segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Um conselho para um 2014 bastante melhor do que 2013

Malta, se há algo em que devem seguir o meu conselho é nisto que vos digo a seguir.
  • 1 taça de nozes,
  • 2 colheres de sopa de mel (2,5 colheres se forem muito gulosos) e
  • 1 colher de sopa, bem cheia, de whisky.
Misturar bem e comer imediatamente. Fabuloso. Para quem não sabe, esta sobremesa chama-se nozes com mel e whisky.

O peculiar ano de 2013

O Público pediu-me para fazer um balanço do ano em 5000 caracteres, para ser inserido no seu dossier 1973-1993-2013. Sem quaisquer falsas modéstias, reconheço que o meu texto não está à altura das reportagens que o Público tem vindo a publicar sobre o tema. De qualquer forma, bom ou mau, o meu balanço pode ser lido aqui

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Processos civilizacionais

Segundo Norbert Elias, a Europa moderna começou com A Sociedade de Corte. O que Elias não previu era que a Europa se tornasse uma "sociedade de cortes".

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Estética protestante e o espírito do capitalismo

Hoje, como símbolo da época, o Pai Natal é mais representativo do que o Menino Jesus. Assim se resume o mundo contemporâneo: o abandono ao esquecimento de um pequeno carpinteiro judeu e a preferência globalizada por um experiente empreendedor escandinavo.
A todos os crentes, desejo um Santo Natal.
A não crentes e crentes de outras religiões, desejo umas boas festas com os vossos.
Aos que, de todo, não ligam nada a esta estação, desejo que desfruteis da paz e harmonia características desta estação.
Aos que deploram a paz e a harmonia, desejo que aguentem com estoicismo: o novo ano está já ao virar da esquina.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Comentário político marialva

- Quando formos velhos não vai haver pensões.
- Pois não, agora é tudo residenciais, hosteles e guest houses.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Avaliação de professores

Pelo Facebook, vi vários professores universitários a argumentar que nunca se recusaram a ser avaliados e que, portanto, não compreendiam as queixas dos professores do secundário relativamente à prova de avaliação de hoje. 

É verdade que somos muito avaliados. Mas devo dizer que só se estivesse muito desesperado é que me sujeitava a uma prova tão humilhante como aquela a que os meus colegas foram sujeitos hoje. Estou solidário com todos os que boicotaram a prova de hoje, bem como com aqueles que, por desespero, se viram na contingência de ter de a fazer.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O trabalho que custa

Na sequência da 10ª avaliação da troika, a ministra das Finanças  afirmou que “Nesta avaliação tivemos oportunidade de apresentar os dados que mostram que o ajustamento já foi feito”. Não sei a que dados Maria José Albuquerque se refere, mas poderiam bem ser estes. 


Segundo o INE, o ajustamento é essencialmente devido à diminuição do custo do trabalho na administração pública (-20%, face a 2008). Curiosamente, a descida dos custos do trabalho na indústria transformadora, principal sector do grupo dos transaccionáveis, só se verifica de forma significativa após o primeiro trimestre de 2012, estando actualmente próximo dos valores de 2008.
Uma possível explicação para o comportamento inesperado deste indicador para a indústria transformadora deverá estar relacionada com o papel dos fluxos de entrada e saída de trabalhadores a custos diferenciados: as saídas que se verificaram até 2011 deram-se essencialmente por via do encerramento das empresas  menos eficientes e pelo despedimento dos trabalhadores com remunerações mais baixas (jovens com contratos temporários). Este facto terá feito subir o custo médio do trabalho, pois os trabalhadores que permaneceram seriam os melhor remunerados.
Da mesma forma, a descida do custo do trabalho após 2011 dever-se-á, em grande medida, aos menores custos de contratação, os quais farão descer os custos médios do trabalho. A ser assim, não será de admirar que este indicador continue a descer, se a tendência de diminuição do desemprego se mantiver.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Mas não estamos todos no mesmo barco?

Sempre que há uma boa notícia sobre a economia portuguesa, a oposição fica sem palavras que disfarcem o incómodo.
Sempre que há uma boa notícia sobre o sistema educativo português, o governo fica sem palavras que disfarcem o incómodo.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Se Roma caiu...

Espalhou-se por todo o Império uma notícia inaudita: a 28 de Agosto de 410, Roma, que se tinha a si mesma como «eterna» - a «Roma aeterna», como os próprios cristãos diziam – tinha sido tomada e saqueada por Alarico, o rei visigodo que lutava por um território próprio. Os refugiados relatavam os horrores que haviam sofrido: incêndios sem fim, mulheres desonradas, senadores assassinados, perseguição dos ricos e extermínio de famílias inteiras, as mansões saqueadas, bens de toda a espécie roubados pelos bárbaros, o centro do governo e de administração do mundo ocidental destruído… A insegurança e o pessimismo alastravam: se Roma, a vetusta capital, tinha caído, já nada era seguro.

A voz dissonante de um general

É curioso reler o que se escreveu na imprensa nacional aquando da entrada em circulação do euro, em 1 de Janeiro de 2002. Regra geral, o tom foi de celebração e euforia com “este simples e prodigioso testemunho (…) legado por uma geração ímpar de homens convictos e corajosos” (Público, 02-01-02), “O triunfo da visão estratégica e da vontade política” (Público, 06-01-02), o “símbolo de um acesso ao desenvolvimento duramente conquistado” (DN, 06-01-02), “uma ideia que funciona” (Público, 05-01-02).
Verdade que havia a noção de que nem tudo eram rosas. O Diário de Notícias falava da “frivolidade guterrista” (05-01-02), que teria a obrigação de “saber tirar partido dessa mais-valia” e se não soubesse estaria a “falsear os cidadãos”. O Público admite que “ o euro não é um passo de mágica que desfizesse nomeadamente as desigualdades sociais” (06-01-02). Aqui e acolá, vislumbram-se mesmo algumas sombras. O euro poderia ser uma “droga” para “um doente em estado terminal de bulimia financeira” (Público, 07-01-02), os portugueses poderiam ver “ a sua vida continuar a andar para trás” (DN, 02-01-02). Curiosamente, as falhas, a existirem, seriam sempre da responsabilidade de instâncias governativas internas, que poderiam não ter arte nem engenho para saber aproveitar esta oportunidade histórica. E, claro, sobre o defunto escudo, nem uma palavrinha de tristeza ou saudade.
No meio desta “euroforia”, o militar Carlos Azeredo foi uma das poucas vozes dissonantes. Segundo o general, em causa estava “ a extinção da nossa moeda nacional abrir o caminho para a dissolução da nossa pequena mas antiga realidade como nação independente na vastidão de uma unidade (?) europeia, na qual os mais poderosos vão fatal e inexoravelmente impor os seus interesses.” (Diário de Notícias,11-02-02). O euro colocaria fatalmente a Alemanha como o (perigoso) centro do poder, “aquilo que Hitler não conseguiu com a mauser, vai finalmente ser consumado pelo marco ‘travestido’ em euro.”
De acordo com o general, não se tratava apenas de um problema de perda de soberania e de “esmagamento” do país face aos países maiores. Havia também um problema de ilegitimidade da decisão, um processo de “assassínio” por parte de um “conjunto de políticos e economistas que tomaram esta decisão sem qualquer arrepio e bem nas costas do povo português”.
Na altura, a opinião do general passou despercebida no meio do ruído dos festejos e celebrações; quando muito, era apenas mais um “velho do Restelo”. Hoje, parece-me interessante verificar que o general estava mais perto da verdade do que a carrada de políticos, economistas, gestores, comentadores e jornalistas que embarcou nesta aventura sem uma hesitação, sem um “arrepio”.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Super-hiper-mega-über-liberais


É evidente que João Miguel Tavares tem bastante razão no que diz (apesar de confundir o significado norte-americano de liberal — esquerdista — com o significado europeu de liberal).

Mas escrevo para deixar uma nota pessoal. Uma vez fui surpreendido com uma desse género. Não me chamaram super-hiper-mega-über-liberal, mas chamaram-me ordoliberal. Nem sabia o que isso era, mas recorro à definição que encontrei na wikipédia

Pondo de parte os detalhes históricos, que obviamente não se me aplicam, e várias alegações sobre as suas implicações, com que não concordo, a verdade é que o âmago da definição se me aplica que nem uma luva. Passo a citar:
O ordoliberalismo enfatiza a necessidade de um Estado que garanta que os mercados livres produzam resultados próximos do seu óptimo teórico. (Tradução minha)
O óptimo teórico que os mercados livres devem, supostamente, atingir está condensado nos dois teoremas fundamentais de Bem-Estar. O primeiro teorema diz-nos que um equilíbrio competitivo gera sempre um óptimo de Pareto. E o segundo teorema diz-nos que qualquer óptimo de Pareto pode ser alcançado via mercado competitivos, desde que haja uma estrutura fiscal de redistribuição de rendimento adequada. Para mim, o ser-se de esquerda  ou de direita está condensado no óptimo de Pareto que se pretende. Tanto pode ser um mais igualitário (e a igualdade total é, também, um óptimo de Pareto) como um em que não há qualquer acção redistributiva do Estado.

