quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Fui estúpida...

Ontem sofri de insónia. Acordei antes das quatro da manhã e não conseguia dormir. Então fiz uma coisa má: fui buscar o iPad e abri o Facebook. Ora, a esta hora, já toda a gente em Portugal está bright-eyed and bushy-tailed, especialmente porque estamos em época de eleições.

No Facebook, encontrei um vídeo de uma mãe "anónima", num comício do PS, que queria falar de "sofrimento" porque "sentimentos" não era adequado. A senhora estava exaltada porque o filho emigrou para Pequim, na China, e veio da China de propósito a Portugal para se casar. Casou-se num Sábado, numa festa que durou até às cinco da manhã do Domingo seguinte, na Quinta das Torres. Depois, na Terça-feira, teve de regressar para a China, o que implica que a lua de mel em Portugal foi curtíssima. A culpa desta péssima situação era da governação de Portugal.

Eu ouvi isto a meio da noite e senti-me completamente estúpida. É que eu saí de Portugal em 1997 com um governo PS para os EUA, ainda Portugal estava nos trinques. E depois, quando me casei, não tive dinheiro para me casar em Portugal. O meu vestido, que era de uma loja normal, custou $35.

Pensava eu, que a pessoa com quem eu me casava era muito mais importante do que um casamento enorme para os amigos. Eu só queria aquela pessoa, era tudo o que me fazia feliz. Afinal, esta mãe vem dizer-me agora que não é essa a fonte da felicidade. Era muito mais importante ter uma festa grande e uma lua-de-mel comprida em Portugal sob vigilância da minha mãe.

Casei-me em 11 de Agosto de 2001--exactamente um mês antes do ataque terrorista--, num jardim em Eureka Springs, no Arkansas, ou seja, no cu de Judas. Casámos nesse dia porque uns amigos também se iam casar, à tarde, na parte leste de Oklahoma, perto do Arkansas, logo aproveitámos a viagem, pois Eureka Springs é conhecida por ser um sítio onde é fácil casar. As únicas pessoas presentes foram eu, o meu noivo, e os pais dele.

Nós não queríamos boda, mas os pais dele insistiram em fazer uma festa em casa deles algumas semanas depois. A minha cunhada tratou da comida. Nenhum dos meus amigos portugueses veio, logo a festa não durou até às cinco da manhã, nem causou a exaustão de ninguém, logo pelos cânones portugueses não foi linda. Começou depois do almoço e terminou antes do jantar. E notem que os americanos começam a jantar às 17:30.

A nossa lua-de-mel foi passada em Nova Orleães, durante o Fall Break, que foi em Outubro, porque ambos ainda estudávamos. Fomos no meu carro, um Honda Civic de duas portas pequenino, mas que gastava pouca gasolina. De Stillwater, OK, a Nova Orleães, LA, são para aí 12 horas de carro para cada lado. Só lá estivemos duas noites porque não queríamos gastar muito dinheiro, nem tínhamos muito tempo.

Depois de ouvir a história triste desta mãe, só me resta concluir "Rita, és muito estúpida: erraste no governo, na data, na década, no local e tamanho do casório, no meio de transporte, na duração da lua de mel, no país, e ainda por cima casaste-te com uma pessoa de quem te haverias de separar. Grande idiota, pá..."

P.S. Bem, ao menos casei-me num Sábado.

Entretanto, no reino da Dinamarca...

Alguma coisa cheira mal--são os défices. A Dinamarca está a reavaliar a sua política ambiental. Como há défices, o ambiente que vá para as urtigas. Olha se a moda pega, daqui a nada Portugal repele o imposto dos sacos plástico e volta-se a usar aqueles plásticos mais amigos do ambiente.
As the world looks on in disbelief at Volkswagen’s emissions scandal, Denmark is pushing through policies that will undo the previous administration’s efforts to steer consumers toward environmentally friendly vehicles. One involves extending Denmark’s 180 percent levy to all cars, regardless of their emission levels; another concerns a special tax on Nitrogen-Oxide emissions, which are generated from burning fossil fuels and are more abundant in diesel than gasoline cars.

[...]

Denmark’s move marks its latest shift away from measures that had once put the Scandinavian country at the forefront of innovative policies designed to promote renewable energy. The three-month old government has already said it is abandoning ambitious CO2 emissions targets and dropping plans to become fossil-fuel free by 2050. That policy shift was revealed on Sept. 2, the same day U.S. President Barack Obama made a global appeal for urgent action to fight climate change.

Frederiksen argues that tough decisions need to be made against the backdrop of a widening budget deficit.

Fonte: Bloomberg

Transição

Em 2008, a maior parte dos pessoas fora dos EUA não tinha noção da enorme crise que se ia atravessar. Felizmente, o governo americano tinha noção da gravidade da situação e, mesmo antes de Barack Obama ser eleito, já se faziam preparações para que a transição fosse o mais eficiente possível. Falou-se até na possibilidade de Obama tomar a rédea da presidência antes da data normal, que é 20 de Janeiro. A eleições são a 4 de Novembro.

Podem ler esta entrada na Wikipédia para ver como é que a coisa foi feita. Destaco a seguinte passagem, talvez seja útil em Portugal para a semana--notem que nem sempre as transições de governo nos EUA foram uma coisa pacífica, mas quando o país está em crise, é necessário defender os interesses da nação antes dos interesses partidários. Espero que os partidos portugueses estejam à altura na próxima semana. Portugal pode entrar numa nova crise muito facilmente.

The Bush administration reportedly went out of its way to make the transition as seamless as possible for the incoming administration, earning accolades from Obama staff members and outside experts alike. According to nearly all accounts, the Bush administration streamlined the process for new officials to obtain security clearances and planned training exercises for the incoming national security team, to ensure that they would be ready to face a possible crisis on the first day in office. Part of this enhanced cooperation is required by laws passed at the behest of the 9/11 Commission, while part is attributed to the difficulty that the Bush administration had with its own transition, which lasted only five weeks and was felt to have had a deleterious effect on Bush's ability to govern. "I'm not sure I've ever seen an outgoing administration work as hard at saying the right thing", said Stephen Hess of the Brookings Institution. "This is really quite memorable."

Fonte: Wikipédia

Com os melhores cumprimentos...

Eu não entendo porque é que eu estou nos EUA e com as autoridades americanas consigo tratar tudo por telefone ou correio--apenas preciso de ir aos gabinetes para fazer coisas como registar o carro, tirar uma carta de condução nova quando mudo de estado, tirar o passaporte pela primeira vez. Para renovar a carta ou o passaporte posso fazê-lo sem ser pessoalmente, via Internet.

Mas com Portugal, eu tenho de ir a Washington D.C. ou a Portugal pessoalmente para fazer quase tudo, até desbloquear um cartão de cidadão. Eu recebi um cartão de crédito do meu banco americano com um chip e mandaram-me activar aquilo pelo telefone. Portugal é um bocado a combinação da tecnologia mais avançada com os métodos de trabalho mais atrasados...

LEI ELEITORAL DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Artigo 22.º
Coligações para fins eleitorais

1 — As coligações de partidos para fins eleitorais devem ser anotadas pelo Tribunal Constitucional, e comunicadas até à apresentação efectiva das candidaturas em documento assinado conjuntamente pelos órgão competentes dos respectivos partidos a esse Tribunal, com indicação das suas denominações, siglas e símbolos, bem como anunciadas dentro do mesmo prazo em dois dos jornais diários mais lidos.
2 — As coligações deixam de existir logo que for tornado público o resultado definitivo das eleições, mas podem transformar-se em coligações de partidos políticos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro.
3 — É aplicável às coligações de partidos para fins eleitorais o disposto no n.º 3 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro.


A lei está disponível no site da CNE e esta citação apenas pretende ser um contributo para um debate informado.

Mulheres que inspiram

Marie-Agnès Gillot, Primeira Bailarina do Ballet da Ópera de Paris

Kathryn Minshew, fundadora e CEO da The Muse


Em Portugal, foi assim

Em Portugal foi assim: quem se esqueceu, que se recorde. Isto não é uma apologia do actual governo--também tenho sérios problemas com certas pessoas que, quando o país está de rastos, ameaçam com demissões irrevogáveis--, mas eu votaria em qualquer outro partido, antes de votar em pessoas que se comportam desta maneira numa situação de crise nacional.

Os discos rígidos dos computadores profissionais dos gabinetes dos ministérios das Finanças e da Economia foram limpos de toda a informação durante a semana que antecedeu a tomada de posse do novo Governo liderado pro Pedro Passos Coelho. A limpeza foi feita pelo organismo responsável pela gestão da rede informática do Governo (Ceger) dependente da presidência do Conselho de Ministros.

