sábado, 28 de fevereiro de 2015

Sol na eira e chuva no nabal

Imaginem uma sociedade em que as pessoas podem investir na Eira ou no Nabal:
1. Caso faça sol, a Eira tem uma taxa de rendibilidade de 100% enquanto o Nabal perde 90%;
2. Já se chover, acontece o contrário, o Nabal ganha 100% e a Eira perde 90%.

Admitindo que nesta sociedade as pessoas são todas avessas ao risco, a estratégia óptima será ter uma carteira de títulos equilibrada, distribuindo a sua riqueza igualmente pela Eira e pelo Nabal, de forma a ter assegurado uma taxa de rendibilidade de 5% ao ano. Mas, claro, há uns burros que investem tudo na Eira e outros burros que investem tudo no Nabal.

Nesta sociedade ninguém muito inteligente será rico. Já os ricos serão especialmente estúpidos.

PS Lembro-me de ter lido esta parábola num dos melhores blogues aí da coluna direita. Infelizmente, não consegui encontrar o ‘post’ específico para o linkar.
PPS Qualquer semelhança entre esta parábola e a história do melhor CEO do mundo e arredores que tinha 90% da tesouraria investida no mesmo produto é, obviamente, pura coincidência.
PPPS O Miguel Madeira encontrou o link referido em PS. Cá está, muito obrigado.

A pretexto de Raquel Varela: uma hipótese...

A pretexto das homeopatetices monetárias de Raquel Varela, li este comentário no facebook, que não resisto a partilhar:
Estou aqui a pensar... era do caralho alguém fazer isto anos a fio, para um dia acabar com o blog com um post só a dizer... "Tava a gozar!"
O autor é o André Gama. Já que nunca põe nada aqui na Destreza, ponho eu por ele.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Meio século amanhã

Vai sair amanhã a quinquagésima carta escrita por Warren Buffett aos seus accionistas. Há pessoas que costumavam deter apenas uma acção da Berkshire Hathway só para receber as ditas cartas. Justin Fox na Bloomberg acha que o Buffett dos anos 70 é o mais "cool", já o Matt Levine prefere o Buffett dos anos 60. Ao ler a peça do Fox, gostei da citação da carta de 1980, que se refere à performance da empresa em 1979. Diz assim:

We hope we don’t get into too many more businesses with such tough economic characteristics. But, as we have stated before: (1) our textile businesses are very important employers in their communities, (2) management has been straightforward in reporting on problems and energetic in attacking them, (3) labor has been cooperative and understanding in facing our common problems, and (4) the business should average modest cash returns relative to investment.

Porquê esta citação? Porque a acho aplicável a Portugal: os têxteis são uma área onde temos competência e boa reputação internacional e poderiam empregar muito mais gente, não só em manufactura, mas também no sector de serviços: design, engenharia textil, atendimento a clientes (em português e inglês, pelo menos), informática, análise de dados, etc. Bastava termos consciência de que o nosso mercado não é o baratucho onde se compete com a China ou a Índia, e estaríamos posicionados para um mercado mais caro, desde que oferecêssemos um produto e um serviço de atendimento de clientes à altura. Uma boa gestão da produção e da cadeia logística (minar dados para identificar e evitar problemas é muito importante) trataria de podermos controlar os custos e satisfazer os clientes a tempo e horas. Uma aposta na imagem dar-nos-ia visibilidade ao público mundial.

Por exemplo, fui à página da Sampedro e nem uma feed no Instagram têm, apesar de terem uma página de Internet com boa apresentação, mas quase nenhuma funcionalidade: não posso comprar lá coisas nem posso conversar com ninguém acerca do produto. Contrastem isso com o feed no Instagram da Pottery Barn, uma marca americana que até vende lençóis feitos em Portugal ou o da Anthropologie, da qual já vos falei, e que, entre outras coisas, vende toalhas de banho feitas em Portugal. Estas marcas não vendem os objectos, vendem todo um estilo de vida. Comprar o objecto na loja deles, e eles têm lojas online, ajuda-nos a construir um estilo de vida cuidado, para além de satisfazer a necessidade para o qual o objecto foi criado.

Variáveis proxy

Aqui há uns meses, um amigo meu no Facebook perguntou-me se eu estava ocupada no tabalho. Eu disse-lhe que não mais do que o normal e perguntei-lhe porquê. Ele respondeu que queria saber se a economia americana estava mesmo a aquecer, logo se a minha actividade laboral reflectia esse aquecimento; eu disse-lhe que a minha carga de trabalho é uma péssima variável proxy para saber esse fim. Eu fico ocupada quando há problemas na América do Sul, pois nessa altura tenho de andar em cima das notícias para ver se há novidades que possam afectar os mercados de soja e milho. Esta semana continua a greve dos camionistas no Brasil, que está a afectar os preços de soja--é bom para os agricultores portugueses que tenham cultivado soja, aproveitem enquanto é tempo porque isto não vai durar muito--e eu estou um bocadinho mais ocupada.

Quando Alan Greenspan escreveu a sua biografia, revelou que costumava acompanhar o mercado de roupa interior masculina como indicador da força da economia americana. A razão era que, se as pessoas adiassem comprar ceroulas*, que quase ninguém vê, logo pouco importa quando estão em mau estado, é porque estavam a poupar dinheiro. Podem ouvir este audio acerca desta variável proxy.

* Já antecipando as vossas correcções, digam lá que termo técnico preferem: truces, cuecas, slips... Aceitam-se sugestões em troca de desejos de um óptimo fim-de-semana!

Dignidade na política

Platão acreditava ter demonstrado a servilidade natural dos escravos pelo facto de estes não terem preferido a morte à escravidão. Para um homem livre, a escravidão era considerada pior que a morte. Como diria, mais tarde, Séneca: “Com a liberdade tão ao alcance das nossas mãos, existe ainda alguém que seja escravo?”

Dedicar a vida aos negócios da cidade exigia coragem, só ao alcance dos homens livres. Quem quer que ingressasse na esfera política deveria, em primeiro lugar, estar disposto a arriscar a própria vida: o excesso de amor à vida era um obstáculo à liberdade e sinal inconfundível de servilismo.

Não era um mundo perfeito, longe disso, mas era assim que na Antiguidade se concebia a dignidade na política. Hoje, nada é mais difundido que a convicção de que o «poder corrompe», mas a dignidade conferida à política pelos antigos ainda não desapareceu completamente.

Amadorismos

"É um bocadinho de amadorismo para quem ganhou tantos prémios de melhor CEO do ano, melhor CEO da Europa e arredores, não é?". Foi assim que a deputada do BE Mariana Mortágua cobriu de ridículo o (ex) super gestor da PT Zeinal Bava, ontem na Comissão de Inquérito ao BES. O homem parecia ter sofrido um ataque de amnésia e não se lembrava de nada relacionado com os actos de gestão ruinosos da PT, nomeadamente os 900 milhões de euros aplicados na Rioforte.

Por falar em amadorismo, o que dizer do facto deste senhor continuar a andar por aí à solta, na maior das impunidades? E ao Ricardo Salgado e a toda aquela tropa fandanga de super gestores do BES, quando é que a mão da justiça lhes cai em cima com força? Sem punições expeditas e exemplares, a regulação e a supervisão não passam de “um conto de crianças”.



quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Vitória de Pirro

Rezam as crónicas que Pirro (318 a. C. – 272 a. C.), aquando da vitória na batalha de Ásculo (281) contra os Romanos, a custo de imensas baixas nas suas tropas, ao ser felicitado, respondeu com estas palavras: "Mais uma vitória como esta, e estou perdido."
Aos que andam por aí a felicitar o governo grego pela vitória na batalha de Bruxelas contra o eurogrupo, Aléxis Tsípras e Yanis Varoufakis bem que lhes podiam responder como o seu antepassado Pirro.

Uma chinesice

Alfredo Barroso bateu com a porta. O histórico socialista, e um dos fundadores do partido, viu na “chinesice” de António Costa a última gota-de-água. Eu compreendo. As palavras proferidas por Costa, a 19 de Fevereiro, no Casino da Póvoa, ante a comunidade chinesa que celebrava o ano novo chinês, foram uma “bala de canhão” desferida nos corações socialistas, que não aguentam discursos elogiosos sobre o actual estado da nação.

É no que dá Costa discursar sempre para o lado que o vento está a soprar. É um malabarismo complicado e as escorregadelas são um perigo constante.

Do Largo do Rato saiu entretanto uma explicação: “Perante o exterior, António Costa recusa-se a falar mal do país”. Ou seja, para dentro, Portugal está péssimo; para fora, Portugal está melhor.

Razão tem Alfredo Barroso: Costa prestou “vassalagem à ditadura comunista e neoliberal da República Popular da China". Com que cara é que esta gente pode agora acusar o governo português de subserviência à Alemanha, quando o líder da oposição faz estas tristes figuras?

No reino da percepção

A Rita desmonta aqui um mito. Afinal, os alemães, que gostam tanto de dar lições de moral aos outros, não são propriamente um exemplo: a Alemanha “está em violação do Tratado de Maastricht e já o está há mais um ano do que Portugal: já tem um rácio de dívida pública-PIB superior a 60% desde 2003.”

Muito bem. Sobra uma pergunta: por que raio os credores (especuladores, se quiserem) emprestam dinheiro a um preço tão baixo aos alemães incumpridores e não fazem (ou não fizeram) o mesmo aos portugueses e gregos?

