domingo, 30 de dezembro de 2018

Eliete, a vida normal

Até há umas semanas nunca tinha ouvido falar em Dulce Maria Cardoso. Mas o Pai Natal foi generoso e ofereceu-me o último romance da escritora: “Eliete”. Eliete tem 42 anos, o corpo exibe os primeiros sinais de decadência, é casada com o Jorge, um informático, tem duas filhas, é agente imobiliária, tem carro e casa, vive em Cascais. Na final do Europeu de 2006, no meio da alegria geral, descobre a sua solidão. Quase automaticamente, inscreve-se com um perfil falso no Tinder - apesar da pesada “máquina da traição” ter sido accionada antes, provavelmente quando começou a fantasiar com outros homens, confessa Eliete. O Tinder não lhe traz a felicidade, e Eliete mantém o casamento de mais de 20 anos. Eliete é uma mulher mediana. Não se distingue pela beleza, nem pela inteligência. Não tem sonhos, nem ambições – uma das suas poucas ambições de adolescência era deixar de usar óculos.
”Eliete” não é apenas a confissão de uma espécie de Madame Bovary de Cascais. É também o retrato desencantado de um país, que ainda não se libertou da herança e do fantasma de Salazar. Um Portugal dos pequeninos. Um Portugal onde continuam a existir “os herdeiros, os incultos e gananciosos governantes e o inculto e submisso povo”. Um Portugal onde a Guidinha com cinco negativas no segundo período do 9.º ano é mudada pelos pais para um colégio privado e as notas disparam. A Guidinha nunca teve jeito para línguas, mas sabia falar a única língua que interessava: a língua dos meninos e das meninas da Linha, com a afectação que punha nas palavras, “os gritinhos e a aniquilação de parte das sílabas”. O domínio desta língua até a dispensava de utilizar os pergaminhos de família para arranjar “um dos bons empregos da CEE”. Anos depois, a Guidinha estaria, de facto, a trabalhar no Parlamento Europeu. 
“Eliete” é um dos livros do ano. 

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Every Morning

I read the papers,
I unfold them and examine them in the sunlight.
The way the red mortars, in photographs,
arc down into the neighborhoods
like stars, the way death
combs everything into a gray rubble before
the camera moves on. What
dark part of my soul
shivers: you don’t want to know more
about this. And then: you don’t know anything
unless you do. How the sleepers
wake and run to the cellars,
how the children scream, their tongues
trying to swim away–
how the morning itself appears
like a slow white rose
while the figures climb over the bubbled thresholds,
move among the smashed cars, the streets
where the clanging ambulances won’t
stop all day–death and death, messy death–
death as history, death as a habit–
how sometimes the camera pauses while a family
counts itself, and all of them are alive,
their mouths dry caves of wordlessness
in the smudged moons of their faces,
a craziness we have so far no name for–
all this I read in the papers,
in the sunlight,
I read with my cold, sharp eyes.

~ Mary Oliver, via Poetry Magazine (March 1986)

P.S. Estava a pensar em oferecer um livro da Mary Oliver a uma amiga em Portugal; mas, quando fui ao site da Wook, não encontrei nenhuma tradução para português do trabalho dela. Pena...

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Winter is coming

Amanhã celebra-se o solstício de Inverno, que é tradicionalmente celebrado pelos povos nativos das Américas com vários rituais. Um pouco por todo o mundo, às 22:23 de Portugal, irá haver uma meditação global.

É mesmo de uma meditação que iremos precisar porque as coisas estão bastante feias nos EUA. O Presidente anunciou ontem que ia ordenar a saída das tropas americanas da Síria. Acordámos hoje com notícias de Vladimir Putin a elogiar a decisão de Trump. À tarde, via Twitter, o Presidente disse que o General Jim Mattis, Secretary of Defense, que é o equivalente a um Ministro da Defesa, se ia reformar depois de uma carreira de distinção, mas pouco depois o próprio General contradisse o Presidente e, não só afirmou ter-se demitido, como tornou pública uma carta de demissão que não abona a favor do Presidente. Horas depois, Trump anunciou que as tropas também iriam sair do Afeganistão.

Nada disto faz sentido, claro, pois Trump aumentou a despesa militar e decidiu estas coisas espontaneamente, sem discutir com os seus conselheiros e, mais importante ainda, sem planear a saída. É de uma ingenuidade atroz achar que fazer um anúncio destes nestas circunstâncias promove a segurança dos militares e dos aliados dos americanos; o que garante é que o nome de Trump apareça 24/7 nas TVs durante a época de Natal.

Washington, D.C., está em choque, até porque dada a forma como Donald Trump trata as pessoas, já há pouquíssima gente que se queira submeter a uma experiência humilhante para substituir estas pessoas. Mas há uma complicação maior: John Kelly e Jim Mattis fizeram um pacto em que um deles estaria sempre nos EUA disponível para verificar as ordens da Casa Branca. John Kelly foi despedido por Trump e agora Mattis demitiu-se, ou seja, não há baby-sitter de serviço.

Esta semana tem sido também uma razia na bolsa, que está com bastante volatilidade, apesar de a Reserva Federal ter aumentado as taxas de juro de referência, o que deveria dar a indicação de que a economia estaria em condições de suportar tal aumento. Em contrapartida, a divida pública americana a 10 anos está em alta, com as yields a descer (o preço sobe e as yields descem, pois são inversamente proporcionais). Aliás, recentemente deu-se uma inversão e as yieds de curto prazo estão mais altas dos que as de longo prazo, o que costuma acontecer antes de uma recessão e basicamente indica que o curto prazo é mais arriscado do que o longo prazo. Numa situação normal, o longo prazo deveria ser mais arriscado do que o curto prazo. Dados os acontecimentos de hoje, que se deram após o encerramento da bolsa americana, amanhã vai tudo estar atento ao comportamento do mercado.

Em Portugal, felizmente, somos governados por um génio político. Os coletes amarelos que se preparem porque o inverno está à porta.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

domingo, 2 de dezembro de 2018

Um parque

Enquanto estive fora de Memphis, a cidade completou o projecto de renovação e ampliação do Patriot Lake, em Shelby Farms Park, que agora se chama Hyde Lake. O projecto custou $52 milhões e inclui a construção de um centro de visitas, um espaço de eventos, e uma marina onde se pode alugar canoas. Quando coloco fotos do lago no Facebook, as minhas amigas americanas ficam surpreendidas com o que vêem e pensam que fui de férias para algum sítio, mas estou dentro de Memphis. O parque é mesmo bonito e dá para ver uns pôres-do-sol fabulosos, para além de garças, patos, tartarugas, gansos selvagens, etc.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Borba

Ao acompanhar as notícias de Portugal relativamente à tragédia de Borba e as reacções à dita, fiquei suspreendida por as pessoas mencionarem que o problema é a estrada. Num país onde se fiscaliza a operação de vendedores de bolas de Berlim na praia, acho difícil acreditar que não há uma almazinha que fiscaliza as pedreiras. Será que em Portugal não é preciso ter uma licença de actividade para operar uma pedreira, e que esta implica um estudo de impacto ambiental e de risco, mais umas visitas de um fiscalizador qualquer? Acho que é o mínimo que um país dito civilizado deve ter.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Combate à corrupção

Hoje, ia eu a caminho do trabalho, quando reparo na louraça que ia a conduzir à minha frente: uma mulher já nos seus 50-60 anos, a conduzir uma Ford F150 branca, com uns autocolantezitos cor-de-rosa. Só consegui ler um que dizia "Shoot your local heroin dealer." Se quiserem comprar, está no Etsy.

Estava a pensar que podíamos fazer uns em Portugal para combater a corrupção: "Alveje o seu corrupto luso".



terça-feira, 27 de novembro de 2018

Optimismo

"A governação da direita, diz, encolheu “a economia” porque “não sabe como funciona”, “destruiu emprego, investimento, empresas” e culpa CDS e PSD de tentarem “atirar para cima das empresas 500 milhões de euros de receita de IRC” neste Orçamento de Estado."

Pedro Nuno Santos, Expresso


O problema não é tanto a economia ter encolhido, é mais o cérebro de algumas pessoas. Olhem que optimista que eu estou: até presumo que têm cérebro!

domingo, 25 de novembro de 2018

Excitação à vista

O James Bullard, Presidente da Reserva Federal de St. Louis, tem andado a dar umas palestras em que defende uma actualização da regra de Taylor, aquela regra que é usada para receitar o nível adequado de política monetária. A regra original foi formulada com dados referentes a uma altura em que a Reserva Federal não tinha uma política monetária com uma inflação-alvo; mas, desde o final do século passado, o alvo de inflação tem sido explicitamente 2%.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Nem Hayek, nem Habermas

Em 2008, o académico norte-americano Cass Sunstein publicou um artigo intitulado: “Neither Hayek nor Habermas”. O tema central era a blogosfera. Com a ascensão das chamadas redes sociais, a blogosfera saiu, entretanto, de moda. Eu e o estimado leitor fazemos parte do grupo de sobreviventes deste ecossistema. Não interessa. As inquietações de Sunstein sobre os blogues podem estender-se a toda a internet. A web trouxe coisas maravilhosas. Passámos a ter acesso a carradas de informação, inimagináveis há 20 ou 30 anos. Qual é então o problema? Sunstein achava que a blogosfera levava à formação de grupos homogéneos e polarizados em termos ideológicos. Os bloggers e os seus leitores viviam em casulos ou bolhas de informação.
Em 1945, Hayek (o famoso pai neoliberalismo) publicou um artigo intitulado “The use of knowledge in society”. Para o economista e filósofo austríaco, a questão económica fundamental é: como extrair a informação que está dispersa e desorganizada na sociedade. Este problema não pode ser resolvido por nenhuma pessoa ou direcção central. Os planeadores centrais não conseguem ter acesso a toda a informação na posse de milhões de particulares. No seu todo, a informação na posse de milhões de particulares dispersos é muito maior do que aquela que qualquer especialista pode deter, por melhor que seja esse especialista – e não se trata só de um problema de quantidade, mas também de qualidade, mas adiante. Como é que se agrega então toda essa informação dispersa e se separa o trigo do joio? A solução está no sistema de preços. Os preços funcionam como um dispositivo de coordenação e sinalização conciso e preciso. Além disso, os preços têm uma capacidade de adaptação automática à mudança. Por exemplo, se um produto deixou de funcionar eficientemente, a sua procura desce e os preços também. Ora, para Sunstein a internet e a blogosfera em particular não têm nada que corresponda a um sistema de preços. Ou seja, não há nada que agregue uma quantidade brutal de opiniões e gostos. Não é possível criar um superblog que corrija os erros e reúna as verdades. Há ainda outro senão. Os bloggers não têm um incentivo económico. Raramente, estão envolvidos em actividades comerciais e, por isso, têm pouco a perder ou a ganhar. Por exemplo, se espalharem informação falsa, têm pouco a perder. O mesmo não acontece com os media tradicionais, que podem ver a sua credibilidade comprometida.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Talvez 50 pessoas