A notícia faz hoje manchete no jornal i e dá conta de que a semana que antecedeu a tomada de posse do novo Governo foi de intenso trabalho para os informáticos do Ceger que limparam os computadores dos Ministérios das Finanças e da Economia.

Os funcionários destes dois ministérios ficaram sem informação nos computadores, ficaram sem emails profissionais e respetivo histórico e ainda sem lista de contactos depois da limpeza que foi feita aos discos rígidos do sistema denominado RiNG onde circula toda a informação interministerial em circuito restrito.

Fonte: RTP, 30/6/2011

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Nojo

O último post do Zé Carlos fez-me recordar algumas coisas de 2011. Nas últimas semanas do Governo Sócrates, eu acordava todos os dias e a primeira coisa que fazia, ainda dentro dos lençóis, era pegar no meu telefone e ver se Portugal já tinha pedido ajuda à Troika. Finalmente pediu e eu suspirei de alívio porque era tão nítido que o país estava na berma de um precipício. Com o pedido comprámos tempo e tempo era a coisa mais preciosa.

Quando o novo governo tomou posse em Junho, encontrou os computadores do antigo governo todos limpos e demorou muitas semanas a tentar reproduzir a informação que tinha sido apagada. Os juros estavam muito altos, quanto mais tempo Portugal demorasse a recuperar o pé, mais dinheiro deveria em juros.

António Costa está rodeado pelas pessoas que fizeram isto. Só sinto nojo delas...

Missão mais que possível

Confesso que nunca tinha ouvido o João Galamba falar até ter visto o episódio de ontem do "Isso é tudo muito bonito mas". Passei a entrevista toda à espera do momento que não chegou:







Eu bem que andava a estranhar a ausência do Francisco Louçã da campanha para as legislativas. Agora está explicado.

Em fuga

Em 2011, o governo de Sócrates chamou a Troika. Isto é um facto. Há registos em todo o lado para quem tiver graves problemas de memória. Os oligarcas (os gajos que mandam nisto) deixaram a um “provinciano”, um tipo que veio lá da província e que ninguém nos grandes círculos do poder levava a sério, fazer o trabalho sujo. Ele que queimasse as mãos. Todos os ex-líderes do PSD se demarcaram cautelosamente de Passos. São conhecidas as dificuldades que houve em arranjar ministros e secretários de Estado. Muitos eram quarta, quinta ou décima escolha. Ninguém se queria queimar. Um dia, quando as coisas melhorassem, os oligarcas voltariam a reinar como sempre reinaram. António Costa, que, à cautela, também não quis avançar em 2011 para a liderança do PS, era o homem ideal para esse regresso aos bons velhos tempos. Conhece toda a gente dos tais círculos, é amigo de muitos. O poder devia ser-lhe entregue agora de bandeja. Mas alguma coisa parece ter corrido mal. Como diz hoje o Rui Ramos no "Observador", se calhar, muitos portugueses perceberam finalmente de que massa é feita esta gente que se acha no direito natural de dirigir e mandar nas massas "ignaras" e "estúpidas".

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A sondagem mais favorável ao PS

No passado fim-de-semana, Freitas do Amaral, que já foi o menino bem-comportado e bonito de Marcelo Caetano (sim, o ditador “fascista”, para usar uma terminologia tão cara à esquerda), abraçou efusivamente António Costa, que disse sentir-se muito honrado com um apoio daquela envergadura. Freitas aconselhou Costa a não acreditar nas sondagens. De facto, nenhuma sondagem é mais certeira do que Freitas. Há muitos anos que o senhor Professor apoia sempre o candidato vencedor, seja ele de direita ou de esquerda. Nunca se enganou, até hoje.



Ironia ou erronia?

Agora que o preço do petróleo e do gás natural estão baixos e com tendência a baixar ainda mais por causa do progresso tecnológico, é que se aposta fortemente em encontrar petróleo e gás natural em Portugal.
Portugal tem mais uma empresa a procurar petróleo e gás natural. A companhia australiana vai pesquisar petróleo em terra, na bacia lusitânica.

Fonte: Jornal de Negócios

Gostaria de vos dar chocolate

Da próxima vez que comerem um pedaço de chocolate, pensem que foi exactamente um pedaço de chocolate que salvou um bebé e uma mulher durante o Holocausto. O engenho e empatia das mulheres são verdadeiramente extraordinários.

Era assim, era...

Escreve o Jean-Michel Paul na Bloomberg, que há um brain drain na Espanha e que é má notícia para a UE em geral. Não percebo a preocupação do Jean-Michel. Em geral, a UE fica melhor porque os países do norte beneficiam mais do trabalho dos brainiacs do que os países do sul. A nível geral, também é verdade que a Europa tem pouco ou nenhum apreço pelos problemas nacionais dos países do sul.

Mas o brain drain está prestes a ser estancado. A imigração dos refugiados para a UE, muitos deles com boas qualificações e a aceitar salários muito mais baixos, vai estancar os brain drains do sul da Europa e depreciar os salários do norte. Esperemos que os países do sul estejam preparados para se adaptar às novas condições do mercado de trabalho, senão esperam-nos umas Primaveras Europeias...

Possível explicação da coisa

"O castigo dos que não se envolvem em política é o de ser governado pelos seus inferiores."

~ Platão

domingo, 27 de setembro de 2015

Normalidade

Como eu lido com estatística, passo muito tempo a pensar nesta coisa da normalidade. Às vezes, tenho a clara noção de que nada na nossa vida é normal. Nada na nossa vida--nós que vivemos em países ditos avançados--é normal! O normal seria termos vidas muito piores do que as que temos e provavelmente nem termos noção da verdadeira disparidade entre os que têm e os que não têm.

Eu nunca tinha sido confrontada com tanta diversidade de nível de vida como em Houston; mas, mesmo assim, nos EUA, basta ouvir alguns do programas da National Public Radio, como o Morning Edition, o All things Considered, ou o This American Life, para ouvirmos histórias das mais macabras e surreais do que se passa no mundo e nos EUA.

Por vezes, estaciono o carro e estou a meio de uma história e não consigo desligar-me. Fico no carro, choro, limpo a cara, e certifico-me que a maquilhagem não está esborratada antes de sair. Limpo a cara e tento arranjar força para entrar na minha normalidade, a tal que é a coisa mais anormal para a maioria de pessoas no planeta, a tal que toda a gente espera que eu viva.

Hoje à tarde foi assim. No All Things Considered de hoje deram uma história acerca de um refugiado da Síria. Ele saiu de lá há vários anos porque pressentiu a desgraça. Mas agora vive sabendo que não tem nada: não tem país para onde regressar, não tem normalidade, não tem expectativas do que pode ser o futuro...

A certa altura da história ele fala da mãe dele, que foi morta por uma bomba na Síria. Diz ele que ainda tem o número de telefone dela no seu telemóvel. Eu sei exactamente o que isso é. Quando a minha mãe morreu, todos os números de telefone dos hospitais onde ela tinha estado estavam no meu telefone. Estava tudo tão perto de mim, como se eu lhe pudesse falar a qualquer altura, e tudo tão longe. E eu pensava que nesse período, bastava ver a minha conta de telefone para saber exactamente a história da minha vida.

Na história de Khaled Alkojak, ele fala a Primavera Árabe, de estar em pensamento com quem se manifestava nas ruas, mas também de ter medo e esperar que as coisas corressem bem. E depois fala de como tudo correu mal para o país. Eu penso nessa possibilidade, que em Portugal tudo também podia ter corrido mal depois do 25 de Abril: as escolas que eu frequentei, as oportunidades que tive, tudo aquilo que eu vivi--tudo isso foi emprestado, nada no universo garantia que tivesse de ser assim. Mesmo mais recentemente, a vinda da Troika: as pessoas pensam que foi duro, mas comparado com o resto do mundo não foi tão duro como poderia ter sido.

Penso nas nossas eleições que se avizinham e no que acontecerá depois delas--não há nada que nos garanta que as coisas ficarão como estão. Podem ficar muito piores porque, apesar de tudo, o normal de Portugal não é tão mau como o normal de muitos outros sítios...