Bem, a seguir teria de explicar o que é um óptimo de Pareto, mas penso que por agora chega, senão nunca mais acabo.

O acordo de coligação entre a CDU e o SPD

Eu sou daqueles que nunca esperaram qualquer inflexão oficial na política externa alemã. Assim, o acordo entre CDU e o SPD não me surpreende. Aliás, penso que mesmo que houvesse esse objectivo, ele nunca seria anunciado publicamente. A ser alguma vez anunciado, sê-lo-á no quadro de uma dura negociação com os países sob auxílio externo (e aqui incluo também a Espanha e a Itália). Não é que discorde do Zé Carlos, mas simplesmente não atribuo grande importância ao que não foi anunciado no acordo alemão.

No entanto, algo foi anunciado que me parece da maior importância para Portugal. A instauração de um salário mínimo nacional na Alemanha. O principal problema de Portugal é o de competitividade. Desde que aderimos ao Euro que os nossos custos laborais têm aumentado relativamente aos dos nossos parceiros do Norte. É aliás esse o motivo por que muitos defenderam ser essencial baixar salários e muitos defenderam a descida da TSU. Se em vez de sermos nós a baixar os salários, forem os outros a aumentar os seus salários é mil vezes melhor para nós. A criação de um salário mínimo na Alemanha poderá ter esse efeito benéfico para nós. Adicionalmente, a melhor ajuda que os alemães podem dar aos outros países é aumentarem a sua procura interna e, consequentemente, as suas importações. A criação do salário mínimo, que se estima beneficiar directamente 5 milhões de famílias, a juntar ao aumento de diversas transferências sociais e ao aumento do investimento público, pode ser um importante estímulo nesse sentido.

Concluindo, ao contrário do Zé Carlos, não dou qualquer importância ao facto de os alemães não terem anunciado qualquer inflexão na sua política externa. Quer haja quer não haja, ela nunca será anunciada pelo que não há qualquer motivo para alterar o nosso a priori com base nesse não anúncio. Em relação ao que foi anunciado, parecem-me óptimas notícias para nós. Não vejo como pudesse ser muito melhor.

sábado, 30 de novembro de 2013

Cair na real

Como alguém escreveu, Bernardino Soares teve de chegar a Presidente da Câmara de Loures para perceber o significado de “não há dinheiro”. Enquanto admirador da democracia norte-coreana e líder da bancada parlamentar dos comunistas, o bom do Bernardino parecia acreditar que a “austeridade” era apenas uma grande mentira, uma manipulação orquestrada pelos “especuladores”, um pretexto para os malévolos dos “neoliberais” cortarem nos direitos dos portugueses. Bernardino parece ter caído na real e, contra tudo o que manda a sua cartilha, terá de (segurem-se) cortar na despesa.
Muitos acreditaram que as eleições de Setembro na Alemanha marcariam um ponto de viragem da política europeia (leia-se: os alemães abririam finalmente os cordões da bolsa aos países do sul). Ao fim de mais de dois meses de negociações, parece que a CDU lá se conseguiu entender com o SPD. Não há nada no acordo anunciado que dê sinais de qualquer inflexão no caminho até agora seguido. Para quem não andasse dormir ou não acreditasse em histórias da carochinha, este desfecho era mais do que expectável. A necessidade de “poupanças” (é assim que os alemães designam a “austeridade”) é consensual na sociedade alemã e só um partido com instintos suicidas iria contra esse sentimento.
Esqueçam portanto os eurobonds e quejandos. Ao contrário do que nos dizem os Bernardinos deste mundo (antes de assumirem funções executivas, claro), a “austeridade” não é uma opção ideológica, é uma fatalidade. A alternativa não é sobre se se deve ou não cortar na despesa do estado, a alternativa é sobre onde e como se deve cortar. Era bom que começassem, finalmente, a surgir "verdadeiras alternativas".

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Números de um desequilíbrio

De acordo com a Lei de Bases do Sector, o Sistema de Segurança Social compreende duas grandes áreas:
I – O Regime Geral da Segurança Social, subdividido em dois regimes, o da Previdência e o dos não contributivos;
II – O Regime Especial dos Funcionários Públicos, que também inclui dois regimes, o das pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA) e o da protecção na doença - a assistência na doença aos servidores do Estado (ADSE).
Em 2011, o subsistema previdencial de repartição da Segurança Social teve como receitas (contribuições dos trabalhadores e patrões) 13 757 milhões de euros e pagou de pensões 10 829 milhões de euros, mais 2 984 milhões em subsídios de desemprego, doença e parentalidade, o que perfaz cerca de 300 milhões de euros de saldo positivo. Uma parte deste dinheiro é canalizado para um subsistema de capitalização, que, em 2011, rondava os 10 mil milhões de euros, o suficiente para pagar 9 meses de pensões no caso de algum imprevisto.
Até aqui tudo aparentemente bem. Onde é que está então o buraco? Bem, começa com o regime dos não contributivos, que ascendia nesse ano a 7 mil milhões de euros, suportados principalmente pelo orçamento de estado, mas também por fundos da União Europeia, por receitas da SCML (uma percentagem sobre as receitas de jogos de fortuna) e, por vezes, por transferências do Regime de Previdência.
Os dois regimes dos funcionários públicos (CGA e ADSE) são ambos deficitários. No orçamento de estado de 2013, está previsto o pagamento de 8 000 milhões de euros em pensões dos funcionários do estado. Todavia, as contribuições são apenas de 4 100 milhões. A diferença é coberta essencialmente pelo orçamento de estado.
O regime de pensões da CGA representa 15% do total dos reformados portugueses, mas estes recebem 35% do total das pensões pagas em Portugal. A pensão média da CGA é de 1146 euros por mês, enquanto a pensão média do Regime Geral da Segurança Social é de 394 euros.
Não faço ideia se o diploma do Governo de convergência da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social é ou não constitucional, mas não tenho dúvidas de que o actual sistema é insustentável e iníquo. Basta olhar para os números.

PS: A maior parte dos números referidos neste post foram retirados de "O meu programa de governo" do José Gomes Ferreira.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Um "regime sacrificial"

As contribuições dos funcionários públicos cobrem cerca de metade dos mais de 8 mil milhões de euros pagos anualmente em pensões. O buraco de mais de 4 mil milhões é tapado pelo orçamento de estado, ou seja, pelos contribuintes. O diploma de convergência da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social não elimina esse buraco, apenas o reduz um bocado, 728 milhões, ao que consta. Mesmo assim, Cavaco Silva fez um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma do Governo, alegando, entre outras coisas, tratar-se de um “regime sacrificial” que frusta as “legítimas expectativas dos pensionistas. Muito bem. Os contribuintes e os mais jovens que aguentem e se sacrifiquem em nome das “legítimas expectativas” dos pensionistas, da confiança, da proporcionalidade, da equidade e de todos os outros valores consagrados em todas as constituições deste mundo. Ah, é verdade, e, ainda por cima, não se deve retirar este tipo de conclusões, porque isso equivale a promover um conflito intergeracional, a falta de solidariedade pelos mais velhos, a pressionar o TC, etc., etc.. Em Portugal, há de facto um “regime sacrificial”, o pensionista Cavaco Silva, perdão, o Sr. Presidente da República é que não vê, ou não quer ver, quem são as suas principais vítimas.

