos fossem proporcionais, e não progressivos, dividir o rendimento por 1, por 2 ou por 30 daria sempre a mesma taxa.

Faz sentido que assim seja. Considera-se que um casal em que um dos cônjuges ganhe 1.000€ e outro ganhe 9.000€ deve pagar os mesmos impostos que um casal em que cada um ganhe 5.000€, dado que o orçamento familiar é exactamente o mesmo, 10.000€. Isto tem implicações engraçadas. Suponha que um dos cônjuges está desempregado e que não tem rendimentos. Se esse desempregado estiver casado com alguém que ganha 9.000€, então a taxa de IRS correspondente a 4.500€. Mas se estiver casado com alguém que ganha 5.000€, a taxa corresponderá a 2.500€. Dada a progressividade da taxa de IRS, a redução dos impostos a pagar é maior no caso do casal mais rico.
Usando a argumentação que se tem usado a respeito do quociente familiar para os filhos, concluir-se-ia que o Estado dá mais dinheiro pelo desempregado casado com uma mulher rica do que ao desempregado casado com uma mulher pobre. Basta pensar dois minutos, para perceber que esta interpretação é absurda. O Estado fez uma escolha ideológica ao definir a progressividade da taxa de IRS e definiu que a um rendimento médio de 2.500€ correspondia uma dada taxa que é menor do que a um rendimento médio de 4.500€. A redução do imposto a pagar é uma consequência da redução do rendimento médio, causado pelo desemprego, conjugada com a progressividade do IRS. Sem progressividade, não haveria qualquer redução de impostos. Ora a progressividade existe para penalizar os rendimentos mais altos. Concluir que, pelo contrário, beneficia os mais ricos é, simplesmente, absurdo.

É aqui que entram as crianças. Não faz qualquer sentido que um homem que ganha 2.500€ e viva sozinho pague uma taxa de imposto mais baixa do que um homem que ganha 3.000€ e tem duas filhas a seu cargo. Os 3.000€ são a dividir por três pelo que a taxa de imposto a pagar devia ser a taxa que corresponde ao rendimento de 1.000€. E o Estado, ao definir as tabelas de IRS, considerou que a esses 1.000€ correspondia uma dada taxa. Mas, relembro, o imposto total incide sobre os 3.000€. É como se houvesse três pessoas que ganham 1.000€. É simplesmente isto que está em causa. Para efeitos fiscais, a unidade é a família. A questão é como se contam os membros da família. Contam-se só os adultos ou contam-se as crianças também?

Porque é que se propõe que cada criança valha apenas apenas 0,3 e não 1? Penso que o que estará na cabeça do legislador são duas coisas. Em primeiro, há economias de escala. Uma família de 4 não tem o dobro das despesas de uma família de 2. Em segundo, as crianças já recebem apoios do Estado de diversas formas, como vacinação gratuita, escola gratuita, universidades subsidiadas, etc. Considerando que já há um conjunto de transferências do Estado para as crianças então é razoável que aplque um coeficiente inferior a 1. Mas, ainda assim, terá de ser maior do que zero, a não ser que se parta do princípio que o Estado fornece tudo o que uma criança precisa. Imagino que o valor de 0,3 por cada criança represente este compromisso (demasiado tímido, na minha opinião).

O que é verdadeiramente absurdo é considerar como uma benesse que o cálculo do rendimento per capita de uma família seja feito da forma correcta.

Qual a oposição que eu esperaria de um partido de esquerda? Eu esperaria que o PS rasgasse as vestes perante a ideia de que uma criança de uma família monoparental valha apenas 0,15. Enfim, esperaria que o PS exigisse o respeito por todo o tipo de famílias e de ter o seu rendimento per capita correctamente calculado.

Pedir deduções à colecta específicas por cada filho é má política. O IRS é um excelente instrumento para financiar o Estado. As políticas de combate à pobreza são muito mais eficazes se forem feitas com apoios directos, seja, por exemplo, com o complemento solidário dos idosos seja com o abono de família, se se quiser apoiar as famílias que têm filhos.