Na Sexta-feira de manhã, ao empacotar as minhas coisas para a viagem a Nova Iorque, pensei se queria trazer o último livro do Michael Lewis, "The Fifth Risk". Argumentava eu na minha cabeça que era um bocado grande e eu queria ir leve; depois contra-argumentava que ao menos as letras tinham um tamanho suficiente que seria fácil de ler sem ter de usar óculos. Mas será que queres passar o tempo a ler sobre isto, perguntava-me? Ler sobre actualidades é muito mais fácil do que ler ficção, respondia-me. Então lá veio no saco de mão.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Um prognóstico

Há quem ache que a China está a um passo de ultrapassar os EUA em termos do PIB. Um passo que pode demorar 20, 30 anos, dizem. Acredito que sim. Afinal de contas, mais de mil milhões de pessoas fazem toda a diferença nestas contas. Todavia, duvido que a China ultrapasse os EUA na ciência e tecnologia. Por um motivo fundamental: são uma ditadura com propensões totalitárias. Neste tipo de regime, o objectivo da ciência não é a procura da verdade, mas sim servir um bem maior definido pela elite. E nenhuma ciência escapa a esse desiderato, incluindo a matemática e a física. Há décadas, os teóricos socialistas falavam de uma matemática ao serviço da burguesia. Era, pois, necessário redireccionar a ciência, pô-la no caminho certo e justo. Em todas as cabeças com inclinações totalitárias, a ciência está sempre ao serviço de alguém (classe, comunidade, Estado) e consideram fútil uma ciência (ou arte) que não tenha uma utilidade ou aplicação prática. Nada de actividades espontâneas, sem uma orientação superior, não vão as coisas descambar, fugir ao controlo da elite e provocar resultados e consequências não previstas no plano. Ora, o que fez o avanço científico e tecnológico do Ocidente foi precisamente a despreocupação com a utilidade; foi a ciência pela ciência, a procura desinteressada da verdade. Hoje, o ocidente está ainda a beneficiar de teorias e descobertas de há séculos, que nunca teriam sido possíveis se os cientistas à época estivessem preocupados com a sua aplicação imediata. Se no ocidente continuar a existir esta liberdade, se a ciência não tiver de se curvar apenas a interesses económicos ou políticos imediatos - como, infelizmente, alguns iluminados reclamam -, a China não se transformará na vanguarda científica ou tecnológica, pelo menos enquanto for governada por uma ditadura.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Dia de arromba!

Para vocês já é Terça-feira, mas aqui ainda não chegámos lá. Será dia de eleições e promete ser um dia muito animado: cerca de 36 milhões de pessoas já votaram, agora só falta saber quantas mais votarão no próprio dia. A Lyft, a Uber, e outras empresas já ofereceram descontos a quem for votar. Nas montras, as lojas incentivam as pessoas a votar, no meu emprego enviaram-nos um email a lembrar-nos da importância de participarmos na eleição. Não se fala em outra coisa.

Independentemente do resultado, que tudo indica irá favorecer os Democratas, amanhã iremos fazer história porque a participação nesta eleição será enorme e a diferença entre os votos dos homens e das mulheres poderá ser a maior de sempre. Elas são mais a favor dos Democratas e elas também votam em maior número do que os homens.

Sempre achei os EUA um país muito interessante onde se viver: quando querem mudança, os americanos vão à luta. Foi assim que o Trump foi eleito e será assim que vai ser derrotado.




sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Com os azeites

Estamos a cinco dias das eleições e eu ando um bocado nervosa com isto. Hoje recebi umas correspondências da Autoridade Tributária com uns cálculos duvidosos e aumentaram-me o nível de stress ainda mais, mas deixemos isso para outro dia...

Pois, como ia dizendo, andamos em eleições e fui recensear-me à coisa de um mês. Levei o meu passaporte americano e uma conta de electricidade/água/gás como prova de residência porque ainda não fui trocar de carta de condução, nem registar o meu carro no Tennessee. Também levei o contrato de arrendamento, caso precisassem de mais tralha.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Gumbo

Quando decidimos ir a Nova Orleães, Louisiana, fazer a passagem de ano no final de 1999 tivemos o cuidado de pensar nos riscos da nossa aventura. Achámos mais seguro não ficar alojados mesmo na cidade, afinal é a cidade do pecado, haveria uma grande festa, e seria fácil haver um atentado. Isto pensávamos nós pré-atentados terroristas de 2001, mas como íamos entrar no Y2K, andava tudo num grande alvoroço. Baton Rouge, que fica a uma hora e um quarto de Nova Orleães, parecia-nos um sítio bastante seguro onde ficar e escolhemos um Super-8 Motel ao longo da autoestrada para facilitar a viagem até ao destino final.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Pensar a justiça

Em 1955, no Mississippi, uma mulher branca, Caroline Bryant, de 21 anos acusou um rapaz negro de 14 anos de a assediar, verbal e fisicamente, enquanto ela estava na mercearia da família dela. Alguns dias depois de se dar o suposto assédio, o marido da mulher e o meio-irmão deste raptaram o rapaz, Emmett Till, espancaram-no, mutilaram o corpo e atiraram-no a um rio.

Quando o corpo apareceu, a mãe de Emmett insistiu que o caixão do filho estivesse aberto durante o serviço fúnebre, para que todos vissem o corpo inchado e mutilado. Os homens que mataram Emmett foram julgados, mas ambos foram ilibados. Em 2008, numa entrevista a um jornalista, a mulher admitiu que tinha exagerado na acusação, leia-se mentido: Emmett não a tinha agarrado, talvez lhe tivesse dito algo impróprio, dado que, no auge da segregação, um rapaz negro não devesse falar com uma mulher branca.

Relato-vos este caso (podem ler mais detalhes na Wikipédia) porque na sequência da publicação da foto de uns rapazes que presumivelmente atacaram alguns idosos nas redes sociais, tenho visto muita gente defender as virtudes de um sistema de justiça de linchamentos e outros tantos acham que não nos devemos preocupar com os direitos destes indivíduos, mas sim com o bem-estar dos idosos porque com eles ninguém está preocupado.

Assegurar que estes indivíduos sejam levados à justiça, sem que tenham os seus direitos violados, não prejudica os idosos. O que prejudica os idosos é uma sociedade que só se preocupa com eles depois de eles se tornarem vítimas. Andar pelas redes sociais a ameaçar espancar quem bate em idosos também não é preocupação porque não ajuda idoso nenhum. A propósito, quando foi a última vez que ajudaram um idoso?

Para além disso, num país dito civilizado, onde prevalece um estado de direito, as pessoas têm o direito de se defender dos crimes de que são acusadas e a justiça deve tratar todos igualmente, ou seja, as sentenças são independentes de quem pratica a justiça. Se a justiça fosse ao critério de cada um, prevalevceria o sistema do "cada cabeça, sua sentença", que dá em situações como a do linchamento de Emmett Till, em que este nem oportunidade teve de se defender do que o acusavam.

Os méritos e deméritos dos dois sistemas deveriam ser óbvios, mas fiquei surpreendida por encontrar pessoas com formação universitária incapazes de reconhecer que a justiça não pode ser fruto da vontade popular. Tem de haver um sistema pré-definido ao qual quem é acusado de um crime tem de se sujeitar.

No caso de Emmett Till, a justiça falhou duas vezes: falhou porque ele não teve oportunidade de se defender do que o acusaram. E depois falhou porque os indivíduos que o mataram foram ilibados. Esta segunda falha chama-se um falso negativo e corresponde a alguém culpado ser ilibado; também há falhas que são falsos positivos em que alguém inocente é condenado e, muito provavelmente, se Emmett tivesse sido julgado teria sido condenado apesar de estar inocente.

A justiça nunca será perfeita, haverá sempre falhas, mas cabe a todos nós perscrutar a nossa consciência e pensar como é que o sistema pode e deve ser melhorado. Essa reflexão e discussão são inexistentes em Portugal e seria bom que o sistema de educação arranjasse maneira de educar os actuais jovens para terem conhecimentos de educação cívica e cidadania melhores do que a geração actual de adultos.

domingo, 21 de outubro de 2018

Emaranhado

Já começou o período de eleições para as Midterms americanas, mas desde há sensivelmente uma semana, as notícias têm sido dominadas pela morte de Jamal Khashoggi, um cidadão da Arábia Sáudia e cronista do Washington Post, que morreu depois de entrar no consulado da Arábia Saudita em Istambul, na Turquia. No início, o Presidente Trump descontou a notícia e disse que era muito mais importante salvaguardar o negócio de vendas de armas que os EUA têm com a Arábia Saudita, só que o governo turco não largou o osso e continuou a forçar o assunto.

A Arábia Saudita é o aliado mais importante dos EUA no Médio Oriente, mas também é aliada da Turquia e, por isso, Khashoggi não pensava que algo fosse tentado contra ele dentro da Turquia e, mesmo que fosse, o pior talvez fosse um rapto. Ele teve esta conversa, algumas semanas atrás, com um amigo turco, conselheiro do Presidente Erdogan, entrevistado pela BBC (minuto 45) -- o mesmo amigo a quem ele mandou a noiva telefonar caso não saísse do consulado da Arábia Saudita onde tinha ido buscar documentos para o casamento. Depois desse telefonema, esse amigo contactou as autoridades turcas que investigaram o desaparecimento.

Os turcos afirmam ter gravações audio e vídeo da morte do jornalista e relatam ter sido algo completamente macabro, em que este tenha sido torturado, tendo tido os dedos cortados enquanto vivo e o corpo tenha sido desmembrado para ser retirado do consulado. Inicialmente, os Sáuditas negaram estar envolvidos, mas agora já assumem que o jornalista tenha morrido durante uma "luta de murros". A existência de gravações indicaria que os turcos tinham o consulado sob vigilância, o que não parece ser algo que os turcos queiram assumir, mas tudo nos leva a crer que as gravações existem.

