quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Sobre o aumento do salário mínimo

Aumentar o salário mínimo nacional parece reunir o consenso nacional. À esquerda todos o desejam e, à direita, o governo também já disse que apenas a tróica o impedia de aumentar o salário mínimo. Marcelo Rebelo de Sousa, possível candidato da direita à presidência, também já declarou ser a favor de um aumento do salário mínimo. É assim provável que nos tempos mais próximos o salário mínimo seja aumentado.

Em primeiro lugar, e para que não haja dúvidas sobre isso, sou a favor da existência de um salário mínimo nacional. Em muitas situações, o poder negocial dos trabalhadores é muito baixo, sendo assim essencial a existência de um salário mínimo que os proteja dos desmandos de alguns empresários.
No entanto, o salário mínimo, servindo para evitar situações de exploração, não pode estar desligado da realidade do mercado laboral. Penso que todos entendem isto, caso contrário todos defenderíamos um salário mínimo de 10 000€. Não o defendemos porque é óbvio que tal salário mínimo implicaria uma explosão de desemprego.

Em Portugal, o desemprego está em níveis históricos. Esse dado, por si só, deveria alertar-nos para o perigo que é forçar um aumento artificial dos salários. Mas há outros indicadores nesse sentido. Por exemplo, o Índice de Kaitz, que mede a proximidade entre o salário mínimo e o salário mediano, mostra que em Portugal estes dois salários estão perigosamente perto. Enquanto nos anos 90 o índice para Portugal estava na média dos países da União Europeia, em 2009, Portugal tinha o segundo valor mais elevado da UE a 27. Ou seja, para a realidade do nosso mercado laboral, o salário mínimo subiu bastante na última década.

Pode sempre argumentar-se que, ao se subir o salário mínimo, se põe pressão para subir o salário mediano. Mas, com taxas de desemprego tão elevadas, parece-me que isso é entrar no reino da fantasia: enquanto as empresas tiveram à porta um exército de desempregados, os trabalhadores não têm força negocial para aumentar os salários. A melhor forma de aumentar salários é mesmo ter uma baixa taxa de desemprego.

Relembro o que escrevi em tempos: Imagine-se uma empresa onde trabalham 100 pessoas que recebem o salário mínimo. Um aumento do salário mínimo de apenas 20 euros traduz-se num aumento dos custos de 34 650 euros anuais. Do ponto de vista desta empresa, a situação é equivalente a um aumento de impostos de quase 35 mil euros. Ao se aumentar o salário mínimo penalizam-se empresas que exercem uma acção social muito importante que é a de empregar trabalhadores pouco qualificados, muitas vezes envelhecidos e sem hipóteses de requalificação profissional. Negar esta evidência é negar a realidade do nosso país.

Assim, dada a realidade actual, um aumento simples do salário mínimo, com toda a probabilidade, ao aumentar as dificuldades de muitas empresas, traduzir-se-á num aumento do desemprego. É isso que indica, por exemplo, um estudo de colegas meus do Minho (um deles co-autor deste blogue) e da FEP.

Se numa política de combate à pobreza, absolutamente legítima e com a qual concordo, se pretender aumentar o salário mínimo, tal deve ser feito sem penalizar as empresas que o pagam, nem penalizar os trabalhadores que ficariam desempregados por causa dessa subida. A melhor forma de assegurar este objectivo é complementar os rendimentos mais baixos com alguma transferência do Estado, por exemplo, um primeiro escalão de IRS com uma taxa negativa. Do ponto de vista do trabalhador, o salário mínimo líquido aumenta, mas evita-se aumentar os custos laborais para a empresa. Naturalmente, este subsídio é pago por todos nós, via impostos. Aumenta a coesão nacional, redistribuindo de rendimentos e aumentando as transferências das zonas mais ricas para as zonas mais pobres.

Os sinais de recuperação da economia portuguesa ainda são ténues. Com o Orçamento de Estado a ser brevemente aprovado, já está anunciada uma grande pancada para o próximo ano (e veremos se não tem já efeitos no 4º trimestre de 2013…). Numa economia que começa agora a respirar, não lhe dêem mais pancadas.

20 comentários:

  1. Se bem entendi o aconselhado arriscar-se-ia porém a retirar da medida toda a componente de incentivo social a fomentar a produtividade e a promover a eficiencia no uso dos recursos - neste caso dos recursos humanos. O salário mínimo tb serve para evitar que todos os ganhos de competitividade se concentrem nos custos do trabalho. Não tenho dados que o confirmem, mas desconfio que a passagem do salário mínimo para 500 euros, ou até algo mais elevado, perturbasse assim tanto o milagre económico em curso.