Tem tudo a ver com uma questão de percepção. No mundo financeiro reina a percepção. Por várias razões, em 2010, Portugal, a Grécia e a Irlanda perderam a credibilidade perante os investidores em títulos. Até ao momento, esses mesmos investidores nunca deixaram de acreditar na capacidade da Alemanha – e, já agora, na capacidade dos EUA: se somarmos ao défice federal, os défices estaduais, o passivo do Medicare e Segurança social (100 biliões), o crescente passivo das pensões dos funcionários públicos, a posição fiscal dos EUA era pior do que a da Grécia em 2009, com um rácio dívida/receita de 312%.

Isto pode mudar de um dia para o outro? Pode. Basta que os investidores percam a fé na viabilidade dos sistemas alemão ou americano. O mundo é governado pelo poder da sugestão.

Os mercados financeiros movem-se sob os efeitos do contágio e histeria e as novas tecnologias da comunicação reforçam e expandem dramaticamente esses efeitos. Talvez a leitura da obra de Jacques Charcot, fundador da psiquiatria moderna, que demonstrou a existência de uma conexão entre hipnose e histeria, nos possa ser mais útil à compreensão da “nova economia” do que o estudo de Keynes ou Hayek, cujas ideias e teorias me parecem datadas e desfasadas do admirável mundo novo em que vivemos.

O Japão...

De acordo com um artigo na Bloomberg, as companhias japonesas, que têm cerca de US$2 mil biliões de dólares em dinheiro dos lucros que obtiveram reduzindo custos, i.e., não aumentaram as vendas, estão a investir no estrangeiro, comprando empresas em Itália, Brasil, EUA, Austrália, etc. Não entendo como é que o governo português ainda não caçou uma delas para vir investir em Portugal. Não tenho grande amor por Mergers & Acquisitions, mas os japoneses têm outras coisas que me atraem mais, como boas técnicas de gestão, controle de qualidade, e controle de custos. Imaginem o casamento da disciplina deles com a nossa criatividade e aposto que sairiam coisas giras.

Mas, não satisfeitas em apenas gastar os seus lucros, as empresas japonesas também estão a contrair empréstimos, aproveitando as taxas de juro baixas do Japão, para ir gastar o dinheiro no estrangeiro. Estão a ver que isto para a política monetária japonesa é o beijo da morte...

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Querida Bruxelas...

Gosto muito de ti! Gosto tanto de ti que até já tive um namorado belga que morou em Bruxelas; agora mora em Antuérpia com a esposa e três filhos e é muito feliz. E eu também sou feliz por ele e até continuamos a ser amigos e, quando ele teve uma namorada holandesa depois de mim, que o tratou mal, eu disse-lhe que ele, o meu belga preferido porque o Poirot não existe na realidade, era muito boa pessoa e merecia alguém que o apreciasse pelo que ele era. Eu gosto mesmo de ti, Bruxelas e até acho que tens razão: batatas fritas com maionese é muito melhor do que batatas fritas com ketchup. Os americanos não sabem o que perdem!

Mas Bruxelas, porque é que tu insistes em partir-me o coração? Dizes que Portugal tem desequilíbrios profundos e eu não vejo porque é que os nossos desequilíbrios são piores do que os dos outros. Eu fui à Wikipédia refrescar a memória do Tratado de Maastricht porque a página da UE é muito chata para encontrar o que quer que seja, porque na Europa não se dá valor à substância, o que é valioso é a aparência, e muitas palavras que não dizem nada são melhores do que poucas palavras que explicam tudo. Depois fui ao Trading Economics para ver se tu tinhas razão, porque o Eurostat é muito pouco amiguinho do utilizador, e é preciso dar cambalhotas para se fazer coisas simples. (Custava muito copiar o Alfred, o repositório da Reserva Federal Americana em St. Louis para visualização de estatísticas, que faz uns bonecos tão giros?) E encontrei isto:

Estás a ver, Bruxelas? A Alemanha, o paradigma do bom comportamento, está em violação do Tratado de Maastricht e já o está há mais um ano do que Portugal: já tem um rácio de dívida pública-PIB superior a 60% desde 2003. A Pordata diz que nós fomos melhores do que a Alemanha de 2000 a 2004.

O Tratado de Maastricht diz que, quando se está em violação, tem de rapidamente se demonstrar que entrámos em redenção dos pecados. Fui ver a medida de redenção, que é o rácio do orçamento do estado-PIB, e diz que os alemães falharam este critério cinco anos dos 11 representados. Uma taxa de falhanço de 45%--wow, que sucesso, quando eu crescer também quero falhar 45% do tempo! Estão ver? Eu devia esforçar-me mais para cometer mais erros e parecer mais ignorante, para ser tão reverenciada como a Alemanha...

Não perguntes...

"My fellow Americans, ask not what your country can do for you, ask what you can do for your country."

John F. Kennedy

Hoje, um amigo meu no Facebook, informou-me que eu posso votar nas eleições portuguesas para o governo e para a Presidência. Em 2010, quando eu renovei o meu passaporte português em Washington, D.C., eu tinha perguntado à empregada do Consulado se podia votar e ela disse-me que só podia nas eleições que não fossem para eleger o governo ou o Presidente. E, se não estou em erro, para votar nas outras era preciso ir em pessoa ao meu Consulado. Eu pensei para mim "Bela merda! Sai-se de Portugal e passa-se a ser um cidadão português de segunda categoria."

Respondi ao meu amigo que estava inscrita no consulado há mais de 10 anos e que ninguém se tinha dignado a informar-me que os meus direitos tinham sido aumentados, ao que ele me responde com a citação do JFK: "Não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, pergunta o que podes fazer pelo teu país." E eu pensei "Bela merda! Estou farta desta mentalidade."

Eu faço pelo meu país. Saí do meu país em 1997 permanentemente. Assim que terminei os meus estudos e arranjei um emprego, também arranjei maneira de enviar dinheiro para Portugal e de pagar impostos em Portugal. Eu não consumo grandes recursos em Portugal actualmente e vejo o pagamento de impostos como um dever, pois durante um quarto de século, Portugal cuidou de mim e educou-me, logo acho mais do que justo que eu contribua, para que Portugal possa fazer por outros o que fez por mim. No entanto, eu não vejo porque é que os meus direitos de cidadão foram reduzidos porque eu estava fora de Portugal e quando foram reinstituídos eu não fui informada. Ainda no ano passado tirei o Cartão do Cidadão e tive de ir a duas Lojas do Cidadão e em nenhuma destas lojas me foi dito que eu podia votar mesmo estando fora de Portugal.

Ser emigrante é uma porcaria. Há sempre um espertalhão que aparece e nos diz que nós saímos de Portugal porque em Portugal não prestamos, não somos suficientemente bons, não teríamos tido sucesso nenhum, etc. Eu nunca vi um americano falar a outro americano assim. Quando um americano diz "Estive a viver no país X", o outro americano responde qualquer coisa como "A sério, que giro! O que é que gostas mais? É muito diferente? Conseguiste adaptar-te? Do que é que sentes falta?" Há um tipo de português que gosta de humilhar, como se tratar os outros mal o fizesse melhor pessoa.

No ano passado, uma amiga minha americana pediu-me para ajudar dois italianos que vieram a Houston. O rapaz tinha lavado o passaporte dele na máquina e precisava de um passaporte novo. Telefonou ao consulado da Itália em Houston e, inicialmente disseram que não o podiam ajudar. Depois disseram para ele vir a Houston que lhe passavam um papel para ele poder viajar. Quando ele veio foi ao consulado, mal conseguiu encontrar o escritório onde ficava: não estava identificado por fora, andou às aranhas até o encontrar. Depois de estar dentro do consulado, perguntou porque é que não havia identificação do sítio onde estava, disse que quando ele ia ao consulado americano estava tudo bem identificado. Responderam-lhe que um consulado não é uma embaixada, um consulado nos EUA é considerado solo americano, uma embaixada é considerado solo do país da embaixada--o que é que isto tem a ver com tratar as pessoas com dignidade e meter a identificação na porta? Referente ao passaporte, disseram outra vez que o não podiam ajudar, ao que ele respondeu que tinha sido informado por telefone que podia obter uma documento para viajar. Responderam-lhe que a carta só era passada poucos dias antes de ele viajar, logo ele devia voltar nessa altura. Ele respondeu que a viagem era mais de nove horas de carro e não podia estar a perder mais três dias para regressar. Lá lhe deram um papel para ele poder regressar à Itália.

Eu também tenho a cidadania americana e o passaporte americano. Demorei muito tempo a pedir a cidadania porque foi uma decisão muito difícil, talvez uma das mais difíceis que eu já tomei. Quando o recebi, abri-o para ver como era, pois nunca tinha passado grande tempo a estudar um passaporte americano. Numa das primeiras páginas está um pedido do Secretário de Estado americano a pedir protecção para o detentor do passaporte. As páginas estão cheias de citações de pessoas e documentos importantes da história dos EUA. Há americanos que não gostam deste passaporte, que o acham demasiado patriótico. Eu acho que não. O espírito do passaporte americano reflecte muito o que eu ouço os americanos dizer quando falam do seu país. O passaporte português é incrivelmente bonito, com imagens de poetas portugueses como Camões e Fernando Pessoa, mas não há qualquer menção de que as pessoas importam para Portugal. Aqui vos deixo as primeiras páginas dos passaportes americano e português. Vocês decidam o que pensar.

Um dia muito educativo...