Encontramo-nos na situação estranha de acreditar mais nas autoridades turcas do que nas dos outros países, quando os turcos têm eles próprios problemas de credibilidade, dado o nível de censura que se vive na Turquia. A economia turca está num caos, com inflação acima de 24%, as taxas de juro para pedir crédito à volta de 40%, e a lira turca fortemente depreciada. Há uns meses, no Twitter, Donald Trump passou algum tempo a insultar o governo turco por causa do pastor americano Andrew Brunson que estava preso por suspeição de ser um espião.

Entretanto, a dívida americana está a aumentar rapidamente sob a Presidência Trump e, enquanto a China está a reduzir a sua detenção de dívida americana, a Arábia Saudita está a aumentar. Note-se, no entanto, que têm pesos diferentes, pois a China detem mais de um bilião curto de dólares, enquanto que os Sauditas detêm 170 mil milhões.

Alguns congressistas americanos já activaram a lei de Magnitsky, passada em 2016, o que implica que o Presidente Trump tem duas semanas para tomar medidas contra individuos envolvidos em violações de direitos humanos. Nesta altura, suspeita-se que o assassinato tenha sido ordenado pelo principe Mohammed bin Salman, que poderá ser um dos alvos de sanções. Veremos como Donald Trump descalçará a bota, mas corre o risco de, nas vésperas das eleições, a Turquia divulgar o conteúdo das gravações com o intuito de o deixar mal-visto.





quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Comercial menos comercializável

Fui a uma daquelas FNACs pequenas, que terão de fazer uma escolha criteriosa dos artigos que disponibilizam, e fiquei surpreendido que, na secção de dvd/blu ray, uma proporção elevada dos filmes disponíveis fossem ditos alternativos, ou não comerciais. Diria que eram pelo menos metade. A massificação do streaming , o legal e o pirata, reduziu dramaticamente a compra de discos, mas talvez tennha reduzido proporcionalmente mais a compra de filmes comerciais. Poderiam adiantar-se algumas explicações especulativas. Por exemplo, talvez os filmes comerciais sejam mais substitutos entre si (só quero ver um filme que me entretenha, não me preocupa muito qual desde que cumpra o papel), pelo que, se já tenho uma subscrição do Netflix, não preciso de mais. Por oposição, os filmes independentes que seriam mais insubstituíveis (quero mesmo ver aquele específico). Imagino que haja outras teorias. Seria interessante ver os dados da evolução das vendas diferenciadas por tipo, mas não encontrei. E seria muito interessante - e irónico - que os filmes menos comerciais se tornassem os mais comercializáveis.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Redemoinho da framboesa

No outro dia decidi ver uma série no Netflix sobre sexo--Hot Girls Wanted: Turned On. É uma docu-série produzida pela Rashida Jones. Não sei a razão de ter decidido ver aquilo, mas depois de ver fiquei deprimida. Acho que é desta que a nossa espécie vai entrar em vias de extinção. É a única conclusão possível dadas as novas tendências de acasalamento que mais me parecem os primórdios da civilização humana.

Mas o meu momento WTF foi quando num dos segmentos sobre pornografia se fala de raparigas que gostam de ter sexo enquanto a sua cabeça é enfiada numa retrete e o autoclismo ligado. Eu não vos disse? What the fuck!?! A estas moças chamamos "swirlie girls" -- raparigas de redemoinhos. A sério! Eu tenho uma imaginação fértil, mas garanto-vos que não imaginava uma coisa destas.

"Ó Rita, mas o que é que te deu para falares nisto?" É simples e é por causa do Cristiano Ronaldo. O mais triste é que eu não ligo nada ao Cristiano Ronaldo; só sei o nome e a profissão dele; vá lá também sei a nacionalidade. Se me perguntarem onde ele joga, não sei dizer, mas vejo-me na posição de advogada do diabo por causa da Fifth Amendment da Constituição americana e porque ele se enfiou numa situação que é muito interessante do ponto de vista legal.

No outro dia, a propósito de violação sexual, ofereceram-me um argumento paralelo mas aplicado ao atropelamento numa passadeira. Só que ser atropelado numa passadeira é, na minha cabeça, uma variável binomial: ou se é ou não, e, quando se é, é claro de se ver que há um carro, um peão, uma passadeira e estão combinados de forma a nós concluirmos que aquilo é atropelamento.

Sexo não é assim porque quando eu descrevo alguém a ter sexo tipo, ele chicoteou-o enquanto o penetrava, ou ela enfiou o punho pela vagina dela adentro, ou ele sodomizou-a enquanto enfiava a cabeça dela na sanita e puxava o autocolismo, vocês não sabem se é violação ou se é sexo "não-baunilhado", como dizia o Mr. Gray. Talvez a minha reacção seja exagerada porque, quando a população é 7 mil milhões, é natural que haja pessoal com gostos esotéricos e, se calhar, até há quem goste de ser atroplelado, mas tenho sérias dúvidas acerca do potencial de reprodução destes indivíduos, pois devem ter esperanças de vida limitadas.

Pela minha parte, redemoinhos só de framboesas: "if you want inside her well, boy you better make her raspberry swirl..."





Genial outra vez

Que João Galamba seja o novo Secretário de Estado da Energia. Dá vontade de re-escrever o Casablanca: "Of all the idiots in the Socialist Party, they had to pick this one..." Como disse antes, ou não há gente melhor do que isto, ou há falta de vergonha.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Genial, ainda?

Estava aqui a conversar com as pintas que tenho na camisola e dizia eu que continuava a não perceber a genialidade de António Costa. O caso Tancos é do mais patético que existe, mas o nosso ilustre Primeiro Ministro continua a defender o Ministro da Defesa. Não me parece que seja comportamento de alguém genial; parece-me que ou não há melhor do que aquela peça para Ministro da Defesa ou, em Portugal, confunde-se a genialidade com a falta de vergonha.

Actualização: ainda não tinha visto que o Ministro se tinha demitido, mas continuo na minha de não perceber o porquê de defender o homem durante tanto tempo...

domingo, 7 de outubro de 2018

Pleno uso das faculdades

No dia 2 de Outubro, aqui na DdD, deixei-vos um TPC: pedi-vos para lerem a reportagem sobre Amber Wyatt, que foi publicada no Washington Post a 19 de Setembro e actualizada a 21 de Setembro. A autora da reportagem foi uma jornalista que frequentou a mesma escola secundária que Amber. O seu trabalho de investigação começou em Abril de 2015 e a autora, na peça, diz que na altura em que começou era uma "young writer". É uma peça brutal escrita por uma rapariga que hoje tem à volta de 27 anos.

Contrasto isto com a peça sobre Cristiano Ronaldo publicada pelo Der Spiegel que foi o resultado do trabalho de 20 pessoas, inclusive pessoas da equipa legal, durante ano e meio, e que ouço dizer estar muito bem feita. Não está.

sábado, 6 de outubro de 2018

A vida é complicada

A senhora S sabe vestir-se de forma a causar uma primeira boa impressão, vive sozinha, costuma ir a bares de solteiros, onde bebe sempre bastante – este último dado é muito importante, porque o álcool suspende a autoconsciência e introduz nebulosidade e ambiguidade. Alguém puxa conversa e ela acaba na casa dele ou ele na casa dela. Um dia, numa época em que a comunicação social estava (e está) cheia de histórias de agressões sexuais, diz ao seu psicoterapeuta: “Acho que fui violada”. A seguir, acrescenta: “cinco vezes”. Esta é uma história verídica, contada por Jordan Peterson, psicólogo clínico e autor do best-seller “12 regras para a vida”. A palavra-chave aqui é “acho”. Peterson não tem dúvidas de que qualquer psicoterapeuta, com alguns conhecimentos de Freud, poderia facilmente transformar o “acho” numa certeza absoluta. E a paciente acolheria rapidamente essa certeza. Tudo passaria a fazer mais sentido na cabeça da senhora S. Estaria encontrada uma causa clara e simples para todos os seus actuais problemas. A solidão, ninguém com quem conversar, uma carreira profissional inconsequente, a atracção e, ao mesmo tempo, o medo e a desconfiança dos homens – a senhora S foi ignorada pelo pai e acossada pelos irmãos. Em vez disso, Peterson preferiu ouvir e perguntar à senhora S a sua opinião. E ela falou, falou muito, e continuou a ter dúvidas sobre se tinha sido ou não violada, se tinha ou não consentido. Passados uns tempos, abandonou a terapia. A vida é complicada, diz Peterson.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Desabafo

Ao falar com alguns portugueses acerca do caso CR7 fico com a impressão de que Portugal é um país civilizadíssimo, onde a justiça funciona muito bem. A Kathryn, que não quis ir a tribunal e preferiu receber $375 mil em dinheiro, foi bastante prejudicada dado o extremo trauma que sofreu. Note-se que muitos dos sobreviventes do 9/11 que desenvolveram cancro receberam no máximo $250 mil, mas um ataque terrorista não é tão mau quanto uma suposta violação. Decerto que em Portugal ela teria tido melhor recurso e resultado porque é isso que acontece normalmente às mulheres portuguesas porque a Justiça portuguesa funciona a sério, o governo já disse que não há mais nada a reformar: é perfeita.

Nos EUA, os homens estrangeiros poderosos acusados de violação não caiam antes do movimento MeToo, como o pode confirmar Dominique Strauss-Kahn. O CR7 é um homem tão poderoso que contrata um advogado português que o faz assinar uma suposta confissão, violando os direitos constitucionais do cliente e enviando a dita por correio electrónico não-seguro. Ainda por cima, anda pelo Twitter a armar-se em Donald Trump e a dar tiros nos pés — alguém lhe diga: “you have the right to remain silent, meu grande idiota. Não é uma invenção dos filmes, é mesmo a sério.”

Se burrice fosse crime, o CR7 apanharia prisão perpétua — nos EUA; em Portugal, recebe condecorações do Presidente da República porque é um país civilizado.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Temperamento

Mais de 650 professores de Direito nos EUA assinaram uma carta a explicar que o Juiz Kavanaugh não tem temperamento para ser confirmado para o Supremo Tribunal. Isto não vos recorda a discussão acerca de Donald Trump não ter temperamento para ser Presidente dos EUA? Adiantou muito...

Por falar em temperamento do Presidente, ontem no Fresh Air, foi entrevistado o Michael Lewis que tem um livro novo chamado "The Fifth Risk". Durante a entrevista, a Terry Gross perguntou-lhe que tipo de crise poderia acontecer nos EUA e Lewis respondeu que achava que havia a possibilidade de o Presidente não honrar a dívida pública americana, dado que era uma pessoa que tinha um historial de falências e o défice e a dívida estão a aumentar bastante.