Coisas na história do Khaled que me impressionaram:

  • "I want freedom to my country. I want to be open, like Europe, like United States, like any country."
  • "I don't accept to join any military. I don't accept to kill someone. That I believe, so I find the best thing to do is to leave the country."
  • It was also there that Alkojak got a call from his brother: Back in Syria, their mother had been killed in a bombing.
    "He tried to hide this from me. He didn't want to make it worse in detention," Alkojak says. "But I like feel it in my heart. I tell him, 'Tell me, I know somethings happened,' and he tell me, 'Just be patient: Your mom passed away.' "
    He still has his mother's phone number on his cellphone. He says that to this day, he still has trouble accepting her death.
  • "It's hard," he says. "What happened to Syria is not fair."
  • "I hope to continue my life like anyone else. But what can you do?"

sábado, 26 de setembro de 2015

Ver assim...

"Mas não vemos: ouvimos as vozes ciciadas que habitam a prega sombria destas imagens."

~ Eduardo Prado Coelho, "A Razão do Azul"

Jardins e afins...

Ultimamente, quando vou a Coimbra, saio de lá sempre com o coração apertado. Os jardins formais, que fazem parte do meu DNA, estão em muito mau estado. Deixa-me triste porque é como se parte de mim morresse com eles. Algumas das minhas primeiras memórias foram passadas nesses jardins, quando os ia visitar com a minha avó.

O jardim da Avenida Sá da Bandeira tinha o mérito de lá ter patos e eu gostava muito de ir ver os patos e de lhes dar pão. Esse jardim também tem uma outra coisa que me impressionava: o monumento aos mortos da Primeira Grande Guerra, uma estátua de pedra, enorme, e da qual eu tinha imenso medo. Também tinha muita vergonha de ter medo da estátua e numa das minhas visitas com a minha avó, talvez eu tivesse quatro ou cinco anos, não sei bem, lembro-me de caminhar para junto dela para que ela me protegesse daquela estátua assustadora, mas fi-lo de modo a que ela não se apercebesse do meu medo.

O outro jardim que eu gostava de visitar era o Parque Dr. Manuel Braga, na Av. Emídio Navarro, ao pé do Mondego. Esse jardim tinha a particularidade de ter baloiços e eu achava que era uma miúda muito "dotada" porque quando eu entrava no baloiço conseguia começar a baloiçar sozinha, sem precisar de um adulto para me empurrar. Lembro-me que eu tinha perfeita noção da técnica necessária para me baloiçar em condições sem ajuda. Mas sempre fui uma criança muito moderada--gostava muito de me baloiçar, mas não tinha nenhuma atracção por o fazer com muita força, como alguns dos rapazes que eu lá via.

Quando eu vim estudar para os EUA, uma das coisas que mais me encantou na minha universidade americana foram os jardins--também gostei muito que houvesse tanto espaço livre. O campus da Oklahoma State University (OSU) é conhecido por ser esteticamente muito agradável. Alguns dos edifícios são muito bonitos e imponentes como a Edmond Low Library (podem ver uma foto gira aqui) ou a Student Union. Na relva em frente à Edmond Low Library, é comum encontrar-se alunos a jogar "ultimate frisbee" quando o tempo o permite.

Nestes últimos anos, tem-se feito ainda mais esforço para unificar a estética do campus. Alguns dos edifícios feios dos anos 60 e 70 foram destruídos não apenas por considerações estéticas, mas também por questões de segurança porque Oklahoma faz parte de Tornado Alley, uma das áreas mais propícias a tornados nos EUA. A cave da Student Union é um abrigo de tornados e houve uma noite, no início da década de 2000, em que passei lá algumas horas porque estávamos sob um aviso de tornados na zona.

A Student Union da Oklahoma State University é considerada a maior Student Union do mundo e tem até um hotel. Na parte oeste da Student Union ficam os jardins formais da universidade. A forma como os jardins são cuidados lembra-me dos meus jardins de Coimbra. A Universidade de Coimbra (UC) foi fundada em 1290 e a Oklahoma State University em 1890, 600 anos de diferença. Em 1990, celebrou-se o sétimo centenário da UC e o primeiro centenário da OSU; foi nesse ano que eu entrei para a UC.

Em 2015, para celebrar o aniversário da OSU, que fez 125 anos, os jardins formais foram arranjados e incluem alguns elementos decorativos mais kitsch, como um bolo de anos. A mascote da OSU é um cowboy chamado Pistol Pete; podem ver no jardim um arbusto que foi esculpido em forma do chapéu do Pistol Pete e também se vê o Pistol Pete a cavalo. Aqui está um vídeo acerca do trabalho feito nos jardins formais. O edifício que vêem ao fundo é a Student Union.

Uma curiosidade final: o pavimento dos jardins formais da OSU é feito de tijolos. As pessoas ou companhias podem comprar tijolos e mandar gravar o seu nome ou uma mensagem neles. O dinheiro obtido com a venda dos tijolos reverte a favor da universidade.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Canídeos de comboio

Um homem de 80 anos em Fort Worth, TX, recolhe cães abandonados há 15 anos. As pessoas (tenho dificuldade em usar a palavra "pessoas" aqui) abandonam os seus cães na rua onde este homem vive. Ele recolhe-os, leva-os ao veterinário para serem esterilizados e depois toma conta deles. Este senhor, juntamente com o seu irmão, construíram um comboio para passear os cães, alguns dos animais até usam uma escadinha para entrar no comboio.

Posso garantir que os membros deste blogue também andam de comboio; alguém sugeriu que talvez haja um canídeo entre nós. Reparem que isso não é um insulto--até a insultar algumas pessoas demonstram ser incompetentes. Tomara a muita gente ser um bom canídeo em vez de uma péssima pessoa...

Enganei-me

Confesso que até há bem pouco tempo estava convencido de que a coligação não tinha nenhuma hipótese de ganhar as eleições. No início deste ano, disse várias vezes a malta do PSD e CDS que deviam estar malucos se sonhavam sequer com uma vitória. Nenhum partido ganha eleições depois de tantos cortes, dizia eu. Estava enganado. Pensei que António Costa fosse melhor. Afinal, é um político que anda ao sabor do vento;  uns dias pisca o olho à esquerda radical, noutros quer parecer moderado e responsável para ganhar os votos do centro. Parece que José Sócrates sempre tinha razão: António Costa só serve para presidente da câmara - é o que vem escrito numa biografia recente sobre Costa.

Lá vai o alemão, malandreco...

Adoro esta versão dos Amor Electro--acho absolutamente deliciosa. Se estivesse à venda, eu comprava num ápice. Um dias destes, rasgo o som do vídeo e meto no iPhone...

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

António Costa pergunta, eu respondo e faço mais perguntas

Em reacção à notícia de ontem sobre o défice de 2014, que teria ficado nos 7,2% devido à capitalização do Novo Banco, António Costa fez uma série de perguntas. Eu imagino que fossem questões retóricas, mas vou responder-lhes. E começo por dizer que me aflige que alguém que pretende ser Primeiro Ministro daqui a umas semanas - e que possivelmente sê-lo-á - conheça tão mal as normas que compõem a governação económica da União Europeia. Eu sei que aquilo é complexo, mas não precisa de entrar nos detalhes técnicos para evitar as asneiras que tem dito. E se não é ignorância de uma matéria fundamental, trata-se de profunda desonestidade intelectual, o que é pior e ainda mais aflitivo.

Convém lembrar que, com ou sem Novo Banco, o défice reportado havia sido de 4,5%. Talvez deva esclarecer que 4,5% é superior a 3% e que 3% é o valor de referência para uma situação de défice excessivo. Mas um défice acima de 3% não é automaticamente considerado excessivo; ele será tolerado se for tido como excepcional e será considerado excepcional se, por exemplo, resultar de um evento pontual. Como é o caso. E como foi o caso dos submarinos, sim, que (felizmente!) não era despesa estrutural. Portanto, não há buraco para explicar na Alemanha ou em Bruxelas. Pelo menos, por agora. Daqui decorre que não são necessárias medidas adicionais - os sugeridos cortes nas pensões ou o aumento de impostos - para corrigir a situação. Mas pergunto eu: se o PS acha que elas são necessárias e se pretende ser governo, que poupanças extra se propõe fazer? Já pediu António Costa ao grupo de economistas que refaça as contas? E que contas lhe apresentaram eles?

Por outro lado, quem me pareceu ter durante os últimos tempos sugerido que o défice é mero problema contabilístico, uma coisa de regras europeias, foi o PS. Talvez tenha agora percebido que não. Talvez tenha compreendido que, com ou sem Tratados, défices constantes significam necessidades de financiamento e que é complicado um país estar constantemente a endividar-se, sobretudo se cresce ridiculamente pouco. A este respeito, posso tranquilizar António Costa: o dinheiro que foi emprestado ao fundo saiu da parte da tranche da troika destinada à recapitalização da banca. Ou seja, era dinheiro de que já dispúnhamos, pelo que não se traduz num aumento da dívida, e que não foi desviado de outro qualquer uso.

