quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Tendências de Natal

Caros leitores,
A Destreza das Dúvidas não queria ser remissa em informar-vos das novas tendências de Natal de Houston. Bem sabemos que ainda é Novembro, mas o Dia de Acção de Graças já lá vai, e este ano muita gente começou a decorar cedo porque estavam fartos da novela das eleições presidenciais.

Como podem verificar pelas fotos em anexo, a grande tendência deste ano é pendurar enfeites gigantes nas árvores exteriores, especialmente bolas: have some balls, will you? Para além disso, convém decorar a porta de entrada com enfeites também eles gigantes -- o Quebra-Noz é sempre uma opção actual -- e guirlandas de verdura natural ou artificial. Evitem pendurar as luzes de Natal no telhado, a fazer de conta que são pingentes, porque isso está fora de moda, mas podem sempre iluminar os carreiros do vosso jardim com luzes multicoloridas. Lembrem-se que estão também a ajudar o PIB nacional com todo este consumo de energia.

Esperamos que tenham uma trabalheira decorativa agradável e muito cuidado para não se electrocutarem a vós, nem aos vizinhos. Antes de subir a uma escada, certifiquem-se de que o equipamento é seguro e vocês não andaram a testar os vinhos que pensam servir na ceia. Não nos responsabilizamos pelos vossos acidentes e subscrevemos a política de tolerância zero.

Happy Holidays, que nós aqui somos politicamente (in)correctos!

Erro humano ou muito queijo?

O Wisconsin é conhecido pela produção de queijo, mas nestas eleições também será conhecido pela produção de votos. Em quatro distritos eleitorais diferentes, "erro humano" levou a que Trump obtivesse um total de pelo menos 5.000 votos que nunca existiram e que, entretanto, já foram retirados. Convenhamos que, estatisticamente, quatro erros humanos independentes serem todos favoráveis a Trump é muito improvável, ainda por cima foram descobertos antes de se começar a repetir a contagem de votos, que se iniciará amanhã. Antes destes erros serem identificados, um Tribunal Federal concluiu que o Wisconsin tinha alterado a delineação dos distritos eleitorais de forma a favorecer os Republicanos e a diluir o voto democrata, o que era inconstitucional, mas apenas é relevante para o voto legislativo.

A estimativa é de que irá custar $3,5 milhões para contar os votos no Wisconsin, quando inicialmente se tinha projectado que custaria $1,1 milhões. Só para terem noção do que isto é, o Green Party só conseguiu angariar $3,5 milhões durante o período eleitoral. Neste momento, Jill Stein já conseguiu angariar $6,6 milhões. Uma juíza do Wisconsin rejeitou o pedido de Stein de os votos serem contados à mão, logo, no final, o custo é capaz de ser inferior ao estimado pois o custo de recontagem é de $1,31 por voto, de acordo com o Milwaukee Journal Sentinel, o que parece ridículo.

Adenda: Pelos meus cálculos, o custo por voto será de $1,18 (ver votos aqui, que somam 2.975.313).

Que lógica tem isto?

Ainda acerca das declarações dos administradores da CGD, quem tem rendimento e património em Portugal tem de o declarar à Autoridade Tributária, ou seja, há uma entidade do estado português que já tem essa informação e, se as pessoas observam a lei, todos os anos a informação é actualizada. Se a informação de um ano para o outro flutua grandemente sem que haja causa aparente, isso deveria despoletar uma auditoria do contribuinte.

Resumindo, não percebo a lógica da recusa dos administradores em submeter as declarações de rendimento e património. Também se recusam a pagar impostos porque se acham no direito de não declarar os rendimentos e o património? Ou será que não queriam que essa informação fosse parar às mãos de pessoas em quem não confiam? Se há desconfiança, qual o motivo?

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Ganharia demais...

Diz o Expresso que António Domingues apresentou a sua declaração de património e rendimento ao TC depois de se demitir. Ora depois de se demitir não era preciso, duh! Como é que lhe queriam pagar tanto dinheiro, se o homem nem de lógica percebe?

Como a prostituição

"Banking now is like a prostitution racket run by pimps. There’s just too much money involved."

Fonte: Minos Zombanakis, o inventor da LIBOR, citado na Bloomberg

"Estranhamente estranho a mim"



Esta manhã o meu cão fugiu para o memorial Gleis 17. Fui atrás dele, e encontrei um senhor a tirar fotografias. Falei-lhe da placa do dia 27.11.1941, e ele sabia. Tem amigos que eram de Riga, e viram assassinar um grupo de judeus a tiro, no pátio do prédio onde viviam. Essas pessoas viram-se depois obrigadas a fugir, e durante uns meses viveram, a contragosto, com polacos. "Quem não perdeu tudo, como eles, tem uma perspectiva muito limitada e simplista sobre o que é certo e errado." Pensei que estava a falar de judeus, mas não - falava dos alemães que foram expulsos da Europa oriental, ou fugiram precipitadamente dos soldados soviéticos. E continuou:
- Essas pessoas perderam tudo - as suas coisas, os lugares da sua história pessoal e o estatuto social - e recomeçaram a vida na Alemanha a partir do nível mais baixo, o de refugiado. Durante décadas não falaram do seu sofrimento, ou por ser muito doloroso ou por não cair bem queixar-se quando se é parte do povo que iniciou, praticou e provocou tantos actos de inacreditável horror. Mas o silêncio é terrível, porque os traumas estão a ser passados aos seus descendentes, que vivem com um sentimento surdo e inexplicável de que algo não está bem.
- Como as violações, disse eu. Durante décadas, as mulheres viram-se obrigadas a silenciar o crime de que foram vítimas.
- Sim, concordou. Uma tia minha foi violada pelos soldados russos, e teve um filho que morreu, infelizmente.
Fez uma pausa, e corrigiu:
- Infelizmente, ou talvez graças a Deus. Esses assuntos - tanto as violações como a criança - eram tabu na nossa família.
- Finalmente começa a falar-se do que aconteceu aos alemães. Desde há pouco mais de uma década comecei a ver artigos sobre esses temas.
- E até estão a fazer um museu sobre esses refugiados da II Guerra Mundial. Já não era sem tempo. Foi um período de muito sofrimento para todos. Mesmo esses que cometiam crimes horrorosos, mesmo esses têm uma história para contar. Leia o livro de Willy Peter Reese "Mir selber seltsam fremd" ("estranhamente estranho a mim"), um conjunto de apontamentos que se tornaram um diário da frente. Ele queria ser escritor, queria ser um Goethe, e foi mandado para a guerra, destruíram-lhe a alma. Morreu lá, aos 23 anos. As cartas que escrevia à mãe foram descobertas há tempos, e publicadas. Um livro impressionante. E depois, as pessoas que estavam do lado de lá, nesses sítios aonde ele levou a destruição. Conheci um deles. Aos 15 anos meteram-no descalço, e com a roupa que tinha no corpo, num comboio com destino aos trabalhos forçados em Berlim. Ao chegar aqui vestiram-no, calçaram-no, tiraram-lhe uma fotografia, e mandaram-no para o cemitério na Hermannstrasse, para um campo de trabalho que lá havia. Era um grupo de cem. Há alguns anos, na minha paróquia começou-se a falar disso, e fomos procurar as pessoas que ali tinham trabalhado. Fizemos anúncios na rádio e na televisão da Rússia e da Ucrânia. Um dia, um homem escreveu-nos a dizer que o pai dele sonhava em alemão. Foi assim que ele veio à Alemanha, ficou na minha casa, e na minha própria sala anunciou que se tinha fechado o ciclo, estava em paz com a sua história e já podia morrer. Depois começou a cantar „Heideröslein“ (uma canção muito popular na Alemanha, com música de Schubert para um poema de Goethe). Uma pessoa fica sem saber o que dizer. Morreu recentemente, tinha Parkinson. Fui visitá-lo quando a doença já ia adiantada, tinha um saco cheio de medicamentos e não sabia quais deles tomar. Uma catástrofe.
Voltei um pouco atrás na conversa, perguntei-lhe se esse prisioneiro dos alemães não tinha tido problemas ao regressar à terra dele, por ser considerado colaboracionista.
- Claro que teve! Quando o Exército Vermelho entrou em Berlim vestiram-lhe uma farda e puseram-no a trabalhar no transporte de prisioneiros de guerra. Mas, mal chegou a casa, foi julgado por colaboracionismo com o inimigo. Ele, que era esperto, dispôs-se logo voluntariamente a fazer os transportes de prisioneiros para a Sibéria. Passou dez anos a fazer isso, todos os dias carregava à pá 18 toneladas de carvão. Passou por muito na vida, esse homem.