Sobre o que não devia estar a acontecer no ensino superior

Saiu hoje um artigo no jornal de negócios em que dou o meu apoio à posição dos reitores contra os cortes, mas saliento que o problema vai muito mais longe do que isso.
As universidades e os professores universitários nunca defenderam que deviam ficar fora do esforço de consolidação orçamental. No entanto, a Troika defendeu isso. Defendeu que as verbas para o ensino universitário e para a ciência não deviam fazer parte dos cortes. E isso reflectiu-se no memorando de entendimento. As instituições da Troika reconheceram que esta área (ensino superior e ciência) era importante para o crescimento o país, e para além disso gastava abaixo da média da UE e estava a conseguir resultados muito positivos. Tudo isto levava a defender que esta não era uma área para fazer cortes. Em vez disso o Governo cortou. Não se limitou a cortar de forma igual à média. Cortou mais do que proporcionalmente.
A melhoria do ensino superior, mesmo já com os cortes anteriores, é muito interessante. Os  resultados podem ser visíveis no aumento das publicações e das patentes, no aumento do número de alunos em pós-graduação, etc, etc. No artigo saliento que são especialmente visíveis no facto de Portugal ter sido o segundo país do mundo com maior número de entradas para os rankings das 500 melhores universidades do Mundo. O primeiro foi a China, e colados e a seguir a Portugal apenas surgem países que estão a aumentar fortemente o que gastam em ensino superior e ciência (como a Austrália, Coreia ou Malásia). 
Na generalidade dos países europeus o número de universidades nas 500 melhores diminuiu ou estagnou na ultima década. Portugal em 2006 não tinha nenhuma universidade no ranking da ARWU, e tinha apenas uma no da NTU. Hoje tem 4 no da ARWU e tem entre 5 e 7 nos rankings da NTU, números superiores por exemplo aos da Irlanda, e idênticos ou próximos dos de países de dimensão semelhante como a Finlândia, Dinamarca, Noruega e apenas um pouco atrás da Áustria, Bélgica. Ficam ainda muito atrás por exemplo da Suécia ou da Holanda.   
Neste artigo chamo à atenção de que este progresso foi feito num contexto de diminuição de verbas.
Saliento também que ao contrário de outros países que lideram estes rankings (como os EUA, o Reino Unido, a Alemanha ou mesmo países que estão a entrar em força como a China, Coreia, Austrália), em Portugal não há uma politica que premeie o mérito, em que o facto de uma instituição se tornar melhor a faça atrair mais recursos.
Nos últimos anos isso aconteceu nas verbas da ciência, mas neste campo as regras estão a ser mudadas a meio de um processo de corte de verbas, o que pode ter resultados desastrosos.
No ensino verificou-se o contrário. Se olharmos para os últimos anos o decréscimo de recursos foi mais acentuado nas melhores instituições (as com maior capacidade de atrair alunos, que fazem mais investigação, que atraem alunos com melhores notas, que têm cursos maior empregabilidade)  do que nas piores. As sete universidades que estão nos rankings tiveram todas uma diminuição do número de docentes e das transferências do orçamento de Estado, enquanto instituições que estão entre as que estão mais longe de entrar para estes rankings ou sequer têm capacidade de atrair alunos aumentaram o número de docentes nos seus quadros. 
O ministro agora propõem que as Universidades que não puderam manter académicos muito bons, nem agarrar alguns  alunos excelentes, e os viram fugir para o estrangeiro, integrem em fusões mal definidas instituições que não se conseguiram afirmar nos últimos anos. Juntando o que é bom e mau num caldo mediano. Propõem ainda o ministério que se abram mais cursos curtos, sem se definir o que isto é, nem haver nada que demonstre que há especial procura para tais cursos, quer dos alunos, quer dos empregadores.  
É preocupante. Pois em 2 ou 3 anos este Governo pode mesmo dar cabo do trabalho que muito custou a desenvolver nos últimos 20, que fez as universidades portuguesas passar de uma situação de atraso e isolamento, para uma situação de afirmação pela qualidade, que ainda tem muito caminho para andar.
Eu no meu canto vejo muita gente com determinação para continuar a andar para a frente. 
Mas de cima, os cortes e as interferências são no sentido de andar para trás. 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Livro de Malaquias (versão Memorandex 1580)

“Eu amei-vos”, diz a Troika. “Como nos amaste?”, perguntais. “Não está o Portas coligado com o Passos?”, declara a Troika. “E no entanto amámos a Passos mas a Portas odiámos.” Se Seguro diz, “Fomos destruídos mas eu reconstruirei as ruínas”, a tal responde a Troika, “podem construir, mas nós destruiremos e sereis chamados 'a terra ruim' e 'o povo com quem a Troika se zangou para sempre”. Vossos olhos verão isto e exclamareis, “Grande é a Troika para além das fronteiras de Portugal”.
“Um filho honra o pai, o servo o seu mestre. Se somos pai, onde está a nossa honra? Se somos mestre, onde está o nosso medo”, pergunta-vos a Troika, ó padres do comentário que desprezais o seu nome. Mas perguntais “Como desprezámos o seu nome?”. Oferecendo despesa impura no altar. Como lhe roubaram a pureza? Dizendo que a mesa da Troika é desprezível. Quando ofereceis animais cegos (como o Tó-Zé) em sacrifício, não é isso maldade?
Suplicai agora o favor da Troika, que nos ofereça o seu juro. Com tal oferenda na mão, terá ela alguma complacência para algum de vós?
Se houvesse ao menos um entre vós que fechasse as portas para que ninguém acenda em vão o fogo no meu altar. “Não temos apreço por vós”, diz a Troika, “e não aceitaremos oferendas das vossas mãos.” Desde a alvorada do memorando até ao crepúsculo do ajustamento o seu nome será grande entre as nações e em todas as reuniões da Comissão Europeia se queimará incenso em seu nome. Mas vós profanais o nosso nome quando dizeis que a mesa dos senhores é poluída e a sua comida pode ser desprezada.
E agora, ó profetas do crescimento, estas ordens são para vós. “Se não ouvirdes, se não tomardes nos vossos corações a honra do nosso nome”, diz a Troika, “lançaremos pragas sobre vós e pragas sobre as vossas preces aos mercados.” Na verdade, amaldiçoados estão, porque o Machete não consegue estar calado.
Os lábios dos governantes devem guardar a sabedoria e da sua boca deve o povo procurar as instruções, pois eles são os mensageiros da Troika. Mas vós fugistes do caminho. Causastes muitas quedas pela vossa vontade. Corrompestes a aliança e por isso vos desprezamos e achincalhamos perante todos os povos do Bundesbank, assim não persigais os nossos caminhos mas mostreis parcialidade nas vossas decisões.
Vós cobris o altar da Troika com lágrimas, com choros e com gemidos porque não mais aceita oferendas da vossa mão. Mas perguntais vós, e porquê? Porque é a Troika testemunha entre vós e o vosso Governo, a quem fostes infiéis, apesar de ser a vossa companhia pela aliança do memorando. Por isso, guardei-vos no espírito, e que nenhum de vós seja infiel ao Governo. Porque o eleitor que não ama o Governo e dele se divorcia, diz a Troika, cobre o seu parlamento com violência.

Tomai atenção. Nós vos enviamos o nosso mensageiro que prepara o caminho antes da nossa chegada. E o cheque que procurais irromperá no vosso seio e a mensagem da aliança que desejais, tomai atenção, em breve aterrará na Portela.

(Malaquias é o último livro do Antigo Testamento)

Irlanda vs Portugal

Antes da crise financeira, em 2007, a dívida pública irlandesa era de 25% do PIB. A portuguesa era de 68%, à qual se tinha de adicionar dívida escondida em leasings (como os submarinos), em algumas PPPs e no sector empresarial do Estado. Pode-se dizer que a Irlanda também tinha dívida escondida mas tinha-o em muito menor escala (até porque, ao contrário de Portugal, não precisava de disfarçar dívida dado que cumpria, por uma grande margem, o critério dos 60% para a dívida pública).

Antes da crise financeira, em 2007, e contando apenas o período pós-euro, a taxa de crescimento anual média na Irlanda era de 5,7%. A portuguesa era de 1,5% ― números que hoje nos podem parecer maravilhosos mas que são verdadeiramente medíocres.

Relativamente às nossas contas externas, desde 1985 que a Irlanda sempre teve um saldo positivo na Balança de Bens e Serviços. Portugal, com a possível excepção de 2013, sempre teve um saldo negativo (e bem negativo diga-se.

Ou seja, não comparem Portugal com a Irlanda. Com tantas diferenças entre os dois países, não vão conseguir isolar o motivo do sucesso (?) da Irlanda por comparação com Portugal. Não é no programa da tróica ― nem no seu (in)cumprimento, nem na forma como foi (in)cumprido ― que encontrarão a resposta.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Sobre o aumento do salário mínimo

Aumentar o salário mínimo nacional parece reunir o consenso nacional. À esquerda todos o desejam e, à direita, o governo também já disse que apenas a tróica o impedia de aumentar o salário mínimo. Marcelo Rebelo de Sousa, possível candidato da direita à presidência, também já declarou ser a favor de um aumento do salário mínimo. É assim provável que nos tempos mais próximos o salário mínimo seja aumentado.

Em primeiro lugar, e para que não haja dúvidas sobre isso, sou a favor da existência de um salário mínimo nacional. Em muitas situações, o poder negocial dos trabalhadores é muito baixo, sendo assim essencial a existência de um salário mínimo que os proteja dos desmandos de alguns empresários.
No entanto, o salário mínimo, servindo para evitar situações de exploração, não pode estar desligado da realidade do mercado laboral. Penso que todos entendem isto, caso contrário todos defenderíamos um salário mínimo de 10 000€. Não o defendemos porque é óbvio que tal salário mínimo implicaria uma explosão de desemprego.