Só para terminar, gostaria de dizer que, como princípio geral, sou contra a teia de deduções, descontos e benefícios fiscais no IRS. Isso é uma forma de o Estado interferir nas nossas escolhas. Se as pessoas são suficientemente adultas para pagar impostos, então também deverão ser suficientemente adultas para gastar o seu dinheiro como quiserem sem serem beneficiadas ou penalizadas pelas suas escolhas.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Excelente artigo de André Azevedo Alves

Estando quase de certeza  a violar alguma lei com que o André Azevedo Alves não concordará, diga-se, transcrevo quase na íntegra o seu artigo no Observador.

Para o IRS, um filho não é uma pessoa
André Azevedo Alves

Para um mesmo rendimento, quanto maior a dimensão do agregado familiar, menor o rendimento disponível por cada pessoa que compõe esse mesmo agregado. Pode parecer uma afirmação demasiado evidente, mas neste caso convém mesmo começar por recordar o óbvio, tal é a magnitude dos absurdos que se têm escrito e dito sobre a intenção anunciada de substituir o quociente conjugal pelo quociente familiar para efeitos de IRS.

Para um agregado sem dependentes com rendimento familiar total de 2000 euros líquidos, o rendimento per capita será, obviamente, 1000 euros. Para um agregado com igual rendimento familiar mas com dois filhos a cargo, o rendimento per capita será, já depois de consideradas as deduções actualmente existentes, apenas marginalmente superior a 500 euros. Como deveria ser evidente, dispor de 1000 euros por pessoa é substancialmente diferente de dispor de apenas cerca de 500 euros por pessoa e as duas situações deveriam merecer um tratamento fiscal diferenciado num sistema com taxas progressivas.

O tratamento fiscal mais justo seria, em princípio, o de considerar que, também para efeitos de IRS, cada filho é uma pessoa. Isso implicaria dividir o rendimento total do agregado pelo número total de pessoas que o compõem para efeitos de IRS. Infelizmente, a proposta governamental fica muito aquém desse patamar já que apenas faz equivaler cada filho a 0,3 para efeitos fiscais. Ainda assim, é um progresso assinalável face à situação de partida e deveria nessa medida ser apoiada. Espantosamente, no entanto, a medida tem vindo a ser violentamente criticada, não só pela extrema-esquerda, mas também por algumas vozes do PS, como o deputado João Galamba. Vale a pena por isso reflectir um pouco mais sobre o que está em causa.

É verdade que pode haver algumas economias de escala num agregado familiar, mas dificilmente essas economias poderão justificar uma ponderação de apenas 0,3 (e nunca uma ponderação de zero, como actualmente vigora). Ignorar os filhos na aplicação do quociente familiar dos agregados que pagam IRS equivale a tratá-los como bens de luxo em vez de pessoas. Igualmente bizarra é a ideia de que a medida equivale de alguma forma a um “subsídio” às famílias que têm filhos. O que está em causa é unicamente possibilitar que agregados com menor rendimento per capita fiquem com uma parte maior do seu próprio rendimento. Afirmar o contrário pressupõe que todo o rendimento das famílias é, em princípio, do Estado e que a parte não colectada constitui por isso um “subsídio”. Um pressuposto só justificável no âmbito de uma concepção totalitária do Estado – que não surpreenderia num partido de extrema-esquerda mas que se torna francamente preocupante encontrar no PS.

(...)

No final do Séc. XVIII, nos EUA, o infame “Three-Fifths Compromise”, proposto por James Madison durante a Convenção Constitucional, estabeleceu que cada escravo passasse a contar como 0,6 de uma pessoa para efeitos de representação e tributação dos Estados. Em pleno Séc. XXI, em Portugal, o Governo propõe que um filho passe a contar como 0,3 de uma pessoa para efeitos do quociente aplicado no cálculo do IRS das famílias e a oposição reage de forma indignada condenando veementemente a intenção de passar de zero para 0,3.