E tudo por causa da National Public Radio. A NPR é a rádio pública americana. É pública, mas não é pública à maneira portuguesa. O financiamento da NPR é por doações de indivíduos e empresas, por bolsas (grants), e pela venda dos programas. Há a NPR e depois há toda a cadeia de rádios locais que são membros da NPR e que, junto do seu público, angariam fundos para comprar programas à NPR e também à Public Radio International, à BBC, e a outras produtoras de rádio. Muitas das rádios públicas locais estão localizadas em universidades, o que permite que alguns estudantes de Jornalismo tenham estágios ou trabalhos part-time na rádio.

O mais interessante para vocês é que podem aceder a tudo isto sem ter de pagar nada. Basta ir à página de Internet da NPR e fazer o download de podcasts, ou podem fazer o download de uma app para o vosso smartphone que vos dá acesso aos programas em simultâneo ou em podcast. Se querem praticar ou melhorar o vosso inglês, isto é um recurso fantástico e o arquivo da NPR é extenso.

Hoje, quando fui para o trabalho, no programa da Diane Rehm, do qual eu já vos falei, a conversa era sobre armas nucleares e a possibilidade de um acordo com o Irão.

Ao almoço, quando fui a casa cuidar dos meus cães, apanhei dois programas:

No regresso a casa, tive a oportunidade de ouvir parte de um programa que divulga as conferências TED, a TED Radio Hour. Hoje apresentavam várias conferências sobre o cérebro humano.

Assim aprendo muitas coisas e mantenho-me ao corrente do que vai mundo. E, de vez em quando, aparecem umas ideias giras para eu vos apresentar.

Tenho pena que em Houston não apresentem o programa The Writer's Almanac a horas que eu possa ouvir quando estou no carro; é um programa curtinho, de cinco minutos, que tem sempre algumas curiosidades do dia sobre história, literatura, e escritores, e que também tem um poema recitado.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Mitos europeus

Em 1995, Tony Judt publicou um pequeno ensaio no qual conclui que a Europa Ocidental que hoje temos é o resultado de um conjunto de circunstâncias únicas e irrepetíveis e que nunca mais ninguém terá igual sorte.

Não passa de um mito a versão oficial de que a União Europeia é o resultado de um destino histórico ou que a “Europa” foi reconstruída por idealistas, cuja principal motivação era a de que não houvesse mais guerras. Não houve qualquer consciência europeia no nascimento da “Europa”, houve, isso sim, uma “europeização” de problemas internos.

Para começar, no final da II Guerra Mundial, ainda ecoavam os planos nazis de uma "Nova Ordem Europeia" e, por isso, a ideia de uma Europa Unida surgia então com conotações sinistras. Em meados dos anos 50, era raro descobrir na Europa políticos ou intelectuais essencialmente preocupados com uma Europa unida. A maioria estava concentrada nos problemas e nas políticas do seu próprio país. Os egoísmos nacionais não nasceram ontem, como parecem acreditar alguns. Estiveram presentes desde o primeiro minuto. Na verdade, a “Europa” surgiu de um conjunto de circunstâncias fortuitas.

A história é conhecida, mas volta e meia vale a pena repeti-la. A França, uma das grandes derrotadas da II Guerra Mundial, precisava desesperadamente de carvão para a sua indústria de aço e só a Alemanha lho podia fornecer. Depois de várias tentativas frustradas, que passaram inclusive por negociações com os russos (que controlavam uma parte da Alemanha), viram-se obrigados a fazer um acordo com a Alemanha, os países do Benelux e a Itália para criar a CECA em 1951. Foi uma iniciativa inspirada e de pura sorte. Os americanos e, sobretudo, os ingleses estavam ansiosos por se verem livres do fardo de alimentar milhões de bocas (10 milhões vinham das antigas comunidades alemãs na Checoslováquia, Polónia, Roménia, etc.) e interessava-lhes em consequência que a Alemanha se desenvolvesse. Por seu lado, o chanceler Konrad Adenauer viu logo no Plano Schuman uma ” oportunidade” da Alemanha recuperar a sua soberania e regressar ao seio da comunidade internacional.

Tratou-se, por conseguinte, de um casamento de conveniências que funcionou enquanto houve dinheiro.

A famigerada “solidariedade europeia” não passa de mais uma invenção com fins propagandísticos. Os alemães elegeram democraticamente um governo para os representar e defender os seus interesses concretos, e não uma abstracção chamada “Europa” - a “Europa” só lhes interessa enquanto acharem que lhes traz vantagens. O mesmo se passa com os portugueses, os gregos, os ingleses, os finlandeses, os holandeses, os polacos, os romenos e por aí fora. Não há, nem nunca houve, “cidadãos europeus”.

Às vezes, convém descer à terra e não andar a alimentar lirismos. Foram os lirismos, misturados com megalomania e demagogia, que conduziram a “Europa” a um beco sem saída.

#lisbonunderthesun

A propósito da minha "ligeira" obsessão pela calçada portuguesa, vou confessar uma outra obsessão: o Instagram. Adoro e sou viciada naquilo. Aqui há umas semanas vi no Instagram, numa descrição de uma foto que eu gostei, a menção de uma pessoa: o Miguel Flores-Vianna. Fui logo ver de quem se tratava: é um argentino, fotógrafo, cujo portefólio de clientes inclui Elle Décor, Architectural Digest, e House and Garden. E, meus caros, este homem é, na minha opinião, muito mais atraente do que Yanis Varoufakis.

Abri o feed to Miguel Flores-Vianna para o seguir. Alguns dias depois ele posta uma foto de Lisboa e eu, que estive naquele mesmo lugar em Setembro do ano passado, senti que o Universo conspirava para me fazer sorrir. (Tenho um amigo meu que me costuma dizer que eu sou muito egocêntrica, a implicação sendo que eu deveria ser menos. Mas se eu fosse menos não seria eu, logo há aqui uma impossibilidade matemática: estas duas condições são mutuamente exclusivas.)

Eis que, hoje de manhã, vou ver a feed do Miguel outra vez, só para ter a certeza que eu não tinha perdido nenhuma das fotos de Portugal e lá está uma foto da calçada de Lisboa: estão a ver, o Universo conspira para me fazer sorrir.


E eu pensei cá para a minha camisola de caxemira, porque está frio em Houston e eu não tenho botões a jeito, porque é que não se inicia uma hashtag #walkonartinPT: caminhe sobre arte em Portugal. Fiquei feliz com esta minha ideia, e vou implementá-la. Sempre que eu vir uma foto de uma calçada portuguesa no Instagram vou comentar com essa hashtag.

Depois reparei que o Miguel Flores-Vianna tinha começado uma hashtag dedicada a Lisboa, que é #lisbonunderthesun, lisboa sob o sol. E outra vez fiquei feliz--é bom que ele tivesse gostado tanto de Lisboa para o fazer e notem que ele amou Lisboa e declarou-o publicamente. Disse que era um amor que "começa devagar, em silêncio, mas que é profundo". Só há, nessa hashtag, quatro fotos: as do Miguel. Mas vou revisitar as minhas fotos do Instagram e meter-lhes essa hashtag, assim como o farei com as fotos bonitas de Lisboa que eu encontre de outras pessoas.


Gosto muito de ver o que as outras pessoas vêem quando vão a Portugal, as coisas que notam, as emoções que lhes são despertadas... Mas o outro lado também é muito bom: há feeds extraordinários de portugueses no Instagram e um dia destes eu falar-vos-ei de alguns desses que eu já descobri. E não se preocupem, o meu feed não faz parte da minha lista dos extraordinários: eu sou egocêntrica, mas também sou muito exigente.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

E o Oscar vai para... o catano

A noite passada gostei muito de ver a cerimónia de entrega dos Oscars na SIC. Muita cor, muita música. A apresentação pode ter sido divertida, mas os eruditos espectadores portugueses ficaram muito mais bem servidos com a locução de João Lopes e Sílvia Lima Rato do que com as palermices ditas por Neil Patrick Harris, palermices que os comentadores da SIC souberam com destreza e sabedoria abafar, falando sempre que o apresentador americano diz alguma coisa que aparentava ser uma piada.
Os comentadores portugueses, sempre preocupados com a sanidade mental da audiência, recapitulavam incessantemente o que se havia visto cinco minutos antes, não fosse já nos termos esquecido entretanto - afinal de contas, um dos prémios tinha qualquer coisa a ver com Alzheimer. Entretanto, em Los Angeles, o apresentador do espectáculo teimava em dizer coisas que pareciam ter graça. Não digo isto porque tenha conseguido ouvir alguma piada, mas porque a audiência se ria bastante. Mas ria-se obviamente de ignorância e de qualquer imbecilidade cómica, enquanto nós, espectadores da SIC, acompanhados da sabedoria cinéfila de João Lopes e Sílvia Lima Rato, obtínhamos no momento a preciosa informação de quantas nomeações já tivera na carreira o vencedor do Oscar para a melhor banda sonora (oito).
SIC, bem hajas. O Oscar vai para ti.