Passar dez anos a levar prisioneiros para a Sibéria, para reduzir a crueldade de um castigo onde nem havia culpa...
Lembrei-me do outro, o maquinista de Auschwitz. O melhor amigo do filho dele era um rapazinho judeu que vivia com a mãe numa barraca, alegando que a casa deles tinha sido bombardeada e não tinham nem documentos nem alojamento. Ele levava judeus para Auschwitz, e fazia tantos transportes quantos a sua força permitia, para poupar aos colegas essa descida ao inferno. "Já me destruíram", dizia, "ao menos que não destruam também os outros". Quando a guerra acabou, os dois rapazes andavam a brincar com material militar perdido na floresta, e uma granada rebentou no bolso do filho do maquinista. O miúdo judeu levou-o ao ombro até casa. Como o filho morto no colo, o pai chorava, dizendo "este é o meu castigo, é a paga pelo que fiz."


Há setenta e cinco anos





Faz agora setenta e cinco anos que saiu um comboio de Berlim levando 1035 judeus com destino ao gueto de Riga. Umas semanas antes tinham começado a deportar judeus alemães para esse gueto, que rapidamente esgotou as capacidades para receber tantas pessoas. Depois de uma viagem de três dias, em condições horríveis de frio e falta de água), o comboio de Berlim chegou a Riga antes da data prevista. Todos os seus ocupantes foram levados directamente para o bosque de Rumbula, onde foram obrigados a despir-se, e os assassinaram a tiro. Uns dias mais tarde foram assassinados no mesmo lugar cerca de 27.000 antigos habitantes do gueto, para libertar espaço para os "evacuados" da Alemanha. Foi o Massacre de Rumbula.

Esta é a história insuportável por trás de uma das placas do memorial Gleis 17, junto à estação de Grunewald. A placa que escolhi fotografar apenas por o dia 27 de Novembro ser aquele em que passei por lá. Para cada transporte há uma placa com a data, o número de judeus deportados, e o destino. O destino do comboio, que o das pessoas era sempre o mesmo: o extermínio programado.

 








Faz agora 75 anos que começaram as deportações sistemáticas dos judeus alemães.
A 9 de Novembro, data da "noite de cristal", passei pelo Gleis 17 ao fim da tarde. Apesar da escuridão, do frio e da chuva, uma pequena multidão tinha-se reunido com velas em frente ao muro de betão onde foram cavadas silhuetas humanas para gravar a ausência. Pareceu-me que alguém cantava um kadish pelos mortos.



Uns dias mais tarde, alguém escreveu naquele muro "Verdade Amor Jesus".
A frase foi rapidamente apagada, sem deixar vestígios, mas a vergonha permanece: 75 anos depois, ainda há quem escolha usar a religião dos cristãos para humilhar os judeus.




No princípio deste Advento, lembro o Rorate Caeli: Abri-vos, ó céus, e que as nuvens chovam o Justo. E que o Justo se instale no nosso coração, em vez de ser usado como pedra de arremesso contra os nossos irmãos.




segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Contos zen para crianças boas 59

1.      As caudas dos lagartos voltam a crescer quando as cortamos, diz-se.

domingo, 27 de novembro de 2016

Um Republicano a sério

Richard Painter, Chief Ethics Counsel for George W. Bush, and Norman Eisen, Chief Ethics Counsel for Barack Obama, believe that if Trump continues to retain ownership over his sprawling business interests by the time the electors meet on December 19, they should reject Trump.

In an email to ThinkProgress, Eisen explained that “the founders did not want any foreign payments to the president. Period.” This principle is enshrined in Article 1, Section 9 of the Constitution, which bars office holders from accepting “any present, emolument, office, or title, of any kind whatever, from any king, prince, or foreign state.”

Fonte: ThinkProgress

Para um povo que tem a reputação de ser despachado, os americanos têm umas eleições presidenciais muito compridas. As eleições americanas ainda não terminaram, só depois da votação do Colégio Eleitoral é que teremos confirmação dos resultados do voto popular. Alguns membros do Colégio Eleitoral têm sido bombardeados por e-mail a pedir-lhes para não votarem em Donald Trump, mas os Eleitores estão um bocado chateados com tanta atenção. Os Eleitores são nomeados pelos partidos e os do Partido Republicano são dos mais fieis ao partido, logo é muito difícil mudarem o seu voto.

Há dois dias, os advogados de ética para as Administrações Bush e Obama levantaram a questão da constitucionalidade dos membros do Colégio Eleitoral votarem em Donald Trump. Dado que Donald Trump recebe pagamentos de governos estrangeiros através dos seus negócios, está impedido constitucionalmente de exercer o cargo. Só desinvestindo dos seus negócios é que sanaria o impedimento. Trump já afirmou que não acha necessário deixar de gerir os seus negócios particulares enquanto Presidente, logo desde o primeiro dia que estará em violação da Constituição.

Não parece que o Colégio Eleitoral vá observar os preceitos da Constituição, mas já há uma forma dos Republicanos se verem livres de Trump através de um impeachment. Ou seja, Trump foi usado para os Republicanos chegarem à Presidência; assim que ela estiver garantida, vêem-se livres dele e o cargo irá para Mike Pence, que é um Republicano a sério.

irRITAção

Quando discordo de alguém, de vez em quando, as pessoas perdem a paciência. Nessa altura, os argumentos para me desarmar descem à parvalheira: estou na altura difícil do mês, tenho falta de sexo, sou frígida, mal-educada, arrogante, estúpida... Cheguei à conclusão de que a menopausa será bem-vinda porque já não me poderão dizer que estou com o período.

Em primeiro lugar, não ando irritada, nem zangada. O meu estado de espírito é um misto de tristeza e frustração. O meu cão Alfred morreu no Domingo antes das eleições e apanhou-me completamente de surpresa, tão de surpresa que ainda nem consegui processar completamente o que é perdê-lo.

Depois do Trump ganhar, apanhei com muitos "Aguenta", "Cala-te", "Aprende", etc. Decidi criar a Rita Trumpista e tratar os Trumpistas -- ou será Trumpetas? -- da mesma forma que o Trump trata os oponentes. No entanto, o mesmo pessoal que acha que Donald Trump é melhor do que pão fatiado, acha a Rita Trumpista intragável. Ah, percebem porque não gosto do homem? É completamente intragável.

Aligeirando as coisas, notem que a minha canção preferida dos Stones não é "I can't get no satisfaction"; é "Start me up": If you start me up, I'll never stop! You make a grown man cry... Mas o que eu estou a ouvir agora é a Sophie B. Hawkins. Ando no meu período revivalista. Ah, pois, a culpa é do período!


sábado, 26 de novembro de 2016

Cortar ou não cortar...

Os cortes de cabelo recordaram-me de das aulas do Frank Steindl, antigo professor de Economia na Oklahoma State University. Dizia ele para as pessoas terem cuidado com os exemplos que davam. A ideia de que quanto mais o preço desce, maior a quantidade procurada não é verdade para os cortes de cabelo. Se alguém cortar o cabelo e o preço baixar logo a seguir, a pessoa não volta ao cabeleireiro só para aproveitar a descida de preço. Então quem tem o cabelo curto, tem uma procura potencial de cortes de cabelo ainda mais reduzida do que alguém com o cabelo comprido.

A propósito do post dos cortes de cabelo, um leitor enviou-me um e-mail acerca do Efeito de Balassa-Samuelson. O que me chateou no exemplo do Carvalho da Silva é que ele citou preços que não fazem sentido nenhum: os coeficientes de ajustamento PPP publicados pela OCDE, mostram que $1 PPP vale $0.786 na Alemanha e $0.593 em Portugal, ou seja, o rácio Alemanha-Portugal não é 4, como ele disse, logo os dois preços que ele mencionou não se referem ao mesmo corte de cabelo.