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    1. "Se bem entendi o aconselhado arriscar-se-ia porém a retirar da medida toda a componente de incentivo social a fomentar a produtividade e a promover a eficiencia no uso dos recursos - neste caso dos recursos humanos."

      Eu aqui penso que está a tentar pôr o carro à frente dos bois. Parece-me que com tantas empresas a ir à falência e tantas a passarem por dificuldades, é um pouco forçada a ideia de que poderão rápida e facilmente aumentar a eficiência no uso de recursos. Com certeza que se o soubessem fazer, tê-lo-iam feito em vez de andar a arcar com prejuízos em anos consecutivos.

      "O salário mínimo tb serve para evitar que todos os ganhos de competitividade se concentrem nos custos do trabalho."

      De acordo, mas é importante lembrar, e é esse o meu ponto, que estamos com uma taxa de desemprego enorme. O exército de desempregados está aí. Não faz sentido raciocinar como se a taxa de desemprego fosse de 5%.

      "Não tenho dados que o confirmem, mas desconfio que a passagem do salário mínimo para 500 euros, ou até algo mais elevado, perturbasse assim tanto o milagre económico em curso."

      Se, como afirma, realmente houvesse um milagre económico em curso, concordaria consigo: provavelmente, não afectaria. No entanto, eu não acredito muito nesse milagre, pelo que não retiro a mesma implicação. Quanto a não ter dados, pode encontrá-los aqui: http://www.nipe.eeg.uminho.pt/Uploads/NIPE_PP_01_2011.pdf
      O estudo foi feito precisamente com o exemplo dos 500€ em mente. E posso confirmar que pelo menos um dos autores não estava a contar com o resultado a que chegou, pelo que a pré-disposição dele até era a contrária.

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  2. Temo porém que, na ausencia dessa motivação de servir como incentivo social/empresarial, a existência de um salário mínimo nacional deixaria de fazer sentido. A sua justificação ("Em muitas situações, o poder negocial dos trabalhadores é muito baixo, sendo assim essencial a existência de um salário mínimo que os proteja dos desmandos de alguns empresários.") talvez não seja pertinente. Entre milhões de trabalhadores (alguns organizados em sindicatos) e milhares de empresas (algumas organizadas em associações) o poder negocial talvez não seja assim tão desequilibrado e os "desmandos de alguns empresários" não teriam suficiente significado para se sobreporem ao primado do mercado de trabalho livre. Entretanto vou ver se (re)leio o papel dos colegas. Deve ser daqueles, entre muitos, que ficou para trás...;-)

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    1. Pois, não concordamos. E o facto de haver muitos mais trabalhadores do que empresas é que faz com que os trabalhadores muitas vezes tenham baixo poder negocial.
      O que diz vai contra toda a minha intuição. Parece-me razoavelmente óbvio que se os trabalhadores tivessem grande poder negocial, então os salários seriam mais altos do que são.

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  3. Estimado Senhor Autor, por favor, gostaria que partilhasse a decomposição do coeficiente que transforma 100X20€ em 34.650€.
    Obrigado.

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  4. Fala-se no salário mínimo ... e quanto aos salários mais altos (a começar na função pública, algums pornográficos, pois no privado as coisas por vezes ajustam-se por elas), desajustados à realidade do país? Muitas vezes superiores a outros países europeus com um custo do nível de vida bem acima ... já para não falar em pensões auto-atribuidas por assembleias cheias de máfias partidárias em proveitos próprios? ... o problema do país é a corrupção política em primeiro lugar e a competência política em segundo. Enquanto não se mudar este país não vai a lado nenhum. Sair da crise ? Oh, sim, só se forem estatisticas para tapar os olhos. O que foi resolvido nos ultimos anos ...? Pouco ou nada.

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    1. "Fala-se no salário mínimo ... e quanto aos salários mais altos (a começar na função pública, algums pornográficos, pois no privado as coisas por vezes ajustam-se por elas), desajustados à realidade do país? "

      Não função pública existem salários máximos, sim. Existe um tecto. E, pelo menos para os próximos tempos foi proposto um corte de 12%. Não responde ao resto, porque não percebo o que quer dizer.

