O escândalo do relatório da CGD parece que foi há muito tempo porque, como o nosso ilustre Primeiro Ministro já estava farto da cobertura mediática desfavorável, reformou o governo, o que nos permitiu descobrir que uma das qualidades que aprecia nas mulheres é a capacidade de elas o acalmarem. É uma característica tão importante, que até as promove a Ministras.
Fiquei um bocado intrigada com o Ministro Vieira da Silva, esse mesmo, o pai da Ministra Vieira da Silva -- o nosso governo é tão caseirinho e fofinho. Como é que um homem com o nível de educação que ele tem educa a filha para ser uma profissional que é descrita como "trabalhadora", "dedicada", e acalma o chefe? Eu esperava que uma Ministra fosse elogiada pelo seu conhecimento da área, a sua capacidade de liderança, pensamento fora da caixa, etc. Afinal, não; tem as características ideais para ser secretária e casar com o patrão, como era comum há umas décadas.
Mas a indignação maior parece que está a acontecer com o facto de o Observador ter publicado a peça da Joana Bento Rodrigues que decidiu defender as mães e donas de casa e que acha que estas devem ter representação política -- um conceito revolucionário em Portugal, se bem que os argumentos usados sejam tão estererotipados que cheiram um bocado a mofo. De imediato se seguiram várias peças a refutar os argumentos que ela apresentou. É estranho que, de repente, tenham aparecido várias mulheres de Direita que acham que têm pontos de vista tão válidos que não se inibem de dar a sua opinião em público. Ainda por cima têm vida profissional, são casadas, têm filhos, ou seja, são todas iguais.
No meio disto tudo, penso nas jovens portuguesas que andam à procura de modelos de comportamento, o que os anglosaxónicos chamam de "role models": será que irão escolher a profissional que acalma ou a profissional que irrita?
P.S. Parabéns ao Observador por ter dinamizado a discussão do papel das mulheres na sociedade e as ter inspirado para se pronunciarem.
Um blogue de tip@s que percebem montes de Economia, Estatística, História, Filosofia, Cinema, Roupa Interior Feminina, Literatura, Laser Alexandrite, Religião, Pontes, Educação, Direito e Constituições. Numa palavra, holísticos.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019
IRRA
Em Portugal, as pessoas têm dificuldade em entender a natureza do que é um conflito de interessa e a necessidade de, por iniciativa própria, os divulgar e se afastarem de situações em que os mesmos possam ocorrer. No estrangeiro, este tipo de comportamento é mal-visto.
Não é de estranhar que se comecem a encontrar almas lusas no estrangeiro que se emaranham em situações de conflito de interesses, mas que os próprios não sabem gerir. Tal é detrimental não só para a reputação do país, como para a reputação profissional dos portugueses que trabalham no estrangeiro e se esforçam por se comportar de acordo com regras de ética e boas práticas profissionais e legais.
Como sou pessoa interessada na boa reputação de Portugal, dado que sou uma expatriada portuguesa a residir do estrangeiro onde exerço profissão (primeira declaração de interesse), venho por este meio propor a criação de um imposto que sirva para dissuadir portugueses prevaricadores. Este imposto, o IRRA -- Imposto de Reabilitação da Reputação Alheia --, incide sobre quem ofenda a boa reputação profissional dos portugueses no estrangeiro e as suas receitas serão utilizadas para financiar os cuidados de saúde de expatriados que regressem ao país e que nunca tenham prevaricado.
Segunda declaração de interesse: Não é certo que eu regresse, logo não é certo que eu seja beneficiada pelo IRRA.
Não é de estranhar que se comecem a encontrar almas lusas no estrangeiro que se emaranham em situações de conflito de interesses, mas que os próprios não sabem gerir. Tal é detrimental não só para a reputação do país, como para a reputação profissional dos portugueses que trabalham no estrangeiro e se esforçam por se comportar de acordo com regras de ética e boas práticas profissionais e legais.
Como sou pessoa interessada na boa reputação de Portugal, dado que sou uma expatriada portuguesa a residir do estrangeiro onde exerço profissão (primeira declaração de interesse), venho por este meio propor a criação de um imposto que sirva para dissuadir portugueses prevaricadores. Este imposto, o IRRA -- Imposto de Reabilitação da Reputação Alheia --, incide sobre quem ofenda a boa reputação profissional dos portugueses no estrangeiro e as suas receitas serão utilizadas para financiar os cuidados de saúde de expatriados que regressem ao país e que nunca tenham prevaricado.
Segunda declaração de interesse: Não é certo que eu regresse, logo não é certo que eu seja beneficiada pelo IRRA.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2019
Dia 55
Ainda no seguimento da conversa do 54, passa-se o seguinte: o meu rabo anda mais redondinho, quando o normal é ser achatado sem forma nenhuma; atribuo esta mudança às minhas aulas com o personal trainer. Aliás, na nossa última aula disse-me "You look really small today". Olha que grande avaria, pensei, e respondi-lhe "I look small every day." Pouco mais de metro e meio, filhos! Clarificou: "You look skinny!"
Ah, caramba!!! E agora, hein, já viram este dilema: será que sou mulher objecto feminista ou mulher bem-cuidada anti-feminista? Marquem-me uma consulta com a Dra. Joana, senão não saio deste imbróglio...
Ah, caramba!!! E agora, hein, já viram este dilema: será que sou mulher objecto feminista ou mulher bem-cuidada anti-feminista? Marquem-me uma consulta com a Dra. Joana, senão não saio deste imbróglio...
Dia 54
Quando digo que não sou feminista, os meu amigos americanos ficam chocados porque me consideram uma grande feminista. Só que o feminismo hoje em dia encalhou num porto em que todas as mulheres devem ser uniformes, com carreiras excitantes, vidas sociais activas, filhos super-inteligentes, parceiros que mudam fraldas, malucas na cama, etc. Eu acho muito cansativo ser tudo isso a toda a hora. O mundo está formatado para os homens e pouquíssimos homens conseguem realizar-se na profissão, na família, e como indivíduos e os que conseguem tiveram uma grande ajuda do factor sorte.
Depois, há outra coisa que me chateia, querer que toda a gente seja boa a tudo dificulta-me a vida. Uma vez tive um colega que trabalhava part-time, mas era o principal responsável pelos filhos, o que ele adorava. Dava-lhe mais prazer falar de cuidar do cão e da prole do que de falar de coisas do trabalho e era uma seca ter de trabalhar com ele porque atrasava-se nas tarefas, não fazia coisas que devia ter feito, etc. E a conversa matava-me de tédio. Ou seja, acho perfeitamente desejável que algumas pessoas se especializem em cuidados domésticos e puericultura, enquanto que os respectivos parceiros têm uma vida profissional fora de casa. Desde que o casal esteja de acordo na definição das responsabilidade, devemos apoiar e respeitar a diversidade de papeis.
Quando li a peça da Joana Bento Rodrigues no Observador, concordei com 80% do que ela disse, mas achei que foi muito infeliz na forma como argumentou até porque ela não pratica o que prega. É médica, que não é uma profissão fácil, requer um enorme investimento de tempo e dedicação, e não tem ares de ser submissa, à espera que o marido seja o ganha-pão que lhe proporcione uma vida confortável. Aliás, não só anda metida na política, como ainda lhe deu na telha de escrever uma peça para o Observador (o Público era capaz de não a ter publicado). Ainda por cima, tem uma aparência cuidada, até se maquilha, como diz que fazem as mulheres objecto.
Mesmo assim, visto de outro prisma, ela está a dar umas boas dicas às mulheres: filhas, se é para vocês ficarem em casa a tratar dos miúdos, exijam que o marido maximize o que traz para casa. Não se contentem com dois tostões, nem se casem com homens medíocres. Isto é divisão de tarefas, não é facilitar a vida a preguiçosos. E também dá um aviso aos homens: se querem boas mães para os vossos filhos, contribuam para o orçamento familiar.
A verdadeira igualdade só será atingida quando for tão natural uma mulher ficar em casa com os filhos, como um homem, como fazer o outsourcing do serviço, ou como decidir não ter filhos. Todas as escolhas são legítimas, desde que sejam o produto da vontade de cada um. Quanto ao resto, de as mulheres gostarem de se apresentar bonitas, bem vestidas, etc., é verdade. Aliás, quando queremos agradar a uma mulher até é comum comprar-lhe joalharia ou perfume e ela não leva a mal, nem nos corre à vassourada. Mas cá entre nós, se me comprarem uma garrafa de gin, eu prefiro...
Depois, há outra coisa que me chateia, querer que toda a gente seja boa a tudo dificulta-me a vida. Uma vez tive um colega que trabalhava part-time, mas era o principal responsável pelos filhos, o que ele adorava. Dava-lhe mais prazer falar de cuidar do cão e da prole do que de falar de coisas do trabalho e era uma seca ter de trabalhar com ele porque atrasava-se nas tarefas, não fazia coisas que devia ter feito, etc. E a conversa matava-me de tédio. Ou seja, acho perfeitamente desejável que algumas pessoas se especializem em cuidados domésticos e puericultura, enquanto que os respectivos parceiros têm uma vida profissional fora de casa. Desde que o casal esteja de acordo na definição das responsabilidade, devemos apoiar e respeitar a diversidade de papeis.