Gregos e Troicanos

Um comentário ao meu último post fez-me perceber a necessidade de algumas clarificações. E a primeira é a de que as próximas linhas devem ser lidas sabendo-as escritas por uma europeísta. É o que sou. Não obstante o meu entusiasmo pelo projecto europeu (ou, talvez, precisamente devido a ele), não deixo de ver umas quantas falhas na forma como o processo de integração foi conduzido. A abordagem dos pequenos passos preconizada por Schuman não tinha alternativa, julgo; mas a solidariedade de facto que ele pretendia alcançar por meio dessas realizações concretas não se verificou. Ou, pelo menos, já não se verifica. Segundo Jean Monnet, "nada funciona sem seres humanos, mas nada se mantém sem instituições". Ora, parece-me que nem uns, nem outras. Quanto aos seres humanos, aos cidadãos europeus, viram-se muitas vezes arredados das decisões que os envolviam. Uma identidade constrói-se, digo eu, por oposição a qualquer coisa. Seremos europeus? Há muitas diferenças entre nós. Mas temos coisas que nos distinguem dos americanos. Apesar de, com eles, pertencermos à sociedade ocidental. Do mesmo modo, o estereótipo de um alentejano não coincide com o de um nortenho; mas acho que concordamos que, enquanto portugueses, temos no nosso todo características que nos afastam dos dinamarqueses. Portanto, repito a pergunta: seremos europeus? Eu julgo que existe uma identidade europeia, que tem a sua génese na Grécia clássica a que se lhe juntou o cristianismo. Mas não ignoro que a história do continente se fez de divisões constantes, de ódios de estimação, de guerras sucessivas, cujo último episódio, particularmente devastador a todos os níveis, ainda tem sobreviventes capazes de contar a história. Quanto às instituições, o mesmo Jean Monnet postulou que "é essencial que as que duram mais do que a vida de um homem se tornem sábias". Tem havido pouca sabedoria. E, principalmente, tem havido pouca representatividade. Há um Parlamento Europeu eleito e o sufrágio começa e acaba aqui. Que Ilona Staller tivesse ocupado uma das cadeiras diz muito da seriedade com que é levado. 

Obviamente, qual casamento, a abundância ajuda a disfarçar as incompatibilidades. Que não eram muitas nos anos 50/60 (a Itália encerra em si dois países, o Norte e o Sul, mas a coisa passava). O primeiro alargamento, em 1973, não as trouxe, apesar de incluir a Irlanda. Esta viu, nos anos oitenta, chegarem companheiros: Grécia, Portugal e Espanha. Eram, então, os países da coesão, os que iam na faixa da direita numa Europa que se desenhava a duas velocidades. A queda do Muro de Berlim agravou o contexto pouco propício ao estabelecimento da tal solidariedade. Um inimigo comum ajuda, já se sabe, a forjar muitas amizades. Com o fim da Guerra Fria, ele desapareceu. E, assim, desapareceu também uma grande parte do interesse que os EUA tinham no sucesso da CEE (e notem como ele ressurge com a Rússia a mostrar-se mais espevitada). Por outro lado, a Alemanha passou a ter um projecto muito seu (e muito dispendioso), o da reunificação. A juntar a tudo isto - coincidente, senão causal - a terceira vaga de globalização, que o mundo ocidental esperava que trouxesse os outros povos para o nosso nível de vida, mas que acabou por descobrir que funcionava em sistema de vasos comunicantes. Como os desafios não eram suficientes, resolveu-se trazer os países do bloco de Leste para o lado de cá da Cortina de Ferro e criar uma moeda única. Um pouco na lógica dos casais que decidem ter um filho para ver se isso resolve os problemas conjugais e os torna mais próximos.

Em Maastricht, a Comunidade passou a chamar-se União, mas foi mera questão de nome, porque a desunião aumentou. Como disse Adenauer, "vivemos todos sob o mesmo céu, mas nem todos temos o mesmo horizonte". Foi lá que se fixaram os critérios que ficariam conhecidos pelo nome da cidade e que definiam quem poderia integrar a união monetária. A este respeito, convém lembrar que os 3% e 60% do PIB como limites, respectivamente, para o défice e a dívida não foram uma escolha aleatória: decorrem da equação de sustentabilidade dinâmica da dívida pública, tendo subjacente uma taxa de crescimento nominal de 5% (para acomodar 2% de inflação). O que foi manifesto optimismo. Mas as regras foram estabelecidas, percebe-se que o tenham sido e só abdicou de ter moeda própria quem quis. E pôde. A Grécia, por exemplo, não reunia as condições em 1998; era, aparentemente, o único país que apresentava um défice superior a 3%. Mas a 1 de Janeiro de 2002, quando notas e moedas entraram em circulação, não estava de fora. Com mais ou menos criatividade aplicada à contabilidade nacional, várias foram as consolidações orçamentais que valeram mais pela aparência que pela substância. Portugal é disso exemplo. Portanto, a história do euro terá sido uma que começou torta (mas que eu espero que ainda se endireite). Inclusivamente, porque algumas das condições que fazem de uma zona monetária óptima não estavam reunidas e os sucedâneos que se lhes arranjaram não funcionaram. Em parte, por responsabilidade dos próprios Estados, que não se mostraram rogados em fazer do risco moral mais que um mero risco.

Mas se o risco moral existia, as discussões morais não ajudaram na resolução do problema. Quando a Grécia começou a dar sinais de estar a descarrilar, a União Europeia, com um Banco Central comandado por Jean-Claude Trichet, tardou em reagir. Lembro-me bem das sucessivas reuniões Merkel-Sarkozy, transbordantes de apelos e de espera, mas donde nunca nada veio. Felizmente, pudemos contar com Draghi e com a sua garantia de que tudo faria para salvar a moeda única. Mas, novamente, nos encontrámos numa situação em que o filho do casal foi vítima da disputa que envolve os pais. Pior, está a ser por eles usado na chantagem que cada um faz. Se condescender totalmente com a Grécia seria mau exemplo e daria luz verde a mais comportamentos desviantes, o seu oposto, ser intransigente, não produz melhores resultados. A Alemanha parece estar convencida de que a "Grexit" não seria tragédia europeia, apenas grega, e eu estou convencida de que ela está enganada. Ela e quem mais pensar o mesmo, não obstante as condições serem menos más que em 2012. A Grécia parecia estar convencida de ter na sua posse o queijo e a faca, mas, afinal, era só um cubinho de feta. Porque isto de precisar desesperadamente de dinheiro tira-nos alguma margem de manobra.

O ponto é que eu sou por este casamento. A reconciliação plena implicava que nenhuma das partes capitulasse. Que ambas sentissem que a verdadeira vitória reside na harmonia familiar. Daí a minha frase sobre o lugar da virtude, o meio. E o meio consistiria numa solução em que a Grécia se comprometeria com uma série de reformas, em que desistiria das promessas propagandistas de fim de contenção orçamental (já que andam numa de renovação de termos, podem adoptar este em vez de austeridade) e em que abandonava a ideia de default (como, de resto, fez prontamente); e em que os restantes membros do Eurogrupo aceitariam cortar juros e alargar prazos, no mínimo. Não foi isso que sucedeu. O bom senso não imperou. A Grécia "conseguiu" um acordo que só ridiculamente corresponde às suas pretensões, que lhe permite 4 meses com as narinas fora de água, mas com o resto do corpo submerso. Quatro meses de negociações em que eu desejo que haja bastante mais sabedoria, da popular ou de qualquer outra.


Falhas e vantagens

“The human failing I would most like to correct is aggression. It may have had survival advantage in caveman days, to get more food, territory, or partner with whom to reproduce, but now it threatens to destroy us all. A major nuclear war would be the end of civilization, and maybe the end of the human race. The quality I would most like to magnify is empathy. It brings us together in a peaceful, loving state.”

Stephen Hawking, aqui

E isto não se limita a questões de guerras mundiais, como dizia o Zé Carlos, mais importante do que competir, seria cooperar e construir algo para benefício comum.

Cães de baixo, ratos, e gatos

Gosto muito de ler o Clive Crook, que agora está na Bloomberg, mas antes escrevia para o Financial Times. Hoje, na sua peça de opinião, ele revela algumas das preocupações com que me tenho debatido: (1) o peso da opinião da Alemanha, (2) a forma insensível como os políticos falam das pessoas, e (3) a cegueira com que se prossegue com o mesmo tratamento, mesmo depois de este ter falhado.

Compara-se os EUA com a UE na expectativa de que a experiência europeia possa replicar a experiência americana, mas com melhores resultados para os cidadãos, isto é, construir um sistema que tenha menos tolerância com as assimetrias de qualidade de vida dos cidadãos. Acho este objectivo louvável e digno de todo o meu apoio, mas reservo o direito de discordar com a metodologia seguida. Até agora parece que o controle de assimetrias está a tender para um método de ameaça, género "ou vocês se portam bem, ou vão para a rua". Realmente, a truncação é um método efectivo para se conseguir eliminar a cauda má da distribuição probabilística.

Talvez eu me engane, mas seria impossível os EUA tratarem os estados pobres, como o Mississippi ou o Alabama, da mesma forma como a UE trata a Grécia. Nos EUA são os estados ricos que têm mais sarilhos: foi a Califórnia que sofreu por não conseguir equilibrar o orçamento; quando o furacão Sandy atingiu a Nova Jérsia, que é um estado rico, que contribui para a federação mais do que o que recebe, o governador Christie exigiu que o Congresso "get their act together" porque os cidadãos do estado dele tiveram de esperar mais tempo por um pacote de ajuda do que os cidadãos de outros estados pobres. E o governador chegou a dizer ao Congresso para ter vergonha do que estava a fazer. Uma das lições que aprendi aqui é esta: "In the US, you root for the underdog."--nos EUA torce-se pelos mais fracos. Não é mal visto ser-se fraco ou ficar numa situação fraca; o que é mal visto é estar-se numa boa posição e ter desprezo pelos fracos. Foi isto que sucedeu a Mitt Romney quando disse que "47% dos americanos é dependente do governo" e votariam em Barack Obama, logo esses constituintes não lhe interessavam. Romney foi severamente castigado pelo que disse.