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  5. "Não função pública existem salários máximos, sim. Existe um tecto."
    Existe um tecto, sim, no entanto salários altamente desajustados da realidade mesmo com cortes de 12%, além das mordomias e gastos à conta do herário público (basta ver as deslocações com veículos oficiais para uso privado, como mero exemplo num mar deles). Onde já se viu ter acessores especialistas, recém saídos das universidades a ganharem mais de 3000€, mês, quando no sector privado em muito raras ocasiões isto acontece (sendo que as há por factor ou de profissionalidade ou de familiaridade)? Ou professores que dão um par de aulas por semana em universidades públicas a embolsarem 1500€ limpos por mês. Somando tudo ...

    No sector privado simplesmente não existem sindicatos credíveis (excepto num ou outro caso) pois em Portugal predominam as micro empresas com um numero reduzido de empregados, e cujo poder negocial de salários resume-se ... ou queres ou rua. Quantos dos explorados dos shopping centers trabalham em part-time (sem sequer chegar ao salário mínimo) e fazem 8/10 ou mais horas por mês sem que haja supervisão alguma de entidades, e quando as há, já se sabe que vai ser "amanhã" ...

    O estado tem que emagrecer para metade ... no minimo para que a economia respire e se auto-regule ... a globalização tem coisas más mas também tem boas para quem se adaptar a ela, felizmente.

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  6. "Onde já se viu ter acessores especialistas, recém saídos das universidades a ganharem mais de 3000€, mês, quando no sector privado em muito raras ocasiões isto acontece (sendo que as há por factor ou de profissionalidade ou de familiaridade)?"

    Chama a isso função pública?

    "Ou professores que dão um par de aulas por semana em universidades públicas a embolsarem 1500€ limpos por mês."

    Não sei do que fala. Um professor auxiliar, a tempo inteiro e em regime de exclusividade, ganha algo como 1900€ líquidos. Assim, o que fala parece-me um pouco absurdo, ou, pelo menos, descreve uma realidade que desconheço.

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    1. Já agora, para quem não conhece a carreira académico, professor auxiliar é alguém que já tem o doutoramento. Pelo que estamos a falar de alguém altamente qualificado.

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  7. Compare o que ganha um profissional também "altamente qualificado" como menciona no sector privado (pois também os há doutorados sim senhor) e depois se vê o porquê do défice de Portugal. Depois vêm com morais relativas aos salários mínimos. Compare-se quanto ganham professores (tocando nesse assunto) noutros países com os mesmos salários médios REAIS e veja-se as discrepâncias em termos de percentagens.

    Pelo que comenta posso presumir (meter pimenta aqui) que apenas se poderão considerar profissionais altamente qualificados os senhores doutores (com doutoramento, não confundir com o Sr. Doutor Médico) sendo que só por aí qualquer excelente profissional que não possua doutoramento por muito bom que seja, é apenas qualificado. A teoria não é tudo ... quantos sabem a teoria ... mas na hora de a pôr em prática ... tossem para o lado, ou mostram powerpoints com informação via google.

    Professor auxiliar é de alguém que tem o doutoramento se ... estivermos a falar de ensino universitário, no entanto há mais ...

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    1. "Compare o que ganha um profissional também "altamente qualificado" como menciona no sector privado (pois também os há doutorados sim senhor) e depois se vê o porquê do défice de Portugal."

      Só pode estar a brincar! Comparando com os meus colegas, bem como com a minha esposa, o que vejo é que no sector privado eu estaria a ganhar bastante mais.

      "Compare-se quanto ganham professores (tocando nesse assunto) noutros países com os mesmos salários médios REAIS e veja-se as discrepâncias em termos de percentagens."

      Já comparei muitas vezes, mas deixei-me disso, porque senão estava sempre a arrepender-me de ter voltado para Portugal.

      "Pelo que comenta posso presumir (meter pimenta aqui) que apenas se poderão considerar profissionais altamente qualificados os senhores doutores (com doutoramento, não confundir com o Sr. Doutor Médico) sendo que só por aí qualquer excelente profissional que não possua doutoramento por muito bom que seja, é apenas qualificado."

      De facto, não consigo perceber o seu raciocínio. Lamento.

      "Professor auxiliar é de alguém que tem o doutoramento se ... estivermos a falar de ensino universitário, no entanto há mais ..."

      Por exemplo?

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    2. Em relação ao primeiro parágrafo que escreve ... tem sempre liberdade de escolha ;)
      Poderei estar em erro, fruto de andar pouco atento por natureza, mas existem processos a decorrer para quem quiser rescindir da função pública com "incentivos" para tal.

      Em relação às minhas redundâncias no tema das qualificações ... nada acrescento. A ideia não era ser necessáriamente explícito. O que torna um profissional qualificado (a título de exemplo)?