Quando li a peça da Joana Bento Rodrigues no Observador, concordei com 80% do que ela disse, mas achei que foi muito infeliz na forma como argumentou até porque ela não pratica o que prega. É médica, que não é uma profissão fácil, requer um enorme investimento de tempo e dedicação, e não tem ares de ser submissa, à espera que o marido seja o ganha-pão que lhe proporcione uma vida confortável. Aliás, não só anda metida na política, como ainda lhe deu na telha de escrever uma peça para o Observador (o Público era capaz de não a ter publicado). Ainda por cima, tem uma aparência cuidada, até se maquilha, como diz que fazem as mulheres objecto.
Mesmo assim, visto de outro prisma, ela está a dar umas boas dicas às mulheres: filhas, se é para vocês ficarem em casa a tratar dos miúdos, exijam que o marido maximize o que traz para casa. Não se contentem com dois tostões, nem se casem com homens medíocres. Isto é divisão de tarefas, não é facilitar a vida a preguiçosos. E também dá um aviso aos homens: se querem boas mães para os vossos filhos, contribuam para o orçamento familiar.
A verdadeira igualdade só será atingida quando for tão natural uma mulher ficar em casa com os filhos, como um homem, como fazer o outsourcing do serviço, ou como decidir não ter filhos. Todas as escolhas são legítimas, desde que sejam o produto da vontade de cada um. Quanto ao resto, de as mulheres gostarem de se apresentar bonitas, bem vestidas, etc., é verdade. Aliás, quando queremos agradar a uma mulher até é comum comprar-lhe joalharia ou perfume e ela não leva a mal, nem nos corre à vassourada. Mas cá entre nós, se me comprarem uma garrafa de gin, eu prefiro...
domingo, 24 de fevereiro de 2019
Dia 53
Choveu quase todo o dia, por vezes uma chuva intensa, com pingos inclinados que riscavam a paisagem. Ao fim da manhã demos um salto ao Lowe's para comprar filtros de ar e água para o frigorífico. O Julian ia no cesto de compras, mas a sua impaciência crescia visivelmente e pôs-se de pé, como se assim visse melhor onde estava. Ou talvez o objectivo foi que o vissem melhor. Os transeuntes, que disfarçavam um sorriso quando o viam, começaram a aproximar-se e a meter conversa. Uns queriam fazer-lhe festas e ele, um vendido por uma carícia seguia-lhes a mão quando paravam.
Quando chegámos à caixa, estava completamente irrequieto e oferecia-se às pessoas que lhe falavam, como se a chamá-las. Às tantas saltou do cesto e ficou pendurando pela coleira de segurança para horror de uma senhora que estava ao pé de nós e que imediatamente se ofereceu para ficar com ele ao colo enquanto eu terminava de pagar. A supervisora das caixas também veio para lhe fazer festas, perguntar o nome, e babar-se toda. À saída projectou a voz para se despedir: "Bye Julian! Come back and see us..."
De sonso este cão não tem nada. Suspeito que fugiu dos donos que tinha porque uma amiga minha encontrou-o na rua um fim-de-semana, foi ter à porta dela. Passou dois dias cheio de mimo, mas estava tão excitado por ter atenção que não parava quieto. Na Segunda-feira, recebi uma mensagem dela a perguntar se eu queria um cão porque ela já tinha dois. Querer não queria, mas o pseudo-ultimato que ela me deu foi que ou era eu, ou era o abrigo de cães, porque já tinha tentado encontrar os donos, mas não viu ninguém à procura dele na Internet, nem na rua.
Um buldogue francês não combina bem com um abrigo de cães, nem combina com anúncios à procura de dono. São cães caros e agora estão na moda, ou seja, é provável que alguém se identificasse como dono só para ficar com o cão e o vender. respondi-lhe que ficava com ele, mas que primeiro tinhamos de o levar ao veterinário e marquei consulta para essa tarde.
Quando o vi pela primeira vez, o barulho da sua respiração parecia o de uma automotora e eu só conseguia pensar que ia detestar o cão por ser tão barulhento. O meu silêncio--onde e quando é que eu ia encontrar novamente o meu silêncio? Mas era necessário lidar com a situação e o pragmatismo racionalizava a coisa: "Depois pensas nisso, não vale a pena sofrer por antecipação."
Ele pode ser francês, mas não cheirava a eau de toilette. Os ouvidos estavam todos inchados e cheios de pus e fermento, o que o fazia cheirar mal e lhe dava um tom rosado à pele. Talvez fosse devido a alergias sazonais, disse a médica. As unhas super-compridas, estavam quase a enfiar-se nas almofadas dos pés. Deduzi que o cão nunca era passeado e a facilidade com que se aliviava dentro de casa indicava que o tinham treinado para usar tapetes higiénicos. Um cão avariado é o cão perfeito para mim e foi assim que fiquei com ele.
Depois de começar a passear duas vezes por dia, deixou de ser barulhento e hiper-activo; afinal, até é um cão calmo. Aprendeu a ir ao quarto-de-banho na rua e não gosta de andar por sítios sujos: evita a lama e as poças de água. Gosta muito de roer a chupeta de cão, o que me facilita a vida porque lava os dentes. No início, não parava quieto quando entrava no carro, agora meto-lhe o cinto de segurança e aguarda até chegarmos ao destino. Adora fazer passeios e se me vê a ir para a garagem vai para a porta do carro.
Chamo-lhe morceguinho, ele dá-me lambidelas na cara, e é tudo um bocado surpreendente porque o Julian comporta-se como se eu tivesse sido sempre a humana da vida dele, mas por vezes ainda tenho dificuldade em perceber que ele é o meu cão.
Quando chegámos à caixa, estava completamente irrequieto e oferecia-se às pessoas que lhe falavam, como se a chamá-las. Às tantas saltou do cesto e ficou pendurando pela coleira de segurança para horror de uma senhora que estava ao pé de nós e que imediatamente se ofereceu para ficar com ele ao colo enquanto eu terminava de pagar. A supervisora das caixas também veio para lhe fazer festas, perguntar o nome, e babar-se toda. À saída projectou a voz para se despedir: "Bye Julian! Come back and see us..."
De sonso este cão não tem nada. Suspeito que fugiu dos donos que tinha porque uma amiga minha encontrou-o na rua um fim-de-semana, foi ter à porta dela. Passou dois dias cheio de mimo, mas estava tão excitado por ter atenção que não parava quieto. Na Segunda-feira, recebi uma mensagem dela a perguntar se eu queria um cão porque ela já tinha dois. Querer não queria, mas o pseudo-ultimato que ela me deu foi que ou era eu, ou era o abrigo de cães, porque já tinha tentado encontrar os donos, mas não viu ninguém à procura dele na Internet, nem na rua.
Um buldogue francês não combina bem com um abrigo de cães, nem combina com anúncios à procura de dono. São cães caros e agora estão na moda, ou seja, é provável que alguém se identificasse como dono só para ficar com o cão e o vender. respondi-lhe que ficava com ele, mas que primeiro tinhamos de o levar ao veterinário e marquei consulta para essa tarde.
Quando o vi pela primeira vez, o barulho da sua respiração parecia o de uma automotora e eu só conseguia pensar que ia detestar o cão por ser tão barulhento. O meu silêncio--onde e quando é que eu ia encontrar novamente o meu silêncio? Mas era necessário lidar com a situação e o pragmatismo racionalizava a coisa: "Depois pensas nisso, não vale a pena sofrer por antecipação."
Ele pode ser francês, mas não cheirava a eau de toilette. Os ouvidos estavam todos inchados e cheios de pus e fermento, o que o fazia cheirar mal e lhe dava um tom rosado à pele. Talvez fosse devido a alergias sazonais, disse a médica. As unhas super-compridas, estavam quase a enfiar-se nas almofadas dos pés. Deduzi que o cão nunca era passeado e a facilidade com que se aliviava dentro de casa indicava que o tinham treinado para usar tapetes higiénicos. Um cão avariado é o cão perfeito para mim e foi assim que fiquei com ele.
Depois de começar a passear duas vezes por dia, deixou de ser barulhento e hiper-activo; afinal, até é um cão calmo. Aprendeu a ir ao quarto-de-banho na rua e não gosta de andar por sítios sujos: evita a lama e as poças de água. Gosta muito de roer a chupeta de cão, o que me facilita a vida porque lava os dentes. No início, não parava quieto quando entrava no carro, agora meto-lhe o cinto de segurança e aguarda até chegarmos ao destino. Adora fazer passeios e se me vê a ir para a garagem vai para a porta do carro.
Chamo-lhe morceguinho, ele dá-me lambidelas na cara, e é tudo um bocado surpreendente porque o Julian comporta-se como se eu tivesse sido sempre a humana da vida dele, mas por vezes ainda tenho dificuldade em perceber que ele é o meu cão.
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019
Dia 52
Nem a propósito, a Maria João Marques escreveu uma peça sobre a fraca visibilidade que a Direita portuguesa dá às mulheres. É estranho que assim seja porque, antes de mais, é um enorme retrocesso: houve bastantes mulheres importantes na Direita portuguesa. E depois demonstra que muitos homens portugueses têm sérios problemas em entender coisas básicas de matemática, pois é impossível ganhar uma eleição sem mulheres e, mesmo que os homens da Direita pensem que sem a concorrência delas fica mais para eles, esquecem-se do facto de elas serem boas a criar valor. Como a economia portuguesa está, no melhor dos casos, estagnada ou, no pior, a encolher, é surprendente que haja pessoas que pensam que é mais importante proteger a distribuição do bolo do que arranjar maneira de aumentar o tamanho do mesmo.