Note-se que os EUA fizeram muitas coisas diferentes. Por exemplo, a capital dos EUA não fica num estado, é um distrito que não tem estatuto de estado. Os estados mais populosos não têm tanto poder como os estados menos populosos, mesmo para eleger o Presidente, pois o papel do Colégio Eleitoral é diluir o poder dos estados fortes e dar mais poder aos estados fracos. A Segurança Social é um sistema federal, isto quer dizer que os estados ricos, onde os salários são mais altos, contribuem mais em impostos e recebem menos, pois as pensões pagas aos cidadãos têm menos poder de compra nos estados ricos e mais nos estados pobres. Na primavera de 1999, quando fui a San Francisco, houve uma senhora que entrou no autocarro onde eu ia e começou a falar da vida dela: estava reformada e tinha de pagar $700 de renda por mês por um apartamento onde "os ratos eram do tamanho de gatos". Eu vivia em Stillwater, OK, nessa altura, onde um apartamento sem ratos podia ser arrendado por $230/mês. Não era luxuoso, mas era muito bom.

Parte do custo da educação nos EUA também é federal, logo há estados onde muitas das pessoas que tiram um curso superior saem do estado e vão criar valor para outros estados, mas como parte do custo de educar essa pessoa foi suportado pela federação, o estado não herda a responsabilidade financeira total. Outra parte do custo da educação também é financiada a crédito com recurso a empréstimos federais, logo o risco desse crédito é suportado pela federação. E, claro que esse individuo paga impostos para a federação sempre, mas nem todos os estados têm impostos sobre o trabalho. É tradicional os jovens americanos trabalharem part-time desde os 16 anos, logo é normal que parte do custo da sua formação seja suportada por eles. Este método não é perfeito, pois há muitas pessoas que não conseguem pagar os empréstimos de educação, mas grande parte dos problemas advêm de os jovens escolherem mal, por exemplo, como se pode entrar e sair facilmente da universidade, não acabam os cursos e, tirando raras excepções, limitam os benefícios salariais futuros; outra causa é que é muito fácil mudar de curso e há quem mude duas ou três vezes, o que aumenta os custos.

Os problemas da Grécia são mais profundos do que a dívida. Perdoar a dívida é uma solução contabilística temporária--já perdoaram uma vez e voltámos ao mesmo. As soluções que deviam estar a ser exploradas era como é que se criam condições para o país crescer--e note-se que há mais países que não crescem--e os cidadãos poderem tomar conta de si próprios e do seu país. Mas, enquanto essa lição não se aprende, eu, se fosse os alemães, teria tento na língua: a Grécia tem excesso de médicos, a Alemanha tem falta; muitos dos médicos gregos estão a ir para a Alemanha para trabalhar. Não convém humilhar e maltratar as pessoas cujo papel é ajudar-nos quando as posições se revertem e nós somos o lado fraco. Pois, também notaram que os médicos gregos vão trabalhar para a Alemanha depois da Grécia, que é uma nação tão má em tudo, os ter formado...

AFINAL HAVIA E HÁ ALTERNATIVAS MELHORES QUE A AUSTERIDADE EXCESSIVA

Artigo saído no Jornal de Negócios de dia 19 de Fevereiro ver aqui

Neste artigo reafirmo o apoio a muitas ideias que tive o prazer de encontrar no artigo de Vitor Bento no Observador, defendo que estas estão em total oposição ao que foi o discurso da actual maioria. Defendo também que estas ideias e a acção que resultou delas prejudicou muito o país.

O artigo de Vitor Bento no Observador revela mais uma vez a capacidade de análise e de exposição de ideias de Vitor Bento. É quase redundante salientar que concordo com a análise aí efectuada. Já em vários artigos aqui no Jornal de Negócios, ou no DN – na série de artigos que em 2013 escrevi com Manuel Pinho, salientei as diferenças entre a forma como os EUA e a Zona Euro geriram a crise e apresentei dados, semelhantes aos apresentados por Vitor Bento, para fundamentar a mesma conclusão de que “o mau desempenho da zona euro durante a crise não era inevitável; que esse desempenho poderia ter sido melhor; que se o não foi, tal não pode deixar decorrer da política económica seguida”, salientando, tal como Vitor Bento, que a política económica usada pela zona euro para responder à crise foi desadequada e que a diferença de resultados deve-se sobretudo à forma como as autoridades dos EUA e da Zona Euro responderam ao choque.

Também aí realcei que o problema dos países europeus não era em primeiro lugar um problema orçamental, que a crise das dívidas soberanas teve um carácter sistémico e foi muito agravada pelas falhas da arquitectura do euro, e que tanto os países do Norte como os do Sul contribuíram para os desequilíbrios europeus. Fico assim satisfeito ao ler nesse artigo posições que se aproximam destas e mostram que fora dos radicalismos da austeridade e do antieuropeísmo é possível haver consensos relativamente alargados.

No entanto, tenho também de reconhecer que esta visão rompe completamente com os fundamentos do discurso político seguidos pela direita portuguesa. Nos últimos três anos e meio a maioria, o Governo, e os seus apoiantes, mantiveram um discurso que mesmo sendo contraditório e não consistente com os dados económicos, conseguiu, pelo menos durante algum tempo ter forte adesão. 

O discurso da direita portuguesa baseava-se em duas ideias, em muitos aspectos contraditórias, a primeira ideia era a de que a crise e o facto de termos necessitado de apoio da Troika era totalmente da responsabilidade de Portugal, e em particular dos problemas orçamentais criados pelo anterior Governo, a segunda era a de que, depois de 2011, não havia qualquer alternativa responsável às políticas que tinham de ser seguidas em Portugal e na Europa. Nesta visão antes de 2011 Portugal teria muitas alternativas e teria escolhido as piores, e a seguir não havia alternativas pelo que o que estava a ser feito era estritamente o que tinha de ser feito.

No artigo apresentado no Observador Vitor Bento vai claramente contra esta linha de pensamento, defendendo que os problemas europeus não eram em primeiro lugar orçamentais e que os desequilíbrios existentes não foram apenas criados pelos países do Sul, e mostrando também que, depois de 2011, não só que havia alternativas de política económica, mas também que a evidência mostra que havia alternativas melhores. A austeridade excessiva e generalizada não foi um bom caminho.

Se estas ideias defendidas por Vitor Bento puderem ter mais impacto junto da actual maioria isso será uma óptima notícia, que esperemos leve não só a uma alteração de discurso, mas também das políticas que a actual maioria defende para Portugal e para o espaço europeu.

O diagnóstico e discurso assumidos pela maioria e pelo Governo prejudicaram Portugal pelo menos em quatro formas. Em primeiro lugar porque, o acentuar da culpa portuguesa, no discurso interno e externo, reduziu a capacidade negocial do país, e ainda hoje reforça a desconfiança externa face a Portugal. Em segundo, porque este discurso serviu para legitimar o “ir para além da Troika”, impondo mais austeridade do que a requerida pelo memorando, austeridade adicional que reforçou a recessão e o aumento do desemprego, com efeitos muito reduzidos na redução do défice. Em terceiro lugar porque a política de austeridade excessiva e o efeito que teve na confiança resultou na redução do investimento e a saída de trabalhadores, reduzindo o PIB potencial do país. Em quarto porque este discurso correspondeu a um apoio à linha de austeridade generalizada a todo o espaço euro, que dominou o Conselho Europeu, e que resultou numa performance económica medíocre em toda a Zona Euro.

A alternativa ao discurso auto punitivo não tem de passar por não assumir os erros ou as fragilidades de Portugal, mas antes por reconhecer que os erros do passado, não justificam os erros do processo de ajustamento, e que as fragilidades e desequilíbrios de Portugal e de outros países do Sul da Europa, se acentuaram impulsionadas por variáveis internas, mas também pelo comportamento de outros países e das instituições europeias. É tempo de que estes países e instituições assumam a sua quota parte de responsabilidade e avancem com determinação na alteração de politicas. 

A Zona Euro precisa de um estímulo de procura, de um relançamento do investimento, de alterações da política orçamental e de rendimentos dos países com saldos das contas externas muito elevados e de manter a política monetária e de apoio ao sistema financeiro e às dívidas soberanas. É bom saber que mais economistas defendem estas ideias. Seria ótimo se o Governo português os escutasse e contribuísse para a mudança no nosso país e na Europa.

Perder a cabeça

Escreveu Pablo Iglesias, líder do Podemos: "Y ¿Por qué no? También una guillotina en la Puerta del Sol."

Neste texto, publicado há dois anos (não se trata, portanto,de nenhuma fantasia ou delírio de juventude), Pablo Iglesias mostra a sua admiração por Robespierre. Conhecendo o final da história do sanguinário revolucionário francês, talvez não fosse má ideia Pablo Iglesias pensar melhor - enquanto tem cabeça. Uma vez accionado o mecanismo da guilhotina, nenhuma cabeça está a salvo, incluindo a sua.