Aqui, Passos Coelho também fica mal na fotografia. Quando vem apresentar este empréstimo ao Fundo de Resolução como um negócio vencedor, surgem-me as duas hipóteses que acima coloquei: ou ignora os factos ou não é intelectualmente honesto. Repito: são ambas más alternativas, mais grave a segunda. Recuperemos as declarações da Ministra das Finanças a 4 de Agosto do ano passado: "A taxa de juro corresponde ao custo de financiamento do montante que temos reservado para a estabilidade financeira, a chamada linha da 'troika'. Neste momento, o custo daqueles 6,4 mil milhões é de 2,8% e sobre esta taxa incidirá um 'spread' de 15 pontos base, que é para a remuneração dos custos administrativos". Ou seja, não há ganho nenhum, porque o spread é para compensar os custo administrativos. E, se bem se lembram, a justificação para não haver prémio de risco é que não havia risco. Algo que já percebemos que não é exactamente assim. Ou melhor, na exactidão até é, porque o Estado não corre risco, corre-o a Caixa Geral de Depósitos, que é do Estado. É mais ou menos como alguém dizer que não dormiu com a vizinha do lado, porque, na verdade, esteve bastante acordado com ela...

Small expectations

Há quem deseje ter sucesso na vida.
Eu contento-me com uma vida no Sussex.

PCTP-MRPP em modo delicodoce

Foi por reação ao post de ontem no Destreza? Autocensura? Imposição da Comissão Nacional de Eleições? O Professor Pinto da Costa tem a agenda preenchida e só aceita marcações para 2018? Nunca o saberemos. 
Fica o cartaz para memória futura.


Y'all* need to learn this...

Bem, tenho de vos educar. Tenho muita pena, mas lá terá de ser. Não se preocupem, pois vocês vão ficar tão chocados com a desinformação da campanha eleitoral portuguesa que isto tudo ir-se-á varrer da vossa memória brevemente. Entretanto, prestem atenção. É assim:

O Garth Brooks é o maior artista country, ponto final! -- Oops, este foi de exclamação! -- E ele andou na minha alma mater, a Oklahoma State University, no final dos anos 80. De facto, uma das casas em Duck St., Stillwater, OK, tem um sinal que diz "Garth Brooks and Sandy lived here 1987-88". A casa deles é ao pé do Eskimo Joe's, um restaurante de projecção mundial. Não vos estou a enganar! Se prestarem atenção, um dia encontrarão alguém a usar uma t-shirt deles, pois estão espalhadas por todo o mundo.

A Sandy foi namorada e depois esposa do Garth Brooks: casaram-se em 1986. Em 1999, separaram-se, o que foi um choque nacional nos EUA. Era inconcebível aqueles dois separarem-se. E, se isto aconteceu ao Garth e à Sandy, que esperança haverá para o resto da humanidade? Nenhuma!

Eventualmente, o Garth encontrou "amor" -- eu já não acredito! -- junto de Trisha Yearwood, uma cantora country, que também escreve livros e apresenta programas de TV sobre *cough, cough* culinária.

Eu não conheço a obra do Garth, o que, por si só, é um grande feito porque eu passei quase oito anos em Oklahoma. No entanto, a minha canção preferida da Trisha (o que dá jeito porque é também a única que eu conheço) é aquela canção que tornou a Leann Rimes famosa aos 15 anos. É óbvio que a canção em questão, "How do I live", é infinitamente melhor cantada pela Trisha, que na altura era já uma mulher madura, mas o povo gosta de miúdas de 15 anos (consultar capítulo "Britney Spears", também conhecido por "oh baby, baby, tum-tum-tum").

Ah, o povo, o povo... Já sabem o que o Kenneth Arrow acha das escolhas feitas em democracia, não é? Até se chama "o teorema da impossibilidade de Arrow":

In social choice theory, Arrow’s impossibility theorem, the General Possibility Theorem, or Arrow’s paradox, states that, when voters have three or more distinct alternatives (options), no rank order voting system can convert the ranked preferences of individuals into a community-wide (complete and transitive) ranking while also meeting a pre-specified set of criteria.

Fonte: Wikipédia

Ou seja, em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Seria bom reverem isto para as eleições, que é para depois não dizerem que a culpa é dos economistas. Considerem-se avisados!

Bem, mas vamos a coisas sérias: "How do I get through a night without you?" Dava-me jeito saber a resposta. E digam lá se isto não é romântico?!? Eu até vos escrevo isto precisamente à noite. É tão romântico!

No entanto, disperso-me, pois já me enfiei pela estrada menos viajada**: não era à Trisha que eu vos queria introduzir, era ao Garth.

Uma amiga minha postou um vídeo selfie a cantar Garth Brooks e eu lembrei-me que sabia mais da vida do homem do que da obra. E foi por isso que eu escrevi isto: para ter uma razão para me levantar do sofá e ir procurar a música dele no YouTube. E também para ver se vos fazia rir, porque a campanha eleitoral de Portugal é "boring as hell!" A verdade é que "we are all going to hell in a handbasket..."

Mas que seja uma viagem romântica, ao som de "The Dance", do Garth. Não se acanhem, agarrem lá o(a) vosso(a) querido(a), e amassem o(a) gajo(a). Irra que é preciso eu dizer-vos tudo...

* Se querem falar inglês à americana, têm de dizer "y'all". Pratiquem...
** Perceberam a referência ao Frost? Tenho mesmo de vos dizer tudo...

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Demissão? Yes, please...

Diz a Bloomberg que o CEO da Volkswagen (VW), depois de se demitir, corre o risco de receber pelo menos os €28,6 milhões que acumulou no fundo de pensão, mais o que está estipulado no "severance package". Reparem que parte desta pensão foi acumulada durante anos em que a VW fazia a sua falcratuazinha.

"Martin Winterkorn, engulfed by a diesel-emissions scandal at Volkswagen AG, amassed a $32 million pension before stepping down Wednesday, and may reap millions more in severance depending on how the supervisory board classifies his exit."

Fonte: Bloomberg

Entretanto, os accionistas da VW ficaram com acções que valiam $162,20 na sexta-feira e hoje valem menos de $112, os donos dos carros VW pagaram dinheiro a mais pelos carros, e ficaram com eles fortemente desvalorizados, etc.

Depois da demissão, o Sr. Winterkorn não vai ter de se preocupar com a reabilitação da reputação e das finanças da companhia, vai gozar a reforma--no caso dele, "winter is definitely not coming"!

Há gajos que nascem com muita sorte. Onde é que nós nos inscrevemos para sermos candidatos a uma demissão com este estilo todo?

Ensinem português nos EUA

Não sei se acompanharam a cobertura que o Pedro Magalhães fez do seminário que Hans Rosling deu ontem em Lisboa, na conferência da Pordata, pelo Twitter, mas vale a pena irem dar uma vista de olhos. O Dr. Rosling deu o seu seminário em português, que ele aprendeu em Moçambique--podem vê-lo online. Não seria giro haver mais pessoas a aprender português?

Hoje na rádio falou um rapaz que nasceu na Coreia do Sul, veio para os EUA, fez faculdade nos EUA, e durante um ano ensinou inglês em Praga. Agora está a fazer um doutoramento em Creative Writing na Universidade de Houston. Nos EUA há uma grande facilidade em encontrar programas para os jovens irem ensinar inglês no estrangeiro durante alguns anos. Alguns dos meus amigos, que eu conheci nas universidades americanas onde eu estudei e trabalhei, fizeram isso mesmo.

Algum de vós quer vir ensinar português nos EUA? A Universidade de Rice, em Houston, está à procura de alguém. Enviem um e-mail e peçam informações. Notem que eles trabalham com português do Brasil, mas pode-se facilmente convencer alguém que somos capazes de o ensinar. E se conseguirem ensinar português e uma outra língua que eles procuram, poderão ter uma melhor oportunidade de serem considerados. Só têm até 15 de Outubro para concorrer.

Se precisarem de informação acerca de Houston, terei todo o prazer em responder às vossas perguntas.

Turistas, pacóvios, e operadoras

As operadoras são contra o fim do roaming porque acham que os turistas são uns pacóvios, são eles que pagam o roaming na Europa. Sabem, eu fui turista este ano, o ano passado, e há três anos, e não paguei roaming nenhum em Portugal. Comprei um cartão de telefone da Vodafone no aeroporto e usei WI-FI. Se aqui há pacóvios são os fulanos que fazem Relações Públicas e Estratégia Empresarial para as operadoras.