A Christine Lagarde, numa entrevista ao Marketplace emitida hoje, fez uns comentários interessantes acerca da participação das mulheres em lugares de chefia. Disse ela:
Eu não vos dizia que a CGD -- e quem diz CGD diz a banca portuguesa -- precisava de umas avózinhas?
A Christine Lagarde, numa entrevista ao Marketplace emitida hoje, fez uns comentários interessantes acerca da participação das mulheres em lugares de chefia. Disse ela:
[...] the IMF now recognizes that the role of women in the economy can be macro critical, and therefore warrants our focus, our attention, our research capacity and our policy recommendations.
What we have done very recently — I just want to mention two numbers for you — is a thorough study on the banking sector to see how many women were in executive boards or boards. Twenty percent only are women. How many women are CEOs or chairmen of banks? Two percent. And then we tried to correlate the solidity of banks with the number of women sitting on the board. And it's very interesting to see that those banks which have a significant number of women on their board are stronger, are less likely to file for insolvency, have bigger capital buffers, have less nonperforming loans and are less risky."
Fonte: Christine Lagarde em entrevista ao Kay Ryssdal no Marketplace, 21/2/2019
Eu não vos dizia que a CGD -- e quem diz CGD diz a banca portuguesa -- precisava de umas avózinhas?
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019
Dia 50
Quando andei na faculdade a tirar o curso de economia -- ai Deus Meu, comecei o curso há quase 29 anos, para onde é que foi o tempo? --, ensinaram-nos que 5% era a taxa natural de desemprego. Naquela altura era muito difícil observar taxas de desemprego pelos 5%, mas agora é bastante comum. O mercado de trabalho está mais flexível: é fácil montar um negócio online e com oportunidades de emprego tipo Uber, arranjar uma ocupação não depende do resultado de uma entrevista com o patrão, mas da nossa vontade de nos inscrevermos.
A taxa de desemprego, em Portugal, ainda não está nos 5%, mas o Ministro da Administração Interna pensa que está baixíssima, com o país a precisar de 50 a 75 mil imigrantes por ano, pelo menos. Não sei onde é que ele pensa que vai desencantar tanta malta porque nem os refugiados gostam de ficar muito tempo em Portugal. Até a mim não me apetece aí ir e já estou a planear alternativas à minha reforma em Portugal. Vou para aí fazer o quê, servir de alvo para os burlões? Não, obrigada.
É chato não ter ninguém com quem falar português, nem há livros audio -- uma inovação que nunca chegou a Portugal --, mas convenhamos que o Facebook foi inventado por um americano para a minha conveniência. E há um rapaz brasileiro que tem uma conta no Instagram que é espectacular: nas histórias, ele lê contos, poemas, fala de livros, etc. É o Paulo Roberto Farias, que é actor e escritor.
Há um outro detalhe importante: os americanos gostam muito de mim. Por exemplo, fui ao banco fazer o empréstimo para comprar a minha casa e as senhoras que trataram da papelada ficaram super-impressionadas comigo porque eu era uma pessoa muito responsável, uma mulher com boas poupanças, tinha a papelada toda em ordem e sabia o que tinha e não tinha, e até lhes dei a comprovação de emprego sem elas sequer terem de me pedir. Não esperava tanta admiração pelo que fiz, pensei que era o normal que se esperaria de quem vai ao banco, mas elas elogiaram-me tanto que até fiquei um bocado acanhada.
Ah, uma curiosidade. Então, logo na primeira reunião, a senhora avisou-me logo: se prestares informações falsas, ficas em sarilhos. Obviamente, que não presto -- eu sou portuguesa, mas não sou portuguesa. Ter uma senhora assim na CGD teria dado jeito há uns anitos, mas também o enquadramento legal não ajuda, dizem-me. (Esta senhora que me atendeu já era avózinha, o marido tinha-se reformado e ela era o ganha-pão da família. Super-simpática e até me disse para eu passar pelo Banco para a cumprimentar, sempre que estivesse nas redondezas. Nunca na vida uma senhora com esta idade teria um emprego semelhante num banco português.)
Voltando à taxa de desemprego de Portugal, em 2018, estabilizou em 6,7%. Gostaria de saber qual o plano para lidar com esses 6,7%. Bem sei que poderia ir falar com o João Cerejeira, que até foi entrevistado recentemente pelo Público, mas era mais giro se os membros do Governo falassem com mais profundidade do assunto, quem sabe podiam produzir um relatóriozito a explicar o que acham do desemprego português e que ideias têm para melhorar a situação. Estamos em ano de eleições, não é? A altura ideal para apresentar propostas giras.
A taxa de desemprego, em Portugal, ainda não está nos 5%, mas o Ministro da Administração Interna pensa que está baixíssima, com o país a precisar de 50 a 75 mil imigrantes por ano, pelo menos. Não sei onde é que ele pensa que vai desencantar tanta malta porque nem os refugiados gostam de ficar muito tempo em Portugal. Até a mim não me apetece aí ir e já estou a planear alternativas à minha reforma em Portugal. Vou para aí fazer o quê, servir de alvo para os burlões? Não, obrigada.
É chato não ter ninguém com quem falar português, nem há livros audio -- uma inovação que nunca chegou a Portugal --, mas convenhamos que o Facebook foi inventado por um americano para a minha conveniência. E há um rapaz brasileiro que tem uma conta no Instagram que é espectacular: nas histórias, ele lê contos, poemas, fala de livros, etc. É o Paulo Roberto Farias, que é actor e escritor.
Há um outro detalhe importante: os americanos gostam muito de mim. Por exemplo, fui ao banco fazer o empréstimo para comprar a minha casa e as senhoras que trataram da papelada ficaram super-impressionadas comigo porque eu era uma pessoa muito responsável, uma mulher com boas poupanças, tinha a papelada toda em ordem e sabia o que tinha e não tinha, e até lhes dei a comprovação de emprego sem elas sequer terem de me pedir. Não esperava tanta admiração pelo que fiz, pensei que era o normal que se esperaria de quem vai ao banco, mas elas elogiaram-me tanto que até fiquei um bocado acanhada.
Ah, uma curiosidade. Então, logo na primeira reunião, a senhora avisou-me logo: se prestares informações falsas, ficas em sarilhos. Obviamente, que não presto -- eu sou portuguesa, mas não sou portuguesa. Ter uma senhora assim na CGD teria dado jeito há uns anitos, mas também o enquadramento legal não ajuda, dizem-me. (Esta senhora que me atendeu já era avózinha, o marido tinha-se reformado e ela era o ganha-pão da família. Super-simpática e até me disse para eu passar pelo Banco para a cumprimentar, sempre que estivesse nas redondezas. Nunca na vida uma senhora com esta idade teria um emprego semelhante num banco português.)
Voltando à taxa de desemprego de Portugal, em 2018, estabilizou em 6,7%. Gostaria de saber qual o plano para lidar com esses 6,7%. Bem sei que poderia ir falar com o João Cerejeira, que até foi entrevistado recentemente pelo Público, mas era mais giro se os membros do Governo falassem com mais profundidade do assunto, quem sabe podiam produzir um relatóriozito a explicar o que acham do desemprego português e que ideias têm para melhorar a situação. Estamos em ano de eleições, não é? A altura ideal para apresentar propostas giras.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2019
Dia 49
Hoje não trabalhei porque foi feriado, mas como o senhor das reparações trabalhava, pedi-lhe para vir cá a casa continuar os arranjos e pendurar alguns dos cortinados. Durante o almoço falámos da família e dos tempos que vivemos. Ele nasceu em 1963 e tinha um pai abusivo, a quem a mãe deixou. Contou-me isto porque eu tinha dito que uma das diferenças entre os EUA e Portugal é que nos EUA, até recentemente, quando as pessoas chegavam aos 18 anos o normal era saírem de casa dos pais e irem à sua vida; já em Portugal, o normal é ficar com os pais até se casar e as pessoas casam-se tarde, se se chegam a casar.
O meu argumento era que o sistema americano era superior, pois os jovens tinham a independencia cedo, mas também estavam na idade de cometer erros e os pais os podiam ajudar, ou seja, havia um período de transição entre ser-se jovem e ser-se adulto. Ah, mas o problema agora, dizia-me ele, era que as pessoas tinham filhos, mas esperavam que o sistema cuidasse deles. Os pais não passam tempo com os filhos e têm a expectativa de a escola cuidar dos miúdos. Eu concordei, mas o facto é que hoje em dia há muitas crianças que estão a ser criadas pela mãe, com o pai ausente, e é muito difícil que uma pessoa só consiga dar conta do recado.
Foi aí que ele me contou que tinha crescido num lar assim, pois a mãe deixou o pai por causa deste não a tratar bem. Mas devia ter sido uma época muito díficil para se viver, os anos 60, porque estávamos em plena luta contra a segregação, respondi-lhe. É um estereótipo presumir que os homens negros são pais ausentes e, caramba, há tantos pais brancos que não dão conta do recado e não têm de lidar com serem vítimas de racismo. Não estou a justificar o injustificável, mas tento colocar-me na situação dos outros para tentar apreciar o seu ponto de vista.