Empreendedorismo à portuguesa

Está na moda há algum tempo o termo “empreendedorismo”. Confesso que percebo pouco ou nada do assunto e que já ando um bocado enjoado com esse paleio. Segundo os teóricos (sim, já há teóricos e cursos e tudo sobre a coisa), cada português deve criar o seu próprio emprego. Bem, isto é tão absurdo que nem vale a pena comentar. Mas há, parece-me, um “empreendedorismo à portuguesa”, muito associado ao individualismo. A cena é mais ou menos assim: um tipo tem uma ideia brilhante e, sozinho, monta um negócio e a seguir ganha carradas de dinheiro. Eu, repito, que não sou especialista no assunto, vejo, assim de repente, dois ou três problemas nesta visão.
Primeiro, ideias já as há a pontapé, toneladas delas, basta ir a alguns sites (tipo trendwatching ou entrepeneur) e é só escolher à vontade do freguês. Segundo, sozinho ninguém consegue fazer nada, de maneira que talvez fosse melhor começar por discutir a “ideia brilhante” com alguém com mais experiência no ramo. Só que o empreendedor português, do tipo “a mim é que não me enganam”, pensa logo: “Eu falar na minha ideia com alguém do ramo, tás maluco, roubavam-ma logo”.
E, assim, imagino que haja milhões de portugueses, cada um para seu lado, com milhões de ideias brilhantes, iguais a milhões de ideias de outros portugueses, guardadas e bem guardadas, não vá alguém roubá-las.
Não, o mais difícil, parece-me a mim, é conseguir formar uma equipa de pessoas motivadas e ser capaz de ir bater a uma data de portas para vender uma ideia, que não precisa ser nada de genial ou original, basta que resolva um problema qualquer. Mas isto sou eu que o digo, pobre leigo, que não percebe nada do assunto. Aliás, se percebesse…

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Re: Uma distinção em desuso

"No financial decision weighs heavier than a creative decision. They are equal."

Jenna Lyons, Presidente da J. Crew

Quando se fala em design, a Apple surge logo como uma empresa líder e de referência, e, como tal, o exemplo ideal que o Zé Carlos usou para referir que não faz sentido distinguir o serviço de design da produção do produto. A forma e a função estão intimamente ligadas. O génio por detrás do design da Apple é Jonathan Ive, um inglês que se tornou empregado a tempo inteiro da companhia em 1992; antes disso ele tinha trabalhado numa companhia inglesa à qual a Apple comprava serviços de design. Em 1997, Steve Jobs, regressado à Apple, promoveu Ive a Vice-Presidente Sénior de Design Industrial. Jobs dizia que Jonathan Ive era o seu "parceiro espiritual na Apple".

Mickey Drexler, o homem responsável por catapultar a Gap de um valor de $400 milhões para um de $14 mil milhões, tornou-se CEO da J.Crew em 2003, quatro meses depois da Gap o ter despedido por o preço das acções ter descido vertiginosamente. A conselho de Todd Snyder, o antigo Director de Roupa Masculina da Gap, Drexler aproximou-se de Jenna Lyons, na altura a Vice-Presidente de Design Feminino da J. Crew, e deu-lhe mais responsabilidade. Jenna Lyons é a força criativa por detrás da J. Crew, onde começou a trabalhar em 1990 como "assistente de um assistente", e é uma das pessoas mais influentes em design feminino. A empresa tornou-se num líder de design e a sua imagem é uma das mais copiadas--basta pensar que a Banana Republic, que é um competidor directo da J.Crew e pertence ao império da Gap, contratou Marissa Webb como sua Directora Criativa Global, depois de Webb ter deixado a J.Crew onde era a Vice-Presidente de Design Feminino, para lançar a sua marca própria. É muito evidente a influência de Jenna Lyons em Marissa Webb.

Como refere o artigo da revista Fast Company, a parceria de Drexler e Lyons é a segunda mais importante depois da de Jobs e Ive em termos do casamento de gestão e design. O que é saliente na história da Apple e da J. Crew, é que o design genial estava lá; o que faltava era a gestão que desse oportunidade ao design de ser um seu parceiro de igual importância. Como disse a Jenna, as decisões financeiras não são mais importantes do que as decisões criativas.

Ontem, quando abri o Instragram, no feed da Design Sponge estava uma foto de uma calçada. O blogue Design Sponge é um dos mais influentes no mundo. A foto foi um repost do feed de Madeline Weinrib. Nos comentários dos dois feeds à foto, nota-se duas coisas: (1) muita gente identifica imediatamente a influência portuguesa; e (2) há um mercado potencial para este tipo de serviço, por exemplo, um dos comentadores menciona usar esta técnica para o pátio da casa dela. Mas a calçada da foto não é em Portugal; é na Florida, nos EUA.

Frequentemente, os meus amigos brincam comigo por causa da minha obsessão com a calçada portuguesa--e é mesmo obsessão! Uma foto da calçada portuguesa que eu tirei em Cascais, em Setembro do ano passado, é o fundo do meu telefone. Quando António Costa disse que a calçada portuguesa é cara, que alguma dela devia ser substituída, que não vale a pena mantê-la, eu chorei e fiquei deprimida. A calçada portuguesa vale a pena, desde que a nossa alma não seja pequena, como dizia o poeta.

Na revista do National Geographic Traveler, de Agosto/Setembro 2014, que tem uma história sobre Portugal, muitas das fotos têm a calçada portuguesa e o texto menciona-a. A calçada portuguesa é uma obra de arte, o posicionamento das pedras imaginado por alguém, e cada uma delas esculpida e incrustada no chão à mão: é um casamento de design e produto. E, apesar de ser bela, também tem uma boa função, pois a porosidade permite que parte da água da chuva penetre no solo e recarregue as bacias hidrográficas, isto é, não interrompe o ciclo da água fresca completamente--no futuro, a água fresca irá ser um dos recursos mais escassos,--os materiais são mais amigos do ambiente do que o fabrico de cimentos, é um material e técnica duradouros, etc. Há pessoas que dizem que é escorregadio, mas eu nunca caí e eu vagueava por Coimbra durante horas a fio, até evitava apanhar autocarros dentro da cidade. Acredito que haja quem caia, mas há quem tropece nos atacadores e acho que não seria sábio proibir sapatos com atacadores.

Andar pela calçada portuguesa é um luxo e quando os estrangeiros visitam Portugal essa impressão fica-lhes, pois estão literalmente a passear por uma obra de arte. Porque é que não há empresas que fazem design e instalação de calçada portuguesa internacionalmente? Há muita gente estrangeira que compraria esses serviços, por exemplo, hotéis, casas particulares, centros comerciais, etc. Só falta companhias que facilitem o processo: tenham alguns designs pré-preparados, outros originais criados com o feedback do cliente, tenham bom serviço de atendimento a clientes e bons artesãos, e façam o trabalho a tempo e horas. Imaginem uma empresa portuguesa que vende um serviço destes e tem sucursais em Los Angeles, Miami, Houston, etc. E que tal fazer um livro de mesa de café cheio de fotografias da calçada portuguesa, com texto em português e inglês? Os livros de mesa de café são uma indústria significativa, extremamente importante para a decoração de interiores. Logo levar a calçada portuguesa às pessoas que gastam $50.000 para decorar uma casa não me parece uma má ideia.

Em termos de design, Portugal é um dos países mais ricos do mundo. Nós temos o design, temos tanto que nem lhe damos o devido valor, e passamos metade do tempo a destruí-lo. Muito do design que temos foi-nos oferecido pelas gerações anteriores à nossa, ou seja, no passado o design e o produto não estavam divorciados em Portugal. Às vezes penso o que é que irá perdurar do que se faz hoje. Até os jardins, quando são criados, são pouco interessantes. Veja-se uma vista aérea do Hospital dos Covões em Coimbra, numa foto de Varela Pècurto.




Agora isto já não se faz; pelo contrário, os hospitais hoje em dia são altamente deprimentes, um jardim é visto como um gasto de dinheiro. Uma perspectiva interessante, considerando que os espaços verdes relaxam e nós temos um dos povos mais stressados da Europa. Realmente, poupa muito dinheiro as pessoas andarem deprimidas e tristes enquanto recuperam das suas doenças dentro de caixas de cimento. Pelo menos há TV com écran plano no quarto--já é uma vitória do design.

Hoje, a forma como Portugal é gerido descura o design como parte integral do produto. O que nos falta não é o Ive ou a Lyons; falta-nos o Jobs e o Drexler. As pessoas que chegam a cargos de liderança em Portugal não têm apreciação nenhuma pelo que é Portugal, nem como vender Portugal, apesar de muita gente querer comprar Portugal. Um mercado só existe quando há uma oferta e uma procura e estas se intersectam. Se os portugueses continuarem a ser ineptos em criar a oferta que satisfaz a procura, arriscam-se a que outros o façam.

3 semanas em que a Europa se viu grega

Desde o início, considerei que a estratégia do Syriza era arriscadíssima e com tudo para dar errado. Por outro lado, tendo o Syriza ganhado as eleições, desejei que as coisas lhes corressem bem e que conseguissem negociar um programa com menos austeridade e com redução substancial da dívida (fosse qual fosse o eufemismo escolhido).

Deixando de lado os aspectos simbólicos que alguns valorizam muito (como, por exemplo, passar a haver alguém que fale grosso com os alemães) e a que eu não sei dar valor, fica o acordo que foi assinado. 

E esse é tristemente doloroso para as pretensões syrizicas. Conseguiram muito menos do que um governo discreto teria conseguido. E houve coisas que perderam; como parte do dinheiro que tinha ido para a Grécia para apoiar os bancos e que voltou para o BCE.

Ganharam 4 meses para, à mesa das negociações, proporem medidas substitutivas. 

sábado, 21 de fevereiro de 2015

A sabedoria popular e a falta dela em Bruxelas

Há um ditado português segundo o qual "não há duas sem três e à terceira é de vez". Depois de duas reuniões do Eurogrupo para discutir o caso grego onde nem um comunicado conjunto se conseguiu, a de ontem lá propiciou um acordo. Não sei se será exactamente um "de vez", já que daqui a quatro meses é preciso novo processo negocial. Isto se a pintura não borrar com a lista de medidas a serem apresentadas na Segunda-feira. 