Em Portugal, o desemprego está em níveis históricos. Esse dado, por si só, deveria alertar-nos para o perigo que é forçar um aumento artificial dos salários. Mas há outros indicadores nesse sentido. Por exemplo, o Índice de Kaitz, que mede a proximidade entre o salário mínimo e o salário mediano, mostra que em Portugal estes dois salários estão perigosamente perto. Enquanto nos anos 90 o índice para Portugal estava na média dos países da União Europeia, em 2009, Portugal tinha o segundo valor mais elevado da UE a 27. Ou seja, para a realidade do nosso mercado laboral, o salário mínimo subiu bastante na última década.

Pode sempre argumentar-se que, ao se subir o salário mínimo, se põe pressão para subir o salário mediano. Mas, com taxas de desemprego tão elevadas, parece-me que isso é entrar no reino da fantasia: enquanto as empresas tiveram à porta um exército de desempregados, os trabalhadores não têm força negocial para aumentar os salários. A melhor forma de aumentar salários é mesmo ter uma baixa taxa de desemprego.

Relembro o que escrevi em tempos: Imagine-se uma empresa onde trabalham 100 pessoas que recebem o salário mínimo. Um aumento do salário mínimo de apenas 20 euros traduz-se num aumento dos custos de 34 650 euros anuais. Do ponto de vista desta empresa, a situação é equivalente a um aumento de impostos de quase 35 mil euros. Ao se aumentar o salário mínimo penalizam-se empresas que exercem uma acção social muito importante que é a de empregar trabalhadores pouco qualificados, muitas vezes envelhecidos e sem hipóteses de requalificação profissional. Negar esta evidência é negar a realidade do nosso país.

Assim, dada a realidade actual, um aumento simples do salário mínimo, com toda a probabilidade, ao aumentar as dificuldades de muitas empresas, traduzir-se-á num aumento do desemprego. É isso que indica, por exemplo, um estudo de colegas meus do Minho (um deles co-autor deste blogue) e da FEP.

Se numa política de combate à pobreza, absolutamente legítima e com a qual concordo, se pretender aumentar o salário mínimo, tal deve ser feito sem penalizar as empresas que o pagam, nem penalizar os trabalhadores que ficariam desempregados por causa dessa subida. A melhor forma de assegurar este objectivo é complementar os rendimentos mais baixos com alguma transferência do Estado, por exemplo, um primeiro escalão de IRS com uma taxa negativa. Do ponto de vista do trabalhador, o salário mínimo líquido aumenta, mas evita-se aumentar os custos laborais para a empresa. Naturalmente, este subsídio é pago por todos nós, via impostos. Aumenta a coesão nacional, redistribuindo de rendimentos e aumentando as transferências das zonas mais ricas para as zonas mais pobres.

Os sinais de recuperação da economia portuguesa ainda são ténues. Com o Orçamento de Estado a ser brevemente aprovado, já está anunciada uma grande pancada para o próximo ano (e veremos se não tem já efeitos no 4º trimestre de 2013…). Numa economia que começa agora a respirar, não lhe dêem mais pancadas.

Excelente


Machete Kills parte III 

por João Miguel Tavares 

Este já é o meu terceiro "Machete Kills" em três meses e meio, e se Rui Machete continuar a espalhar declarações incontinentes por vários continentes, em breveterei coleccionado mais sequelas do que O Pesadelo em Elm Street. Nem Miguel Relvas conseguiu tanto em tão pouco tempo. Mas não se assustem: hoje não estou aqui para me indignar com mais uma gaffe. Quando até António José Seguro consegue passar por estadista ao declarar - com inteira razão - que as declarações indianas do ministro dos Negócios Estrangeiros "colocam Portugal sobre uma pressão que não precisava", é porque Machete bateu mesmo no fundo com os seus 4,5%.

Daí que o que me interessa é discutir uma outra coisa - não a gaffe propriamente dita, mas a ideia mitificada do "senador", esse antigo produto da Assembleia Constituinte e de um tempo puro, em que a política portuguesa estava cheia de homens brilhantes - homens como Rui Machete -, que aos poucos se foram afastando das lides partidárias deixando o Parlamento entregue a um cruzamento de intriguistas e oportunistas. Essa mitologia dos grandes homens não é mais do que isso mesmo - uma mitologia. E Machete regressou para o provar.

Licenciado em Direito, advogado influente, professor universitário, deputado em quatro legislaturas, ministro dos Assuntos Sociais após a revolução, ministro da Justiça entre 1983 e 1985, presidente do PSD, director da EDP, administrador do Banco de Portugal, presidente da FLAD, Rui Machete é o exemplo perfeito do homem do regime que já fez tudo e conhece toda a gente, o clássico senador que tem os números de telemóvel e consegue que lhe atendam as chamadas. Quando, em Julho, chegou novamente ao Governo, aos 73 anos, Passos Coelho achou que o prestígio acumulado e a disponibilidade para servir o país - quando a idade e a conta bancária o aconselhariam a despender as tardes na Quinta do Lago - se iriam sobrepor à passagem pela SLN.

Só que, cinco minutos após tomar posse, Machete já estava a pregar contra a "podridão dos hábitos políticos", e a partir daí foi sempre a descer. O que leva alguém envolvido, ainda que levemente, no vespeiro BPN a dizer uma coisa daquelas? A arrogância. A arrogância moral do senador, que nós detectamos em muitos outros, de Mário Soares a Cavaco Silva - como se a disponibilidade para servir o país os colocasse num plano superior ao comum dos mortais, e tudo o que fosse um escrutínio do seu percurso pessoal fosse visto como uma ofensa.

Esta forma de querer trazer para o presente os louros de um passado onde o jornalismo, apesar de tudo, era menos metediço (até porque só existia uma estação de televisão), revela apenas que há 30 anos era mais fácil um homem ser grande. As pessoas daquele tempo, neste tempo, fariam provavelmente as mesmas asneiras, e revelariam os mesmos problemas de inteligência e carácter. Como está acontecer, de forma caricatural, com Machete. O desastre Machete, de tão deprimente, serve pelo menos para nós percebermos que embora possa sempre haver homens excepcionais, é o contexto que traz à superfície o melhor ou o pior de nós. Em vez de sonharmos com os grandes homens do passado capazes de nos resgatarem à mediocridade instituída, talvez seja melhor primeiro desinstituir aos poucos a mediocridade, para os grandes homens do presente poderem finalmente emergir. Mitificar o passado até é giro. Mas é coisa que se costuma dar mal com a realidade. Machete que o diga.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013


Três ideias sobre as ideias do Paul de Grauwe (que entre outras coisas é o autor do livro de referência sobre a Moeda Única)

1. - A primeira é que a ideia que ele defende é que havendo uma crise de procura na Zona Euro, as reformas estruturais que actuam sobre a oferta não têm, no curto prazo, qualquer efeito na atenuação da crise. Não funcionam. A ideia que ele defende é que a solução para a saída da crise tem de passar por alterações da procura, principalmente dos países que têm balanças correntes e contas públicas excedentárias.
2. - A segunda ideia é que as causas da crise são mais complexas do que a simples teoria da culpabilização dos mal comportados. Num paper que apresentou na U. Nova, ele apresenta evidencia que mostra que os aumentos de spread  nas dividas soberanas nos países mais endividados apenas aconteceram nos países da Zona Euro.
Isto vai contra os que defendem que a situação insustentável das dividas dos países do sul da Europa tem como causa unica o seu elevado nível de endividamento. Os dados que PdG apresenta sugerem que países com o mesmo nível de endividamento estando fora da Zona euro não estão sujeitos ao mesmo aumento dos spreads. Em cima disto defende que as politicas de austeridade seguidas em conjunto não ajudaram a diminuir os rácios de endividamento, e o facto de todos os países europeus as terem seguido dificultou muito o ajustamento dos países do Sul da Europa.
O que esta evidência sugere é que foi estar no Euro, e foi a forma como os países da Zona Euro reagiram e geriram a crise, que levou à crise das dividas soberanas e pelo menos, não apenas o mau comportamento dos países. Em minha opinião esta opinião que partilho em nada faz um julgamento sobre se o nível de endividamento é bom ou mau. Para mim é bastante obvio que o nível de endividamento português já antes da crise era muito elevado e que isso é bastante mau para uma economia com envelhecimento e baixo crescimento.