Operadoras portuguesas, querem fazer dinheiro? Então eu explico-vos: eu vou a Portugal com alguma frequência, logo dá-me jeito ter um número português. Porque é que não facilitam a manutenção de números portugueses a estrangeiros e emigrantes? Paga-se uma mensalidade pequena e mantém-se o número ou permitam que a pessoa mantenha o número desde que tenha um saldo mínimo... Usem a cabeça para desenvolver uma estratégia fácil e eficaz, em vez de a usarem para tentar encontrar maneiras de explorar os vossos clientes.

Por acaso, nesta última vez consegui manter o mesmo número do ano passado, o que me deu muito jeito, mas foi um acaso a rapariga ter-me vendido um plano em que isso era possível. Dá é trabalho porque tenho de usar o telefone de X em X tempo nos EUA para que o número não seja desactivado.

A humanidade do PNR

Na sua saga contra os "refugiados" (sic), o PNR propõe  "Começar a devolver à procedência todos os refugiados que já foram tratados e/ou devidamente alimentados." Assim é que é. De volta à guerra, mas de barriga cheia e com oferta da viagem. Uma lição de humanidade para os rapazes do PCTP-MRPP e a sua "morte aos traidores".

Setembro...

Detesto Setembro. Adoro a Mónica Pinto. Bom Outono para vós...


O verdadeiro interesse do PCTP-MRPP

O PCTP-MRPP tem o slogan mais violento desta campanha, um explícito "Morte aos traidores! Fora o Euro! Queremos o Escudo Novo!".  Confesso que fiquei surpreendido. Não esperava que o Dr. Garcia Pereira fosse tão longe.
Felizmente, hoje descobri que  despachar os "traidores" para o outro mundo não tem nada de ideológico. Sendo o mandatário o Professor J. Pinto da Costa, distinto médico-legista português, parece-me óbvio o interesse comercial da proposta. Já agora, será o Dr. Garcia Pereira advogado da Servilusa?

Ele e eu

Ele e eu:
Não somos deste tempo,
Não somos deste espaço.

Existimos no universo,
Habitamos a eternidade,
Sonhamos a realidade.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Esperteza não-saloia

Às vezes, a imaginação dos americanos é mesmo gira. Com certeza, recordam-se de o MacDonald's ter sido apanhado aqui há uns anos a dar instruções aos seus empregados de como ir pedir subsídios de "food stamps" ao estado porque os empregados não tinham salários decentes. Uma empresa pró-lucro a viver à custa dos contribuintes--não há nada novo debaixo do sol...

O que foi novo foi a reacção da Califórnia. Ora vejam lá:

In 2016, California will start publishing the names of employers that have more than 100 employees on Medicaid and how much these companies cost the state in public aid.

Fonte: The New York Times

As empresas não pagam salários em condições? Então que se informe o público dos subsídios que os empregados dessas companhias recebem do estado e, assim, cada pessoa pode fazer uma decisão mais educada acerca das empresas às quais quer dar o seu dinheiro como consumidor.

Quem estuda economia sabe que uma das causas de mercados não-eficientes é assimetria na informação que os agentes económicos têm. Ou seja, a solução da Califórnia é: dê-se a informação ao mercado e ele que decida.

Estou farta de Paris!

Há duas semanas fui ao Museu de Belas Artes de Houston (MFAH) -- tenho de lá voltar, abriu uma exposição do Mark Rothko, que eu quero ver várias vezes. Como é meu hábito, passei pela loja do museu onde encontrei vários livros sobre cidades. E é sempre a mesma coisa, ou c'est toujours la même merde: Paris, Londres, Berlim, Nova York, Los Angeles, Sydney... *bocejo* Desta vez havia Beijing: poluição estilo século XIX, ai que bom! Nunca encontro Lisboa...

Aqui está uma estantezinha de livros do MFAH, na última prateleira, três livros sobre Paris:

Paris é, de longe, a cidade que mais inspira a malta para escrever. E a inspiração às vezes é muito idiota como, por exemplo, ir à loja comprar não sei o quê, e ser insultado pelo merceeiro ou pelo empregado, mas é um luxo ser insultado por um parisiense, logo suspira-se por episódios destes e regressa-se à pátria para escrever um livro sobre Paris. Outro tópico comum é mudar-se para Paris para ir viver num apartamento com uma cozinha minúscula, à la Rachel Khoo. Eu sei isto porque eu tenho vários livros sobre Paris; não estou a falar sem conhecimento da loucura:

Talvez seja o excesso de livros consumidos -- já não consegui ler o último --, mas estou farta de Paris e nunca lá fui. A única razão para ir lá é mesmo ir encontrar-me com alguém de quem eu goste muito (não estou a falar de encontros românticos), de resto não tenho vontade.

Eu tenho vontade é de ler livros sobre Portugal, daqueles com fotos muito giras. Eu sou um bocado infantil e gosto de livros com fotos. Não percebo como é que nós não temos uma indústria desses livros, que sejam depois espalhados pelas lojas dos museus do mundo. Ou alguém faz uns poucos ou eu vou fazer livros desses quando me reformar--só faltam 24 anos, mas já sabem que eu optimizo o longo prazo ou não fosse eu sou uma gaja paciente. E vão ser bilíngues. You can bet your sweet ass...

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Gerações de economistas portugueses

Andarmos a fingir que os nossos défices estavam abaixo de 3% deixou-nos completamente entalados. Arranjámos um sarilho de que só com muita inteligência sairemos. Inteligência e pouca politiquice.
Teodora Cardoso in Memórias de Economistas (2006) 

A propósito da vinda de Teodora Cardoso à Universidade do Minho fui reler a sua entrevista a Helena C. Peralta e Sónia M. Lourenço, publicada no livro Memórias de Economistas, em 2006, pela Revista Exame. Este livro de entrevistas aos economistas das primeiras gerações do ISCEF – incluindo, entre outros, José Silva Lopes, Manuel Jacinto Nunes, os irmão Pinto Barbosa ou Mário Murteira -, é muito interessante. Primeiro, porque nos descreve como estes economistas construíram as suas carreiras, iniciadas nas décadas de 50 e 60. Segundo, porque ficamos a conhecer a sua visão em relação a alguns episódios da história da economia portuguesa, beneficiando de serem contados na primeira pessoa. 
O Luís Aguiar-Conraria, na entrevista da passada sexta-feira ao jornal Sol, disse que os economistas portugueses vivem no seu mundo e nos seus modelos. Apesar de alguma coisa ter mudado desde que a crise financeira internacional atingiu a economia portuguesa, a verdade é que muitos dos melhores economistas portugueses continuam a dedicar pouca ou nenhuma atenção aos problemas da economia portuguesa. A ausência dessas vozes torna o conhecimento e o debate público sobre os problemas e desafios que a economia portuguesa enfrenta mais pobres.       
As primeiras gerações de economistas portugueses construíram as suas carreiras em instituições públicas como o Banco de Portugal, em gabinetes de estudos do Governo ou no próprio Governo. Em muitos casos partiram do zero – eram os primeiros economistas, não havia dados, não havia modelos. A actividade de economistas como José Silva Lopes, Manuel Jacinto Nunes, João Salgueiro ou Teodora Cardoso centrou-se nos problemas da economia portuguesa. Eles procuraram compreender as mudanças e os desafios de processos como a adesão à EFTA, o primeiro choque petrolífero, as mudanças radicais nas políticas orçamental e monetária no pós-Estado Novo, as crises da balança de pagamentos e as primeiras intervenções do FMI ou a integração da economia portuguesa na União Europeia.
José Silva Lopes era o economista português que eu mais gostava de ouvir falar. Teodora Cardoso é também uma das pessoas que melhor conhece os problemas da economia portuguesa - na palestra de hoje fez um excelente enquadramento dos limites da política orçamental no contexto da UEM. 

Reproduzo aqui alguns trechos da entrevista, de 2006, a Teodora Cardoso do livro Memórias de Economistas, que me parecem oportunos no contexto actual:

“Com os programas do FMI nos anos 70 Portugal, temporariamente, equilibrou uma série de coisas, nomeadamente a balança de pagamentos. Isso deu-nos acesso a algo que não tínhamos: endividamento externo. Mas aí, mais uma vez, repetimos o tal modelo. Gastámos enquanto houve! Esses anos, de 1980 a 1982, foram anos de gastar e de agravar o saldo da balança de transacções correntes. Com uma agravante: não existiam estatísticas fiáveis. (…) As estatísticas começaram a ser compiladas, mas não eram divulgadas. Nem dentro do Banco (de Portugal)! Era outro departamento. Nós sempre tivemos a mania dos segredos! (…) O Banco de Portugal à antiga. Levou muito tempo, mas depois mudou. E isto ainda está presente, em parte, nalguns vícios que vemos na administração pública. Cada um sabe um bocadinho e agarra-se ao bocadinho que sabe.”