A família que ele construiu é completamente diferente: tem uma família "normal", com esposa e dois filhos, um com 15 e outro com 18. O de 15 telefonou durante o almoço porque queria que o pai desse boleia a um amigo que tinha ido passar a noite lá a casa, enquanto ele (o filho de 15) ia brincar com outros amigos. O pai discordou e explicou-lhe: o amigo era convidado dele e tinha feito o favor de o ir visitar para lhe fazer companhia, logo o mínimo que tinha de fazer era levar o amigo a casa. Concordei com o pai, era falta de educação largar o míudo para ir ter com outros.
Continuámos a conversa e ele conta-me que vê o ter crescido com um pai abusivo, cujo comportamento acabou por separar a família, como uma bênção porque foi o que fez com que quisesse dar outro rumo à sua vida. Mas não foi linear, recordam-se que no outro dia ele me tinha dito que durante algum tempo tinha sido sem-abrigo.
Os humanos são uns animais um bocado estranhos: há alguns que precisam de adversidade para ter sucesso e outros que perante a adversidade só conseguer ter insucesso. Com tal dicotomia, é muito difícil tentar chegar a uma sociedade perfeita.
O meu argumento era que o sistema americano era superior, pois os jovens tinham a independencia cedo, mas também estavam na idade de cometer erros e os pais os podiam ajudar, ou seja, havia um período de transição entre ser-se jovem e ser-se adulto. Ah, mas o problema agora, dizia-me ele, era que as pessoas tinham filhos, mas esperavam que o sistema cuidasse deles. Os pais não passam tempo com os filhos e têm a expectativa de a escola cuidar dos miúdos. Eu concordei, mas o facto é que hoje em dia há muitas crianças que estão a ser criadas pela mãe, com o pai ausente, e é muito difícil que uma pessoa só consiga dar conta do recado.
Foi aí que ele me contou que tinha crescido num lar assim, pois a mãe deixou o pai por causa deste não a tratar bem. Mas devia ter sido uma época muito díficil para se viver, os anos 60, porque estávamos em plena luta contra a segregação, respondi-lhe. É um estereótipo presumir que os homens negros são pais ausentes e, caramba, há tantos pais brancos que não dão conta do recado e não têm de lidar com serem vítimas de racismo. Não estou a justificar o injustificável, mas tento colocar-me na situação dos outros para tentar apreciar o seu ponto de vista.
A família que ele construiu é completamente diferente: tem uma família "normal", com esposa e dois filhos, um com 15 e outro com 18. O de 15 telefonou durante o almoço porque queria que o pai desse boleia a um amigo que tinha ido passar a noite lá a casa, enquanto ele (o filho de 15) ia brincar com outros amigos. O pai discordou e explicou-lhe: o amigo era convidado dele e tinha feito o favor de o ir visitar para lhe fazer companhia, logo o mínimo que tinha de fazer era levar o amigo a casa. Concordei com o pai, era falta de educação largar o míudo para ir ter com outros.
Continuámos a conversa e ele conta-me que vê o ter crescido com um pai abusivo, cujo comportamento acabou por separar a família, como uma bênção porque foi o que fez com que quisesse dar outro rumo à sua vida. Mas não foi linear, recordam-se que no outro dia ele me tinha dito que durante algum tempo tinha sido sem-abrigo.
Os humanos são uns animais um bocado estranhos: há alguns que precisam de adversidade para ter sucesso e outros que perante a adversidade só conseguer ter insucesso. Com tal dicotomia, é muito difícil tentar chegar a uma sociedade perfeita.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019
Dia 48
O Brock Long demitiu-se da FEMA (Federal Emergency Management Agency), depois de um pequeno escândalo em que se soube que ele usava o carro oficial para viagens a casa, o que instigou uma investigação. Já vos falei do Brock Long antes a propósito de tempestades que atingiram os EUA. Mas as verdadeiras manchas do seu desempenho são o furacão Maria, que atingiu Porto Rico e causou a morte de mais de três mil pessoas, número que só foi admitido cerca de um ano depois, e o furacão Michael, cujo número de fatalidades ainda não sabemos ao certo.
O fulcro da questão não é o Brock Long em si, mas o seu mau desempenho. Houve coisas que correram bem quando estava em funções, por exemplo, acho que a resposta ao furacão Harvey foi bastante boa, mas dada a inconsistência de resultados, é credível que a responsabilidade desse sucesso se deva mais ao governo local de Houston e do Texas, do que à FEMA.
Frequentemente penso no conceito de sucesso e do que significa ser bom. Para se saber se alguém é bom, é necessário que haja repetição e adversidade, ou seja, temos de observar a pessoa em várias circunstâncias e, idealmente, essas cirscunstâncias são caracterizadas por serem difíceis. A repetição serve para controlar o factor sorte e a adversidade para controlar a maior probabilididade que está associada a resultados em torno da média.
Estas ideias são bastante pertinentes na selecção de pessoas que se quer num Conselho de Administração; o ideal é mesmo alguém que tenha uma riqueza de experiências e que se tenha distinguido consistentemente em situações adversas. A razão é muito simples: queremos pessoas com capacidade de pensar e imaginar os extremos de risco a que a entidade está sujeita. Assim, essa pessoa faz as perguntas necessárias e conduz as investigações que acha pertinentes. E tendo um grupo de pessoas com estas características num Conselho de Administração, conseguimos controlar o risco e minimizar a probabilidade de resultados negativos.
Em Portugal não se pensa assim porque os resultados desastrosos que a banca tem obtido demonstram que as pessoas que são nomeadas para os Conselhos de Administração não agem de forma a minimizar o risco; ser membro é mais uma questão de honra do que de dever. Até penso que devem achar que a probabilidade das coisas correrem mal é tão baixa que não vale a pena estar a perder tempo com isso; só que quando se conclui tal coisa estamos a inferir fora da amostra. O facto de as coisas más não aconteceram tão frequentemente não é tanto que sejam tão improváveis, mas mais o resultdo de ser-se negligente, cometer-se ilegalidades, etc. serem comportamentos eles próprios improváveis.
O fulcro da questão não é o Brock Long em si, mas o seu mau desempenho. Houve coisas que correram bem quando estava em funções, por exemplo, acho que a resposta ao furacão Harvey foi bastante boa, mas dada a inconsistência de resultados, é credível que a responsabilidade desse sucesso se deva mais ao governo local de Houston e do Texas, do que à FEMA.
Frequentemente penso no conceito de sucesso e do que significa ser bom. Para se saber se alguém é bom, é necessário que haja repetição e adversidade, ou seja, temos de observar a pessoa em várias circunstâncias e, idealmente, essas cirscunstâncias são caracterizadas por serem difíceis. A repetição serve para controlar o factor sorte e a adversidade para controlar a maior probabilididade que está associada a resultados em torno da média.
Estas ideias são bastante pertinentes na selecção de pessoas que se quer num Conselho de Administração; o ideal é mesmo alguém que tenha uma riqueza de experiências e que se tenha distinguido consistentemente em situações adversas. A razão é muito simples: queremos pessoas com capacidade de pensar e imaginar os extremos de risco a que a entidade está sujeita. Assim, essa pessoa faz as perguntas necessárias e conduz as investigações que acha pertinentes. E tendo um grupo de pessoas com estas características num Conselho de Administração, conseguimos controlar o risco e minimizar a probabilidade de resultados negativos.
Em Portugal não se pensa assim porque os resultados desastrosos que a banca tem obtido demonstram que as pessoas que são nomeadas para os Conselhos de Administração não agem de forma a minimizar o risco; ser membro é mais uma questão de honra do que de dever. Até penso que devem achar que a probabilidade das coisas correrem mal é tão baixa que não vale a pena estar a perder tempo com isso; só que quando se conclui tal coisa estamos a inferir fora da amostra. O facto de as coisas más não aconteceram tão frequentemente não é tanto que sejam tão improváveis, mas mais o resultdo de ser-se negligente, cometer-se ilegalidades, etc. serem comportamentos eles próprios improváveis.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019
Dia 45
Quem acompanhar a imprensa popular especializada em economia, já deve ter notado que uma das questões que mais vem à baila é o timing da próxima recessão americana. Como eu mencionei aqui há uns largos meses, até mais de um ano, se não me engano, se o período de expansão se prolongar para além de Julho de 2019, este terá sido o mais longo período de expansão da economia americana. Há vários modelos que estimam a probabilidade de uma recessão nos próximos 12 meses e estas vão dos 20% até mais de 50%.
A propósito disto, hoje o Paul Krugman disse uma coisa muito engraçada na Bloomberg: “Our current Treasury Secretary is no Hank Paulson!” Ou seja, a pessoa que é responsável por definir a política fiscal americana não é tão boa como passados detentores do cargo. E dado que a política monetária não tem tantas balas como tinha antigamente, pois as taxas de juro ainda estão historicamente baixas e a Reserva Federal ainda tem um balanço bastante sobrecarregado, a situação é preocupante e merece escrutínio. Por isso se fala nela.