Se forem à página da Expatistan, têm um ponto de partida acerca da comparação Lisboa-Berlim; no entanto, a informação dos preços é recolhida de contributos dos próprios utilizadores, logo há, pelo menos, enviesamento de selecção. De acordo com os dados fornecidos, um corte de cabelo normal para homem custa €12 em Lisboa e €18 em Berlim, ou seja, um rácio de 1.5. E até ficarão surpreendidos em saber que a categoria de cuidados pessoais é 9% mais cara em Lisboa do que em Berlim, mas julgo que parte da explicação deve-se à taxa de IVA em Portugal ser ligeiramente mais alta do que na Alemanha e haver diferenças de isenção.

Achei realmente difícil que o rácio fosse 4 -- é verdade, encalhei logo nos números escolhidos, nem consegui pensar em mais nada.

Falando de especialistas...

Noto que, os nossos caros leitores, gostam muito de dizer que eu não conheço muito a realidade portuguesa ou americana, como se isso fosse uma crítica válida. As críticas revelam mais acerca de quem as faz do que do seu alvo.

Vamos, então, acertar os ponteiros porque eu aborreço-me facilmente. Em primeiro lugar, comecem a contar coisas: contem as coisas que sabem e as que não sabem. As que não sabem são, em número, infinitamente superiores às que sabem. Se ainda não chegaram a esta conclusão, é sinal que a vossa cabeça é um sítio muito aborrecido.

O que é que separa um especialista de um não-especialista? Um especialista sabe os limites do seu conhecimento e tem ferramentas que permitem expandir o limite do que sabe, ou seja, o especialista, mais do que pelo saber, define-se pela sua capacidade de aprender. Uma pessoa que desiste de aprender deixa de ser especialista e passa a ser obsoleta.

É simples, meus amigos!

Um engano

Ontem, depois do almoço de Acção de Graças, decidimos ver um documentário: "The First Monday in May". No final, cativou-me o tema de Cat Power que tocou na banda sonora, mas não consegui ver o título. Após fazer uma procura no iTunes, encontrei o álbum "The Covers Record" e achei que tinha sido o tema "In this Hole", que tinha ouvido. Não era, enganei-me; o tema que ouvi era o "Wild is the Wind". Comprei os dois, mas "In this Hole" é o meu preferido.

Depois de ouvir isto veio-me à ideia a versão que Missy Higgins fez de "(I'm) In Love Again" de Cy Coleman. E depois pensei na Fiona Apple. Estas mulheres são tão boas...

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Cortes de cabelo

Ouvi o episódio do Conversas Cruzadas acerca da semana boa do Costa, onde se falou-se do salário mínimo de Portugal ser alto e de isso ser um entrave ao crescimento (visão de Carvalho da Silva), mas também uma necessidade para o crescimento (visão de Álvaro Santos Silva). Em Portugal, há empresas que oferecem aos trabalhadores a oportunidade de trabalhar sem ser colectados, logo falar em salário mínimo de Portugal sem dizer que há muitos trabalhadores para quem esse salário mínimo é irrelevante, confunde-me um bocado.

Carvalho da Silva usa muitos advérbios, diz que tem informação acerca de certas coisas, mas quando lha pedem, esquiva-se de a dar, e serve-se do tom de voz para desarmar os oponentes. Achou por bem falar no preço dos cortes de cabelo na Alemanha e Portugal para justificar que, se os cortes de cabelo em Portugal fossem mais caros, os trabalhadores ganhariam mais. O corte de cabelo é o mesmo, dizia ele, logo infere-se que não faz sentido pagar-se menos em Portugal do que na Alemanha.

O que é o preço de um corte de cabelo? É apenas o salário do cabeleireiro? A resposta é, obviamente, "Não". A informação contida nesse preço refere-se à qualidade do corte de cabelo, os produtos usados, a tesoura, a cadeira onde nos sentamos, o sítio onde o cabeleireiro fica, a atmosfera do cabeleireiro, o tempo que demora o cabeleireiro a trabalhar com o nosso cabelo, a exclusividade do cabeleireiro, etc. Comparar directamente o preço do corte de cabelo em dois sítios e pensar que se tira uma conclusão válida acerca dos salários, sem ter em conta as outras variáveis, é um erro crasso.

O cabeleireiro que eu uso em Houston é caro, tão caro que, a primeira vez que telefonei para marcar um corte com ele, a recepcionista disse-me que era caro e deu-me o preço praticado, que é $20 a $40 superior ao cabeleireiro recomendado pela minha chefe. Por um corte de cabelo, pintar, e secar pago $180-$200 e ainda deixo uma gorjeta. Por exemplo, o meu último corte foi $220, depois da gorjeta, mas ele demorou quase três horas a trabalhar em mim, ofereceu-me uma café espresso excepcional, conversou comigo e fez-me rir, tratando-me como se eu fosse uma amiga de longa data, as instalações têm obras de arte na parede, etc. Eu saí de lá muito bem disposta e quando cheguei ao escritório, a minha chefe disse "WOW!"

Quando fui a Portugal fui a dois cabeleireiros, um em Lisboa e outro nos arredores de Coimbra. Em Coimbra, não cortei, apenas pintei o cabelo e sequei. Paguei €18 o que achei muito barato (até deixei €5 de gorjeta, se a memória não me falha), mas a experiência não foi nada de extraordinário. A rapariga não conversou comigo, o sítio era pequeno e na parede havia posters de produtos de cabeleireiro, e saí de lá com o cabelo esticadinho, exactamente igual ao estilo que a cabeleireira tinha, apesar de eu ter dito que queria um estilo mais volumoso e não esticado que nem esparguete. Mostrei-lhe a foto do que eu queria, até, mas enquanto ela trabalhava, cheirei o meu cabelo a ser queimado pelo secador excessivamente quente e demasiado próximo do cabelo (mesmo assim deixei a gorjeta). Já em Lisboa apenas lavei e sequei e custou €22, se não estou em erro. Não era um cabeleireiro moderno, a rapariga não conversou quase nada comigo, fez o serviço e andou. Até me deu jeito porque eu estava com pressa (também deixei gorjeta porque a malta aí precisa mais do dinheiro do que eu).

O meu cabeleireiro de Houston é alemão, filho de uma alemã e de um italiano. Quando tinha 18 anos foi para Nova Iorque e interessou-se por cabelos, depois regressou à Alemanha fez o curso e andou por vários sítios na Alemanha e nos EUA a trabalhar e ganhar experiência, até se instalar em Houston. É óbvio que o percurso profissional dele vale muito mais do que €10 por corte. Quando vivia em Coimbra, há 20 anos, frequentava uma cabeleireira que era filha de imigrantes em França, tinha o curso de uma escola francesa, e um corte custava à volta de 2.200$00. Ela conversava connosco, o espaço era moderno e tinha boa atmosfera. Ela não cobra €10 por um corte hoje, de certeza.

Não percebo por que raio o Carvalho da Silva frequenta cabeleireiros de €10, pois ele pode pagar muito mais do que isso. Para um homem tão preocupado com os trabalhadores, ele não se importa de explorar os que são pior pagos. Faria mais sentido ir a um cabeleiro mais caro, que ele tem dinheiro para isso, e deixar os cabeleireiros baratos para quem ganha menos. Mas isto sou eu, que não tenho grande prazer em usar advérbios para dizer absolutamente nada.



Endividamento das empresas ou o dinheiro dos outros

Os países resgatados pela troika tinham em comum défices externos. No entanto, a contribuição do sector das famílias, das empresas e do Estado foi muito diferente em cada um deles.
O contributo do endividamento do Estado em Portugal e na Grécia não precisa de ser discutido - continua a ser o principal tema de discussão de política económica no nosso país.
No caso da contribuição das famílias para o endividamento, apesar da forte redução da taxa de poupança, as famílias portuguesas foram as únicas do grupo de países rasgatado pela troika que, entre a criação do euro e a crise financeira internacional, tiveram em todos os anos capacidade líquida de financiamento. Esta situação contrasta com a situação muito deficitária das famílias gregas e irlandesas.
Em relação às empresas, as portuguesas destacam-se por terem tido elevadas necessidades de financiamento em todo o período, à semelhança das espanholas. Pelo contrário, as empresas gregas e irlandesas apresentaram capacidade líquida de financiamento durante todo o período.

É natural que empresas subcapitalizadas, numa economia em crescimento, precisassem de financiamento. Nesse processo, as empresas portuguesas tornaram-se das mais endividadas do mundo. Infelizmente, como hoje sabemos pelo fraco crescimento da nossa economia e pelo estado dos bancos, os 'investimentos' realizados não foram os melhores.