A sabedoria popular portuguesa diz também que "a virtude está no meio". Eu não sou muito apologista de provérbios. Por exemplo, uma apoplexia prefiro que me aconteça nunca que tarde; e consigo ter sol na eira e chuva no nabal: basta que o nabal fique no Minho e a eira no Alentejo; e tenho quase a certeza de que as camareiras não se deitam nas boas camas que fazem. Mas, no caso concreto do confronto entre Grécia e Eurogrupo, defendo que no meio teria estado a virtude. Curiosamente, uma ideia muito aristotélica. Mas, depois de se ter afirmado kantiano, Varoufakis acabou por dizer "sim" a um acordo que lhe dá financiamento por mais 4 meses (em vez de 6), que não admite a reversão das medidas de consolidação orçamental ou das reformas estruturais, que coloca a linha de crédito aos bancos a precisar da autorização do BCE e que deixa a decisão de uma eventual flexibilização de exigência quanto ao défice primário nas mãos da Troika. Perdão!, nas mãos das "instituições", não vamos negligenciar uma das poucas conquistas gregas. 

Deve ser a mudança de termos que leva o governo grego a falar de batalhas vencidas e copos meios cheios. Como europeísta, vejo o copo vazio: pode parecer um paradoxo, mas, para a Europa ganhar, os seus Estados-membro teriam de perder a cara. E esperar que os respectivos eleitorados percebam que a escolha não é entre credores e devedores, mas entre manter ou desfazer o projecto europeu. Na colecção de provérbios gregos, há um que diz que "o corvo não tira o olho de outro corvo". Creio que o governo de Alexis Tsipras confia demasiado na sabedoria (popular) grega...

Uma distinção em desuso

Há dias ouvi na TSF que os Ipod e Iphones são produzidos na China e exportados a um preço médio de 130 dólares para os EUA, que por sua vez os vendem a 490. A China tem um ganho de cerca de 5 dólares por peça, uma vez que antes tem de comprar materiais a mais de 120 dólares à Coreia do Sul, Singapura e japão. Moral da história? O grosso do dinheiro não fica para quem os produz, mas para quem os concebe, promove, distribui e vende. Numa palavra, nesta “cadeia de valor” são os serviços, e não a indústria transformadora, que geram a maior parte do valor.
No século XVIII, os economistas (os chamados fisiocratas) achavam que só a agricultura gerava riqueza porque, diziam eles, a indústria se limitava a transformar. Hoje, muita gente ainda tem dificuldade em perceber onde é que está o grosso do valor. Mesmo em indústrias como o calçado e o vestuário portugueses, a maior parte do valor é gerado pelos serviços, seja do lado da produção, seja do lado do consumo - design, marketing, publicidade, distribuição, etc. Em bom rigor, ainda fará sentido a tradicional distinção entre serviços e indústria?

Uma questão em aberto

No final do século XVIII e princípios do século XIX, a intelligentsia europeia alimentou uma interessante polémica que veio até aos nossos dias. A instrução ou formação é um fim em si mesmo ou é possibilitadora de um ofício? Por outras palavras, o que é que deve ser tido em conta: a formação da personalidade ou a resposta às necessidades profissionais da época? Pessoalmente, inclino-me mais para a primeira opção, embora considere legítimos os argumentos da segunda.

Em Portugal, suspeito que o problema é mais profundo. O objetivo principal da maioria dos estudantes (e dos pais) não é uma coisa, nem outra. Essencialmente, querem o canudo, querem ser doutores e engenheiros. Talvez esta atitude explique muitos dos problemas do ensino em Portugal.

Em Washington, D.C.

Decorre neste momento o Agricultural Outlook Forum, que é uma conferência de agricultura que é organizada pelo Departamento de Agricultura dos EUA. Aos participantes é dada a oportunidade de terem o seu nome divulgado numa lista, que pode ser consultada aqui. A lista não é exaustiva, pois há quem se inscreva tarde ou no próprio local, e há outros que optam por não ter o seu nome publicitado.

Um exame da lista indica-nos que há pelo menos os seguintes europeus:

  • duas pessoas da Comissão da União Europeia estão presentes, sendo uma delas de relações públicas da Comissão
  • duas pessoas da França
  • uma pessoa de Espanha
  • uma pessoa da Irlanda
  • uma pessoa da Dinamarca
  • cinco pessoas do Reino Unido
  • cinco pessoas da Noruega
Há mais pessoas de fora da Zona Euro do que da Zona Euro. Não há ninguém facilmente identificável de Portugal, Grécia, ou Itália.

De outros países, vale a pena salientar a presença de indivíduos dos seguintes países:

  • Canadá
  • Austrália
  • Nova Zelândia
  • Japão
  • China (apenas uma pessoa identificável)
  • Coreia do Sul
  • México
  • Brasil
  • Argentina
  • Uruguai
Acho estranho haver apenas uma pessoa da China, mas não podemos ter a certeza que é a única.

É a microeconomia, estúpido...

Hoje, quando regressava do trabalho, ouvi uma história na rádio acerca da agricultura na Califórnia, no programa MarketPlace. A Califórnia produz cerca de metade das frutas e hortaliças que os EUA consomem. Muita da agricultura do estado depende de irrigação e esta depende da água que está em aquíferos, que são formações subterrânea onde água fresca se acumula. O tópico da minha dissertação teve a ver com aquíferos, mas eu estudei a depleção de uma parte do Ogallala que é um aquífero enorme que se entende pelo centro dos EUA desde o Nebraska até ao Texas. Perguntam vós o que tem a ver economia com aquíferos e é muito simples: quando eu vim para os EUA, a área que me interessava era a de problemas ambientais e o uso de água proveniente de aquíferos com recarga limitada é um problema de gestão de recursos naturais finitos. Na minha dissertação eu presumi um período de análise de 100 anos, durante o qual a água extraída do aquífero era utilizada para uma exploração de suinicultura, sendo depois reciclada, juntamente com os nutrientes provenientes dos animais, na produção de milho utilizando dois tipos de irrigação alternativa: um pivot central ou um sistema de irrigação subterrânea. Naquela altura, início dos anos 2000, ninguém tinha feito uma análise económica e ambiental do uso de irrigação subterrânea em Oklahoma.

Voltando à Califórnia: saiu um estudo da Universidade de Califórnia-Davis que analisa o que sucederá ao uso de água para fins de agricultura e urbanos, se a California sofresse um cenário de seca persistente durante 70 anos. Este é um cenário catastrófico muito improvável de acontecer, mas que permite estudar o pior que poderá acontecer e quais os efeitos de redistribuição do recurso água, os preços sombra, o que sucede ao mix de culturas, etc. A ideia de fazer isto é mais ou menos como aquela expressão que indica: "esperar pelo melhor e preparar-se para o pior". Este ano, a Califórnia está em seca, mas como muita da água usada é subterrânea, grande parte do efeito sente-se no custo de obter água. O acesso à água está sujeito aos direitos de propriedade vigentes no estado, mas sítios que têm excesso de água podem vendê-la a outros sítios com falta. Para conservar água, os agricultores deixaram de usar irrigação por inundação e usam agora sistemas de irrigação subterrânea que são muito mais caros de instalar e manter--com estes sistemas, é necessário que se produzam coisas que gerem receita suficiente para absorver os custos fixos adicionais do sistema de irrigação, como por exemplo amêndoas em vez de algodão. O algodão é uma "commodity", já as amêndoas são um produto de maior valor acrescentado.

A agricultura é uma das áreas onde Portugal poderia ser mais competitivo internacionalmente, pois tem recursos excepcionais em termos de qualidade de solos, microclimas, e recursos hídricos. No entanto, nota-se em Portugal que não há grande mestria em gerir os recursos naturais, nem há conhecimento dos produtos que seriam aconselháveis produzir. Por exemplo, há alguns meses, a Câmara de Mogadouro ofereceu sementes aos agricultores para plantar soja. É uma das piores ideias que eu já ouvi. Portugal não deve investir em soja porque é um produto de baixo valor acrescentado, que é altamente subsidiado pelos EUA, o que deprecia os preços mundiais. Não há propriamente falta de soja no mundo. Se for soja biológica até compreendo mais ou menos, mas soja não-biológica não é assim tão atractiva, mesmo sendo grande parte da soja americana geneticamente modificada e a soja portuguesa não. As únicas pessoas que ganham com isto são as companhias que vendem sementes e as que vendem equipamento agrícola. E depois a soja não é exactamente uma colheita que seja amiga do ambiente, apesar de não necessitar de muito fertilizante de nitrogénio por ser uma leguminosa. Que tal investigar cereais antigos, como quinoa, cujo preço é muito mais atractivo e cuja procura está a aumentar exponencialmente?

Também se nota que a gestão de risco está completamente ausente. Por exemplo, seria importante saber quais os rendimentos agrícolas históricos e os custos de cultivo de produção por região para saber qual a colheita mais atractiva antes de se decidir o que plantar. Se formos à página de Internet do Ministério da Agricultura, não se encontra nenhuma informação que seja útil para um produtor agrícola planear a sua actividade, nem sequer ficamos com uma ideia do que exactamente o Ministério da Agricultura faz. A página, que é bastante simples, até tem ligações que dão a páginas que não têm informação. Fui à página da Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e também não encontrei informação de mercado para os agricultores planearem a sua actividade. Como fazemos parte da UE, se calhar é lá que os produtores agrícolas devem informar-se, mas não. Se forem a esta página da Comissão Europeia, encontram lá uns relatórios em PDF acerca de preços agrícolas de algumas commodities. Contrastem isso com as estatísticas americanas, ou brasileiras, ou até argentinas, e verão que a utilidade da informação da União Europeia para a agricultura não passa de uma ilusão, que nos sai bem cara, porque as pessoas que trabalham para a UE não são pagas salários assim tão baratos.