Ver: http://www.novasbe.unl.pt/images/novasbe/files/News_-_Docs_and_Pdfs/Nova_SBE_Professor_Paul_de_Grauwe_2.pdf

3. - Apenas uma nota adicional sobre o fraco crescimento antes da crise e a necessidade de reformas estruturais. Há por aí umas correntes que defendem que o facto de termos um nível de crescimento mais lento entre 2000 e 2007 se deve a más politicas, mau investimento, e várias outras coisas. É bom lembrar que nesses anos houve um baixo crescimento do PIB em quase todos os países ocidentais (dos EUA à Alemanha, frança, Itália, Japão, etc). É bom lembrar também que países particularmente mal geridos como os da América do Sul ou África tiveram crescimentos muito acentuados.
Se olharmos para os efeitos da China no crescimento mundial (concorrência e baixa de preços de produtos industriais e aumento do preço das matérias primas) vemos que esse factor explica muito mais a atenuação do crescimento no Ocidente e a aceleração do crescimento em África, do que as alterações de politica.
Isso não significa que Portugal e os países europeus não precisem de reformas estruturais. Significa apenas que se calhar até fizemos nestes anos algumas das que necessitavamos (como o esfoço nas qualificações, a liberalização de mercados, a reforma da segurança social de 2007, alterações na estrutura de exportações, ou as reformas do mercado laboral em 2009 e em 2012), mas que essas reformas, perante um quadro mais dificil, com uma Europa mais aberta aos produtos de mão de obra barata da Asia e alargada a 12 países do leste com salários próximos ou abaixo dos de Portugal, colocaram uma forte pressão sobre a nossa competitividade e crescimento. Situação que foi ainda muito agravada pela valorização fortissima do Euro (politica apenas favorável aos países com excedentes na balança externa) e pela crise internacional.

domingo, 10 de novembro de 2013

Para quê as reformas estruturais?

Paul de Grawe, entre outras considerações com as quais até concordo —  apesar de me parecer que a ideia de que o governo pode simplesmente enfrentar a tróica é um mito —, vem dizer que a necessidade de reformas estruturais em Portugal é um "mito", justificando que quem defende essa solução é porque desconhece que é a falta de procura que provoca a recessão da economia.

Esse argumento pode ter alguma validade em outros países como os EUA. Mas não será verdade para todos os países europeus e, definitivamente, não é verdade para Portugal. Portugal está estagnado desde que entrou no Euro. Já antes desta crise internacional que era mais do que óbvia a necessidade de reformas estruturais. Negar que os problemas de Portugal são anteriores à crise internacional é simples cegueira ou desconhecimento.

Aliás, é muito provável que a forte descida do desemprego que se tem vindo a assistir este ano tenha a ver com uma dessas reformas: a reforma no mercado de trabalho, fazendo com que seja menos oneroso e muito menos arriscado para as empresas contratar novos trabalhadores. Ainda é cedo para poder confirmar esta tese com um razoável grau de certeza, mas é uma forte possibilidade.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Boas notícias

De manhã, no intervalo de uma aula, vi as notícias de que o desemprego tinha caído. Logo depois, li artigos a explicar que o emprego tinha caído ainda mais. Assim, concluí que a queda da taxa de desemprego se tinha devido à diminuição da população activa (ou seja, à emigração).

Há pouco, li um artigo de Pedro Romano que diz que o emprego aumentou ligeiramente, pelo que a interpretação anterior tem de estar errada.

Partindo do princípio de que ninguém estava a mentir, princípio bastante saudável, li os artigos com um pouco de mais cuidado, tomando atenção aos detalhes. E o detalhe é simples e tem a ver com o período de comparação:
  1. comparando dados deste trimestre com os dados do mesmo trimestre do ano anterior, a explicação via emigração faz sentido, porque, de facto, há uma redução da população activa;
  2. mas comparando os resultados deste trimestre com os do trimestre anterior, vemos o desemprego a cair sem que haja qualquer redução da população activa.

Assim, temos que relativamente ao ano anterior a queda da taxa de desemprego se deve à quebra na população activa, mas em relação ao segundo trimestre a redução do desemprego se deve ao aumento da actividade económica.

Boas notícias, portanto.

domingo, 3 de novembro de 2013

«Isto não é o "Zeca"»

Entre as inúmeras homenagens a Lou Reed, certamente uma das mais estranhas aconteceu sexta-feira em Lisboa, onde uma série de músicos portugueses interpretou canções óbvias do norte-americano. Interpretaram ou, pelo que testemunhei nas notícias, demoliram. Mas o mais espantoso foi contemplar indivíduos associados ao PCP e a partidos similares mostrarem devoção por um anticomunista primário, que é como todos os anticomunistas devem ser. Veja-se o papel de Reed na resistência checa ao totalitarismo soviético. Ouça-se Black Angel"s Death Song, tema do disco inicial dos Velvet Underground e de oblíqua repulsa pela URSS. Recorde-se o ataque ao terrorismo palestiniano no álbum New York. Ecumenismo? Hipocrisia? Provavelmente ignorância, que é do que a casa gasta.Alberto Gonçalves.

Este trecho é extraordinário. Esta besta não consegue apreciar um dos melhores músicos do século XX, Zeca Afonso, por causa das suas inclinações ideológicas. Não consegue vislumbrar mérito literário em José Saramago, com certeza que por causa do que este fez enquanto director de um jornal, nos anos quentes da revolução. E lá porque este tipo é um quadrado, pensa que os outros também têm de o ser. Um comunista apreciar Lou Reed só se for ignorante. Não pode ser por gosto ou, simplesmente, porque sabe distinguir arte da ideologia. Este tipo é uma besta e é um quadrado. Uma besta-quadrada, portanto.

sábado, 2 de novembro de 2013

É triste

O principal ataque que se faz a Tózé Seguro  e com toda a razão, reconheça-se  é que ao fim de mais de dois anos de liderança da oposição ainda não é possível descortinar um programa de governo.
Já o Guião da Reforma do Estado veio demonstrar que, ao fim de mais de dois anos de governação, este governo ainda não tem um programa de governo.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Condom ou condomínio?

Ainda sobre o mesmo assunto do post anterior, tenho uma pergunta retórica e meramente hipotética a fazer. Se a proposta para limitar a bicharada doméstica se destina a proteger o sossego dos vizinhos, tal não se pode aplicar também a crianças? É que se um garoto já faz tanto chinfrim depois de desamarrado e desamordaçado, eu imagino o incómodo para a vizinhança de - vou dizer um número aleatório - quatro petizes. Depois não se queixem da baixa de natalidade. Não é que o povo não queira mais filhos, o condomínio é que não deixa.

Too many or too mutts?

O governo mais liberal de sempre quer limitar o número de animais que cada um tem em casa. A seguir espera-se legislação sobre o número de amigos que se podem juntar em churrascos ou jogos da Sport TV e aguarda-se regulamentação sobre o número de gajas/gajos que se podem levar para o quarto numa semana (ou se se tiver sorte, numa noite).

Entrevista de Manuel Caldeira Cabral ao i


Manuel Caldeira Cabral, ex-assessor do ministro das Finanças de Sócrates, não compreende porque é que o vice-primeiro-ministro está a negociar com os tecnocratas da troika sem ter assento no Ecofin e no Conselho Europeu, onde se traçam as grandes metas para a União Europeia. Acredita que a meio do próximo ano vai começar a ser óbvio que vamos entrar em recessão e no segundo semestre que não vamos cumprir as projecções, porque houve uma sobreavaliação do crescimento interno e das exportações líquidas. O economista constata ainda que há divergências no governo e que os cortes transversais da despesa pública não têm qualquer razoabilidade.

Se fosse ministro das Finanças de António José Seguro que orçamento faria?
Falar do orçamento que se devia fazer para Portugal é inseri-lo num contexto europeu. Em 2011 e 2012 havia muita discussão sobre a bondade ou maldade da política de austeridade - sem a desvalorização da moeda como instrumento cambial. Neste momento, o próprio FMI, a UE e a OCDE reconhecem que estas políticas estão a ser contraproducentes, com resultados muito aquém do esperado ao nível da consolidação orçamental e muito acima dos efeitos esperados no que toca a recessão causada pela austeridade. Em 2011 o défice caiu 3 pontos percentuais, enquanto em 2012 e 2013, com políticas mais recessivas, terá caído apenas cerca de 1 a 1,5 pontos percentuais. Este impacto tem a ver com a questão dos multiplicadores, que calcularam mal as consequências das políticas de austeridade. Se reduzirmos a despesa em mil milhões de euros, e com isso o PIB cair 800 milhões, a receita contrai 400 milhões. Mas se o PIB, em vez disso, cair 1,5 mil milhões, temos uma queda de receita muito superior. Ou seja, inicialmente pensou-se que uma forte redução da despesa reduzia o défice rapidamente. Mas quando o efeito recessivo é muito ampliado, a queda da receita é quase igual à queda da despesa.

E qual seria a sua alternativa?
Perante os falhanços anteriores, o governo acabou por repetir o mesmo erro. Uma estratégia de consolidação que poderia encontrar hoje algum espaço na Europa passa por um equilíbrio das contas públicas a três ou cinco anos com o congelamento da despesa (de salários e actualizando apenas as pensões mais baixas) aliado a reformas nos serviços públicos que levem a reduções moderadas da despesa e a saídas de funcionários que se reformam, sem cair no erro de avançar com novas reformas antecipadas, como no passado.