É este o tema do meu artigo de opinião no ECO - O Dinheiro dos Outros

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A "corrupção"

No final de Maio de 2004, mudei-me para Fayetteville, AR. Antes de me mudar, muitas pessoas em Oklahoma disseram-me que era uma cidade muito engraçada, com muitos restaurantes locais e uma vida nocturna animada. Fui trabalhar para a Universidade do Arkansas, onde Bill Clinton e Hillary Clinton trabalharam nos anos 70. Se conhecem a biografia de Hillary Clinton, talvez se recordem que depois de ela chumbar o "bar exam" de Washington, D.C., decidiu mudar-se para Fayetteville para estar com o namorado, o Bill Clinton. Foi a senhoria de Hillary que lhe deu boleia de D.C. até Fayetteville. Quando lá chegaram, a cidade era muito diferente da cidade em que eu vivi. Como disse a senhoria de Hillary, aquelas pessoas nem queijo Brie tinham: os requintes da boa cozinha eram desconhecidos. Já quando eu cheguei, um dos restaurantes mais populares e de maior prestígio era o La Maison des Tartes, onde se podia comprar queijos europeus, para além de bom pão, café, e chá.

Quando me mudei em 2004, Fayetteville tinha cerca de 60.000 pessoas, o que parece pouco, mas a cidade de Springdale, mesmo ao lado, tinha para aí 55.000. E depois havia outras cidades coladas, como Farmington, com 2.800 almas, Johnson, Prairie Grove, etc. A menos de meia-hora, pela I-540, havia Rogers e Bentonville, mais duas cidades, cada uma com mais de 30.000 almas. O Noroeste do Arkansas, ancorado por Fayetteville, Springdale, Rogers e Bentonville, contava com uma população à volta de 400.000 pessoas, e na altura já usufruía de uma excelente qualidade de vida, com "hiking trails" nas florestas e mesmo dentro de Fayetteville, a cidade mais liberal da área. Costumo dizer que os hippies mudaram-se para lá. Desde April a Novembro, o Farmer's Market de Fayetteville é um dos pontos altos da cidade, especialmente o do Sábado de manhã. É tão importante que já serviu de case study para a criação de outros Farmer's Markets em outros estados, como Oklahoma.

O Noroeste do Arkansas tem várias sedes de empresas de importância nacional e mesmo mundial, como o Walmart, a Tyson Foods, e a J.B. Hunt. No final dos anos 90, quando Bill Clinton ainda era Presidente, conta-se que os donos do Walmart sugeriram a construção de uma via rápida que ligasse o Noroeste do Arkansas à I-40 que passa por Fort Smith, AR, a tal I-540. A via rápida foi construída e suponho que, nesta altura, alguns de vós já tenham concluído de que é prova da corrupção dos Clinton. Mas enganam-se porque as coisas são sempre muito pouco lineares, como verão a seguir.

O Walmart tem uma política de só fazer negócio com empresas que tenham representação no Noroeste do Arkansas, o que implica que qualquer empresa que queira vender coisas no Walmart tem de ter um escritório na área. A política deles até é mais severa do que isso, pois "proíbe" os vendedores que trabalham nesses escritórios de comprar casa em Bentonville, AR, que é para os empregados da sede do Walmart não serem vizinhos dos vendedores -- conflito de interesse, percebem? Seria mau que os vendedores fossem amigos dos empregados do Walmart. Isso significa que há um influxo de pessoas qualificadas para a área e o mercado imobiliário das redondezas aprecia bastante, até porque com a construção da via rápida, não custa muito ir de Springdale ou Fayetteville até aos escritórios em Bentonville ou Rogers.

Durante a Presidência Bush, o Walmart fez força para que se construísse um aeroporto no Noroeste do Arkansas, mas não pensem que é um aeroporto insignificante porque o XNA tem ligações directas a muitas grandes cidades americanas, como Houston, Nova Iorque, Chigago, etc. E agora, acham que o Bush também é corrupto por se ter construído um aeroporto no meio do pasto? Antes de eu sair do Noroeste do Arkansas, a Alice Walton decidiu construir um Museu nas encostas onde brincava quando era criança, o Crystal Bridges Museum, que é apenas o melhor museu de arte americana dos EUA e compete com os maiores museus americanos na compra de arte. The New York Times chegou a sugerir que a compra do quadro "Kindred Spirits" à Biblioteca Pública de Nova Iorque por Alice Walton era um desastre semelhante à destruição de Penn Station: afinal, quem de seu juízo iria visitar um museu ao Arkansas no meio do nada?

A construção de Crystal Bridges levantou uma polémica interessante: será que fazia sentido a construção de um museu de arte por uma herdeira que acumulou dinheiro através de uma empresa que paga mal aos empregados? Não seria melhor usar o dinheiro para aumentar os salários dos empregados? Esta polémica foi a mesma que rodeou a decisão de Andrew Carnegie apoiar um sistema de bibliotecas públicas, quando Carnegie era alguém conhecido por lutar contra os sindicatos e os aumentos de salários por decreto. Mas não foi a primeira vez que os Walton decidiram mandar os salários dos empregados à fava, pois em Fayetteville, a Universidade recebe bastante dinheiro em doações e o Walton Arts Center, localizado em Dickson St., no centro da cidade, e onde assisti a um concerto da Marisa, tornou-se pequeno e em 2015 iniciou-se uma renovação e expansão que custou $23 milhões.

Os discursos pagos a preço de ouro de Hillary Clinton foram oferecidos como prova de que era uma pessoa corrupta, que estava feita com Wall Street. Só que num dos discursos, em que ela falou à General Electric Global Leadership Meeting, cujo texto acabou sendo divulgado através das Wikileaks, Clinton defende que as empresas devem voluntariamente aumentar os salários dos empregados, à semelhança do que fez Henry Ford, quando teve a visão de que os seus empregados seriam parte da sua clientela, se os seus salários assim o permitissem. Curiosamente, o Walmart em anos recentes decidiu aumentar os salários praticados.

Como vêem, a América, acima de tudo, é um sítio muito "corrupto".

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Um Presidente em part-time, parte II

“In theory, I could run my business perfectly and then run the country perfectly,” Trump said, according to a series of New York Times reporters’ Twitter postings about his interview. “There’s never been a case like this,” he said of his extensive business empire.

Fonte: Bloomberg

Maioria da minoria

A esquerda, para desculpar a religião islâmica dos ataques terroristas, costuma dizer que a grande maioria dos muçulmanos não é terrorista. A direita, claro, não pode negar esta afirmação, mas contrapõe: todos os atentados terroristas têm autoria dos muçulmanos.
Agora, com a eleição do Trump, é costume a direita dizer que é absurdo dizer que a maioria dos que votaram em Trump são supremacistas brancos, racistas, misóginos e xenófobos. Evidentemente que têm razão. Mas pode-se sempre contrapor que todos os supremacistas brancos, racistas e xenófobos votaram em Trump.
E, já agora, acrescente-se. Face ao que já se conhece de algumas nomeações que Trump fez, não dá sequer para argumentar que esses supremacistas brancos, racistas, misóginos e xenófobos votaram enganados. Para já, têm todas as razões para celebrar.

PS Desconte-se o exagero de "todos" quer num caso quer no outro.

Um Presidente em part-time...

Melania Trump não se irá mudar para a Casa Branca em Janeiro, preferindo ficar em Nova Iorque para que Barron Trump não tenha de mudar de escola. Irá a Washington, D.C., se for precisa. Em vez de uma Primeira Dama, os EUA terão uma Primeira Mãe, que parece não saber fazer multi-tasking. Já Donald Trump passará a semana na Casa Branca, mas aos fins-de-semana irá para o apartamento de Nova Iorque ou para Mar-a-Largo ou para o seu campo de golfe. Os EUA elegeram um Presidente que quer respeitar as 40 horas de trabalho semanais, o que é mais ou menos um Presidente em regime part-time.

Na semana passada, Trump encontrou-se com representantes do Japão, mas levou a filha Ivanka para a reunião. Ivanka Trump continuará a administrar os negócios de Trump juntamente com os seus dois irmãos mais velhos, logo a sua presença coloca em causa a separação dos negócios dos interesses do estado americano, pois o normal é o Presidente dos EUA colocar os seus negócios pessoais sob administração alheia num blind trust. Sendo a família que gere e tendo ele contacto com a família, a noção de blind trust sai porta fora.