Portugal encontra-se num barco ainda pior. Na próxima recessão, a política monetária europeia será ainda mais fraca do que a americana porque as taxas de juro estão mais baixas na Europa, para além de que é direccionada para o Bloco euro e não para países específicos, e muita da dívida pública já é detida pelo BCE. Do lado da política fiscal, temos a dívida pública portuguesa bastante alta comparada com o tamanho da economia e as instituições não funcionam, logo os governos aproveitam situações de crise para gastar dinheiro em coisas que não produzem valor para a economia, mas que permitem a muita gente com o cartão partidário ganhar uns trocos à conta do erário público. Nada nos leva a crer que o futuro próximo seja diferente do passado recente, até porque o PS governou na crise anterior e parece que irá governar na próxima.
Com certeza percebem, então, quais as pergunta mais pertinentes que os governantes portugueses deveriam estar a tentar responder:
Estas duas questões deveriam monopolizar a discussão em volta das próximas eleições, mas já sabemos que ninguém passará troco. Por alguma razão discutimos hoje os pecados da última crise, em vez de como minimizar os da próxima.
A propósito disto, hoje o Paul Krugman disse uma coisa muito engraçada na Bloomberg: “Our current Treasury Secretary is no Hank Paulson!” Ou seja, a pessoa que é responsável por definir a política fiscal americana não é tão boa como passados detentores do cargo. E dado que a política monetária não tem tantas balas como tinha antigamente, pois as taxas de juro ainda estão historicamente baixas e a Reserva Federal ainda tem um balanço bastante sobrecarregado, a situação é preocupante e merece escrutínio. Por isso se fala nela.
Portugal encontra-se num barco ainda pior. Na próxima recessão, a política monetária europeia será ainda mais fraca do que a americana porque as taxas de juro estão mais baixas na Europa, para além de que é direccionada para o Bloco euro e não para países específicos, e muita da dívida pública já é detida pelo BCE. Do lado da política fiscal, temos a dívida pública portuguesa bastante alta comparada com o tamanho da economia e as instituições não funcionam, logo os governos aproveitam situações de crise para gastar dinheiro em coisas que não produzem valor para a economia, mas que permitem a muita gente com o cartão partidário ganhar uns trocos à conta do erário público. Nada nos leva a crer que o futuro próximo seja diferente do passado recente, até porque o PS governou na crise anterior e parece que irá governar na próxima.
Com certeza percebem, então, quais as pergunta mais pertinentes que os governantes portugueses deveriam estar a tentar responder:
- Qual a forma de estímulo da economia portuguesa quando esta entrar em recessão?
- Qual a garantia de que os fundos de estímulo não serão desviados para favorecer os corruptos do costume?
Estas duas questões deveriam monopolizar a discussão em volta das próximas eleições, mas já sabemos que ninguém passará troco. Por alguma razão discutimos hoje os pecados da última crise, em vez de como minimizar os da próxima.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019
Dia 44
Na aula de yoga de hoje, a minha professora, que foi aluna do Iyengar, iniciou a nossa instrução a falar dos oito ramos de yoga. O primeiro é o Yama, que tem a ver com ética -- é a nossa conduta moral e social. Yoga devia ser obrigatório em Portugal porque a ética anda pelas ruas da amargura. Imagine-se que, hoje em dia, há grande indignação por eventos que ocorreram há tanto tempo que legalmente já devem ter prescrito, ao mesmo tempo que muitas das pessoas envolvidas continua a sua actividade profissional, como se nada se tivesse passado. Ninguém se recusa, se demite, ou é demitido. E será que não fizeram uns coisitas mais recentes que mereçam ser investigados e submetidos à justiça sem haver o risco de prescrição? Daqui a 10 ou 15 anos, teremos a nossa resposta.
Em 2011, uma jornalista de investigação, a Suki Kim, infiltrou-se na Coreia do Norte onde viveu durante seis meses, fingindo ser uma professora de inglês numa universidade frequentada pelos filhos das elites. Fê-lo porque tinha um contrato para escrever um livro sobre como é viver lá e porque entrevistar pessoas e visitar como turista não dão uma visão realista, pois as pessoas são treinadas para mentir: a sua sobrevivência depende da sua capacidade de mentir e mentir tem uma conotação diferente da que toma nas sociedades ocidentais. Visto assim, parece que Portugal ainda vive sob o espectro de uma ditadura porque finge-se indignação quando é conveniente, finge-se que as instituições funcionam, finge-se que os políticos irão redimir-se um dia destes, finge-se que há jornalismo a sério, etc.
Olafur Hauksson, que era um mero comissário de polícia de uma cidade pequena quando a Islândia sucumbiu à crise financeira, diz que sentiu que tinha o dever de servir o país e candidatou-se ao posto de investigador da crise -- ninguém mais se candidatou, mas a Islândia tinha menos de 315.500 pessoas em 2008. A equipa de investigação tinha apenas cinco pessoas, mas cresceu e chegou a exceder 100. Em 2012 houve a primeira condenação; até agora conseguiram quase 40. Diz ele que os políticos se sentiram obrigados a ter uma investigação. Portugal tem uma população 33 vezes superior à da Islândia e, se havia alguém com sentido moral de investigar as falcatruas lusas, essa pessoa deve ter emigrado.
Parece que a única obrigação que existe no nosso rectângulozinho é apoiar ladrões, daqueles que "roubam, mas fazem"...
Em 2011, uma jornalista de investigação, a Suki Kim, infiltrou-se na Coreia do Norte onde viveu durante seis meses, fingindo ser uma professora de inglês numa universidade frequentada pelos filhos das elites. Fê-lo porque tinha um contrato para escrever um livro sobre como é viver lá e porque entrevistar pessoas e visitar como turista não dão uma visão realista, pois as pessoas são treinadas para mentir: a sua sobrevivência depende da sua capacidade de mentir e mentir tem uma conotação diferente da que toma nas sociedades ocidentais. Visto assim, parece que Portugal ainda vive sob o espectro de uma ditadura porque finge-se indignação quando é conveniente, finge-se que as instituições funcionam, finge-se que os políticos irão redimir-se um dia destes, finge-se que há jornalismo a sério, etc.
Olafur Hauksson, que era um mero comissário de polícia de uma cidade pequena quando a Islândia sucumbiu à crise financeira, diz que sentiu que tinha o dever de servir o país e candidatou-se ao posto de investigador da crise -- ninguém mais se candidatou, mas a Islândia tinha menos de 315.500 pessoas em 2008. A equipa de investigação tinha apenas cinco pessoas, mas cresceu e chegou a exceder 100. Em 2012 houve a primeira condenação; até agora conseguiram quase 40. Diz ele que os políticos se sentiram obrigados a ter uma investigação. Portugal tem uma população 33 vezes superior à da Islândia e, se havia alguém com sentido moral de investigar as falcatruas lusas, essa pessoa deve ter emigrado.
Parece que a única obrigação que existe no nosso rectângulozinho é apoiar ladrões, daqueles que "roubam, mas fazem"...
terça-feira, 12 de fevereiro de 2019
Dia 42
Saltei um, o 41, mas 42 é o ano em que a minha mãe nasceu e ela é pertinente para esta história. Se fosse viva, estaria a perguntar-me como é que eu ainda não tinha feito nada, mas nada pode ser feito. Nada pode ser feito contra a morte, mesmo que haja lendas africanas em que se conte que lembrar-nos nos mortos os mantenha naquele estado de semi-vivos, entre a vida e a morte. Essa lenda deu aso a um livro de Kevin Bruckheimer, "The Brief History of the Dead." A breve história dos mortos, mas o que é breve é a vida, aquela coisa em que um dia estamos e no outro estivemos.
Ela esteve até Sábado, dia em que morreu. Não conheci a pessoa, era uma amiga virtual, mas trocámos algumas mensagens. Recordo-me de uma em que pediu ajuda para um projecto que o filho tinha na escola, que era relacionado com economia; noutra vez, perguntou-me se eu me disponibilizava para apoiar o filho que uma amiga que vinha fazer um programa de intercâmbio nos EUA, se fosse preciso. Parece tão recente e foi ha tanto tempo. Tinha sensivelmente a minha idade, um aniversário que se celebrava a 6 de Fevereiro. Mas, no dia 9 de Fevereiro irá celebrar-se outro aniversário: o da morte, é um daqueles aniversários em que eu penso porque um dia é o nosso e eu tenho tendência mórbidas. E logo calhou hoje um amigo meu no Facebook perguntar se era sinal de depressão pensar tanto na morte. Não, não é sinal de depressão; é sinal de inteligência, respondo-lhe.
Se querem que vos diga, sabia que estava doente, mas não liguei muito até há uns dias em que postou qualquer coisa no Facebook e senti alguma urgência. Senti calafrios, vontade de chorar, e, nesse dia, quase que me apeteceu ir para casa, não queria estar no trabalho, mas resisti, pensei que fosse uma das minhas pequenas paranóias. Pensei no pouco que poderia fazer para apoiá-la. É difícil apoiar alguém quando estamos longe, ainda por cima, na nossa condição virtual, apenas podemos marcar a nossa presença. Dizer que estamos a pensar na pessoa, que estamos a torcer por ela, os lugares comuns do costume por muito sentidos que sejam.
Mas não é suficiente e sabe a pouco. Que mais poderá ser feito estando no outro lado do mundo... Pedi a morada para enviar um postal de melhoras, mas achei mais célere enviar algo que estivesse já em Portugal. Talvez os correios fossem mais rápidos, mas a dúvida assalta os pensamentos--os CTT são uma porcaria, não dá para contar com eles para nada. Mas, mesmo assim, contactei uma amiga a perguntar se podia enviar umas bolachas e um postal em meu nome. Era para seguir hoje e este fim-de-semana fiquei de enviar o texto para o postal, o que fiz ontem.