Mas como conseguiria abertura da troika para isso?
A primeira questão está na abertura da UE para uma austeridade mais moderada. Hoje, Bruxelas está mais consciente de que a receita actual não está a resultar. Mas o governo português não soube aproveitar essa mudança. Os técnicos têm um mandato a cumprir. Da nossa parte, devíamos ter apresentado propostas alternativas bem fundamentadas. E também era preciso ter havido um trabalho de persuasão prévio junto das instituições europeias e do FMI, o que teria feito com que os técnicos tivessem vindo com uma nova abertura. O momento ideal teria sido a oitava avaliação, por a ela não estar associada a libertação de nenhuma tranche do empréstimo.

O resultado teria sido diferente?
Não é certo mas era possível conseguir alguma moderação nas metas. E foi aí que o governo começou por falhar. Durante dois anos, o executivo não quis moderar a austeridade. Vítor Gaspar sempre quis ir além do que estava no memorando e essa estratégia criou mais recessão do que o necessário. Teve também um efeito no desemprego muito maior do que o esperado. Só não teve impacto na redução do défice, que foi menor do que o estimado. Outra situação que eu critico: o momento em que Paulo Portas começou a negociar com a troika já foi tarde. É no mínimo estranho que seja o vice-primeiro-ministro a negociar com os técnicos da troika quando não tem assento nos fóruns mais importantes da UE (o Conselho Europeu e o Ecofin). Não estando onde estão os políticos, que neste momento definem a mudança de metas, acabou por não conseguir atingir os seus objectivos. E falar com eles a menos de um mês do orçamento não chegou para mudar o rumo deste, sobretudo quando a ministra das Finanças ainda está alinhada com o programa anterior de Vítor Gaspar. O governo acabou por perder um Verão importante para conseguir moderar a austeridade. O resultado disso é que 2014 será mais um ano de recessão que podia ter sido evitada. Se o governo tivesse trabalhado numa solução de cortes moderados, seria plausível que em 2014 tivéssemos tido uma redução do défice mais moderada e um crescimento da economia. A consolidação poderia ter sido feita através de um corte moderado da despesa e ajudada pelo crescimento da economia, que geraria um efeito positivo nas receitas. Ou seja, uma redução do défice por corte na despesa de 0,5% ou 0,6% do PIB e um aumento da receita de 0,3 ou 0,4% sem aumentos de taxas.

Acredita num défice de 4% em 2014?
Provavelmente não. Uma parte da redução vai ser comida pela quebra de receita inerente à própria política de austeridade.

Há algum ponto do OE com que esteja de acordo?
É difícil estar de acordo seja com que ponto for quando a estratégia global é errada. Alguns dos cortes teriam de ser feitos à mesma: nos ministérios e nos custos de funcionamento. A melhoria na gestão dos recursos humanos e a melhoria da eficiência devem continuar. Concordo também com a questão da receita ligada aos automóveis de frota das empresas e algumas medidas ao nível da tributação do património.

Muitos proprietários estão a ter grande dificuldade em pagar o IMI, até porque é um imposto que não está ligado aos rendimentos?
Os impostos sobre o património imobiliário tinham de ser reformados, mas esta foi a pior altura para se mexer nessa tributação. O que acontecia era que os proprietários mais recentes pagavam um imposto muito maior do que os que tinham casas melhores mas mais antigas. O problema é aumentar o IMI numa altura em que as pessoas têm menos rendimentos e não conseguem nem vender nem rentabilizar os imóveis que têm. A situação das finanças públicas não permitiu um período de transição nem isenções mais alargadas para quem não tinha rendimentos. Mas o sentido da reforma é o necessário.

Como vê esta reforma do Estado?
Havia a ideia de que se podia cortar com facilidade em alguns sítios. Na prática, quando se foi ver, havia muito menos despesa nesses itens, ou não havia tantas gorduras onde se pudesse cortar ou então o governo teve dificuldade em fazê--lo. A redução da despesa em 2012 foi menor do que o corte de salários, sem ganhos significativos de eficiência. O Estado continua a fazer as mesmas coisas mas paga pior às pessoas. E sem consolidação orçamental. As medidas dos dois últimos anos, em vez de irem no sentido de reformar o Estado, com um corte estrutural das despesas em áreas onde haja muitos desperdícios em horas extraordinárias, por exemplo, têm sido no sentido de cortar despesa transversalmente. Poder-se-ia ter concentrado algumas estruturas para diminuir custos, o que levaria a uma redução estrutural da despesa. Alguns serviços que o Estado contrata fora usam o tipo de mão de obra que o próprio Estado tem em excesso. Há muitas reformas deste género que podem fazer com que a administração pública funcione melhor com menos custos. Mas a reforma propriamente dita ainda não foi apresentada pelo governo. Há um ano atrás, o executivo pediu ao Banco Mundial para o ajudar nesta tarefa, dando um prazo até Março de 2013 para aquela instituição apresentar o trabalho. Claro que o Banco Mundial recusou. O objectivo era estudar o que cortar na área das prestações sociais - melhorar os efeitos na pobreza e reduzir áreas onde existem abusos e fraudes ou onde os apoios criam efeitos perversos. Ou seja, melhorar a adequação dos meios aos objectivos. Mas também é preciso ter em atenção que o aumento da burocracia exigida às pessoas tem feito com que haja menos pedidos de apoios sociais. Grande parte da população não tem capacidade para responder ao que o Estado exige e não tem quem a ajude nessa tarefa. Por outro lado, a sensação que fica é que em alguns ministérios houve a preocupação de se cortar na despesa por ganhos de eficiência, mas as Finanças em geral não seguiram esse caminho, optando por medidas transversais de redução nos apoios sociais, nos salários e nas reformas e de aumento de impostos. O que deixa muito a desejar sobre a reforma estrutural do Estado.

Como é que estes cortes se reflectem no ensino superior?
Na área em que trabalho, por exemplo, houve fortes cortes, mas estes foram transversais. Cortou-se tanto às boas instituições, que atraem alunos, fazem investigação e têm cursos com forte empregabilidade, como às más. Não foram cortes que estejam ligados ao aumento da eficiência do ensino superior. O resultado foi o dificultar a evolução das boas instituições, o que é um factor a travar o potencial de crescimento futuro do país. O ensino superior e a investigação eram áreas em que o Memorando não previa cortes, por a própria troika reconhecer que custam uma percentagem do PIB inferior à média europeia e são determinantes para o crescimento e para a competitividade do país. Havia espaço para algumas poupanças reformulando a parte do sistema que tem problemas em atrair alunos. Mas, mesmo aqui, não foi essa a opção. Houve cortes transversais e pouco mais.

Os lobbies da administração pública estão a travar a reforma?
Contesto essa visão. No anterior governo fez-se a reforma da Segurança Social, embora não se antecipando a crise que veio a seguir, a qual vai ter um peso importante nas conta públicas a partir de 2016. Também se reformou a mobilidade, houve concentração de serviços e reduções do número de chefias, avançou-se com o Simplex, com o e-government, melhorando os serviços prestados com menos despesa. Durante os governos de Sócrates saíram do Estado 60 mil funcionários públicos por aposentação, num contexto em que já se tinha noção de que se tinha de fazer essas reformas mas em que a população não estava muito motivada. O actual governo propôs algumas medidas vistosas, como fechar fundações, incluindo algumas como a da Paula Rego ou as das Universidades, que não implicam despesa. No estudo que foi feito por este governo, vê-se que a montanha pariu um rato porque a poupança foi mínima. Havia muita demagogia. Houve ainda outras medidas muito polémicas no anterior governo, como o encerramento de escolas com menos de 10 alunos. Julgo que o actual governo continuou com alguma da racionalidade dos meios, o que é um trabalho meritório. É razoável que se prossiga nessa via, mesmo com a contestação que está a existir por parte de grupos de interesses e de profissionais. Em alguns casos têm uma certa razão e devem negociar com o Estado. Noutros não. Os funcionários públicos têm de fazer parte da solução e não serem considerados o problema.

Que impacto tem a subida da reforma para os 66 anos no orçamento da Segurança Social?
Mais uma vez, há uma total improvisação na forma como estas medidas são adoptadas, sem sequer haver uma consulta aos órgãos jurídicos. O que se está a tentar é apressar alguns factores e adoptar uma solução de curto prazo para que o efeito da atenuação do peso das pensões seja imediato. E, em muitos casos, com caminhos perigosos (podem ser inconstitucionais e ilegais). E há também um corte dos compromissos assumidos com os cidadãos com reflexos na credibilidade do Estado interna e internacionalmente.

Concorda com a previsão da Goldman Sachs de que Portugal precisa de um 2.o resgate de 30 mil milhões?
A Goldman Sachs é uma firma recheada de pessoas muito qualificadas e cheias de capacidade analítica, mas que cometem muitos erros. A necessidade de termos um segundo resgate significa aceitar a ideia que não somos capazes de mudar o nosso futuro. Vejo essas previsões como alguma pressão. Não são totalmente descabidas mas o que é importante é conseguir que isso não aconteça.