      Quanto ao exemplo ... temos ensino primário, secundário, especial, etc. Não é extremamente necessário que um docente seja doutorado nestes ensinos ... o que não os torna menos super ou hyper qualificados, necessáriamente.

      Em todo o caso votos de boa semana ;)

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    3. "Em relação ao primeiro parágrafo que escreve ... tem sempre liberdade de escolha ;)
      Poderei estar em erro, fruto de andar pouco atento por natureza, mas existem processos a decorrer para quem quiser rescindir da função pública com "incentivos" para tal"

      Claro que tenho liberdade de escolha. Mas o que tem isso a ver com o assunto? Você disse que havia professores universitários que davam um par de aulas e ganhavam 1500€. Eu respondi que duvidada que isso fosse verdade, dando como exenplo facto de um professor doutorado em tempo integral e em exclusividade ganhar menos de 2000€. O facto de eu gostar desta profissão e de não me importar de ganhar menos do que ganharia no sector privado é problema meu, não tem nada a ver com o facto do Joaquim estar a cometer erros factuais.

      "Em relação às minhas redundâncias no tema das qualificações ... nada acrescento."

      Não precisa de dizer nada, se não inferir coisas que eu não disse já é bastante bom.

      "Quanto ao exemplo ... temos ensino primário, secundário, especial, etc. "

      A sério? Conhece mesmo gente desse ensino a dar um par de aulas por semana e que ganha 1500€ por mês? Isso é, simplesmente, mentira.

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  8. Em relação ao ultimo parágrafo que escrevi ... eu não mencionei isso. Leia lá tudo o que foi escrito.

    O mal das pessoas é que gostam de criticar ... os outros ... mas quando lhes toca a elas ... esse é o mal do país. Não se enerve muito que é notável que ficou agitado ; )

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  9. "Em relação ao ultimo parágrafo que escrevi ... eu não mencionei isso"
    O Joaquim escreveu isto:

    "Ou professores que dão um par de aulas por semana em universidades públicas a embolsarem 1500€ limpos por mês."

    Depois, eu disse que isso me parecia errado, e dei-lhe como um exemplo um professor universitário, doutorado, em tempo integral e em regime de exclusividade que ganhava um pouco mais do que isso.

    Depois a falar das qualificações e da sua relação com as remunerações escreveu: "Professor auxiliar é de alguém que tem o doutoramento se ... estivermos a falar de ensino universitário, no entanto há mais".

    Pelo que sim, pode não querer ter escrito o que escreveu, mas escreveu.

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    1. "Não se enerve muito que é notável que ficou agitado".

      Antes de escrever, deve pensar na Língua Portuguesa. Quem escreve mal, como o senhor, não tem grande autoridade para opinar seja sobre que assunto for. Notável, como escreveu, significa admirável, afamado, assombroso. Queria certamente dizer "notório", mas fugiu-lhe a tecla para a asneira! E com asneiras deste teor quem me garante que o seu comentário não estará inçado delas que, para um leigo, passam como verdades verdadeiras... Percebeu?
      Cristóvão de Aguiar

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  10. 34 mil euros parece muito. depois paramos para pensar e reparamos que, num universo de PMEs como é o universo empresarial português, um empresa com cem trabalhadores é uma gigante, com custos laborais anuais de cerca de 840 mil euros, para os quais a subida do salário mínimo em 20 euros representariam apenas um aumento de cerca de 4%. já agora, qual a proporção entre os custos laborais e os outros? custos energéticos, juros, matéria-prima, etc? nestes dias, muito mais do que a subida do smn, deve preocupar aos gestores dessa empresa a falta de crédito bancário...

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  11. O mais preocupante é uma medida que pode ter esse tipo de efeitos poder ser aprovada quando existe um estudo elaborado por especialistas altamente especializados a prever esses mesmo efeitos de forma convincente.

    Mas a politica económica parece cada vez mais desfasada do que a ciência económica prevê ou aconselha, tanto em Portugal como no resto da Europa, por isso já não devia ser grande surpresa. Mas eu continuo um bocadinho ingénuo por defeito e a acreditar que isto ainda pode vir a deixar de ser assim.

    E no que toca aos salários dos professores e funcionários públicos afins, realmente não percebo os argumentos dos comentários... acho que o Luis, se tivesse optado por trabalhar por exemplo em instituições internacionais, estaria facilmente a ganhar neste momento dez vezes mais (talvez só 5 vezes mais se controlarmos para o custo de vida onde a maior parte destas instituições estão instaladas).

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