“(sobre o período entre 1980 e 1982) A balança de transacções correntes estava a piorar. Sobre a dívida externa nada sabíamos, mas estava de facto a aumentar. (…) O que significa que o saldo em dívida estava sempre a subir, até ao momento em que os bancos decidiram que se chegara ao ponto em que não concediam mais crédito. Isto aconteceu no início de 1983. É engraçado, vendo em retrospectiva. Os salários caíram, o desemprego aumentou, o PIB caiu, a inflação subiu. Mas, apesar de tudo, as pessoas não se aperceberam da gravidade da crise. Se não a tivéssemos resolvido rapidamente teríamos ficado sem capacidade de importar fosse o que fosse. Porque, literalmente, não tínhamos um vintém em divisas e não tínhamos qualquer capacidade de endividamento. Esgotámos tudo.”

“(sobre o acordo de 1983 com o FMI) Um acordo muito mais duro do que os anteriores (…). Implicou tomar em mãos uma série de coisas muito complicadas, e cuja origem básica era o Orçamento do Estado. O orçamento foi sempre acomodatício, para dizer o mínimo. Em geral, era mesmo expansionista. E a política monetária não podia compensar isto indefinidamente porque gerava crises sucessivas. A uma crise seguia-se um período de estabilização em que se tomava medidas, ganha-se novo fôlego e capacidade de endividamento, e depois endividávamo-nos outra vez.”

“Enquanto o Orçamento for visto como uma forma de cobrir despesas, significa que ele serve para financiar a política. Prescindir disso implica mudar todo o sistema político português. O que acho que é necessário e indispensável, mas levar os políticos a fazer isso é muito complicado. Não sei quem é que nos vai obrigar. (…) Andarmos a fingir que os nossos défices estavam abaixo de 3% deixou-nos completamente entalados. Arranjámos um sarilho de que só com muita inteligência sairemos. Inteligência e pouca politiquice.”

O voto económico

Sobre voto económico gostaria de deixar uma nota. Tipicamente, quando a economia se porta mal o candidato incumbente (ou seja, o recandidato) é penalizado. Há, no entanto, um pormaior importante: como se avalia a performance económica? Nas últimas presidenciais americanas, ganhas por Obama, os modelos que compararam os dados económicos no momento da votação com os dados de início de mandato previram uma derrota de Obama. Já os que comparam os dados económicos com os dados de um ano depois de Obama tomar posse deram a vitória a Obama. Foram estes últimos modelos que acertaram. 

Ou seja, de alguma forma, os eleitores consideraram que a evolução da Economia no primeiro ano de Obama ainda era herança do mandato anterior (crise financeira iniciada com Bush).

O forreta francês...

Patrick Drahi compra uma empresa americana e acha que há muita gente a ganhar demais na companhia, logo diz que quer cortar os salários ao pessoal. Reparem que o homem vale $15 mil milhões e acha que os empregados é que são compensados bem demais!

Meu caro Patrick, bem vindo à América. Você pode cortar os salários, mas garanto-lhe que os seus empregados e clientes também lhe cortarão o lucro ao fim do ano. A taxa de desemprego nos EUA está em 5,5% e vai descer ainda mais. Boa sorte com a sua estratégia...

Parabéns à Grécia...

A maior parte das pessoas não gosta do Tsipras. É pena. Ele, com todos os seus defeitos, está a conseguir dar à Grécia uma coisa que quem veio antes dele não deu: consegue inspirar o povo e trazer ao país estabilidade política. Sim, houve eleições, mas ele ganhou outra vez. Nas outras vezes, quando havia eleições, mudavam de governo.

Estabilidade política é uma coisa muito valiosa, mas muito menosprezada. Portugal está prestes a ter um encontro com a instabilidade. Acho que o Nuno Garoupa tem razão: depois destas eleições a probabilidade de haver instabilidade política em Portugal será grande. E, nessa altura, veremos, outra vez, o preço que se paga pela coisa. Talvez um dia destes aprendamos a lição...

Lapso momentâneo de razão

Às vezes, as pessoas acham que eu tenho uma capacidade de encaixe muito grande. Eu bem tento ter, nem sempre sucedo, mas gosto de cultivar o "self-improvement". Vou-vos contar uma das técnicas que eu tenho para lidar com pessoas difíceis. Sabem quem elas são, não sabem? São aquelas pessoas que têm "um lapso momentâneo de razão", como na canção dos Pink Floyd, ou então são aquelas pessoas que estão mentalmente incapacitadas temporária ou permanentemente.

Reparei, há alguns anos, que quando o cérebro não funciona é muito chato porque não há nenhuma indicação física. Por exemplo, se partimos uma perna ou um braço, sentimos uma dor e o nosso cérebro avisa-nos do problema e nós temos também a oportunidade de dizer aos outros o que se passa connosco; imediatamente as outras pessoas recalibram as expectativas quanto ao nosso desempenho e até nos ajudam a ultrapassar o problema.

Quando o problema é no cérebro, isto tudo cai por terra, até porque, muitas vezes, nós próprios não notamos que não estamos bem. Mesmo quando os outros sabem que alguém não está bem, por vezes, é difícil aceitar que alguém não pense bem ou não consiga mudar o seu comportamento. Se lerem o António Damásio encontram vários exemplos disto em pessoas que sofreram traumas cranianos, cujas famílias não conseguem digerir a mudança de comportamento.

O truque é o seguinte: quando uma pessoa parece estar perturbada e/ou diz algo que parece ser uma maluqueira, eu digo a mim própria para imaginar que, em vez de o problema ser na cabeça, a pessoa tem um problema nas pernas e não pode andar. Depois pergunto-me: "Rita, ficarias chateada se essa pessoa, que tem um problema nas pernas, não pudesse correr?" A resposta óbvia é "Claro que não". Então, concluo eu, "Porque é que estás chateada por a pessoa neste momento não conseguir pensar muito bem?"

Funciona quase sempre. Espero que funcione neste período de eleições...

sábado, 19 de setembro de 2015

Trabalho em casa

[Não, não é um post feminista, nem sobre o começo do ano escolar.]

A semana passada foi notícia um acórdão do Tribunal de Justiça da UE que, no Diário de Notícias, por exemplo, mereceu o seguinte título: "Deslocações para o emprego passam a contar como horas de trabalho". Noutras publicações, a manchete não era muito diferente e, como as pessoas raramente vão além das "gordas", desataram em comentários de regozijo. Lendo a notícia, percebe-se que esta contabilização é válida apenas para as profissões que não têm um local de trabalho fixo. Independentemente disso, ainda que não houvesse tal qualificação, creio que não existiria motivo para celebrar. E explico porquê: incluir a deslocação para o trabalho como horário laboral significa, ceteris paribus, que quem mora mais longe é menos produtivo, logo menos interessante para o empregador.

Eu percebo que estar hora e meia no IC19 é desgastante. É um custo para o trabalhador. Mas não corresponde a um benefício para o empregador, logo não faz sentido fazê-lo pagar. O que me parece lógico é eliminar esse desperdício de tempo, energia e dinheiro. Num mundo onde existem computadores portáteis e internet 3G nos telemóveis, muitas das tarefas que actualmente realizamos num escritório poderiam ser feitas em qualquer outro lugar que achássemos mais aprazível. Aliás, quem sai de Portugal e vai para outras paragens mais a Norte ou atravessa o Atlântico sabe que o trabalho a partir de casa (e casa é uma metonímia) já não causa surpresa. Na verdade, há várias empresas que não teriam lugar para os seus colaboradores acaso eles decidissem aparecer todos ao mesmo tempo. Essas empresas estão a poupar, desde logo, na dimensão das suas instalações, mas também numa série de outros custos, tais como água, luz ou limpeza. No seu livro "O Mundo É Plano", Thomas Friedman relata o exemplo da JetBlue, onde cerca de 400 pessoas trabalhavam em homesourcing. Segundo o Presidente da companhia, estas pessoas estavam mais motivadas, eram mais leais e menos propensas a conflitos laborais, o que as tornava 30% mais produtivas. Mas mais: ao estarem em casa, podiam conciliar melhor o exercício de uma profissão com a vida familar. Gostava que David Neeleman trouxesse esta ideia para a TAP. No entanto, percebo os obstáculos com que esta solução aparentemente win-win se depara em Portugal.