Lewis também falou da inspiração para este livro que foi uma ideia de Daniel Kahnemann e Amos Tversky da qual ele falou no livro anterior, o "The Undoing Project": as pessoas não são muito boas a avaliar mudanças no perfil de risco. Por exemplo, são incapazes de reconhecer quando um evento de risco passa de uma probabilidade de ocorrência de um em um milhão para uma de um em 100 mil. Esta ideia é bastante pertinente para Portugal dadas as mudanças na despesa pública que aí têm acontecido; mas, como diz o povo, "depois da casa arrombada, trancas à porta".

Fica aqui a entrevista, se quiserem ouvir:

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Emendem-se


No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offence to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation."


Fifth Amendment, Constituição dos EUA

O Cristiano Ronaldo precisa de um advogado melhor, de preferência americano e sem especialidade em multas de trânsito. Eu, se fosse a ele, insistia que o caso fosse a tribunal, em vez de ser julgado em Praça Pública.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Mudança

Passámos uma semana super-enervante nos EUA com o processo de confirmação do Juiz Brett Kavanaugh para o Supremo aqui do sítio. Em causa estão umas acusações de abuso sexual ou, pelo menos, de comportamentos menos dignos de alguém que está na posição em que ele está. Dado o nível de polémica, o Senador Flake, que está prestes a reformar-se do Senado, pois não vai concorrer mais a eleições, deu um voto condicional de aprovação no Senate Judiciary Committee, pedindo que se adiasse a votação no Senado e se desse uma semana ao FBI para investigar o mérito das acusações. Durante algumas horas o suspense pairou no ar, pois só o Presidente pode pedir uma investigação ao FBI, mas Trump acedeu e teremos mais entretenimento por uma semana. Note-se, no entanto, que Mitch McConnell, o Líder da Maioria no Senado, já indicou que o Senado iria votar a confirmação ainda esta semana, não dando tempo ao FBI para terminar a investigação.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Progresso

Na Índia:

"The 158-year-old law dates back to Victorian times, during British colonial rule of India. The penalty for adultery was up to five years in prison, or a fine, or both.

Noting that the law is singular in the penal code for treating men and women differently, Chief Justice Dipak Misra said, "The adultery law is arbitrary, and it offends the dignity of a woman."

He said adultery is grounds for divorce, but not jail time.

The five-judge court said the law gives a husband license "to use the woman as chattel."

"This is archaic law long outlived its purpose and does not square with constitutional morality," the bench said in separate, but concurring opinion to one issued by the chief justice.

The decision is the latest by an increasingly activist Indian Supreme Court that has done far more than the politicians in recent years to reorder sexual mores and advance gender equality in a deeply conservative, but rapidly modernizing society.

Misra, the chief justice, is retiring next week, and the court has been issuing rapid-fire judgments leading up to his departure. Many of the rulings are based on testimony heard earlier this year, but only released now.

Earlier this month, the court struck down a long-standing ban on gay sex. Last year, the justices outlawed the summary "triple talaq" divorce for Muslim men, and in a country with more child brides than anywhere in the world, the high court ruled that sex with an underage wife constitutes rape."

Fonte: NPR, 27/9/2018 (enfâse meu)

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Patti Smith, por Mapplethorpe

A grande Patti Smith numa foto de Robert Mapplethorpe, famoso pelas pilas de Serralves.

domingo, 23 de setembro de 2018

Outono

Como é Outono e época de escola, estamos numa altura propícia à aprendizagem. É com prazer que verifico que, em Portugal, se valoriza a arte. Depois dos portugueses se tornarem especialistas em Miró, um surrealista espanhol, chegou a vez de se versarem em Robert Maplethorpe, americano, conhecido pela sua fotografia homoerótica. E ainda ficam a saber que há um sítio chamado Serralves, que tem uma vaga para Director Artístico, onde podem ir para serem instruídos em arte.

Sou completamente a favor deste esforço e gostaria de dar o meu contributo: sugiro o Man Ray, americano, que foi um pioneiro em fotografia, uma área em que obteve grande sucesso, mas também trabalhou em outros media. Tal como Miró pertenceu aos movimentos Surrealista e Dada. Se tiverem umas horas, podem ver algumas das peças dele online.

Por motivos de copyright, não me deixam publicar aqui fotos, mas o Man Ray tem uma série de fotos de 1929 da qual gosto muito -- há um Outono que deviam ver, mas também há um Inverno que não vos deixará descontentes; se sim, há sempre a Primavera, e o Verão. E, pronto, podem ver o Maplethorpe à vontade...

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Bad

O Presidente Trump disse "I feel so badly for him" referindo-se ao Juiz Kavanaugh, que está a ser considerado para o Supremo Tribunal de Justiça dos EUA, e foi acusado de ter atacado uma jovem que de 15 anos quando tinha 17 anos. Não é a primeira vez que Donald Trump sente "badly" por alguém porque o mesmo aconteceu com Michael Flynn.

Tenho pena (I feel bad), mas tenho de fazer a devida correcção do entendimento moderno da palavra -- já sei que me vão acusar de ser incapaz de sentir (I feel badly): o que o Presidente devia querer dizer era "I feel bad", mas talvez o lapso não seja uma não-verdade, pois frequentemente o acusam de ser insensível (he feels badly).

Confissões

Pronto, confesso, o que até é dispensável porque vocês devem ter imaginado logo em que pensei. Claro! Pensei na Lana del Rey a cantar Blue Jeans. Depois comecei a ruminar o que queria dizer as calças de ganga do PM Costa. Será que não há uma equipa de assessores que planeia o protocolo destes eventos? E depois o que foi o PM Costa fazer a Angola, o que é que ia conversar, quais os objectivos da visita para Portugal, como é que se mede o sucesso do encontro, etc.?

Vocês não pensaram o mesmo?

Vamos lá:

"Blue jeans, white shirt
Walked into the room you know you made my eyes burn"


terça-feira, 18 de setembro de 2018

Dress codes

Em 2013, Roger Federer apresenta-se em Wimbledon impecavelmente vestido de branco, como mandam as regras. No entanto, as sapatilhas brancas que usava (ténis brancos para os lisboetas) tinham a sola cor de laranja.
Só fez o primeiro jogo com essas sapatilhas, dado que foi impedido de as continuar a usar. Violava as regras que exigem que os atletas se vistam de forma discreta em Wimbledon.


Já quando Tatiana Golovin entrou com umas ostensivas cuecas vermelhas, ninguém lhe disse nada. Tiveram vergonha de dizer a uma bonita jovem que as suas cuecas chamavam demasiado a atenção.
Devem ter suspirado de alívio quando foi eliminada, terminando com mais embaraços.

A imagem pode conter: 1 pessoa, a praticar um desporto

Quando questionada na conferência de imprensa sobre o assunto, respondeu: “They say red is the color that proves that you’re strong and you’re confident so I’m happy with my red knickers.”

domingo, 16 de setembro de 2018

Machismo?

Não percebo nada de ténis, nem sei se a Serena teve razão, mas sei que quando os tenistas homens insultam o árbitro e andam a testar as raquetes no chão, não há noticia de destaque em Portugal, mas com a Serena houve. Porque é que, se o comportamento dela é mau, não foi tão ignorado como é o mau comportmento dos homens tenistas em Portugal? Ou será que a diferença foi o árbitro ser português?

Que cruz!

Quem estudou economia sabe que há um gràficozinho das curvas da procura e da oferta em que ambas se cruzam. O preço de equilíbrio é o ponto onde se cruzam, mas note-se que este ponto não é um de satisfação universal, pois há sempre -- sempre, mesmo! -- compradores que acham que o preço acima do de equilíbrio é demasiado elevado e vendedores que o acham demasiado baixo e esta malta não participa no mercado, quer dizer, nem compram, nem vendem. O preço age como um mecanismo de racionamento da procura, mas não é imoral que nem toda a gente compre. Vocês acham imoral ir à loja e sair de lá sem comprar nada?

Estou a falar nisto por causa da chamada "taxa Robles" e da discussão que se seguiu que é caracterizada por dois extremos: (1) fazer dinheiro é mau, logo meta-se um imposto para retirar o incentivo monetário, e (2) implementar uma "taxa Robles", i.e., contrair a oferta, não reduz o preço de equilíbrio, logo o melhor é seguir políticas que expandam a oferta pois são essas que reduzem o preço de equilíbrio e promovem a habitação.

Um dos exercícios que damos aos estudantes de economia é dar-lhes vários cenários e perguntar qual o efeito no preço e na quantidade de equilíbrio e há muitas coisas que se podem fazer para alterar o preço de equilíbrio e o acesso ao recurso -- aliás, antes de fazer políticas devíamos pensar no objectivo das mesmas e não sei se viver em Lisboa ou no Porto pode ser defendido como um objectivo político porque pode não servir os interesses do país. Antes de aumentar a oferta não devíamos perguntar-nos se Lisboa e Porto precisam de mais pessoas e se o resto do país está a abarrotar de residentes?

Quando há um grande incêndio em zonas não-urbanas aponta-se como causa o êxodo rural. Se há alguma cidade que tenha beneficiado de tal êxodo é mesmo Lisboa, logo por que razão queremos nós incentivar mais pessoas a mudar-se para Lisboa ou até Porto? Não devíamos nós, e em especial o Governo, ter uma política equilibrada de desenvolvimento para todo os país em que as diferentes políticas funcionem de forma coesa e se reforcem umas às outras em vez de seguir políticas que arranjam num lado e estragam no outro?

Melhorar os transportes públicos também afecta a desejabilidade das diferentes zonas. No outro dia contaram-me um caso de uma rapariga desempregada que tinha recusado um emprego porque o horário dos transportes públicos não lhe permitia ir trabalhar, dado que ela vivia numa cidade próxima a 17 Km e não tinha carro -- era um turno em que saía do emprego à meia-noite. Se as autoridades trabalhassem com as empresas para adequar a infra-estrutura às necessidades da população e do aparelho produtivo, perimitiria que as pessoas vivessem mais longe do emprego.