Hoje também soube que era tarde demais, tinha morrido no Sábado. Penso nos filhos, tão novos, no marido, na mãe. A ideia de perder um filho persegue-me, acho uma das coisas mais horrorosas, mas morrer e causar dor a um filho também não fica atrás. À filha ela começou a tricotar uma camisola que não conseguiu acabar. Cá em casa também há um projecto inacabado. Antes de morrer, a minha mãe decidiu que ia fazer-me uma colcha em crochet. Estes projectos não são projectos em si, são tentativas de lançar uma âncora, de se iludir que não podem partir sem terminar o que se propuseram a fazer, de se agarrar à vida. Talvez terminar criar um filho seja o projecto herculíneo, que requer demasiado, mas um crochet, uma tricot parece tão mais fácil, qualquer um pode pensam as pessoas que sentem que o fim se aproxima.
Uma vez postei umas fotos do meu quarto: nas mesinhas de cabeceira e nas estantes tinha algumas peças do crochet da minha mãe. E esta amiga virtual viu as fotos e pediu imagens mais detalhadas, também gostava de crochet. De todos os lavores, o crochet é para mim o mais efusivo. Nunca consegui que o meu ponto fosse consistente, nem sequer consegui terminar um projecto. Depois da minha mãe morrer, tentei terminar a colcha, mas pouco progresso houve.
Estou a ouvir a Natalie Merchant. Quando morre alguém, apetece ouvi-la. Lá fora chove, como choveu no fim-de-semana. É um conforto. Quando a minha mãe morreu e fui à morgue esperar que preparassem o corpo também chovia. Quando uma parte do nosso mundo termina, as coisas mais insignificantes é que nos podem manter ligados à vida. Não para sempre, mas por algum tempo.
Que descanse em paz.
Ela esteve até Sábado, dia em que morreu. Não conheci a pessoa, era uma amiga virtual, mas trocámos algumas mensagens. Recordo-me de uma em que pediu ajuda para um projecto que o filho tinha na escola, que era relacionado com economia; noutra vez, perguntou-me se eu me disponibilizava para apoiar o filho que uma amiga que vinha fazer um programa de intercâmbio nos EUA, se fosse preciso. Parece tão recente e foi ha tanto tempo. Tinha sensivelmente a minha idade, um aniversário que se celebrava a 6 de Fevereiro. Mas, no dia 9 de Fevereiro irá celebrar-se outro aniversário: o da morte, é um daqueles aniversários em que eu penso porque um dia é o nosso e eu tenho tendência mórbidas. E logo calhou hoje um amigo meu no Facebook perguntar se era sinal de depressão pensar tanto na morte. Não, não é sinal de depressão; é sinal de inteligência, respondo-lhe.
Se querem que vos diga, sabia que estava doente, mas não liguei muito até há uns dias em que postou qualquer coisa no Facebook e senti alguma urgência. Senti calafrios, vontade de chorar, e, nesse dia, quase que me apeteceu ir para casa, não queria estar no trabalho, mas resisti, pensei que fosse uma das minhas pequenas paranóias. Pensei no pouco que poderia fazer para apoiá-la. É difícil apoiar alguém quando estamos longe, ainda por cima, na nossa condição virtual, apenas podemos marcar a nossa presença. Dizer que estamos a pensar na pessoa, que estamos a torcer por ela, os lugares comuns do costume por muito sentidos que sejam.
Mas não é suficiente e sabe a pouco. Que mais poderá ser feito estando no outro lado do mundo... Pedi a morada para enviar um postal de melhoras, mas achei mais célere enviar algo que estivesse já em Portugal. Talvez os correios fossem mais rápidos, mas a dúvida assalta os pensamentos--os CTT são uma porcaria, não dá para contar com eles para nada. Mas, mesmo assim, contactei uma amiga a perguntar se podia enviar umas bolachas e um postal em meu nome. Era para seguir hoje e este fim-de-semana fiquei de enviar o texto para o postal, o que fiz ontem.
Hoje também soube que era tarde demais, tinha morrido no Sábado. Penso nos filhos, tão novos, no marido, na mãe. A ideia de perder um filho persegue-me, acho uma das coisas mais horrorosas, mas morrer e causar dor a um filho também não fica atrás. À filha ela começou a tricotar uma camisola que não conseguiu acabar. Cá em casa também há um projecto inacabado. Antes de morrer, a minha mãe decidiu que ia fazer-me uma colcha em crochet. Estes projectos não são projectos em si, são tentativas de lançar uma âncora, de se iludir que não podem partir sem terminar o que se propuseram a fazer, de se agarrar à vida. Talvez terminar criar um filho seja o projecto herculíneo, que requer demasiado, mas um crochet, uma tricot parece tão mais fácil, qualquer um pode pensam as pessoas que sentem que o fim se aproxima.
Uma vez postei umas fotos do meu quarto: nas mesinhas de cabeceira e nas estantes tinha algumas peças do crochet da minha mãe. E esta amiga virtual viu as fotos e pediu imagens mais detalhadas, também gostava de crochet. De todos os lavores, o crochet é para mim o mais efusivo. Nunca consegui que o meu ponto fosse consistente, nem sequer consegui terminar um projecto. Depois da minha mãe morrer, tentei terminar a colcha, mas pouco progresso houve.
Estou a ouvir a Natalie Merchant. Quando morre alguém, apetece ouvi-la. Lá fora chove, como choveu no fim-de-semana. É um conforto. Quando a minha mãe morreu e fui à morgue esperar que preparassem o corpo também chovia. Quando uma parte do nosso mundo termina, as coisas mais insignificantes é que nos podem manter ligados à vida. Não para sempre, mas por algum tempo.
Que descanse em paz.
sábado, 9 de fevereiro de 2019
Dia 40
Estava aqui a pensar que não há grande diferença entre a Venezuela e Portugal: na Venezuela, usam as receitas do petróleo para alimentar a corrupção; em Portugal usam os fundos comunitários, a dívida pública, e as poupanças dos portugueses arrecadadas em bancos. O que me surpreendeu foi a velocidade com que a saúde pública dos venezuelanos regrediu e penso que, em Portugal, se fizessem o mesmo estudo era possível encontrar o começo da deterioração porque as cativações têm efeitos, basta procurá-los.
A greve dos enfermeiros de cirurgia é incompreensível, não pela greve em si, mas pela necessidade de a ter. Este governo chegou ao poder argumentando que tinha uma política de crescimento sustentável para o país, que permitiria manter o nível de vida dos portugueses e controlar a dívida pública. Afinal, o país não cresce por aí além e para controlar a dívida tem de conter as despesas correntes às escondidas, com o Ministro das Finanças a dizer que as despesas previstas no orçamento não eram verdadeiras porque não havia dinheiro para as pagar.
Quer se queira, quer não, a economia mundial até agora tem oferecido uma conjuntura bastante favorável, logo porque é que Portugal, que tem bastante margem para crescer, não cresceu mais rapidamente? O governo fez reformas, disseram-nos. Ou será que o objectivo do governo não era implementar políticas que promovessem o bem-estar dos portugueses, mas sim continuar a aproveitar os recursos comuns para proteger as elites corruptas? Só assim se explica que o relatório da CGD não tenha visto a luz do dia através do funcionamento normal das instituições.
A greve dos enfermeiros de cirurgia é incompreensível, não pela greve em si, mas pela necessidade de a ter. Este governo chegou ao poder argumentando que tinha uma política de crescimento sustentável para o país, que permitiria manter o nível de vida dos portugueses e controlar a dívida pública. Afinal, o país não cresce por aí além e para controlar a dívida tem de conter as despesas correntes às escondidas, com o Ministro das Finanças a dizer que as despesas previstas no orçamento não eram verdadeiras porque não havia dinheiro para as pagar.
Quer se queira, quer não, a economia mundial até agora tem oferecido uma conjuntura bastante favorável, logo porque é que Portugal, que tem bastante margem para crescer, não cresceu mais rapidamente? O governo fez reformas, disseram-nos. Ou será que o objectivo do governo não era implementar políticas que promovessem o bem-estar dos portugueses, mas sim continuar a aproveitar os recursos comuns para proteger as elites corruptas? Só assim se explica que o relatório da CGD não tenha visto a luz do dia através do funcionamento normal das instituições.
Dia 39
Recebi um email curtinho da minha vizinha em Houston, uma senhora com 94 anos. Trocamos correspondência em média uma vez por semana e enviei-lhe fotos da minha casa depois da mobília instalada. Escreveu o seguinte:
E, realmente, penso muitas vezes que apesar das escolhas malucas que faço, dos riscos que corro, e das voltas que a vida dá, também tenho muita sorte. Aprecio muito o que tenho.
"I think your house looks absolutely grand. It must have high ceilings. As I sit here alone with the wind blowing and the temperature dropping, I have to remind myself that I am so lucky to have a nice place to live. You must do the same."