Portugal devia ter negociado com a troika outro OE?
A meio do próximo ano vai começar a ser óbvio que vamos entrar em recessão e no segundo semestre que não vamos cumprir as metas, porque houve uma sobreavaliação do crescimento interno e das exportações líquidas. O problema deste fingimento é que a troika aceitou o cenário sem o chumbo do TC. Esses riscos é que devíamos trabalhar em sede de discussão do OE, de forma a sossegar as instituições internacionais no decorrer do próximo ano para conseguirmos um reforço da credibilidade junto dos mercados. Mas é preciso também que haja uma extensão dos prazos nas dívidas institucionais e redução das taxas de juro. É muito difícil garantir que haverá crescimento económico no próximo ano com estas medidas.

A Utao defendeu que o emprego total deve cair mais que o esperado no OE para 2014, embora de uma forma residual. Subscreve esta posição?
Penso que sim. Está ligado à previsão do crescimento do PIB, que é bastante optimista. Parte de uma perspectiva do crescimento das exportações líquidas que não está muito de acordo com o que se verifica este ano. Embora eu pense que 2014 vai ser melhor na zona Euro, o que pode significar um aumento de exportações com mais valor acrescentado. Já as projecções de aumento da procura interna - consumo e investimento - são irrealistas face às medidas de austeridade. E a queda do emprego tem sido muito maior do que a subida do desemprego porque tem havido a almofada da emigração. A diminuição do emprego também deve ser vista como uma quebra na capacidade de criar riqueza, o único factor que vai ajudar o país a sair da situação em que está.

Há soluções alternativas ao chumbo do Tribunal Constitucional a algumas das medidas que vão para fiscalização sucessiva?
Algumas são de constitucionalidade duvidosa, até podem ser anticonstitucionais. Mas tendo em conta que o TC já no passado atendeu à situação que o país atravessa poderão vir a ser aceites. Há outras medidas desagradáveis, como um novo aumento de impostos, que não foram feridas de inconstitucionalidade. E cortes na despesa que nem sequer foram ao TC. São aquelas que exigem muito trabalho e que não são tiradas da cartola. Penso que não houve trabalho de casa feito com tempo antes do OE. O que requeria uma melhor coordenação do governo (Finanças e cada um dos ministérios, que é quem sabe melhor onde as despesas são feitas e podem sugerir alternativas).

A Grécia defendeu a semana passada que já não troca mais dinheiro por mais austeridade. Devíamos seguir o mesmo caminho?
Não devíamos seguir o caminho da Grécia em nenhum aspecto mas também não devemos repetir em Portugal a mesma fórmula que não resultou naquele país. Felizmente em Portugal não se verificam fenómenos como a votação em partidos fora do sistema, nem radicalismos, mas devíamos ter negociado melhor e com mais peso nas negociações. Havia ministros que queriam moderar a austeridade mas tinham a oposição de Vítor Gaspar e agora da ministra das Finanças. Os dois quiseram continuar com os cortes transversais na despesa, o que acabou por impedir um consenso dentro do próprio governo.

Há cada vez mais personalidades da sociedade civil que apelam a um consenso alargado para a reforma do Estado?
Para a reforma do Estado e para alguns aspectos, como as negociações com a troika, devia haver consensos. Para questões ligadas à competitividade também, para que se possa dizer que estão a fazer--se reformas que têm algum sentido e que vão ser mantidas pelos próximos governos. Há reformas em que era importante trabalhar o consenso para irem muito para além de uma legislatura e para que tenham a credibilidade da persistência.

Está de acordo com a reforma do IRC?
As multinacionais e as empresas com alguma dimensão preocupam-se muito com a imprevisibilidade fiscal. E com a litigância muito forte por parte da administração fiscal. Quando há um problema, há uma falta de mecanismos de resolução desse problema. Muitas vezes o erro é do próprio Estado, os funcionários até o reconhecem, mas o caso já foi para contencioso e não há uma instância superior a que se possa recorrer. Há por outro lado situações em que a administração fiscal já perdeu dezenas de vezes em Portugal e continua a pôr processos idênticos. Com verbas que estão retidas e que já deviam ter sido entregues às empresas. Nesse sentido, a revisão da legislação proposta na reforma pode ajudar a diminuir esses conflitos e nesse sentido penso que pode ser muito positivo. Houve um trabalho notável de Lopo Xavier e da equipa que trabalhou com ele no sentido de tentar encontrar os pequenos pontos da legislação que criavam um volume desproporcionado de litigância. Esse trabalho pode melhorar a relação de previsibilidade entre as empresas e o Estado. Também penso que é positivo para a atracção de investimento dar um sinal de baixa da carga fiscal. Já a forma como o processo foi conduzido, havia vantagem em ter havido consenso com o Partido Socialista. O governo não quis envolver o PS, diminuindo assim o alcance da sua própria proposta.

Sócrates disse, na entrevista ao Expresso, que os responsáveis pelo ajustamento foram os que chumbaram o PEC IV. Acredita que poderia ter sido diferente?
O plano que havia centrava-se na ideia de que Europa não queria mais um resgate, que queria evitar uma nova intervenção. A Portugal era benéfico evitar o resgate - a avaliação das empresas de rating só disparou com o chumbo do PEC IV, e continuou a piorar depois das eleições. O plano era associar o PEC IV a algo muito parecido com o programa cautelar. Haveria um compromisso da nossa parte de fazer as reformas estruturais e as medidas de consolidação da despesa e a austeridade que acabaram por constar do memorando da troika. O PEC IV também permitiria uma intervenção diferente por parte do Banco Central Europeu, mais do tipo da que aconteceu em Espanha. Os resgates da Grécia e da Irlanda, em vez de aumentarem a confiança dos mercados, tiveram um efeito contrário. O que se queria em Portugal era que sem um resgate formal o país se continuasse a financiar nos mercados. Era uma opção que poderia resultar se apoiada pelos parceiros europeus. Com o chumbo do PEC IV destruímos essa confiança e o resgate tornou-se inevitável.

Essa sua posição não pode ser considerada uma traição a Teixeira dos Santos?
O ministro das Finanças só pediu a intervenção externa depois do chumbo do PEC IV. Portugal, no início de 2014, vai estar numa situação muito próxima da do início de 2011. O défice em 2013 vai ficar próximo dos 6% e só no aspecto externo é que melhorámos. E hoje há muita gente que acredita, e eu também, que Portugal poderá passar sem um segundo resgate. O que significaria que em 2011, havendo boa vontade da parte da Europa, poderíamos ter-nos mantido nos mercados com o apoio do BCE. O problema foi que o parlamento, ao ter chumbado o PEC, passou uma mensagem inaceitável para os mercados: Portugal está numa situação difícil mas os partidos políticos estão a boicotar as medidas que podem ajudar a resolvê-la. Em termos de confiança externa, esta posição política foi muito importante.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Dúvidas destravadas

Como a minha entidade patronal é uma organização do Estado, o número mínimo de páginas do meu doutoramento (que eram 200 páginas) aumenta como as horas de trabalho (228 páginas e meia desde o inicio deste mês) ou diminui como o salário (176 a partir de Janeiro)?

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O juramento

Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e ─ depois de recolher e processar cuidadosamente toda a informação disponível, caso conclua que os custos de não o fazer sejam maiores do que os custos de o fazer ─ defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República.
Aníbal Cavaco Silva, 9 de Março de 2011

MAIS UMA GALGA…

por Cristóvão de Aguiar


Fico néscio, irritado, azedo e o mais que se quiser pôr na carta com a obscena em­bustice, muito bem concebida e regada com penicos de retórica e de circunspecta astú­cia que, há pouco, nos atirou à cara, na pre­sença da Ministra das Finanças, sua irrevogá­vel recém-ini­miga figadal e agora colaça, o cristão velho, con­victo, de missa e comu­nhão regular, Paulo Portas, o paladino das feiras e das freiras, o mos­queteiro dos reforma­dos, idosos e pensionistas, o santo padroeiro dos humildes, dos sem-abrigo, o provedor dos pobre­zinhos, das viúvas e das donzelas de­sencaminhadas – sobre o fim da auste­ri­dade por ele decretada, em conferência de imprensa, sem que ne­nhum jornalista lhe tivesse ati­rado um sapato iraquiano como há anos fizeram a Bush filho… Um fino cultor do malabarismo da pala­vra, cristãmente enve­nenada, para se tornar mais corro­siva, que só o se­nhor Artur Lima, irritante figura quiasmática, na Ilha Terceira, do grupo da cristandade centrista, que não das ma­neiras delicadas e delico-doces do seu presidente de partido, como se viu nas últimas autárquicas sempre que se referia ao adversário Álamo Menezes, eleito Pre­sidente da Câmara de Angra, poderá deslindar em linguagem mais chã a razão ou as ra­zões por que o seu chefe mente tanto…  

Vou-me per­guntando, em passo estugado, se haverá cristianismo ou outra filosofia humana capaz de consertar ou concertar os caboucos esborra­lhados que o tempo e as gentes foram dei­xando ruir, esquecendo-se de os reerguer com pedras, argamassa e alguns dos princí­pios essenciais como o de lavar as partes pu­dendas e fazer a higiene oral antes da deita…

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Comentário no Diário Economico

"As crises, ao colocarem em causa os equilíbrios estabelecidos, constituem pontos de bifurcação de trajectórias anteriores. Apesar dos riscos e da perda de bem-estar para a generalidade da população, as crises abrem a possibilidade de regeneração estrutural às organizações, nomeadamente quando estas são entidades burocratizadas cuja evolução se deve mais à inércia do que à racionalidade. 