E por falar em carro, será que uma política de impostos altos sobre os combustíveis promove maior mobilidade da população ou incentiva as pessoas a viver nas zonas que são melhor servidas por transportes públicos, dado que com os salários baixos que se praticam em Portugal, não há muito dinheiro para a gasolina. Também é caro estacionar em Lisboa, mas vai-se a outras zonas da Europa e as classes mais altas andam de transportes em públicos, enquanto que em Portugal o que é comum é qualquer director ter acesso a carro da companhia. Este Verão tive oportunidade de ir a Liverpool em trabalho e cheguei numa Ferça-feira e saí na Sexta. Os meus colegas diziam-me que er pena eu ter saído tão cedo porque ao fim-de-semana, os comboios vêm cheios de pessoas de fora que vão passar o fim-de-semana lá.

Há em Portugal a ideia de que salários altos são obscenos e salários baixos são preferíveis porque ser pobre é uma virtude. O problema claramente é haver uns estrangeiros que ainda não descobriram as virtudes da pobreza salarial e que vêm de fora inflacionar o preço das casas em Portugal. Ignore-se que o dinheiro que gastam em Portugal acaba por ir para algum português -- esperem lá, teria sido para o Robles!

Resta perguntar-nos se a "taxa Robles" não é um medida de disciplina do Bloco de Esquerda, que é incapaz de ter militantes que praticam o que defendem, em vez de uma medida bem pensada e estruturada por parte de pessoas que entendam minimamente o país onde vivem.

Não é só fazer dinheiro que é mal visto em Portugal; fazer perguntas pertinentes e pensar bem também são indesejáveis. É a nossa cruz...





segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Não Valle nada!

Expliquem a este moço do PSD que num partido o papel do líder não é seguir os militantes. Os militantes é que seguem o líder e implementam a visão deste. Se ele é incapaz de ver qual a visão do líder, o problema é dele, não é do líder.

Apetece espremer estes laranjinhas para ver se há sumo na cabecinha porque só dizem e fazem disparates. Destruiram o legado do governo do PSD/CDS que até obteve bons resultados dadas as circunstâncias, não defenderam a reputação de Pedro Passos Coelho, elegeram Rui Rio e agora procedem em destruir o líder que elegeram porque querem um partido novo cheio de gente velha.

Que é isto, pessoas, um concurso de burrice?

Ah, num universo paralelo, o Rio está a dizer ao Valle: "Take a Moon Taxi, buddy: 'Cause who's to say that I'm crazy? Keep it to yourself..."


domingo, 9 de setembro de 2018

Heroína

Depois de ler "Um Momento Definidor para Portugal" fiquei um bocado perplexa com os argumentos apresentados. A tese da peça de opinião, escrita por Miguel Morgado, António Leitão Amaro, Duarte Marques, Miguel Poiares Maduro, e José Eduardo Martins, assenta na premissa de que o futuro de Portugal depende da continuidade de Joana Marques Vidal no papel que ocupa actualmente de Procuradora Geral da República Portuguesa. Este argumento é muito caro aos portugueses porque, no essencial, é o Sebastianismo: só há uma pessoa que pode salvar Portugal e, se falta essa, tudo o resto desmorona.

É estranho que num país que se diz democrático o futuro dependa de apenas uma só pessoa; mas o mais misterioso é que um artigo escrito por cinco homens venha elevar a condição de uma mulher a heroína da República. Portugal continua a ser dominado por homens incapazes, mas de vez em quando lá vem a migalhinha e o "olhem para o que dizemos, não olhem para o que fazemos". Só que não dizem nada de jeito porque:
  1. Na peça menciona-se frequentemente o "passado recente" e uma pessoa fica ali parada a pensar no que é o passado recente. Será que o governo de José Sócrates acabou recentemente? Depois de Sócrates sair do governo, PSD/CDS governaram por quatro anos; entretanto, a Geringonça já vai em dois anos. Mas talvez nos escape o devido apreço pelo facto de Portugal ter 900 anos e, no grande esquema das coisas, tudo é recente.
  2. Por falar em coisas que nos escapam, fica-se sem perceber o que querem os autores do Presidente da República. Em Portugal, o papel do Presidente da República é defender a Constituição da República Portuguesa e esta, por sinal, é a mesma com ou sem artigos de opinião no Expresso. Dado que o actual Presidente da República até tem publicações em Direito Constitucional, é um bocado estranho estar a dar-lhe lições.
  3. A escolha do regime e do país que se quer é feita no Parlamento, que é a entidade em Portugal que representa o povo e que legisla. Como é que alguns dos autores, que são deputados no Parlamento, escrevem como se não tivessem ideia das responsabilidades que assumiram perante o povo que os elegeu? Ou será que ser eleito para o Parlamento se resume à aquisição de direitos sem contra-partida de responsabilidades?
  4. Por muito boa que a Joana Marques Vidal seja, a justiça portuguesa continua a não funcionar. O sucesso é avaliado por resultados, não é avaliado pelo processo: um bom processo sem resultados tem uma taxa de sucesso igual a um mau processo sem resultados. Ou seja, Joana Marques Vidal não é heroína no sentido de ser o feminino de herói; é heroína porque é mais parecida com uma droga que atenua os sentidos do povo, que tem o objectivo de dar a impressão que o sistema está melhor, que há pessoas que estão a fazer o seu trabalho, quando a realidade é que o sistema está na mesma.





quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Black

"And now my bitter hands
Cradle broken glass
Of what was everything
All the pictures had
All been washed in black
Tattooed everything
All the love gone bad
Turned my world to black
Tattooed all I see
All that I am
All I'll be"

~ Pearl Jam

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Snobismo apimentado

Eu não devia escrever a esta hora -- aqui já são 21h19, que é como quem diz, hora de eu ir para a cama porque me levanto antes das seis; quer dizer, é mais idealismo porque eu carrego no snooze umas duas vezes --, mas hoje estava a pensar em moinhos e em ainda não vos ter falado sobre o meu moinho. Qual moinho? O de pimenta, claro.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Um elefante numa loja de porcelana

Nesta última semana, tivemos mais um outro tiroteio na Florida, o que talvez fosse notícia, mas como o Senador John McCain (Republicano, representante do Arizona) faleceu na tarde de Sábado, toda a atenção está a ser focada na reacção do Presidente Trump à morte de McCain. Convenhamos que Trump enfiou-se numa situação má ao criticar McCain sabendo de antemão que a saúde do Senador estava fragilizada. Mas mesmo depois da morte de McCain, o Presidente Trump continuou a faltar ao respeito à memória e ao legado de McCain, que até era a voz mais anti-Trump com assento no Congresso.

Apesar do protocolo ditar que quando um membro do Congresso morre, a bandeira fica a meia haste no dia da morte e no dia seguinte, o normal é o Presidente assinar uma proclamação que prolongue este acto, como forma de honrar o defunto, o que Trump não fez; hoje acordámos e a bandeira da Casa Branca já não estava a meia-haste. Os ânimos exaltaram-se bastante e da maneira que as coisas caminham, o enterro de McCain será transformado numa marcha anti-Trump que unirá pessoas da Direita e da Esquerda americanas.

Não é propriamente surprendente, pois se McCain é conhecido por alguma coisa é mesmo pela sua capacidade de conseguir apoio à esquerda e à direita. (Noto que ainda não consigo pensar em "McCain era"; no Domingo, quando soube da sua morte senti alguma confusão, pois no Sábado tinha sido anunciado que ele iria prescindir de tratamento, mas não entendi que já estivesse tão próximo da morte.) No funeral, Barack Obama e George W. Bush, que têm em comum terem derrotado John McCain em eleições presidenciais, irão proferir panegíricos (é este o termo para "eulogy" em português?).

Na Casa Branca, o Presidente tentou focar a atenção no acordo de comércio internacional com o México, dizendo que era necessário mudar o nome do acordo, pois NAFTA (North-American Free Trade Agreement) tem uma conotação negativa -- até parece que NAFTA é um hotel ao qual se dá um banho de tinta e se muda o nome para tentar passá-lo por novo. Só que o México e o Canadá são "BFFs" e será difícil conseguir um acordo apenas com o México, para além de que o México deve estar preocupado com coisas mais importantes do que o nome do acordo.

A vida na América prossegue com o Presidente Trump a agir como um elefante numa loja de porcelana...

domingo, 26 de agosto de 2018

Dirt Devil

Quase que me esquecia de vos mostrar o Dirt Devil que vi no Texas, num campo em que a colheita foi perdida e, para receber compensação do governo, o agricultor teve de retirar toda a vegetação -- acho uma prática muito irresponsável porque é má gestão da terra, dado que retira humidade do solo e promove a erosão, mas isso são outros 500.

Uma amiga minha do Instagram, que vive no Alentejo, disse-me que, em português, se chama espojinho, uma palavra que desconhecia, mas que acho muito engraçada.

Harvey: um ano

Ontem foi o primeiro aniversário da entrada em terra do furacão Harvey e hoje, há um ano, começava a chover em Houston. Nos noticiários entrevistam especialistas e políticos acerca do nível de preparação da cidade. Houston está menos preparada agora do que antes porque tem menos dinheiro, dada a despesa que teve com Harvey. Por exemplo, ainda há incerteza acerca de como proceder com as casas que inundaram: será que devem ser compradas pela cidade e, se sim, de onde virá esse dinheiro?

A marcar o aniversário, houve eleições no condado de Harris acerca da emissão de $2,5 mil milhões em bonds para financiar projectos relacionados com o controle de inundações e a medida teve votação favorável; em termos práticos, esta medida traduzir-se-á num aumento dos impostos de propriedade em cerca de $5 por ano, em média. No entanto, e apesar do governo federal dos EUA ter dado $5 mil milhões à zona costeira afectada, este montante não é suficiente para pagar todos os custos necessários para melhorar a infraestrutura.

Tem havido uma grande discussão no estado do Texas neste último ano porque o Governador Greg Abbott não deixa usar o fundo de emergência do estado para lidar com estas despesas: o Economic Stabilization Fund que, apropriadamente, tem a alcunha de "Rainy Day Fund" e onde foram poupados mais de $10 mil milhões.

Lembrei-me de ir ler as coisas que escrevi há um ano, quando o Harvey "visitava" Houston. Não parece que tenha passado tanto tempo, mas foi um ano cheio de tropelias na minha vida. Recordo-me de, na altura, ter sido bastante diligente em actualizar a minha situação no Facebook para os meus amigos não se preocuparem, até porque não sabia se ia perder a electricidade ou o acesso à rede, e ficar surpreendida por as pessoas só terem tido noção da situação depois da tempestade ter passado.