E, realmente, penso muitas vezes que apesar das escolhas malucas que faço, dos riscos que corro, e das voltas que a vida dá, também tenho muita sorte. Aprecio muito o que tenho.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019
Dia 37
Em Fenway Park, um dos locais mais famosos de baseball dos EUA, há um anúncio da Citgo que é tão famoso que, em 2017, foi declarado uma atracção turística oficial da cidade de Boston. O sinal também é conhecido por inspirar "home runs", que são o que se chama quando uma bola é atirada com tanta força, que a equipa adversária não a consegue apanhar, e um jogador tem tempo para correr todas as bases do campo e chegar a casa "home" sem que seja interceptado pela bola. Citgo poder ser lido como C-it-go, ou seja, "vê-a a ir" (see it go).
Não há um desporto mais americano do que o baseball, mas talvez vos surpreenda saber que, desde 1990 a Citgo, uma empresa que refina, transporta, e comercializa produtos petrolíferos, é detida pela Petróleos da Venezuela, S.A., que é propriedade do estado venezuelano e que é o veículo pelo qual a Venezuela monetiza o seu petróleo. A Venezuela detém as maiores reservas de petróleo do mundo, mas o petróleo venezuelano é de má qualidade e requer uma refinação especial que a Citgo podia efectuar.
Em 1986, o Venezuela adquiriu 50% da Citgo e em 1990 o resto, o que fazia completo sentido na altura porque era mutuamente benéfico para os EUA e para a Venezuela, pois acesso ao petróleo da Venezuela permitia aos americanos não estar tão sujeitos a produto do Médio Oriente e os Venezuelanos podiam usufruir da tecnologia americana e de um mercado que consumia muitos produtos petrolíferos.
Mas, durante a administração de George H.W. Bush, como reacção à invasão do Kuwait pelo Iraque, os EUA começaram a implementar políticas que visavam que um dia o país fosse energèticamente independente do Médio Oriente. Foi nesta altura que se começou a investir na tecnologia do fracking e, mais tarde, durante a governação de George W. Bush, em 2006, o foco foi alargado à produção de biocombustíveis, como a produção de álcool usando milho. Já com a administração Obama, para além de se continuar a avançar o fracking e os biocombustíveis, apostou-se também fortemente em energias renováveis como solar e eólica e também carros eléctricos, por exemplo.
Desde 2011 que os EUA são um exportador líquido de produtos petrolíferos e é de realçar que, nos últimos 30 anos, o poder executivo americano pode ter alternado entre governos de Direita e de Esquerda, mas não houve desvio da estratégia energética principal que era ser independente do resto do mundo. A consequência óbvia deste processo foi a descida do preço mundial do petróleo, o que gradualmente reduziu as receitas que a Venezuela conseguia obter através da sua actividade nos EUA via Citgo.
Houve uma altura em que a Venezuela era o país mais rico da América Latina, mas nos últimos 20 anos ficou reduzida à pobreza, muita dela através de esquemas corruptos que desviavam o dinheiro do petróleo para alimentar as elites. Em Portugal, deve haver algum entendimento do problema, dado que tanto os fundos comunitários, como os depósitos bancários, são usados para alimentar as "elites" portuguesas.
Para terem uma noção da gravidade da situação da Venezuela, The Lancet, o jornal médico, tem publicado vários artigos que ilustram a deterioração dos cuidados médicos, um deles na semana passada sobre a mortalidade infantil que retrocedeu em 2016 para níveis de há 18 anos. A mortalidade materna aumentou 65%. Há pessoas que morrem por causas perfeitamente banais, como falta de antibióticos ou de acesso a vacinas ou de medicamentos de controle do virús do SIDA.
Chegámos agora a um dos pontos mais surreais desta telenovela: a Administração Trump bloqueou o governo Maduro de aceder às receitas da CITGO, que eram um do principais mecanismos financiadores do regime de Maduro--estas receitas serviam para manter o poder militar submisso e a apoiar o regime. Mas Juan Guaido, que se opõe a Maduro e se auto-designou Presidente da Venezuela depois das últimas eleições, tem acesso ao dinheiro porque os EUA também defendem que ele é que é o Presidente legítimo, apesar do resultado oficial dar a vitória a Maduro. Diz a Administração Trump que as eleições venezuelanas foram adulteradas--se há alguém especialista nesta área, é o Sr. Trump.
Há ainda uma complicação adicional porque, quando as receitas da CITGO começaram a baixar, o governo Venezuelano pediu dinheiro emprestado à China e à Rússia e deu a CITGO como garantia dos empréstimos, ou seja, se a Venezuela não pagar a dívida, há o risco de a Rússia ficar dona da CITGO e a Rússia e os EUA andam numa altercação que, como diz o Boaventura de Sousa Santos, faz lembrar uma Guerra Fria. O que não lembraria ao Diabo era alguém que conhecesse minimamente os factos achar que o regime de Nicolás Maduro era um regime virtuoso, democrático, e defensor do bem-estar dos venezuelanos. Até já houve um militar que falou contra o Maduro--o Guaido ofereceu imunidade aos que o fizessem, mas quem não deve não teme.
Não há um desporto mais americano do que o baseball, mas talvez vos surpreenda saber que, desde 1990 a Citgo, uma empresa que refina, transporta, e comercializa produtos petrolíferos, é detida pela Petróleos da Venezuela, S.A., que é propriedade do estado venezuelano e que é o veículo pelo qual a Venezuela monetiza o seu petróleo. A Venezuela detém as maiores reservas de petróleo do mundo, mas o petróleo venezuelano é de má qualidade e requer uma refinação especial que a Citgo podia efectuar.
Em 1986, o Venezuela adquiriu 50% da Citgo e em 1990 o resto, o que fazia completo sentido na altura porque era mutuamente benéfico para os EUA e para a Venezuela, pois acesso ao petróleo da Venezuela permitia aos americanos não estar tão sujeitos a produto do Médio Oriente e os Venezuelanos podiam usufruir da tecnologia americana e de um mercado que consumia muitos produtos petrolíferos.
Mas, durante a administração de George H.W. Bush, como reacção à invasão do Kuwait pelo Iraque, os EUA começaram a implementar políticas que visavam que um dia o país fosse energèticamente independente do Médio Oriente. Foi nesta altura que se começou a investir na tecnologia do fracking e, mais tarde, durante a governação de George W. Bush, em 2006, o foco foi alargado à produção de biocombustíveis, como a produção de álcool usando milho. Já com a administração Obama, para além de se continuar a avançar o fracking e os biocombustíveis, apostou-se também fortemente em energias renováveis como solar e eólica e também carros eléctricos, por exemplo.
Desde 2011 que os EUA são um exportador líquido de produtos petrolíferos e é de realçar que, nos últimos 30 anos, o poder executivo americano pode ter alternado entre governos de Direita e de Esquerda, mas não houve desvio da estratégia energética principal que era ser independente do resto do mundo. A consequência óbvia deste processo foi a descida do preço mundial do petróleo, o que gradualmente reduziu as receitas que a Venezuela conseguia obter através da sua actividade nos EUA via Citgo.
Houve uma altura em que a Venezuela era o país mais rico da América Latina, mas nos últimos 20 anos ficou reduzida à pobreza, muita dela através de esquemas corruptos que desviavam o dinheiro do petróleo para alimentar as elites. Em Portugal, deve haver algum entendimento do problema, dado que tanto os fundos comunitários, como os depósitos bancários, são usados para alimentar as "elites" portuguesas.
Para terem uma noção da gravidade da situação da Venezuela, The Lancet, o jornal médico, tem publicado vários artigos que ilustram a deterioração dos cuidados médicos, um deles na semana passada sobre a mortalidade infantil que retrocedeu em 2016 para níveis de há 18 anos. A mortalidade materna aumentou 65%. Há pessoas que morrem por causas perfeitamente banais, como falta de antibióticos ou de acesso a vacinas ou de medicamentos de controle do virús do SIDA.
Chegámos agora a um dos pontos mais surreais desta telenovela: a Administração Trump bloqueou o governo Maduro de aceder às receitas da CITGO, que eram um do principais mecanismos financiadores do regime de Maduro--estas receitas serviam para manter o poder militar submisso e a apoiar o regime. Mas Juan Guaido, que se opõe a Maduro e se auto-designou Presidente da Venezuela depois das últimas eleições, tem acesso ao dinheiro porque os EUA também defendem que ele é que é o Presidente legítimo, apesar do resultado oficial dar a vitória a Maduro. Diz a Administração Trump que as eleições venezuelanas foram adulteradas--se há alguém especialista nesta área, é o Sr. Trump.
Há ainda uma complicação adicional porque, quando as receitas da CITGO começaram a baixar, o governo Venezuelano pediu dinheiro emprestado à China e à Rússia e deu a CITGO como garantia dos empréstimos, ou seja, se a Venezuela não pagar a dívida, há o risco de a Rússia ficar dona da CITGO e a Rússia e os EUA andam numa altercação que, como diz o Boaventura de Sousa Santos, faz lembrar uma Guerra Fria. O que não lembraria ao Diabo era alguém que conhecesse minimamente os factos achar que o regime de Nicolás Maduro era um regime virtuoso, democrático, e defensor do bem-estar dos venezuelanos. Até já houve um militar que falou contra o Maduro--o Guaido ofereceu imunidade aos que o fizessem, mas quem não deve não teme.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2019
Dias 31-35
Dia 31
Estou a cair de sono, que é como quem diz lá se vai o brio, mas foi um dia produtivo. Acordei às seis da manhã, saí do trabalho pouco depois das cinco, passeei o cão, tive uma sessão com o personal trainer, jantei, fui à casa anterior buscar umas coisas e certificar-me que tudo estava bem, e agora estou aqui, com sono.