Se pensam que não, enganam-se, pois Trump também se encontrou com pessoas do mundo de negócios da Índia e estes disseram que a candidatura de Trump abriria oportunidades.

Sabem aquelas pessoas que andavam todas excitadas porque diziam que Hillary Clinton tinha-se servido da posição de Secretária de Estado para promover os "negócios" da Fundação Clinton? São as mesma que agora assobiam para o lado e fingem não ver. O mais engraçado nisto tudo é que a Fundação Clinton está sujeita a auditorias de entidades independentes, pois tem o estatuto de fundação pública. Essas auditorias dão-lhe uma nota mais alta do que a da Cruz Vermelha americana. Já os negócios de Trump e a Fundação Trump não prestam contas porque são entidades privadas, mas a fundação está sob investigação. Aliás, Trump nem sequer mostrou os seus impostos e duvida-se que mostrará enquanto presidente.

Ao juntar todas estas peças, acho que é muito provável que Trump pense que ser Presidente é equivalente ao franchising que ele faz do seu nome: ele dá a cara, mas é outra pessoa que gere a coisa. Se correr bem, ele fica com os louros; se correr mal, os outros é que vão à falência e ele diz que não teve nada a ver com a gestão.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Extremismo político e recessões

Mark Whitehouse, na Bloomberg tem uma op-ed muito interessante onde fala de um estudo que liga extremismo político a recessões e crises financeiras. De acordo com a análise empírica, o auge do descontentamento é atingido no quinto ano após a recessão. Sugiro a leitura da peça inteira, mas deixo-vos em baixo os últimos três parágrafos.

A minha opinião pessoal é que durante a Presidência Trump irá seguir-se uma política de relaxe do enquadramento legal do sector financeiro, o que irá semear a próxima crise financeira. A profundidade dessa crise será agravada pelo aumento do nível de dívida pública americana que acontecerá devido aos cortes de impostos de Trump. Os resultados das próximas eleições mid-term e presidenciais poderão atenuar o risco, se o Congresso se virar mais para o lado Democrata e o próximo Presidente for Democrata, mas acho isso muito improvável.

"Although the effect tends to fade after the fifth year, there's ample reason to believe that the crisis-related recession of 2007-2009 had an impact persistent enough to help Trump's antiestablishment campaign. For one, the crisis was unusually deep and prolonged. Also, the schedule of presidential elections meant that much of the dissatisfaction couldn’t be expressed until this year.

So why do financial recessions have such uniquely powerful consequences? One explanation is that they discredit elites: People might perceive a normal economic slump as an inevitable event, while a financial crisis -- with its accompanying bailouts -- undermines faith in the whole system and the policy makers who manage it. As Schularick put it in an interview: "It's not just a financial collapse; it's also a form of intellectual bankruptcy."

What’s ironic is that U.S. voters have responded by installing a president who wants to dismantle the 2010 Dodd-Frank Act, which was intended to prevent further financial disasters. If Trump replaces the legislation (or parts of it) with something more effective, such as a regime focused on sharply higher capital requirements for banks, that might not be so bad. If not, the next cycle of crisis, disillusionment and revolt might not be far away."


Fonte: Mark Whitehouse, Bloomberg

Giros!

Os fulanos da Anthropologie são giros: chamaram ao cachecol "Inverno". Será que trabalham com um dicionário ao pé?


Ainda sobre as eleições americanas

O comentário de Jon Stewart:

sábado, 19 de novembro de 2016

A promoção da imaturidade

Uma criança de cinco anos faz uma birra. A mãe pega nela ao colo e apanha uma bofetada. Coitadinha, coitadinha, diz a mãe, perante a compreensão dos adultos que a rodeiam. Um jovem aluno comete uma vileza atroz. Um padre, altamente compreensivo, interpela-o: “Você não acha isso uma deslealdade?”. O jovem pergunta: “É preciso ser leal?”. O bom do padre perdeu noites de sono a pensar naquela reposta. “É preciso ser leal?”. A frase não lhe saía da cabeça. Enclausurado no espírito do tempo, que lhe dizia que todas as inclinações dos jovens são boas, simplesmente porque são dos jovens, o padre não conseguia alcançar o “óbvio ululante”: o jovem era um canalha, um pulha.
O “poder jovem” era uma das principais embirrações ou obsessões de Nelson Rodrigues (1912-1980). Há 15 anos, numa viagem ao Brasil, comprei meia-dúzia de livros do genial cronista e dramaturgo brasileiro. Espantava-me que não houvesse edições em Portugal das suas obras. Finalmente, saiu “O homem fatal”, uma selecção de 80 crónicas feita pelo Pedro Mexia. Está lá o essencial: os padres progressistas, os “intelectuais de passeata” – heróis sem risco, que condenam, ao longe, o racismo nos EUA e a guerra do Vietnam e depois vão todos parar a um bar do Leblon, esquecendo-se, de caminho, dos negros do Brasil -, as grã-finas marxistas, as feministas que vêem as mulheres como machos mal-acabados, os “idiotas da objetividade”. A “unanimidade é burra”, sublinhava o cronista brasileiro.
Mas voltemos ao “poder jovem”. Nelson Rodrigues associa-o à ascensão imparável dos idiotas (há dias o Isidro Dias citou o Nelson Rodrigues sobre esta temática num dos seus comentários). Ao fim de muitos milénios, os idiotas perceberam finalmente o “óbvio ululante”: tinham uma vantagem numérica. A partir de determinada altura (estas crónicas do Nelson Rodrigues são dos anos 60 e 70), os idiotas perderam a sua natural humildade e deixaram de ter vergonha da sua idiotia. Hoje, estão em todo o lado. No governo, nas universidades, nos media. Têm as melhores mulheres. Por uma questão de sobrevivência, rapazes inteligentíssimos, dotadíssimos têm de se fazer passar por idiotas. São os “falsos cretinos”. Não foram os jovens que pediram o poder, nem tal coisa jamais lhes passaria pela cabeça. Foram os velhos idiotas, cobardes, que deram total cobertura à imaturidade. Sacerdotes, professores, psicólogos, artistas, sociólogos. Não percebem que os jovens participam muitas vezes na nossa infeliz e, por vezes, abjecta natureza humana. O jovem é o ser humano com as suas fragilidades, tentações, corrupções, canalhices. O jovem tem todos os defeitos dos adultos e mais um: a imaturidade, lembra esta "flor de obsessão", este "velho reaccionário" chamado Nelson Rodrigues.

A ironia...

Não deixa de ser irónico que muitas das pessoas que andaram a gritar "Acudam, acudam!" por causa da Geringonça portuguesa agora são defensores de Donald Trump. Não sei porque não começaram negócios de chupetas na altura, já que havia um mercado tão extenso que eles conheciam tão intimamente...

Não dou chupetas, só pontapés

Um idiota, no outro dia, sugeriu num comentário que se dessem chupetas a quem procurou aconselhamento por causa da eleição de Donald Trump. Este imbecil é ignorante da história americana, pois deveria saber, antes de fazer comentários parvos, que os EUA tiveram campos de internamento para japoneses no seguimento da Segunda Grande Guerra Mundial. Esta semana, um dos fulanos de um grupo que apoia o Trump, disse que esses campos de internamento são um "precedente" para Trump seguir uma política de registo de muçulmanos.

Caros idiotas que oferecem chupetas aqui à malta, eu não tenho chupetas para vos dar, mas se, quando for a Portugal, me oferecerem os vossos comentários ignorantes e imbecis, talvez vos ofereça um pontapé bem-dado. Depois quero ver se irão a correr para a polícia à procura de uma chupeta. Quem não tem fibra para deixar o nome nos comentários, devia ter vergonha de oferecer chupetas aos outros.

P.S. Não venham dizer que eu sou mal-educada. Não tenho aqui chupetas, pázinhos...

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Frank O'Hara

Fui apresentada à obra de Frank O'Hara na loja de ocasião que o Museu de Belas Artes organizou, aquando da exibição da colecção privada dos Rothko, que serviu como retrospectiva da obra do pintor. Numa das mesas, havia vários livros de poesia e crítica de arte, e eu peguei na antologia poética de O'Hara e abri-a ao calhas. Li o poema, que me agradou, pousei o livro, mas não o comprei. Durante o resto do dia, não consegui esquecer o poema, mas não me recordava do nome do poeta. Não é surpreendente porque eu sou péssima com nomes, troco apelidos, etc.