Deixo-vos uma lista do que escrevi aqui acerca da tempestade na altura, enquanto penso no que ainda falta escrever deste ano que passou:
  1. Furacão Harvey, 25/8/2017
  2. Harvey Ainda, 27/8/2017
  3. Harvey Dia 4, 28/8/2017
  4. Harvey Recuperação, 29/8/2017 (com uma fotografia de uma cadela que sobreviveu os furacões Katrina e Harvey)
  5. Harvey Dia 5, 29/8/2017
  6. Na Vizinhança, 30/8/2017
  7. Olá, 1/9/2017




sábado, 25 de agosto de 2018

Jack on the rocks...

Uma das coisas a fazer no Tennessee é visitar a distilaria do Jack Daniel's, em Lynchburg. Não sou -- ou melhor, era -- grande apreciadora de whiskey, e nem sequer sabia que Jack Daniel's era tão conceituado, até porque levou a medalha de ouro na Feira Mundial de St. Louis, em 1904, mas é sempre bom aprender estas coisas. (Relativamente a esta feira, há uma outra história que é de cultura geral. Como deverão saber, no sul dos EUA, o chá gelado é a bebida de referência. Pois, é uma invenção que frequentemente é associada a essa feira, mas parece que precede a mesma.)

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Viagens na minha terra

No fim-de-semana que passou, dei um pulo a Nashville, TN, e tenho estado a escrever sobre isso, mas está a demorar um bocado. Entretanto, ontem, vim aqui a Lubbock, TX, que fica na região da Texas Panhandle (asa de frigideira do Texas) para vir inspeccionar os campos de algodão. Não vos posso mostrar o algodão, mas vou mostrar-vos o Canyon de Palo Duro e o Reservatório de Água de MacKenzie.

E pronto...

Já podemos suspirar de alívio porque não temos de viver em suspense para toda a eternidade, como se faz em Portugal com o caso de José Sócrates. O julgamento de Paul Manafort, que trabalhou para Donald Trump, terminou e ele foi considerado culpado de fraude em oito casos. É esperado que apele o veredicto.

Hoje, também, Michael Cohen, o antigo amigo/advogado de Donald Trump, incriminou o Presidente para além de entrar o veredicto de culpado na violação da lei de financiamento de campanhas eleitorais.

Tudo como dantes em Abrantes: a Justiça americana segue o seu caminho e recomenda-se...

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Sobre nada

[Um post que era para ser uma coisa e acabou por ser outra. E comecei a escrever isto há dois anos, para aí...]

Adoro estar sozinha. Não sinto grande falta de pessoas e sou extremamente selectiva com os meus amigos -- há amigos e conhecidos. Como sou muito má a manter contacto à distância com conhecidos, esses acabam por se esquecer de mim, o que me satisfaz muito. Mas de vez em quando, há pessoas que se aproximam de mim e pedem-me a opinião sobre coisas, tipo coisas importantes como percursos de carreira. É um grande erro pedir-me conselhos ou esperarem uma opinião minha, se não querem uma resposta frontal.

domingo, 12 de agosto de 2018

Distância

Na semana passada fui a Houston. Foi uma visita rápida, que contava relatar por aqui enquanto decorria, mas acabei não tendo tempo porque andei sempre com amigos ou estava cansada da viagem. Decidi ficar a primeira noite no Sam Houston Curio Hotel, na Baixa, porque ficava perto do sítio onde tinha de estar na Sexta-feira de manhã. Como cheguei à noite, fui ao bar por uns minutos e bebi o meu primeiro Martini. Normalmente, bebo um copo de vinho ou um gin e tónica, mas decidi não ser tão previsível e experimentar algo novo. o único problema é que não consegui dormir bem essa noite. Talvez eu e os Martinis não sejamos compatíveis à noite, porque repeti a experiência ontem, não em Houston, mas em Memphis, e o resultado foi o mesmo.

A minha manhã de há duas Sexta-feiras foi animada e, apesar da noite mal-dormida, consegui completar o que tinha de fazer. Depois, almocei com uma amiga portuguesa e é tão bom partilhar um almoço em português. De tarde, fui à minha antiga vizinhança, o que me traz um leque variado de emoções, mas parece que as coisas estão a assentar, pois desta vez, conduzir por Houston foi muito mais orgânico, como se fizesse parte de mim. Na última visita, senti uma mistura de medo e surpresa por já ter esquecido algumas partes da cidade. Às vezes detesto a forma como o meu cérebro funciona, a maneira como se adapta à mudança tão rapidamente.

Como a minha vizinha não estava em casa, aproveitei para ir fazer uma pedicure no meu sítio preferido. É sempre um bocado assustador bater à porta dela e não obter resposta porque estou sempre a pensar que algo de mau aconteceu. Não foi mau, foi apenas uma nova experiência que ela decidiu ter aos 94 anos: foi à acupuntura e já estava de regresso depois de eu estar despachada. A filha estava com ela e durante a nossa visita passámos grande parte do tempo a falar da grande notícia desse dia -- um homem suicidou-se num dos parques da cidade.

Há umas semanas, um dos melhores cardiologistas dos EUA -- ele operou o George H. W. Bush -- ia para o trabalho de bicicleta quando foi morto a tiro: um ciclista cruzou-se com ele, parou, puxou a arma e matou-o. A polícia pediu aos residentes para ver se tinham imagens de vídeo e houve alguém que conseguiu ajudar. Depois dessas imagens passarem na comunicação social, alguém conseguiu identificar o ciclista e iniciou-se uma caça ao homem.

Enquanto isto se passava em Houston, uma mulher no Ohio recebia pelo correio a escritura de uma casa em Houston. A casa tinha sido doada por um antigo polícia que, há uns anos, tinha ajudado a filha dessa mulher, uma jovem que era tóxico-dependente e residia em Houston.

Esse polícia bom-samaritano foi o homem que supostamente matou o cirurgião e parece que tinha uma lista de pessoas, que se suspeita estarem também na mira. Nessa manhã de 3 de Agosto, o antigo polícia foi rodeado pela polícia e matou-se com um tiro à frente deles. Para além da arma, tinha também um colete à prova de bala, logo suspeita-se que ele estivesse preparado para fazer alguma coisa má.

Nas últimas semanas, tinha doado a casa e vendido a sua colecção de armas, ou seja, começou a fazer os preparativos para a sua eventual morte. O motivo disto tudo aconteceu há 20 anos, quando a mãe deste homem foi operada pelo cirurgião e não sobreviveu. O que poderia ter acontecido nessa manhã morreu com ele, mas é bastante provável que haja pessoas que podiam estar mortas hoje se as coisas se tivessem desenrolado de outra forma.

A filha da minha vizinha contava isto com grande entusiasmo, enquanto víamos imagens na televisão e ela reconhecia as vizinhanças das imagens e dizia quem tinha morado naquela área. Era estranho ser tão próximo e durante o regresso da visita ao acupunturista, tinham feito um pequeno desvio para ir investigar alguns dos sítios do caso. A minha vizinha dizia à filha "Tu és tão mórbida!" como que a tentar acalmá-la e mais lhe dizia que não ia visitar mais sítios nenhuns do caso com ela. Comentávamos que este caso era tão estranho que, com certeza, irá inspirar um filme para passar na Crime TV, ou um canal semelhante. A realidade é tão mais estranha do que a ficção...

Por umas horas foi como se eu não tivesse partido e quando me despedi, a minha vizinha, que tantas vezes me enxotava de casa dela porque precisava de ir ver um jogo de baseball na TV, ou golfe, ou basquetebol, disse-me que tinha muitas saudades minhas e rapidamente, quase que despercebido, ouvi um "I love you!" Nunca mo tinha dito quando eu estava próximo, mas a distância ajudou a aproximar-nos ainda mais. Isso e eu terminar todos os meus emails que lhe envio semanalmente com "I love you" ou "Love ya" ou "Love, as always". Nunca se sabe o dia de amanhã.











quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Meu caro Eurico Lemos Pires


Perguntei pela tua saúde há pouco mais de um mês, quando estive pela última vez no Instituto de Educação da UM, que, na sua versão inicial (a Unidade Científico-Pedagógica de Ciências da Educação, nos já distantes anos 70 do século passado), tu ajudaste a criar. Tinhas vindo de Angola, um “retornado” que como tantos outros não quis carpir mágoas mas trabalhar, e decidiste abraçar uma das tuas paixões – pensar a educação de um ponto de vista sociológico, mas suficientemente abrangente para não ficares pelos discursos cheios de palavras e vazios de conteúdo prático, que sempre prezaste.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Elas e eles

O NYT tem um artigo a falar da idade em que as mulheres têm filhos e de como isso afecta o futuro das crianças. O problema é um de selecção: as mulheres que têm um nível de educação mais alto e/ou adiam ter filhos por causa da carreira acabam por poder dar melhores condições económicas aos pequenos, o que melhora as expectativas de vida dos mesmos.

Acho esta discussão um bocado incompleta porque também devíamos ter em conta o número de actos sexuais que os jovens têm versus os mais velhos. Se calhar, com a idade avançada, o pessoal tem mais sexo quando quer procriar; de resto, estão satisfeitos em olhar um para o outro languidamente porque se amam muito, mas apenas figurativamente.

E depois onde ficam os homens nisto tudo? É que parece que elas é que tomam as decisões todas, estilo ida ao super-mercado: hoje apetecia-me uma queca reprodutiva para o jantar. Vamos ver como está o menu do bar da esquina. Eu sei que há aquela coisa da emancipação das mulheres e de elas decidirem o que fazer com o corpo, mas se uma mulher quer engravidar e o parceiro não, será que ela leva sempre a dela avante?

Há uma outra hipótese, pois claro: talvez haja um segmento da população masculina que goste de ter relações com mulheres mais novas, que são também aquelas que têm um nível de educação mais baixo. Se calhar, há maior probabilidade que elas prescindam do preservativo, o que "supostamente" dá mais prazer a eles. E talvez o custo de oportunidade de um homem deixar uma mulher sem grandes perspectivas de vida porque não gosta muito de estudar seja mais alto do que se deixar uma mulher com uma carreira estabelecida.

Ou seja, talvez a situação actual não seja apenas o resultado de selecção delas mas também deles e nós só apreciamos o ponto de vista que dá jeito à tese que queremos defender.

terça-feira, 31 de julho de 2018

Génios et al.