...
Dia 35
O último mês tem sido um bocado intenso para mim: trabalho, mudanças, passear o cão, fazer exercício com o personal trainer. Ao final do dia, estou de rastos, mas durmo sempre muito bem. No Sábado, mudámos finalmente a mobília para a nova casa e restam apenas alguns itens na casa anterior: o aspirador, uns vasos de pot pourri, o triturador de papel, frascos para fazer compota, e uns produtos de limpeza doméstica.
Depois de me mudar tantas vezes, já devia estar habituada a ser confrontada com a quantidade de coisas que acumulei, mas ainda sinto um certo pavor ao ver o camião cheio. Ainda por cima, desta vez, não conseguiram enfiar tudo na primeira viagem e os meus três ajudantes já se sentiam bastante frustrados. A um dei a minha TV, com o equipamento de som. Que bom que finalmente me vi livre daquele mamarracho de 2005 e o moço, coitado, não tinha TV. E sinto uma vontade imensa de não comprar mais nada, a tal vontade que eu queria que fosse mais permanente do que é.
Quando cheguei à casa nova para abrir a porta aos rapazes da mudança, a minha agente imobiliária, que é também a minha melhor amiga em Memphis, estava à minha espera muito aflita porque me tinha tentado telefonar quatro vezes e eu não tinha atendido. Tinha-me esquecido do telemóvel na casa nova enquanto fui para a velha. Ela estava com uma amiga, que eu supostamente já tinha conhecido, mas de quem não me recordo. E vinha armada com uma prenda, a chamada "house warming gift": um prato de cerâmica para assar queijo brie no forno.
Nesta altura, convinha que algum de vós me perguntasse quantas vezes é que eu assei queijo brie na vida. A resposta é zero, mas ela achava que eu tinha interesse em o fazer. Ora eu tive interesse em investigar como se assava queijo brie porque há umas semanas, quando estávamos a fazer os preparativos para passar o Natal em casa dela, ela falou em assar queijo brie e eu perguntei-lhe se ela queria que eu lhe assasse um. Se ela me tivesse falado em migar couves, eu teria tido interesse em fazer caldo verde.
Ainda por cima o prato, que até é girito, vá, é feito na China. Eu sou uma snob da cerâmica e não costumo comprar coisas feitas na China -- tenho algumas porque mas dão. Prova de snobismo: para a festa de Natal levei fruta acompanhada com um molho de cannoli e como pensei que houvesse pouco espaço na mesa dela, fui comprar um prato alto de servir bolos feito na Itália.
Mas voltando ao assunto de assar brie, também não quero que fiquem com a impressão de que sou uma azelha completa na cozinha; sei perfeitamente que há massa folhada congelada na loja e a Joana Roque deve ter pelos menos uma receita de como se assa enterrada nos arquivos do blogue dela. E depois há o Google. Também havia os livros de receitas cá de casa, que na altura estavam mais ou menos disponíveis, mas que agora estão muito provavelmente enfiados numa caixa.
Sabem onde os rapazes da mudança meteram as minhas caixas de livros? No quarto Trump! Ah, não sabem o que é o quarto Trump. É o quarto cá de casa que servia de escritório para o senhor que cá vivia, um senhor que na parede norte tinha uma foto de Ronald Reagan e na parede este uma de Donald Trump com uma nota de dólar assinada pelo dito cujo, carcará sanguinolento... Ai espera, isso era da novela!
A primeira vez que entrei no escritório, a minha agente que ia à minha frente deu um suspiro de horror e disse "You're not gonna like this!" Pois... Mas eu não disse que eles aqui são todos pró-Trump? Até ela, que é um anjo de pessoa, votou nele. Sabem por que razão se inventou a palavra "whatever"? Para se sobreviver no Tennessee.
Na segunda vez que entrei no escritório, qua do fiz outra visita à casa, o Trump tinha desaparecido porque ela telefonou à agente dos donos da casa a aconselhar retirar a foto: não se deixa nada que possa afujentar compradores, explica ela. Ou seja, as revistas e os livros que se usam para decorar a casa para a mostrar não têm pessoas nas capas para não ofender nenhuma etnia, os artefactos religiosos são retirados para não ofender crentes, etc. A minha agente conta-me que, uma vez, teve uma cliente que tinha 33 cruzes espalhadas pela casa e que, com jeitinho, conseguiu que o número fosse reduzido para três: uma enorme vitória em Memphis.
Estou a cair de sono, que é como quem diz lá se vai o brio, mas foi um dia produtivo. Acordei às seis da manhã, saí do trabalho pouco depois das cinco, passeei o cão, tive uma sessão com o personal trainer, jantei, fui à casa anterior buscar umas coisas e certificar-me que tudo estava bem, e agora estou aqui, com sono.
...
Dia 35
O último mês tem sido um bocado intenso para mim: trabalho, mudanças, passear o cão, fazer exercício com o personal trainer. Ao final do dia, estou de rastos, mas durmo sempre muito bem. No Sábado, mudámos finalmente a mobília para a nova casa e restam apenas alguns itens na casa anterior: o aspirador, uns vasos de pot pourri, o triturador de papel, frascos para fazer compota, e uns produtos de limpeza doméstica.
Depois de me mudar tantas vezes, já devia estar habituada a ser confrontada com a quantidade de coisas que acumulei, mas ainda sinto um certo pavor ao ver o camião cheio. Ainda por cima, desta vez, não conseguiram enfiar tudo na primeira viagem e os meus três ajudantes já se sentiam bastante frustrados. A um dei a minha TV, com o equipamento de som. Que bom que finalmente me vi livre daquele mamarracho de 2005 e o moço, coitado, não tinha TV. E sinto uma vontade imensa de não comprar mais nada, a tal vontade que eu queria que fosse mais permanente do que é.
Quando cheguei à casa nova para abrir a porta aos rapazes da mudança, a minha agente imobiliária, que é também a minha melhor amiga em Memphis, estava à minha espera muito aflita porque me tinha tentado telefonar quatro vezes e eu não tinha atendido. Tinha-me esquecido do telemóvel na casa nova enquanto fui para a velha. Ela estava com uma amiga, que eu supostamente já tinha conhecido, mas de quem não me recordo. E vinha armada com uma prenda, a chamada "house warming gift": um prato de cerâmica para assar queijo brie no forno.
Nesta altura, convinha que algum de vós me perguntasse quantas vezes é que eu assei queijo brie na vida. A resposta é zero, mas ela achava que eu tinha interesse em o fazer. Ora eu tive interesse em investigar como se assava queijo brie porque há umas semanas, quando estávamos a fazer os preparativos para passar o Natal em casa dela, ela falou em assar queijo brie e eu perguntei-lhe se ela queria que eu lhe assasse um. Se ela me tivesse falado em migar couves, eu teria tido interesse em fazer caldo verde.
Ainda por cima o prato, que até é girito, vá, é feito na China. Eu sou uma snob da cerâmica e não costumo comprar coisas feitas na China -- tenho algumas porque mas dão. Prova de snobismo: para a festa de Natal levei fruta acompanhada com um molho de cannoli e como pensei que houvesse pouco espaço na mesa dela, fui comprar um prato alto de servir bolos feito na Itália.
Mas voltando ao assunto de assar brie, também não quero que fiquem com a impressão de que sou uma azelha completa na cozinha; sei perfeitamente que há massa folhada congelada na loja e a Joana Roque deve ter pelos menos uma receita de como se assa enterrada nos arquivos do blogue dela. E depois há o Google. Também havia os livros de receitas cá de casa, que na altura estavam mais ou menos disponíveis, mas que agora estão muito provavelmente enfiados numa caixa.
Sabem onde os rapazes da mudança meteram as minhas caixas de livros? No quarto Trump! Ah, não sabem o que é o quarto Trump. É o quarto cá de casa que servia de escritório para o senhor que cá vivia, um senhor que na parede norte tinha uma foto de Ronald Reagan e na parede este uma de Donald Trump com uma nota de dólar assinada pelo dito cujo, carcará sanguinolento... Ai espera, isso era da novela!
A primeira vez que entrei no escritório, a minha agente que ia à minha frente deu um suspiro de horror e disse "You're not gonna like this!" Pois... Mas eu não disse que eles aqui são todos pró-Trump? Até ela, que é um anjo de pessoa, votou nele. Sabem por que razão se inventou a palavra "whatever"? Para se sobreviver no Tennessee.
Na segunda vez que entrei no escritório, qua do fiz outra visita à casa, o Trump tinha desaparecido porque ela telefonou à agente dos donos da casa a aconselhar retirar a foto: não se deixa nada que possa afujentar compradores, explica ela. Ou seja, as revistas e os livros que se usam para decorar a casa para a mostrar não têm pessoas nas capas para não ofender nenhuma etnia, os artefactos religiosos são retirados para não ofender crentes, etc. A minha agente conta-me que, uma vez, teve uma cliente que tinha 33 cruzes espalhadas pela casa e que, com jeitinho, conseguiu que o número fosse reduzido para três: uma enorme vitória em Memphis.