Em primeiro lugar, permitir o trabalho a partir de casa implica que se tenha uma agenda de trabalho bem definida, em que se sabe exactamente quando a presença física do empregado será necessária, porque há vezes em que o é. Os portugueses são óptimos a improvisar, mas organização e planeamento não é exactamente o seu forte.

Segundo, é preciso que haja confiança (parece que depois desta campanha eleitoral é coisa que não vai faltar, ganhe quem ganhar, mas eu não estou tão optimista). Esse é um dos problemas sistematicamente apontados ao nosso país: os agentes não confiam uns nos outros. E, provavelmente, terão razões para achar que se vive um bocado na lógica do ver-quem-engana-mais-o-próximo. Portanto, os empregadores, que acham que os trabalhadores procuram ser o mais preguiçoso possível, tenderão a não querer perdê-los de vista.

Há, ainda, um terceiro problema, que é o da pressão social. Os portugueses preocupam-se muito com as aparências. Costuma dizer-se que à mulher de César não basta sê-lo, tem também que parecê-lo; os portugueses vão mais além e acham que ser-se não é nada importante, desde que se pareça. Por exemplo, não vêem qualquer problema em estar no Facebook durante o expediente, mas ai daquele que faz um comentário entre as 9h e as 18h! Ora, na cabeça de muita gente, se não se põe o pé de fora de casa, não se está a trabalhar. Os relatórios aparecem feitos, as reuniões estão preparadas, os serviços vendem-se, os artigos são publicados, mas, se isto não foi feito nas instalações do empregador, a pessoa é claramente uma desocupada. Portanto, preferem deixar na creche às 7h30 o miúdo de 10 meses e passar hora e meia a atravessar a ponte 25 de Abril, só para que toda a gente veja que são exemplares e produtivos trabalhadores. Tal como concorrem entre si para ver quem é o último a abandonar as instalações. Tenho um amigo a quem a empresa dava um horário semi-flexível: permitia-lhe entrar entre as 8h e as 10h, saindo depois de trabalhar as 8h diárias. Ele preferia estar lá cedo e comer rapidamente uma sandes levada de casa, para às quatro e meia ainda ir dar uns mergulhos à praia. Ao fim de poucas semanas, desistiu, cedeu à pressão dos que chegavam às 10h e faziam uma hora de almoço e o olhavam de soslaio quando ele dizia "até amanhã!" ainda com Sol.

Tenho pouca esperança que, num futuro próximo, se possa mudar o estado de coisas e passar para novas formas de trabalho, com menos custos para o empregador, com mais liberdade para quem trabalha. Há umas semanas, a possibilidade de exercer a actividade profissional a partir de casa para pais de crianças até aos 3 anos foi passada a lei. Desde que a entidade patronal tenha meios para tal e que a função se preste a isso. Veremos quantos serão os pedidos e, entre estes, quantos serão aceites. Foi, a meu ver, um passo certo no sentido da promoção da natalidade, mas as mentalidades muito dificilmente se mudam por decreto.


Tenho um cão feminista

Em Março deste ano contei-vos a história da minha cadela Stella. A Stella tinha muitos problemas de saúde e, no final da vida dela, eu demorava mais de três horas por dia a cuidar dela. É por isso que eu tenho tanto tempo livre para aqui escrever.

Há alguns anos, a Stella tinha arranhado um olho que ficou infectado e eventualmente teve de ser retirado. Alguns meses antes de morrer, as pálpebras da Stella, que tinham sido cosidas, apenas um buraquinho foi deixado aberto para drenagem de líquidos que se poderiam acumular na cavidade, começaram a descolar-se. O olho da Stella estava sempre cheio de porcaria e apareceu um buraco. Eu levei-a ao veterinário, enviei um email ao oftalmologista que lhe tinha retirado o olho (um dos melhores oftalmologistas de animais nos EUA), dei-lhe medicamentos, limpei o olho e nada ajudou. Operá-la outra vez não era uma opção porque ela já estava demasiado fraca e nós nem sabíamos o que estava a causar o problema--seria uma cirurgia exploratória.

Um dia, depois de lhe pegar ao colo, e de ver que o olho já estava cheio de porcaria algumas horas depois de eu o limpar, desisti por uns minutos. Coloquei a Stella numa almofada e sentei-me a resmungar com a vida porque nada do que eu lhe fazia funcionava. Senti-me completamente inapta e frustrada. Nesse momento, o meu cão Alfred aproximou-se da Stella e começou a lamber-lhe o olho. Durante alguns minutos ele limpou a Stella e o olho dela melhorou e ficou limpo durante muito mais tempo do que quando eu o limpava. Desse dia em diante, a primeira coisa que o Alfred fazia quando acordava era limpar a Stella; a última coisa que ele fazia antes de ir dormir era limpar a Stella. Todos os dias ele lhe dava banho com a língua e cuidava dela, como se ela fosse um cachorrinho pequeno. O Alfred era, na altura, um macho de nove anos, a Stella era uma fêmea de quase 12 anos.

O meu cão Alfred não pára aí. Ele também me ajudou a treinar o irmão mais novo e, quando eu passeio cães de amigos, ele tenta guiá-los para eles se orientarem no nosso passeio: não podem ir a puxar na trela, não podem ir à minha frente, têm de ter uma atitude submissa, etc. O Alfred lá faz o papel dele e eu nem o mando, ele é que toma a iniciativa.

Se um cão macho compreendeu que devia ajudar a cuidar de um outro cão que estava a morrer, porque é que nós humanos não vemos isso? Como é que se justifica dizer "as mulheres sabem que têm de organizar a casa e pagar as contas a dias certos, pensar nos mais velhos e cuidar dos mais novos"? Só encontro uma justificação aceitável: a pessoa que diz isto está a dizer que os homens têm de ser mais como as "mulheres" ou, no mínimo, mais como o meu cão.

Mais de 50% da população portuguesa é mulher. Se o país quer crescer, não o poderá fazer sem que as mulheres sejam uma parte integrante da sociedade. Integrante não quer dizer apenas que sabemos que temos de tomar conta dos mais velhos e das crianças--isso é uma responsabilidade de todos nós, independentemente do nosso género.

Já sabemos que a demografia portuguesa está pelas ruas da amargura, mas as mulheres não são parvas. Se elas decidem não ter tantos filhos é porque os homens não as inspiram a ter filhos--não inspiram confiança, não as ajudam com as tarefas, etc. Já sabemos que há homens que têm ajudado bastante, mas não é suficiente, até porque são uma minoria.

Sugiro que ouçam a Chimamanda Ngozi Adichie neste commencemnet speach, em Wellesley College, em 2015. Ela tem bons conselhos para dar a todos nós: homens e mulheres de todo o mundo.

"We can not always bend the world into the shapes we want but we can try, we can make a concerted and real and true effort. And you are privileged that, because of your education here, you have already been given many of the tools that you will need to try. Always just try. Because you never know.

And so as you graduate, as you deal with your excitement and your doubts today, I urge you to try and create the world you want to live in.

Minister to the world in a way that can change it. Minister radically in a real, active, practical, get your hands dirty way.

Wellesley will open doors for you. Walk through those doors and make your strides long and firm and sure.

Write television shows in which female strength is not depicted as remarkable but merely normal.

Teach your students to see that vulnerability is a HUMAN rather than a FEMALE trait.

Commission magazine articles that teach men HOW TO KEEP A WOMAN HAPPY. Because there are already too many articles that tell women how to keep a man happy. And in media interviews make sure fathers are asked how they balance family and work. In this age of ‘parenting as guilt,’ please spread the guilt equally. Make fathers feel as bad as mothers. Make fathers share in the glory of guilt.

Campaign and agitate for paid paternity leave everywhere in America.

Hire more women where there are few. But remember that a woman you hire doesn’t have to be exceptionally good. Like a majority of the men who get hired, she just needs to be good enough."

~ Chimamanda Ngozi Adichie

O TN está preocupado comigo...

O condado de Shelby, no Tennessee, enviou-me uma carta porque não sabem por onde eu ando e querem certificar-se de que eu posso votar nas próximas eleições.

Nunca recebi uma carta do governo português preocupado com eu poder ou não votar, nem sequer um e-mail...

P.S. Mas estão a ver? Mesmo na América há coisas mal feitas. Perguntam se eu sou cidadã americana natural ou naturalizada, mas não têm um quadrado para "sim" e outro para "não". Têm um quadrado apenas, que não permite responder verdadeiramente à pergunta. Tendo só um quadrado, faria mais sentido ter uma frase afirmativa, estilo "I am a U.S. citizen."

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Os economistas enganam-se muito? Freud explica

“As paixões determinadas por impulsos são mais fortes do que os interesses racionais.”