Ora, tenho andado a praticar aritmética e a minha última descoberta é que 2018 menos 4 são 2014, que parece ser o ano em que os manos Robles decidiram comprar aquele prediozito, livrar-se dos inquilinos, e fazer obras. Nessa altura, o Presidente da CML era o actual PM Costinha, aquele génio político que nós admiramos e que só saiu de lá em Abril de 2015.

O mano Robles já se demitiu, mas agora não se demitam vocês do vosso papel de cidadãos e exijam respostas:
  • em que circunstâncias os manos Robles compraram o prédio?
  • qual a razão de a Segurança Social ter vendido o prédio por um valor tão baixo?
  • qual a análise de risco que foi feita para conceder o empréstimo para a compra do prédio e custo das obras?
  • como é que os manos Robles incentivaram os inquilinos a sair do prédio tão rapidamente?
  • como é que as licenças foram aprovadas tão rapidamente na CML?
  • o caso Robles é excepção ou regra na CML?
  • qual o valor do prédio declarado para efeitos de IMI?

Coisas assim... Andem lá, não sejam preguiçosos!

Até o Ben Bernanke levou tampa quando foi ao banco tentar renegociar o empréstimo da casa e ele cobrava $400 mil por discurso e tinha sido Presidente da Reserva Federal. E isto num país que elege o Trump para Presidente!

segunda-feira, 30 de julho de 2018

domingo, 29 de julho de 2018

Hope

It would be all too easy to start this post with "Hope is the thing with feathers", but that is exactly what occurred to me, after I realized that hope is when your Starbucks baristas do not call you M'am one morning -- a rather elusive definition. I am sure that it was not planned because all women are usually treated as M'am, as that is the norm in this part of the country, but I am hoping that maybe it was the fact that a woman in a Moon Taxi t-shirt and flip-flops on a Sunday morning should not be called M'am. Certainly, the next time I go to Starbucks during the week because I forgot to buy yogurt for breakfast, or I do not feel like eating anything for lunch, but I still have to eat and thus I roam to the place where I am most at ease, I will be called M'am. I realize the contradiction, but then I will be dressed for work and when I'm in my work attire, being a M'am is probably not a bad thing.

The other day, at that Starbucks, where I go to every Sunday morning for breakfast, as if it were a religious experience, one of the baristas asked me what I did: was I studying or working. I was practicing my Portuguese, I told him: I try to read a bit and then I also write. I wondered later why it would matter in what language I write or read when I answer a question about what I am doing? Furthermore, why is it that I want Portuguese when I am in the U.S. and English when I am in Portugal? I must conclude that I do not want to belong, to be defined by the place where I am and the easiest way to rebel is to go through the day in a foreign language when I can perfectly function in the native language of the people around me.

And so hope is that someone does not define me by how they define others.

Unicórnios à portuguesa

O Ricardo Robles pediu um empréstimo há quatro anos para comprar um prédio, que tinha um valor total de 347 mil euros, a meias com a irmã em que banco? Há quatro anos era 2014 e seria importante saber que análise de risco o banco fez para justificar este empréstimo; conhecermos o banco também nos diria se teve intervenção do estado, em que situação o banco está, etc.

Trata-se de um apartamento de 85 m2 com cinco divisões, na Avenida Praia da Vitória (zona nobre de Lisboa) cujo valor patrimonial é de 65.700 euros. No entanto, ao contrário do que acontece com os restantes imóveis declarados por Ricardo Robles, não é declarado ao TC qualquer empréstimo para a compra do apartamento.
~ Sol, 7/28/2018

Agora sabemos que tem um outro apartamento no centro de Lisboa que vale 65,7 mil euros. Sabem dizer-me onde posso encontrar uma coisa destas à venda, que deve ser mais parecida com um unicórnio do que com um apartamento? É que eu também queria comprar um se existisse... (Eu percebo que o valor declarado pode não corresponder ao valor de venda, uma das idiosincrasias do sistema de impostos português.)

O caso de Ricardo Robles é parecido com o caso de Sócrates: gasta muito mais dinheiro do que os seus rendimentos justificam. Quantos mais haverá como eles? Será por isso que não nos querem revelar a lista de devedores da CGD?

sábado, 28 de julho de 2018

INTJ

Quando estava em Liverpool, fui jantar com dois colegas, um deles escocês, com um sotaque muito forte, mas uma pessoa super-divertida. Depois recordei-me que tinha tido uma conference call com ele e com o resto da equipa e eu lhe tinha feito uma pergunta à qual ele tinha respondido "That is a brilliant question!" O meu chefe, que também estava na chamada, deu uma gargalhada sonora. Alguns dos colegas olham para mim e dizem-me que não percebem nada do que eu digo porque reparo em coisas que lhes passam ao lado: "You're way up there", pois é, ando um bocado nas núvens.

No jantar, o colega escocês perguntou-me que tipo de personalidade era a minha. É INTJ e, pronto, está explicado, diz-me ele. Cerca de 2% da população é INTJ, mas em mulheres, o INTJ é raro: apenas 0.8% da população são mulheres INTJ (há 16 tipos de personalidade, logo se fossem distribuídos uniformemente, 6,25% da população cairia em cada tipo e, nesse caso, deveria haver um pouco mais de 3,125% de mulheres INTJ porque mais de 50% da população são mulheres).

Os INTJ são os que esperam sempre o pior, curiosos, calculistas e planeiam a longo prazo como se a vida fosse um tabuleiro de xadrez, são simultaneamente idealistas e cínicos, arrogantes, muito sarcásticos e têm um humor negro, reprimem as emoções, não gostam de conversa fiada e preferem amizades com mais profundidade, são completamente incompetentes romanticamente, e têm muitas contradições que na cabeça deles não as são. Ah, e desistem do que gostam... Uns tipos supimpa, portanto!

Uma das minhas contradições pessoais é gostar tanto de Portugal e, no entanto, ter saído. E passo muitas vezes a perguntar-me" "mas que se passa contigo, Rita, porque é que és assim? Se gostas tanto, porque é que não estás lá?" Eu sei a resposta, claro. Uma das razões é Portugal ser demasiado homogéneo: as pessoas são incentivadas a não sair muito dos eixos. E vocês dizem-me "Mas, Rita, olha este Robles, que saiu dos eixos e comprou o tal apartamento barato para o vender caro?!?" Meus caros, o Robles teria saído dos eixos se não tivesse feito nada de mal.

É normal, em Portugal, quem está em posições de poder aproveitar-se delas e isso é tolerado pela população, é o paradoxo "Rouba, mas faz!" Conflitos de interesse é a norma e os portugueses bem podem ir para o Facebook dizer "Este país não é para gente honesta.", mas há quanto tempo se passa isto e ninguém faz nada para mudar o sistema? Nem sequer votam.

Ultimamente, tenho andado com aspirações políticas e penso que, quando me reformar, vou para Portugal candidatar-me a Presidente da Câmara de um sítio qualquer, mas depois noto que é o meu INTJ a falar. O mundo em que os INTJ vivem é muito fantasioso e perfeito, muito acima da realidade, e a realidade é que, em Portugal, ninguém me elegeria para Presidente da Câmara de nenhum lado: não sou desonesta, nem suficientemente incompetente, e não sou trafulha para usurpar o poder. E, pronto, já desisti...







sexta-feira, 27 de julho de 2018

Souvenir

All I need is
Co-ordination
I can't imagine
My destination
My intention
Ask my opinion
But no excuse
My feelings still remain

~ OMD, Souvenir

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Má memória

Um dos meus colegas americano, talvez uns 15 anos mais velho do que eu, na Sexta-feira, lamentava-se da sua fraca memória, não se recordava de nada do que lhe tinha acontecido há muito tempo. O que é muito tempo não sei, mas eu gabava-me que me lembrava da infância, em particular de alguns episódios bastante traumáticos que me aconteceram, como quando deixei de me poder balançar dos braços dos meus pais por ficar demasiado alta. Era uma das coisas que eu mais gostava de fazer e assim, de um momento para o outro, acabou sem qualquer aviso. Não mais recuperei dessa perda...

Mais recentemente, ainda me recordo das minhas leituras na escola e comecei a pensar nelas hoje quando ouvia o Governo Sombra durante o meu passeio vespertino. À medida que ouvia o programa fiquei com um sabor muito amargo porque me senti completamente anormal. Eles falavam de Eça de Queiroz, Almeida Garrett, e Camilo Castelo Branco, os grandes da nossa literatura, mas eu não percebi o destaque. Depois comecei a elencar na minha cabeça quem eu tinha lido, se bem que, quando eu era miúda, o que me torturava um bocado era exactamente o que eu não lia: Cesário Verde, Camilo Castelo Branco, Antero de Quintal, Alexandre Herculano... Bem sei que poderia ter lido por conta própria, mas sinceramente não me ocorreu porque estava mais interessada em ler a Just Seventeen e a Smash Hits.

Que li eu, então? (Antes de começar a minha lista, tenho de vos dizer que fiz o ensino secundário em três escolas diferentes e frequentei a área C.) No sétimo ano, lemos o "Romance da Raposa" de Aquilino Ribeiro. Não achei grande piada, mas lembro-me da minha professora de português me elogiar nas aulas porque notou que eu tinha lido o livro. Não compreendi o porquê de voltar a ler Aquilino Ribeiro no oitavo ano com "O Malhadinhas", que também não apreciei por aí além, mas tenho ambos estes livros aqui comigo. (Há mistérios que desconheço apesar de ter sido parte integrante dos mesmos.) No oitavo ano, também lemos "A Crónica dos Bons Malandros" do Mário Zambujal -- muito giro e não sei por que razão não trouxe esse livro comigo.

Já o nono ano foi dedicado a Gil Vicente e a Camões (sonetos e Lusíadas); não me recordo de muito mais do que isso. No décimo ano foi mais Lusíadas e Os Maias do Eça. Gostei muito d'Os Maias e desenvolvi uma pequena paixoneta pelo Ega: "Je suis Mephisto..." Também tenho cá e está na minha lista de livros que tenho de voltar a ler.

No décimo-primeiro ano, lemos "As Viagens na Minha Terra" de Garrett. Não me tocou por aí além, apenas achei curiosa a ideia de alguém cegar por ter chorado demasiado. Não me recordo de lermos mais nenhum livro, apenas textos avulso do nosso livro de leitura. No décimo-segundo ano não tive português, mas em inglês lemos alguns textos de Shakespeare e "The Great Gatsby" do F. Scott Fitzgerald. Um dos meus primos em segundo-grau leu "The Pearl" de Steinbeck, em vez do Gatzby, e decidi também ler durante as férias.