Uma progressividade progressiva II

Em Portugal, o IRS é obrigatoriamente progressivo, artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.

A progressividade do IRS visa, essencialmente, garantir uma redistribuição do rendimento que, de acordo com algum critério, seja justa. Quão progressivo deve o IRS ser é uma questão essencialmente ideológica. É normal, e até desejável, que partidos diferentes prefiram opções diferentes. Mas não faz sentido nenhum que o mesmo partido defenda uma progressividade diferente para famílias com filhos e para famílias sem filhos.

Uma redução de impostos que seja redistributivamente neutra, ou seja, que mantenha a mesma progressividade, exige  que o aumento percentual do rendimento líquido seja semelhante para todas as classes de rendimento. Ou seja, se para um rendimento de 100.000€ um casal que tenha dois filhos abate 2000€ no seu IRS, então para um rendimento de 50.000€ o casal deveria abater 1000€.

Quem defende que por cada filho se abata um valor fixo do IRS está, na realidade, a defender uma alteração da progressividade dos impostos nas famílias com filhos. E fá-lo no sentido de querer que nas famílias com filhos a progressividade seja maior do que nas famílias sem filhos. E, sinceramente, não consigo perceber qual é o critério de justiça social que tenha esta implicação. É isto que gostaria de ver discutido por parte dos responsáveis de política económica do PS.

PS Declaração de interesses. Tenho duas filhas e se tivesse melhores condições financeiras tentaria ter a terceira. Ou seja, sou dos casos em que uma reforma fiscal deste género pode fazer a diferença.

PPS Em abono da verdade, devo dizer que mais importante do que o quociente familiar seria ter escolas públicas decentes, o que me permitiria poupar o dinheiro que gasto nos colégios e tirar as minhas filhas da bolha social em que vivem.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Leis bárbaras


De acordo com o Código de Processo Penal, em teoria, num processo decretado como sendo especialmente complexo por um juiz, a prisão preventiva de alguém pode ir até quase 3 anos e meio.

Um gajo ser acusado de um crime cuja moldura penal vai de 2 a 8 anos e arriscar-se e ficar 3 anos preso preventivamente, ou seja, enquanto se presume inocente (?), é bárbaro.

Uma progressividade progressiva

  1. Foi muito injusto o governo quando criou a sobretaxa de IRS. Queixou-se a oposição de que como a sobretaxa de 3,5% se aplica a (quase) todos os rendimentos não respeita o princípio da progressividade. Famílias com rendimentos mais baixos são mais penalizadas. Devia ser óbvio, como ganham muito menos, para pagar o mesmo, custa-lhes muito mais.
  2. Quando um governo quiser acabar com a sobretaxa para acabar com a sobretaxa, a oposição vai fazer as seguintes contas: alguém que ganhe 100.000€ por ano vai poupar 3500€. Já quem ganhe 10.000€ vai poupar apenas 350€. Vergonha, é sempre a mesma merda, afinal o governo quer acabar com a sobretaxa para beneficiar os ricos. Como é isto possível? Que escândalo!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Cansaço bom


Estou desde Domingo em Lisboa. Deu para me encontrar com amigos dos tempos de faculdade, com um antigo professor e uma colega emigrada, com uma amiga que apenas conhecia virtualmente, com um colega que está em Lisboa, mas que faz falta no Minho, e com uma antiga aluna, que tem de quebrar o glass ceiling que a tolhe. Isto tudo depois de reuniões sucessivas de manhã à noite todos os dias.


Cansado, com saudades das minhas três meninas, mas, na verdade, foram dias óptimos. Já me tinha esquecido de como gosto de Lisboa. 

Amanhã continua a viagem.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O preço da Liga

O que é que o Preço Certo tem que a Liga dos Campeões não tem?