No contexto atual, a reforma da administração pública tem uma oportunidade única para se efetuar. Num contexto de redução salarial generalizada, a aceitação de um regime remuneratório dos funcionários públicos com uma maior proporção das remunerações variáveis, em função do seu desempenho, seria muito maior do que noutro contexto. Infelizmente, a opção é cada vez mais por cortes de despesa sem critério, a não ser o meramente contabilístico de curto prazo, desperdiçando-se, assim, o potencial que a aplicação de um sistema efetivo de avaliação de desempenho da administração pública poderia ter para a renovação da mesma."

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Cortes na função pública: uma jogada constitucionalmente arriscada, mas não condenada ao fracasso

Com o que ia lendo nas notícias, estava a pensar que as propostas do governo de cortes para a função pública não teriam qualquer hipótese de passar no Tribunal Constitucional. Até pensei que tinham mesmo como objectivo a declaração de inconstitucionalidade. Neste momento, penso que percebo o que tentam fazer. É uma jogada de risco, mas não é estúpida. Explico-me.

Até agora, em cada orçamento, o governo propunha o corte do tempo de Sócrates (que ia de 3,5 a 10%, a começar em 1500€) e mais algum corte adicional. Em 2012, foram dois subsídios e em 2013 foi um. Assim, se o TC declarasse o corte adicional inconstitucional, sobrevivia o outro corte, do tempo de Sócrates e Teixeira dos Santos, pelo que o rombo no orçamento era meramente parcial.

No orçamento para 2014, os cortes de Sócrates desaparecem. Em vez disso são propostos uns cortes alternativos que são bastante semelhantes ao de Sócrates. Até a fórmula matemática é igual.* A única diferença? São cortes bastante maiores, principalmente para quem ganha menos de 2500€/mês. Mas, tirando esta diferença de grau, os cortes são semelhantes aos de Sócrates, que têm passado sempre no TC.

Ao proporem um corte semelhante àquele que já passou por três vezes, aumentam a probabilidade de proporem algo que também passará este ano. A jogada é de alto risco, porque caso o TC declare os cortes inconstitucionais, o rombo no orçamento de 2013 é total e não parcial. Aguardemos.

* Vejam o comentário do Miguel Madeira, e as respostas ao mesmo, para uma correcção a esta afrmação.

O CATÓLICO PAULO PORTAS E A GUERRA COLONIAL (conclusão)

Por Cristóvão de Aguiar 

Sou um dos milhares de cidadãos portugueses que perten­cem à chamada geração da Guerra Colonial. Ainda estive tentado a es­crever o verbo no pretérito, mas, como tantos outros camaradas meus, ainda sofro, e sofrerei, as seque­las psicológicas que, durante os quase dois anos da minha estada no inferno da então chamada pro­víncia da Guiné portuguesa, para sempre me machucaram a mente e o íntimo. Assim, a geração da Guerra Colonial só termi­nará quando o último combatente fechar os olhos… Depois, talvez ela fique registada em nota de rodapé, num capítulo da Histó­ria do século XX português…

Existem, porém, milhares de outros que tiveram menos sorte e continuam a padecer ainda mais. Aqueles a quem se deu o nome de deficientes das Forças Armadas: muti­lados, cegos, que viram as suas vidas familiares desman­chadas, além de outras mazelas que os tornaram em seres viventes cuja vida pouco sentido tem. Para já não falar naqueles que tombaram na mata ao serviço de uma pátria apodrecida por um regime que mais não foi do que uma nódoa histórica pregada no peito do país durante cerca de cinquenta anos. 

De ambos os lados da bar­ricada, a guerra colonial foi intensamente cruel e ainda está a sê-lo para muitas cente­nas, ou milhares, que por lá andaram a esmigalhar os melhores anos da juventude. Isto de se falar em terro­rismo apenas do lado dos guerrilheiros tem muito que se lhe diga. As nossas tropas também o praticavam em grande escala. Sobre tudo isso, porém, era expressamente proi­bido falar. Havia ouvidos atentos a escutar, e existia medo, ignorância, e a cen­sura a compor o resto do rama­lhete, torcendo a verdade para construir a mentira oficial. Nem sequer havia guerra, afirmavam os donos do regime e os cabecilhas. Andávamos tão-só em missão de vigilân­cia nas pro­víncias ultramarinas, flageladas pelos “turras”, e que, como se devem lem­brar, constituíam o prolonga­mento natural da pátria, que ia do Minho a Timor, refrão patrioteiro, que então se entoava e que alguns ainda gosta­riam de conti­nuar a solfejar.

Havia, pois, uma mantilha de silêncio caída sobre o que ocorria nas três frentes de batalha. Pouco ou nada se sabia. As razões são múl­tiplas e não serão despiciendas as que já apontei: censura, medo, vigilância da PIDE, desin­teresse do povo em geral, que só lhe im­portava se tinha familiares que por lá combatiam — adeus, até ao meu regresso — e, quanto à maioria dos soldados, não sabiam, nem queriam saber, das razões que os haviam levado a ir matar e esfolar negros para um Continente que, segundo lhes martelaram desde a cate­quese da escola primária, constituía um património tão português como as suas aldeias da metrópole — “Angola é nossa”— tocavam as ban­das regimentais, nas cerimó­nias militares, por vezes acompanhadas por um coro de vozes vibrantes de patri­otismo…

Claro que havia quem estivesse a par das causas da situa­ção bélica em África. Principalmente muitos dos oficiais mili­cianos, saídos das Uni­versidades directamente para as fileiras, alguns por castigo, por terem intervindo activa­mente nas crises académicas de 62 e 69; os que haviam desertado antes que fosse demasiado tarde e seguis­sem para as cadeias políticas do regime então em vigor; havia ou­tros ainda que, mesmo na clandestinidade, ou em plena guerra co­lonial, pro­curavam passar informações de todas as maneiras e fei­tios que constituíam depois matéria-prima para a rádio Voz da Li­berdade, aos microfones da qual Manuel Alegre desempenhou um papel rele­vante de informação e formação.

Porém, o silêncio, prolongou-se em demasia. Ninguém, por mais ousado politicamente, se atrevia, em público, a falar da guerra co­lonial. A primeira vez que ouvi gritar “abaixo a guerra colonial” foi numa Assembleia Magna da Academia de Coimbra, cuja ordem do dia era a greve académica de 1969 que, logo a seguir se realizou com tal êxito, que havia de aba­lar o regime. Mas, o estudante que deu aquele grito de alma, sincero e lanci­nante, foi depois admoes­tado pelos próprios companheiros, por ter dado razões aos elemen­tos da DGS, infiltrados entre a multidão estudantil, como toda a gente estava farta de saber, e que nos acompanhavam na gritaria de vivas e morras, para que ninguém desconfiasse da sua presença, o que não era difícil... Até onde chegava a censura interior! A ju­ventude de hoje não poderá compreender essa atitude de uma pru­dência tal, que poderia facilmente confundir-se com cobar­dia…

E há ainda quem diga que perdemos a guerra por cobardia. Na mi­nha freguesia havia um ricaço da União Nacional que, sempre que falava com meu Pai, lhe tecia loas por ter um filho (eu) a combater pela Pátria. Um belo dia, depois de eu ter voltado há muito da guerra, meu Pai confrontou-o com o facto de o filho ter já catorze anos e podia ser chamado, que a guerra não tinha fim à vista… Fi­cou aterrado e respondeu-lhe, oh mestre, sou capaz de o mandar estudar para os Estados Unidos, para se livrar do flagelo… Não foi preciso. Uma, porque o rapaz era estúpido como um calhau rolado; outra, porque o 25 de Abril viera entretanto pôr fim ao conflito. Nem assim o ricaço se convenceu de que o regime de que era sócio e bufo não tinha futuro. Continuou a defender Salazar e o seu re­gime e, por vingança ignóbil, enviava todo o seu dinheiro para a América, comprando todos os dólares que as pessoas recebiam de suas famílias emigradas… Bem gostaria eu que Paulo Portas e o filho do ricaço da União Nacional se tivessem integrado nas filei­ras que a pátria deles alinhavam nos cais de embarque só para os outros…