Regressei noutro dia para ver Rothko e fiz questão de ir à tal mesa para ter uma "conversa" com a antologia de Frank O'Hara. Desfolhei mais páginas, li mais poemas, e decidi comprar o livro. Mais, decidi saber mais sobre o homem: fiz buscas na Internet, vi vídeos dele a recitar poemas no YouTube, vi vídeos de entrevistas de outros poetas acerca dele, li entradas em blogues, etc. Frank O'Hara era um homem fascinante, que vivia a vida como se estivesse num estado de constante fome. Era gay assumido, não deixando que isso o inibisse de viver a vida como queria -- hoje em dia, isso pode parecer banal, mas O'Hara morreu em 1966, com 40 anos. Durante a sua vida, O'Hara era mais conhecido pelo seu trabalho no mundo da arte, do que pelos seus poemas.

Um dos posts que encontrei e que achei mais interessante foi o de Andrew Epstein a propósito da notícia da morte do poeta. O The New York Times publicou um óbito de O'Hara e uma notícia acerca do seu funeral, que contou com a participação de 200 pessoas, muitas delas ligadas ao mundo da arte. O jornal enganou-se na forma como Frank morreu e deu erros ortográficos nos nomes de algumas das figuras presentes, como John Ashbery, Edwin Denby, e David Shapiro. Numa das edições do NYT, chegou a referir-se os amigos do falecido como os "muitos amigos barbudos e desengravatados do Sr. O'Hara" ("many bearded, tieless friends of Mr. O’Hara.")

O NYT é hoje um dos bastiões do politicamente correcto, assumidamente liberal, com grande cobertura e respeito pelos direitos da comunidade LGBT, por exemplo. Em 1966, há 50 anos, portanto, era mais como os media conservadores de hoje.

Deixo-vos com um excerto do poema de Frank O'Hara, que está no post do Andrew Epstein, e que me comove bastante:

When I die, don’t come, I wouldn’t want a leaf
to turn away from the sun — it loves it there.
There’s nothing so spiritual about being happy
but you can’t miss a day of it, because it doesn’t last.


~ Frank O'Hara


Do guia de estilo de The Economist

On the other hand, do not labour to avoid imaginary insults, especially if the effort does violence to the language. Some people, such as the members of the Task Force on Bias-Free Language of the Association of American University Presses, believe that ghetto-blaster is “offensive as a stereotype of African-American culture”, that it is invidious to speak of a normal child, that massacre should not be used “to refer to a successful American Indian raid or battle victory against white colonisers and invaders”, and that the use of the term cretin is distressing. They want, they say, to avoid “victimisation” and to get “the person before the disability”. The intent may be admirable, but they are unduly sensitive, often inventing slights where none exists.

(...)

Some people believe the possibility of giving offence, causing embarrassment, lowering self-esteem, reinforcing stereotypes, perpetuating prejudice, victimising, marginalising or discriminating to be more important than stating the truth, never mind the chance of doing so with any verve or panache.  They are wrong. Do not bowdlerise your own prose.  You may be neither Galileo nor Salman Rushdie, but you too may sometimes be right to cause offence. Your first duty is to the truth.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Truísmos...

"This country was really founded on religious freedom. [...] Pennsylvania Dutch people went to Pennsylvania."
~ heard in the office

Os politicamente incorrectos

O NYT tem uma entrevista a Megyn Kelly que nos dá alguma clareza acerca do que querem estas pessoas politicamente incorrectas:


O resultado nunca está garantido

O politicamente correcto é uma ideologia de uma classe média instalada nos meios de comunicação social e nas universidades que pretende impor, por lei ou através da retórica, aquilo que os outros devem pensar e o que podem ou não dizer. Geralmente, esse tipo de imposições está associado a determinadas minorias, vítimas de discriminação. É, por isso, que não choca ninguém que se chamem todos os nomes a grupos não incluídos no catálogo das "vítimas minoritárias”, nomeadamente os brancos pouco qualificados que votaram em Trump. Curiosamente, esta gente, hoje alvo de todo o escárnio e desprezo, correspondeu, grosso modo, durante décadas ao famoso proletariado de Marx, a classe trabalhadora, a classe revolucionária, o motor da história. Entretanto, grande parte da esquerda deixou cair o proletariado e substituiu-o pelas minorias discriminadas.
Como muitos alertaram ao longo dos últimos 30 anos, o politicamente correcto está condenado a fracassar. Pior: é contraproducente. As pessoas não se tornam tolerantes à força. As classes bem-pensantes, com o seu “arzinho” de superioridade intelectual e moral, típico de quem está bem-instalado na vida, acabam, ao invés, por alimentar um profundo desprezo e ressentimento junto daqueles que querem educar. Bastou aparecer um desbocado como Trump para que todo o ressentimento acumulado durante anos voltasse à superfície, com um rosto bastante feio e assustador, sobretudo para aqueles que gostam de dar lições de moral e, ao mesmo tempo, vivem afastados do “mundo real”. É isto, como explicou o Vasco Pulido Valente no "Observador", que estes grupos de iluminados “muito modernos” parecem não perceber. O máximo que podemos fazer é convidar os outros a ver as coisas a partir de outro ângulo. Sobretudo, a melhor maneira de as pessoas se tornarem mais tolerantes e de aprenderem a conviver com a diferença é conviverem regularmente com a diferença. Com o tempo, os “naturais” embaraço e desconfiança iniciais, de parte a parte, tendem a diminuir ou a desaparecer. É esta a conclusão do sociólogo americano Erving Goffmann, no seu Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, publicado em 1963. E, mesmo assim, o resultado nunca está garantido.  

Coisas esdrúxulas 79

 O escravo teme o fugivário. É natural. Apanhado, o escravo fugitivo será açoitado, rasgado com ferros, pregado na cruz erguida na Via Ápia. As chagas não confortará o zéfiro, vento suave de ocidente, todos os ventos serão ardíferos. As úlceras não aliviará Júpiter, o deus distrai-se também com coisas assim. A Plutão será dado, Plutão o rico, a morte desfaz tantos e os infernos são populosos. Pois asténico exalará o escravo em breve o sopro cógnito, o final. O sopro gélido ao encontro das profundezas vaporíferas. E não lhe valerão os discursos de Epicteto, o Enchiridion, as compilações de Lúcio Flávio Arriano. Não será feliz desejando que as coisas se produzam como se produzem, não pretendendo que ocorram como quereria, porque em verdade pretenderia outro desfecho. Não se libertará desprezando as coisas que dele não dependam, nada desejando, porque em verdade desejaria outras coisas. Não se sentirá uma parte de tudo tal como a hora é uma parte do dia, porque em verdade o sofrimento separa, individua. É adequada só esta frase única que diz que para o ser racional apenas o que é contrário à razão é insuportável. É insuportável a dor.

Um mês interessante

O Colégio Eleitoral reúne-se a 19 de Dezembro, mas antes disso muita água pode correr debaixo desta ponte. A contagem de votos ainda não terminou. O New Hampshire, que tinha sido dado como favorável a Trump, foi dado como favorável a Hillary Clinton. A Associated Press ainda não anunciou o resultado final do Michigan. Segundo as estimativas mais recentes que encontrei, talvez haja 7 milhões de votos por contar, como vos disse antes, muitos são na Califórnia (4 milhões), em D.C., e Nova Iorque.

Na Segunda-feira, o Arizona ainda tinha cerca de 125.000 votos para contar, mas não se espera que dêem a vitória a Clinton. David Wasserman, do Cook Political Report mantém uma folha de cálculo com as contagens oficiais à medida que são actualizadas.

Lady Gaga, a tal que recebe mais de $200.000 por discurso, iniciou uma petição para o Colégio Eleitoral votar de acordo com o voto popular, mas já vai um bocado tarde. A decisão de como o Colégio Eleitoral vota depende das leis vigentes em cada estado e só podem ser modificadas a esse nível legislativo. (Até tem lógica. Se o Colégio Eleitoral não tem de respeitar a vontade popular nacional, então também é legítimo argumentar que os representantes de um estado não têm de respeitar a vontade popular do estado.)