Não me senti prejudicada por ter de ler estas coisas; pelo contrário, se o ensino fosse apenas aquilo de que gostávamos, então, sim, penso que seríamos prejudicados. E para mim seria livros da Disney, do Cebolinha, e revistas de música pop. Por acaso, li vários livros da Sophia de Mello Breyner Andresen por iniciativa própria.

Penso que é curioso que não tenhamos lido autores não-portugueses nas aulas de Português, mas a coisa que achei mesmo deficiente no ensino da nossa língua materna foi a escrita criativa. Na escola primária, gostava muito era de escrever e senti grande falta quando deixámos de fazer as nossas redacções, mas eu também já estava farta de escrever sobre os mesmos tópicos: o Outono, o Inverno, a Primavera, as Férias, o Natal, etc. A PGA para mim até foi um grande prazer.

Vir estudar para os EUA e ir à livraria da universidade e encontrar "n" livros que nos ensinavam a escrever e ter aulas em que tínhamos de fazer relatórios sobre artigos ou sobre tópicos relevantes à cadeira era para mim ouro sobre azul. Quando fiz a tese de doutoramento, um dos meus professores perguntou-me quantos rascunhos tinha feito. Eu respondi que aquele era o primeiro e ele disse-me que eu tinha jeito para aquilo. Aliás, nos EUA, os meus professores achavam que eu escrevia bem e compreendia o que lia.

Em Portugal não era e não é assim: não tenho jeito para nada, nem para esquecer que li Mário Zambujal.

domingo, 22 de julho de 2018

Arte longa, vida breve

Não é diferente do que aconteceu em Houston de, no início, não ter pessoas com quem ir a museus. Talvez essa seja a situação ideal -- não ter pessoas -- porque todos nós temos um ritmo diferente de ver as coisas e acho intrusivo que tenhamos de convergir para um ritmo comum. Quer dizer, não julgo intrusivo da parte dos outros, mais da minha parte porque sou bastante lenta e deambulo bastante, mas também sou bastante acomodatícia, logo adapto-me bem ao ritmo dos outros.

Uma amiga perguntou-me, na Sexta-feira, o que ia fazer no fim-de-semana e respondi-lhe que ia ao Brooks, um dos museus de Memphis, o qual apenas visitei uma vez, quando houve uma exposição de gravuras do Salvador Dalí; interessava-me ver as de "Alice no País das Maravilhas". Da colecção permanente, apenas me recordava de um quadro de William-Adolphe Bouguereau. Gosto do trabalho dele, especialmente de "O Primeiro Beijo", em que Cupido beija Psique, versão infantil. Esse quadro se fosse feito hoje, seria um escândalo. A mitologia é um escândalo, como a escultura de "O Rapto de Proserpina", de Bernini, que à primeira vista parece deslumbrante -- como é possível a um pedaço de mármore parecer mais vivo do que a maioria das pessoas que se encontra na rua? Mas depois há os que, quando sabem do que se trata, acham uma desgraça, como se fosse um elogio à violência contra as mulheres.

É uma visão um bocado optimista que apenas as mulheres fossem alvo de violência. A mitologia é, acima de tudo, muito democrática e o que não falta é violência contra homens, mulheres, e crianças. Se calhar estas histórias revertem de um tempo em que o mundo era extraordinariamente violento e talvez a história oral não servisse de ode à violência, mas de alerta contra a violência: se não te portas bem, os deuses castigam-te; se és muito atraente, os deuses cobiçam-te... Conclusão, não dês nas vistas e talvez te safes.

A arte serve de memória colectiva, de reflexão. Nem tudo o que parece é e, por vezes, há coisas que são umas coisas agora e tornam-se coisas diferentes mais tarde. Ou talvez o que as coisas são não tenha nada a ver com as coisas em si, mas sim connosco. Fui ao Dixon depois do Brooks e no jardim há uma escultura de Rodin: os três homens que estão no topo de "As Portas do Inferno". São figuras de homens fisicamente fortes, mas contorcidos em dor. O que me cativa são as suas mãos: seis mãos e quase todas têm os dedos como que a formar uma mudra. A procura da paz interior, mesmo quando tudo em redor os oprime.

Mas talvez seja só eu que veja isto e quando Hipócrates disse que a arte é longa e a vida curta, não estava a falar do tempo que dura uma versus a outra, mas sim da multitude de experiências de uma e de outra: a nossa vida está reduzida a ser vista à luz da nossa experiência; já a arte é vista pela experiência de cada um, e qualquer uma peça inspira algo muito mais longo do que qualquer uma vida.




Foi só oral...

Clinton: "I did not have sexual relations with that woman."
Trump: "[...] your favorite President did nothing wrong!"

sábado, 21 de julho de 2018

Four great motives

I think there are four great motives for writing, at any rate for writing prose. They exist in different degrees in every writer, and in any one writer the proportions will vary from time to time, according to the atmosphere in which he is living. They are:

(i) Sheer egoism. Desire to seem clever, to be talked about, to be remembered after death, to get your own back on the grown-ups who snubbed you in childhood, etc., etc. It is humbug to pretend this is not a motive, and a strong one. Writers share this characteristic with scientists, artists, politicians, lawyers, soldiers, successful businessmen — in short, with the whole top crust of humanity. The great mass of human beings are not acutely selfish. After the age of about thirty they almost abandon the sense of being individuals at all — and live chiefly for others, or are simply smothered under drudgery. But there is also the minority of gifted, willful people who are determined to live their own lives to the end, and writers belong in this class. Serious writers, I should say, are on the whole more vain and self-centered than journalists, though less interested in money.

(ii) Aesthetic enthusiasm. Perception of beauty in the external world, or, on the other hand, in words and their right arrangement. Pleasure in the impact of one sound on another, in the firmness of good prose or the rhythm of a good story. Desire to share an experience which one feels is valuable and ought not to be missed. The aesthetic motive is very feeble in a lot of writers, but even a pamphleteer or writer of textbooks will have pet words and phrases which appeal to him for non-utilitarian reasons; or he may feel strongly about typography, width of margins, etc. Above the level of a railway guide, no book is quite free from aesthetic considerations.

(iii) Historical impulse. Desire to see things as they are, to find out true facts and store them up for the use of posterity.

(iv) Political purpose. — Using the word ‘political’ in the widest possible sense. Desire to push the world in a certain direction, to alter other peoples’ idea of the kind of society that they should strive after. Once again, no book is genuinely free from political bias. The opinion that art should have nothing to do with politics is itself a political attitude.



~ George Orwell: ‘Why I Write’
First published: Gangrel. — GB, London. — summer 1946.
Reprinted:
— ‘Such, Such Were the Joys’. — 1953.
— ‘England Your England and Other Essays’. — 1953.
— ‘The Orwell Reader, Fiction, Essays, and Reportage’ — 1956.
— ‘Collected Essays’. — 1961.
— ‘Decline of the English Murder and Other Essays’. — 1965.
— ‘The Collected Essays, Journalism and Letters of George Orwell’. — 1968.

Vestir-se e despir-se

No sítio onde trabalho há um código de vestuário: temos de nos apresentar de forma profissional. No entanto, ninguém liga muito à letra do que é aparência profissional. Há algumas senhoras que se vestem como teenagers e um dos meus passatempos é olhar para elas e ver que artista pop gostavam quando eram novas. Por exemplo, houve uma senhora, que já não vejo há tempo, que se vestia e tinha um corte de cabelo como a Tiffany, aquela que cantava "I think we're alone now..." Outras são mais modernas e em vez de música talvez sigam blogues de moda, nos quais mangas com folhos e ombros descobertos estão muito em voga.

O que eu gosto mesmo é saias compridas e também ando entusiasmada com vestidos e bastante cor. Não aprecio fatos, nem saias travadas, o que é problemático quando vou a entrevistas de emprego. Por exemplo, para a entrevista para este emprego, que foi em Fevereiro -- Inverno, portanto --, levei umas calças de fazenda de lã, uma camisola de caxemira, e um casaco comprido de fazenda de lã vermelho com flores brancas (um tecido italiano). Quando uma amiga minha me viu depois da entrevista disse-me que nunca se vestiria assim para uma entrevista, preferia ir de preto. Eu suponho que, se eu vestisse uma coisa da qual eu não gostasse, ficaria mal-humorada e tal iria reflectir-se na minha cara durante a entrevista. Em vez disso, como adoro aquele casaco e faz-me mesmo tão feliz, suponho que conversar comigo quando visto se torna mais agradável.

Esta semana no trabalho algumas das coisas que usei foram um vestido maxi amarelo que adoro; um vestido curto de seda, muito colorido, combinado com umas calças de perna larga; uma saia maxi com folhos com uma túnica de malha. São tudo peças das quais eu gosto muito e me fazem sorrir. Os meus colegas devem pensar que eu sou meio-maluca com as minhas escolhas; ou talvez não, porque frequentemente ouço comentários a dizer que gostam de uma peça ou outra que eu estou a usar.

No entanto, fiquei surpreendida com um comentário que não esperava. Uma colega perguntou se eu andava à procura de homem. Fiquei tão desconcertada com aquela observação, com aquele sabor amargo na boca -- não acho que ser mulher seja uma limitação, mas é como se algumas mulheres vivessem em função dos homens. E dizerem-me isto logo a mim que sou tão arrogante e narcisista e gosto tanto de ser assim.

Para além disso, uma mulher deve vestir-se para ela e despir-se para os outros.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Vontade de desistir

Está a trovejar lá fora e tivemos um alerta de calor -- amanhã irá ser pior, com a temperatura a chegar aos 40 graus. Mas hoje pensei que talvez fosse bom começar a organizar os meus livros, só que apetece-me desistir. Coloco-os nas prateleiras e penso que não pertencem ali porque em Houston eu tinha-os num sítio diferente. E, às vezes, olho para alguns livros que ainda estão juntos como estavam na casa anterior e por, um segundo, penso que regressei.

Comprei outro livro de Eugénio de Andrade no mês passado; mas, quando vou ao quarto onde tenho os livros de poesia para o arrumar, não encontro os outros. Não, os livros do Eugénio de Andrade estão sempre no meu quarto -- os meus preferidos dormem comigo, sem paredes entre nós, e a uns passos de uma carícia.

Nesta última viagem a Portugal comprei mais livros, muitos mais do que conseguirei ler, mas dá-me um enorme conforto pensar que, se eu morresse de repente, iria ficar um monte de livros em português nos EUA. Seria talvez o meu melhor legado...