No Texas, as universidades já estão a trabalhar com os proprietários de terra há vários anos para que quando o preço do petróleo descesse, estes pudessem ter uma actividade mais rentável de apoio. Nesse sentido, tem-se vindo a incentivar o cultivo de oliveiras para começar a produzir azeite. Estes americanos estão sempre a planear o futuro. Em Portugal, ainda estamos a tentar perceber como é que falhámos no passado.

Como dizia o Michael Porter, não há nenhum apoio à microeconomia; mas, parafraseando Bill Clinton, "é a microeconomia, estúpido..."

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Reciclagem de ideias

Parece que a solução para o crescimento apresentada pelo PS é usar 10% do Fundo da Segurança Social para comprar casas devolutas de pessoas em dificuldades financeiras e arrendá-las a pessoas em dificuldades financeiras.

A respeito da resposta do Ministro Pires de Lima a este plano, vou apenas dizer que, mais uma vez, estou decepcionada com a forma casual e pouco diplomática que os nossos ministros usam para comentar estas coisas. Eu já pareço um disco partido...

Com referência à proposta em si, eu não entendo como é que isto vai gerar crescimento. O que uma medida deste tipo permite é que se faça a manutenção da pobreza das pessoas e se elimine parte do risco que os bancos assumiram. O PS já perguntou a estas pessoas se querem ficar pobres para sempre? Como é que o PS pensa controlar o risco moral que uma medida deste tipo cria, pois é da responsabilidade dos bancos controlar o seu próprio risco e assumir perdas quando o controlam mal--é por isso que se paga juros quando se pede emprestado ao banco. Não é por serem competentes a fazer essa tarefa que os gestores dos bancos ganham aqueles salários e bónus chorudos?

Estando Portugal numa grande encruzilhada demográfica, não faz sentido para o estado comprar casas para fornecer rendas baixas quando o número de pessoas vai encolher e, consequentemente, a tendência é mesmo para as rendas baixarem. Isto parece-me uma reciclagem da ideia do Rendimento de Inserção Social, isto é, o crescimento acontece quando os mais pobres têm uma vida mais digna. Eu ainda não me esqueci que não funcionou antes.

Portugal tem de crescer por via do investimento e das exportações. E tem de permitir que as pequenas empresas cresçam, obtenham economias de escala, e gerem emprego.

Uma questão de sorte II

Edwards Deming (1900-93), um dos pioneiros da gestão da qualidade total, conta a seguinte anedota no seu (ainda hoje) altamente recomendável Out of the Crisis:
During the “Manhattan project” (the making of nuclear bomb), Fermi asked Gen. Groves, the head of the project, what is the definition of a “great” general. Groves replied that any general who had won five battles in a row might safely be called great. Fermi then asked how many generals are great. Groves said about three out of every hundred. Fermi conjectured that, considering that opposing forces for most battles are roughly equal in strength, the chance of winning one battle is 1/2 and the chance of winning five battles in a row is 1/32. “So you are right, General, about three out of every hundred. Mathematical probability, not genius.

Uma questão de sorte

Herdámos do iluminismo a fé na bondade possível de todos e cada um. Mas não podemos retirar esta conclusão da obra do maior pensador iluminista do século XX. Para Freud, pelo contrário, ser-se uma boa pessoa é uma questão de sorte. Freud desferiu um golpe profundo no conceito de “moral”.
Freud ensinou-nos que, para qualquer ser humano, a brandura ou a crueldade, o sentido de justiça ou a sua ausência, depende dos episódios da infância. Aceitámos isto como “verdade”, mas não retirámos daí todas as conclusões. Não podemos deixar de acreditar que ser bom está ao alcance de qualquer pessoa.
Se deixássemos de acreditar nesta possibilidade, teríamos de admitir que, tal como a beleza ou a inteligência, a bondade é uma dádiva da fortuna. Teríamos de aceitar que o livre arbítrio é uma ilusão. Teríamos de reconhecer aquilo que negamos: ser-se bom é uma questão de sorte. 

PS: Post inspirado em "Sobre humanos e outros animais" de John Gray.

Qualificações desejáveis nos EUA

Hoje estava a ler o Washington Post, no qual uma investigadora defendia que os EUA não precisam de mais pessoas de STEM (Science, Technology, Engineering, and Mathematics); o que os EUA precisam é de pessoas qualificadas simultaneamente em STEM e nas artes liberais (línguas, arte, filosofia, etc.). No meu emprego anterior, que era na área de consulting, um dos vice-presidentes apresentou-me a um cliente e disse que eu servia para tudo: fazia análise quantitativa, qualitativa, recolhia dados em inglês, português, e espanhol, dava-me bem com as pessoas de todos os departamentos da firma e de todos os níveis hierárquicos, e escrevia bem. Uma vez, estava a estudar o mercado de mandioca e até recolhi dados da Tailândia e usei o Google para traduzir a informação de tailandês para inglês. No meu emprego actual (eu trabalho numa Commodity Trading Advisor, uma firma que compra e vende contratos de futuros agrícolas), a minha supervisora também utiliza as minhas qualificações linguísticas para diferenciar a nossa companhia dos nossos competidores. Diz ela que eu posso recolher informação directamente de países como a Argentina e o Brasil, logo ela elimina parte do enviesamento que os analistas de mercado nossos fornecedores podem introduzir, para além de eu produzir investigação que é propriedade exclusiva da nossa empresa.

Quando eu vim para os EUA, notei que muito tempo e esforço eram dedicados à forma como as pessoas comunicavam. Para além da competência técnica, a forma como as pessoas se expressavam era analisada ao microscópio. Como o inglês era a minha segunda língua, no início passei grande parte do meu tempo a investigar qual a forma de escrita que maximizava a minha performance. Há 20 anos atrás, ainda aparecia muito a voz passiva, mas cada vez mais os professores e os livros de estilo indicavam que era preferível escrever com a voz activa e o uso da voz passiva devia ser minimizado ou eliminado. Outra coisa que os incomodava era ler coisas que eram muito "wordy" (palavrosas, verbosas) e, no início, muitos dos comentários que eu recebia eram no sentido de eliminar tudo o que era desnecessário e não dava informação adicional ao leitor. Este conselho era particularmente importante quando se escrevia para publicações científicas onde cada página custava dinheiro--no Journal onde eu publiquei, a meio da década de 2000, o preço por página era de $65, se a memória não me falha,--logo quanto mais curto o artigo, mais barato para o departamento ficava.

Na universidade onde eu estudei, havia um "Writing Center", onde os alunos mais avançados de Inglês atendiam estudantes de todas as áreas para os ajudar com a escrita dos trabalhos de casa. Cheguei a ir a esse centro várias vezes no início. Para além disso, quando era necessário escrever "papers" para as cadeiras, eu submetia-os sempre às ferramentas de avaliação disponíveis no Microsoft Word, que me corrigiam, para além dos erros ortográficos, a gramática. Um dia descobri que Microsoft Word também tinha estatísticas que mediam a facilidade com que um texto era compreendido; são as chamadas "Readability Scores". Há lá duas: a "Flesch Reading Ease score" e a Flesch-Kincaid Grade Level test". Destas duas, a que eu acho mais gira é a segunda que mede a nossa escrita em termos do ano académico da escola secundária americana. O desejável era que se escrevesse ao nível do sétimo e do oitavo ano, como podem ver na imagem abaixo que descreve estes métodos de análise:

Deixo-vos também um pequeno texto que escrevi em inglês para o meu Facebook, o qual submeti às tais estatísticas para vos mostrar um exemplo. Como vêem, escrevi ao nível do décimo ano americano.

É comum aparecer nas notícias e na Internet coisas a dizer que os americanos são muito ignorantes e muitos amigos meus portugueses até me perguntam como é que eu consigo viver no meio de tanta "estupidez". A meu ver, nos EUA há de tudo como em toda a parte, mas os americanos são muito bons a dar tempo de antena a pessoas de todos os níveis e oportunidades a pessoas menos qualificadas. E, tradicionalmente, os americanos têm taxas de desemprego muito mais baixas do que os europeus e menos apoios sociais, o que quer dizer que há pessoas com poucas qualificações que conseguem emprego. O país está estruturado para que pessoas com poucas capacidades possam funcionar e mesmo indivíduos com capacidade mental diminuída podem arranjar emprego. Há alguns anos, eu fiz voluntariado num centro onde eu ensinava uma jovem com síndroma de Down a cozinhar e ela tinha um emprego part-time, para além de receber ajuda do estado.

É lógico que quem é menos qualificado tem uma luta muito mais difícil e muito menos oportunidades, mas os americanos colocam muito ênfase na iniciativa pessoal. Quando eu estava a fazer o doutoramento, um dos meus colegas tinha 56 anos, era um ano mais velho do que o orientador dele. Ele tinha sido agricultor e tinha decidido regressar à escola, pois a sua saúde já estava frágil para trabalhos físicos. Era um dos alunos mais fortes do departamento e era muito bom poder colaborar com ele em trabalhos de casa e projectos porque era uma daquelas pessoas com as quais podíamos aprender. Depois de terminar o curso, ele conseguia arranjar emprego muito mais facilmente do que eu porque tinha mais experiência do que eu. No entanto, enquanto estávamos a tirar o doutoramento, os apontamentos mais desejados do departamento eram os meus--diziam os meus colegas que eu devia vendê-los de tão bons que eram. Pudera, aqueles anos todos na faculdade em Portugal de alguma coisa me serviram...