Antes de 19/12, Donald Trump tem de aparecer em dois julgamentos: um em que é acusado de fraude na Trump University; e outro em que é acusado de violar uma menor -- esse caso já prescreveu, mas a vítima alega que Trump a ameaçou se ela fizesse queixa às autoridades.

Entretanto, a equipa de transição de Donald Trump não tem rolado sobre rodas. Chris Christie foi afastado de líder da equipa e especula-se que se tenha devido a ele estar envolvido na acusação de evasão fiscal e outros crimes do pai do marido de Ivanka Trump. Newt Gingrich afastou-se. Rudy Giuliani poderá ser Secretário de Estado, mas há quem ache que ele tenha conflitos de interesse; Ted Cruz está a ser considerado para Attorney General.

Na próxima semana, celebra-se o Thanksgiving e já vi alguns dos meus amigos e seus amigos, que vivem fora do Midwest, dizer no Facebook que não estão com vontade de ver os membros da sua família que votaram em Donald Trump. Não sei se alguns americanos se recusarão a visitar a família. Um amigo meu do Arkansas, que vive em Minneapolis, começou um grupo secreto no Facebook para apoiar pessoas cujos pais votaram em Donald Trump.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Eu não vos disse?

O PIB português cresceu 1,6% relativamente ao terceiro trimestre de 2015, que foi quando a Geringonça esteve de férias. Ora, eu não vos tinha dito que precisávamos que a Geringonça se calasse o mais depressa possível?

Mas esta taxa de crescimento é muito fraquita dado o contexto: a dívida também aumentou e, se houve estímulo fiscal, não parece que tenha tido grande expressão na economia. Em Setembro também houve um pico do crédito pessoal, o que enfraquece ainda mais a asserção de que isto é obra do estímulo. Ou seja, se este crescimento foi só de turismo, para que é que o governo andou a estimular a economia?

Crimes de ódio

Duas mulheres de uma pequena cidade na West Virginia, uma mayor e uma directora dos serviços no condado, disseram no Twitter (uma disse e a outra reforçou) que estão ansiosas para que Melania Trump se torne Primeira Dama, pois é uma mulher de muita classe e elas estão fartas de ter Michelle Obama, uma macaca de saltos altos, como Primeira Dama. Claro que lhes caiu o céu e a trindade em cima, apagaram os tweets, as páginas do Facebook também, e uma petição foi criada para elas se demitirem. Pediram desculpa, as senhoras, e disseram que o seu comentário não era de todo racista e agora estão a ser vítimas de crimes de ódio por parte de quem censurou o seu comportamento.

Pela minha parte, não percebo estas mulheres: se achavam que não tinham feito nada de mal, reafirmavam o que tinham dito, não apagavam, nem pediam desculpa.

Já agora, esta admiração pela Melania Trump porque é uma mulher muito elegante e boazona, também me tem sido expressada por homens portugueses. Tenho-lhes dito que se andam assim tão frustrados arranjem uma boneca insuflável; é capaz de fazer o mesmo serviço. Houve um que me informou que tinha de se apreciar o "sentido estético da foda". Boa ideia! Até acho que vou adoptar o conceito: daqui para a frente, só fodo homens que tenham corpinho de Adónis. Devo morrer de tédio, mas o sentido estético será maximizado.

Lá terá de ser...

Como diz o John Oliver, lá teremos de lutar e financiar as organizações que defendem quem poderá ser vítima de Trump.



P.S. O LA-C encontrou um vídeo que passa em Portugal. É por isso que a DdD é o melhor blogue português: trabalho de equipa!

Contem comigo!

Fiz umas contas por alto e o plano fiscal do Presidente Trumpeta, perdão Trump, irá reduzir os meus impostos federais de rendimento em $10.000 por ano, pelo menos; mas não tenciono gastar o dinheiro. Estima-se que o plano Trumpeta, perdão Trump, irá aumentar a dívida nacional americana em $7,2 triliões curtos ao longo de 10 anos e isso é só do corte de impostos e dos respectivos juros. Ah, e contem com as taxas de juro dos EUA serem aumentadas mais rapidamente, o que significa que a dívida soberana de outros países também irá ser financiada a yields mais altas. Booyah, vai ser uma festa!

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Estou à espera...

Durante a campanha para as presidenciais, fui informada várias vezes que Hillary Clinton só se interessava por dinheiro, que era por isso que era candidata a Presidente, uma gaja ambiciosa, "money-hungry". A prova disto tudo eram os tais discursos caríssimos que ela fez ao Goldman-Sachs, que é uma empresa que tem ligações com o demónio, a ver pelas reacções à nomeação do José Maria Barroso para conselheiro da dita, ou lá o que era.

Uma vez, ainda tentei explicar aos pobres de espírito e de bolso que Hillary Clinton iria perder dinheiro se fosse Presidente. O salário de Presidente é de $400.000 por ano e ela ganha pelo menos $200.000 por discurso. Imaginem os discursos que ela faz num ano e retirem o salário de Presidente, para ver o custo de oportunidade de Hillary Clinton.

Será $200.000 por discurso muito caro? Não, meus caros! Parem de pensar como pobres e informem-se antes de formar opinião. A Lady Gaga também cobra $200.000/discurso e, sinceramente, não estou a ver o que é que ela tem para dizer que justifique esse dinheiro. Talvez "Baby, I was born this way" aos que ainda não sabiam, mas é mais barato comprar o CD ou a canção no iTunes, como eu faço.

Já o Ben Bernanke cobra $400.000 ou mais por discurso. É verdade! O nosso Ben ganha numa manhã ou tarde o que o Presidente dos EUA ganha num ano. Quantas pessoas é que eu vi andar pelas redes sociais a dizer que Ben Bernanke era um este e um aquele por fazer tanto dinheiro depois de ter saído da Reserva Federal? Nenhuma...

Donald Trump vai prescindir do salário de Presidente. De onde é que irá vir o dinheiro para ele viver? Ora, dos negócios do Trump, claro está. E não acham que vai haver muito empresário que vai fazer negócio com as empresas Trump para ter preferência de acesso ao Presidente? E agora, meus caros, por onde andam vocês para o acusar de ser corrupto?

Hoje, também soubemos que os conselheiros do nosso Presidente-Eleito Trump querem nomear Steven Mnuchin para Secretário da Tesouraria, que é nem mais, nem menos, do que um antigo empregado da Goldman-Sachs. Diz a Bloomberg:

"Mnuchin was tapped into Yale’s Skull and Bones secret society, became a Goldman Sachs partner like his father before him, ran a hedge fund, worked with George Soros, funded Hollywood blockbusters and bought a failed bank, IndyMac, with billionaires including John Paulson. They renamed it OneWest, drew protests for foreclosing on U.S. borrowers, and ultimately generated considerable profits, selling the business last year to CIT Group Inc. for $3.4 billion."

Fonte: Bloomberg

Vá lá, quero ver as reacções ao Trump que vocês tinham à Hillary. Tomem Viagra, se precisam de um empurrão...

Uma dúvida

Como é sabido, uma das bandeiras de campanha de Hillary Clinton era “a primeira mulher presidente dos EUA”. Depois do choque que abalou o mundo, uma das explicações para os resultados eleitorais sublinhava o machismo, sexismo e misoginia, que, infelizmente, ainda parecem assolar grande parte do Ocidente. Ao mesmo tempo, fico mais descansado por saber que a larga maioria de muçulmanos, hispânicos e negros que votaram na candidata democrata são liberais, modernos e tolerantes e não estão, com certeza, infectados pelo vírus do machismo e misoginia. Pelos vistos, trata-se de uma doença que ataca, sobretudo, os brancos (homens e mulheres) pouco qualificados que votaram no execrável Trump. De qualquer maneira, como alguns já chamaram a atenção, Marine Le Pen pode ser a primeira presidente de França.  Se a candidata perder, será isso uma prova do incurável machismo e misoginia da sociedade francesa, em especial dos sectores mais liberais e qualificados, que revelam pouca simpatia pela senhora? Ou este tipo de explicação sexista só se aplica a candidatas de determinado quadrante político? Humildemente, deixo aqui a minha dúvida.

Correcto ou incorrecto?

Chateia-me esta porcaria do politicamente correcto. Os EUA sob uma presidência Republicana são muito mais politicamente correctos do que sob os Democratas. Basta comparar os insultos de Trump com a cesta dos deploráveis de Clinton. Um amigo meu de Oklahoma, orgulhosamente Republicano, branco, desempregado, deprimido, que anda a viver de food stamps e Obamacare, chamou ao Obama smart ass, disse que Hillary Clinton tem a personalidade de papel higiénico de lixa, etc. Senti-me ofendida.

Ora eu, doutorada e empregada, uma mulher educada, pago um balúrdio em impostos federais para ele ter Obamacare subsidiado e ele vem-me chamar espertas-saloias a pessoas como o Obama, que é como quem diz a mim. Hoje de manhã soltei os cachorros do politicamente incorrecto em cima do gajo: disse-lhe "fuck you" e mandei-o desistir do seguro de saúde, que eu não via porque é que eu tinha de subsidiar pessoas como ele. Não foi isso que que quiseram com esta eleição: parem de ser bonzinhos, sejam politicamente incorrectos? Foi esse o memorando que eu recebi.

Inferir ou não inferir...

Diz a revista "The Atlantic" que o voto popular irá continuar a crescer para Hillary Clinton nas próximas semanas porque há votos que ainda não foram contados. Como são votos de pessoas que pertencem às costas, nomeadamente à Califórnia, Nova Iorque e DC, não terão efeito no resultado final. O Colégio Eleitoral irá votar em Dezembro, mas pergunto-me por que razão há Eleitores em carne e osso, se o seu voto pode ser inferido do voto popular? Não faz sentido tê-los, nem sequer ter de esperar tanto tempo para saber o seu voto.

De resto, os americanos têm-se divertido a criar memes de Joe Biden. Aqui está uma das minhas preferidas:







domingo, 13 de novembro de 2016

Os populismos

Escrevi já sobre os acontecimentos recentes, quer no Observador, quer no Público. Qualquer previsão sobre o que vai ser a administração Trump parece-me destinada a falhar dada a ausência de um programa consistente e a total imprevisibilidade do personagem. Por exemplo, ao contrário do que já vi dito, Trump é um isolacionista, mas ao mesmo tempo diz que vai acabar com o ISIS rapidamente. Quer descer impostos (medida tipicamente “neoliberal”), mas também acabar com o comércio livre (medida tipicamente “anti-liberal”) e promover um programa de infraestruturas (ao nível do New Deal). Acredito que as coisas em Washington vão ser business as usual. Aliás os nomes que circulam para a administração mostram isso mesmo. E veremos depois, nas eleições de 2018, por onde param as modas. Sinceramente acho bem mais perigosa a agenda do VP Mike Pence. Pence é um ultraconservador, religioso e anti-evolucionista. Ele, sim, vai insistir numa agenda preocupante em matérias como aborto, matrimónio homossexual, direitos LGBT, etc

Evidentemente que há semelhanças entre Trump, Brexit, e os populismos na Europa. A retórica, o falhanço das sondagens em capturar o fenómeno, o progressivo desaparecimento do agree to disagree, a superioridade moral dos populistas e dos anti-populistas, o teste aos limites da democracia. Mas, dito isto, há algumas diferenças importantes.

Trump e Brexit não surgem inesperadamente. Não são uma mudança brusca das sociedades anglo-americanas. No Reino Unido, a adesão à União Europeia sempre foi contestada (em 1974, foi aprovada por 67%-33%), os principais partidos (Tory e Labour) sempre tiveram uma relação complicada com o tema. O Brexit, sendo inesperado, aconteceu com uma pequena alteração da geografia eleitoral. Não foi um resultado sólido (apenas 52%-48%). O UKIP, aliás, existe desde 1993, mas está agora numa crise interna imensa (tendo quase 5 milhões de votos nas eleições europeias de 2014 e quase 4 milhões de votos nas eleições legislativas de 2015, tem apenas um deputado em Westminster e falhou o assalto aos Tories). Não há partidos novos no horizonte britânico. Já, nos Estados Unidos, Trump tem praticamente os mesmos votos que Romney ou McCain (todos entre 59,5 e 61 milhões), mas menos que Bush/2004 (acima dos 62 milhões). Não há uma horda de votantes racistas e sexistas que apareceu de repente. Mais uma vez, pequenas variações na geografia e na demografia eleitoral deram a presidência a Trump com um resultado muito ajustado (no voto popular, atrás de Clinton).

Na Europa, a situação é muito diferente. AfD, Podemos ou Syriza são movimentos novos. Simplesmente não existiam, nalguns casos, há cinco anos. Em França, a FN teve 5,5 milhões de votos em 2002 (melhor resultado de Jean-Marie Le Pen), hoje tem já um eleitorado de 7 milhões and growing. O mesmo na Áustria ou na Holanda. Portanto, no contexto europeu, há uma mudança clara no sistema partidário. Os movimentos populistas, direita ou esquerda, pretendem simplesmente eliminar os partidos tradicionais (veja-se o que aconteceu na Grécia com o PASOK; veja-se o que aconteceu em Espanha onde o Podemos colocou o sorpasso como primeiro objetivo, e não a substituição de Rajoy; veja-se o que aconteceu na Áustria com o ÖVP e o FPÖ). 

De alguma forma, o populismo anglo-americano aparece inserido no próprio establishment partidário, sem novos partidos ou movimentos de opinião pública. Apenas uma ligeira alteração da correlação de forças. O populismo continental faz-se contra o establishment partidário, com novos partidos que pretendem eliminar os antigos partidos. E com alterações muito significativas na correlação de forças. Quanto a mim, a implicação é clara. Será mais fácil o establishment absorver e “normalizar” o populismo anglo-americano a prazo do que o populismo continental. 

TRUMP=Trump's Race United My People.

Depois das manifestações contra a eleição de Trump (absurdas, diga-se), ali em baixo referidas ao de leve por Nuno Jerónimo, o Klu Klux Klan anuncia uma parada para festejar a vitória de Donal Trump. No 3 de Dezembro, na Carolina do Norte, para quem estiver interessado.

Felizmente, será uma parada pacífica e sem violências.

sábado, 12 de novembro de 2016

Para ver se entendo

Manifestar a indignação na rua (nos EUA e no resto do mundo, agora e noutras alturas) com ocupação de praças, destruição de montras, vandalismo contra carros, desejos da morte dos velhos, comparações com Hitler, ataques à polícia, tentativas de invadir o parlamento, pedidos de demissão dos governantes, é justo e legítimo.
Manifestar o descontentamento através do voto é indigno e inaceitável.

(Disclaimer para evitar suposições e equívocos: se eu fosse americano não teria votado Donald Trump.)

Aviso de rastilho

O Luís Aguiar-Conraria admira-se com razão, lembrando bem o discurso contra o Politicamente Correcto da campanha Trump, que muita gente se indigna com os insultos aos apoiantes do Trump. Estou do mesmo lado, sou da escola de Mick Hume e do Feel Free to Insult Me. O apodo e o insulto devem ser livres.
A liberdade de expressão deve permitir que se possa chamar racistas, machistas, porcos, e trogloditas aos votantes em Trump, tal como foi possível chamar comunistas, anti-patriotas, e pretos aos eleitores de Obama. A isto acresce que poder expressar qualquer opinião não significa de imediato que ela seja verdadeira.

O campeonato até agora...

A vitória de Trump deu mais uma machadada na credibilidade das polls. Nesta altura do campeonato, temos de nos questionar se a metodologia das polls está errada ou se as próprias polls afectam os resultados. Será que ao prever uma vitória para Clinton, os eleitores não sentiram um maior à vontade para fazer um voto de protesto, o que não retirou força a Trump, mas retirou a vantagem que Clinton demonstrava ter nas polls? Isto seria consistente com o número de pessoas que não votaram em Trump, nem Clinton, mas ficaram chocadas com a vitória de Trump.

A mesma coisa aconteceu com o Brexit, onde muita gente votou a favor porque não pensava que iria ser esse o resultado -- estavam a contar que um número suficiente de outros votassem a favor porque assim o previam as polls, logo descontaram o risco da opção que não queriam. Isto também é consistente com os resultados das eleições portuguesas, onde muitos dos que votaram em branco, ou não votaram, ou votaram em partidos menores, como forma de protesto, acharam mal que o PS tivesse formado uma Geringonça.

Resumindo e concluindo, é preciso investigar se as polls se tornaram uma variável explicativa do resultado final da eleição. Parece-me também que o voto de protesto, quando a opção não-favorita é má, pode acabar por ser um tiro nos pés.