Freud in “O mal-estar na cultura”



Carta aos emigrantes

Caros emigrantes,

Não percebo a vossa indignação. Todos os dias, quando abro a caixa de correio, recebo muita correspondência não-solicitada. É uma praga. Parece que vocês estão indignados porque alguma da correspondência não-solicitada que receberam vinha de Portugal, mais propriamente, do PSD/CDS--isto indigna-vos.

Deixem que vos diga que vos indignais por pouco. Eu estou indignada por não poder votar porque o Consulado de Portugal recusou a recensear-me--férias da empregada. Estou indignada que o estado português não proteja a minha informação de companhias que me querem fazer mal e me insultam, uma tal de NOS. Estou indignada porque a Polícia Judiciária não responde aos meus e-mails. Estou indignada porque a senhora que me entregou o meu cartão de cidadão não o activou e, quando eu usei os PINs, ficou bloqueado. Estou indignada porque enviei um email ao Portal do Cidadão e ninguém me respondeu.

Mas não é apenas na minha vida privada que encontro motivo de indignação. Estou indignada que o estado português seja o cobrador de empresas privadas. Estou indignada que a Justiça portuguesa seja lenta e sirva os interesses de empresas que roubam os portugueses. Estou indignada porque os partidos portugueses estão cheios de pessoas corruptas e de má índole, que esbanjam os recursos do país. Estou indignada porque a Assembleia da República não defende os interesses do país...

Por isso, caros emigrantes, eu troco a vossa indignação pela minha! Aliás, até dou a minha morada voluntariamente a todos os partidos portugueses para me mandarem correspondência não-solicitada (não se esqueçam de usar selos giros!), se esse for o preço a pagar para se resolver os problemas dos cidadãos portugueses com o estado português.

Com os melhores cumprimentos,
A emigrante Rita

P.S. Arquivem isto em "Problemas do Primeiro Mundo"

Vivo assim...

O presente, o passado, o futuro
Confundem-se em mim:
Paisagens e pessoas que arrumo
Em memórias que não vivi...

~ Agosto 2015

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O curto prazo é lixado...

Ontem enchi o depósito do meu carro com gasolina: meti um pouco mais de 60 litros e paguei $35. Acho que o preço por galão não chegava a $2.20, mas o preço médio em Houston anda à volta de $2.05/galão (um galão é quase 3,79 litros). Como eu vivo perto do centro da cidade, onde as rendas que as bombas de gasolina pagam são altas porque os terrenos são caros, tenho de pagar acima da média. Isto contrasta com alguns meses atrás, em que eu gastava à volta de $50 para encher o depósito.

Houston é a capital do sector energético nos EUA e aqui os preços baixos do petróleo estão a fazer-se sentir nos preços das casas. A Laura, uma das pessoas que trabalha no meu andar, faz financiamento imobiliário e ela contou-nos algumas das histórias que se têm passado na zona. Há uns meses, uma construtora local com quem ela trabalha vendia cerca de 37 casas por mês; neste momento, vende apenas 11.

Ao contrário de outras cidades americanas, na década passada Houston não teve uma bolha imobiliária porque os bancos não financiaram muito o sector. Em vez disso, a cidade continua a ter um défice de casas e apartamentos, especialmente perto do centro da cidade. Os preços do imobiliário e das rendas têm reflectido esta escassez e têm sido o mecanismo de ajuste.

Como reacção ao preço do petróleo, algumas empresas locais têm despedido funcionários. Por exemplo, a Chevron prepara-se para despedir cerca de 950 pessoas só em Houston. Em Junho, estimava-se que a cidade perdesse talvez 50 mil empregos por causa dos baixos preços do petróleo. Outras companhias tentam cortar os custos de outras formas, como mudando para sítios mais baratos ou com sistemas de impostos mais vantajosos--por exemplo, algumas empresas saíram da Califórnia e vieram para Houston por causa do Texas não ter imposto estatal. Como, entretanto, Houston ficou cara, algumas empresas saem daqui e vão para cidades mais baratas.

Para algumas pessoas estas mudanças vieram em péssima altura. A Laura contou o caso de duas famílias que se preparavam para comprar casa. Cada família tinha dado de entrada cerca de $30.000, a título de "earnest money" (sinal). Um dos casais perdeu o dinheiro porque teve de cancelar a compra, pois ambos os membros foram despedidos. O outro casal perdeu o dinheiro porque a companhia decidiu mudar o escritório de cidade e, ou eles mudavam de cidade, ou perdiam o emprego. Pelas quantias envolvidas, deviam ser casas bastante caras.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A Amazon agradece à AR

Diz o Económico que "As livrarias vão ser proibidas de fazer descontos superiores a 10% no preço dos livros editados ou importados há menos de 18 meses, segundo o decreto de revisão da lei do preço fixo do livro publicada hoje em Diário da República."

Esta parte aqui deve ser a minha preferida:

A Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) já reagiu com satisfação à revisão desta lei. "Enquadra-se nas medidas necessárias de preservação do sector editorial e livreiro para a sua sustentabilidade futura", diz a APEL.

Quando apareceu o automóvel, os produtores de carroças também pressionaram o governo americano para passar medidas proteccionistas. Resultou muito bem para eles. E esta medida irá resultar muito bem para as editoras portuguesas. O silver lining é que, quanto mais depressa elas forem ao ar, mais depressa os consumidores portugueses irão poupar dinheiro, mas os lucros serão exportados para o estrangeiro. Será que o pessoal das editoras portuguesas ainda não percebeu que a Amazon também edita livros? Que os preços da Amazon são ultra-competitivos? [Ainda hoje um artigo na Bloomberg dizia que a Amazon era uma das forças por detrás deste ambiente deflacionário que se vive no mundo.] Que cada vez mais pessoas têm acesso a tablets e smartphones e podem comprar livros digitalmente?

Não há ninguém na indústria que saiba o que é a análise SWOT? Já sabemos que na Assembleia da República não há. Não é por acaso que tivemos de convidar a Troika. Pois bem, deixem que eu vos ajude: estas leis não criam sustentabilidade na indústria. A indústria portuguesa é extremamente mal gerida. Veja-se a quantidade de autores que publicam e que não são pagos porque as microeditoras, tão comuns em Portugal, vão ao galheiro. Acham mesmo que a longo prazo os autores vão continuar a suportar esta situação? É claro que não.

O português é uma língua global. Um dia destes, uma mega-editora internacional aparece, dá boas condições aos autores, boa projecção mundial e rouba o negócio às editoras portuguesas. Ou então, aparece uma editora virtual, estilo etsy, só que, em vez de ser para artesãos, é para escritores, e os escritores poderão vender o seu trabalho virtualmente e directamente aos leitores de todo o mundo. A longo prazo, as editoras portuguesas irão ao ar. Eu compro arte portuguesa na etsy e na Society6, não preciso de nenhum intermediário português para a comprar...

A propósito, já leram estes textos aqui e aqui, acerca do proteccionismo que se dá às editoras de livros escolares?

'Sound vai-te's

Vasco: "Não fales como se me conhecesses há anos."
Joana: "Anos são múltiplos de meses."
Vasco: "Vai-te."
Joana: "Palavrões truncados, gosto tanto"

~ Pedro Mexia, "Nada de Dois"

Segundo relata o Expresso, no Domingo, António Costa disse que Portugal não tinha desistido dos jovens emigrantes, que queria que eles regressassem. Antes de convidar as pessoas a regressar, convinha reunir as condições necessárias ao seu regresso porque não há nada mais chato do que um emigrante mal-disposto. Eu sei por experiência própria.

Esta coisa dos jovens confundiu-me um bocado porque eu não sabia se estava incluída ou não no convite. Percebi que não estava por duas razões. A óbvia é que eu não emigrei há quatro anos, aliás não sou o produto do último governo, sou o produto do primeiro governo de António Guterres. Apesar de, aos seis anos, eu ainda não saber colocar bem os sapatos nos pés--confundia o direito com o esquerdo; a minha vizinha que era um ano mais nova é que me ajudava a calçar--no que diz respeito à emigração, eu sou o que se chama precoce!

A outra razão é que, se calhar, eu já não sou jovem em Portugal. Segundo me contam, profissionais de quarenta anos já são considerados velhos. Ainda bem... Antes ser uma jovem de 43 anos na América, do que uma velha de 43 anos em Portugal! Para além disso, na América, de vez em quando ainda me pedem a carta de condução quando eu peço um copo de vinho num restaurante para o empregado se certificar que, realmente, eu tenho 21 anos. Quem disse que ter 1,53 m não tinha vantagens, para além de não apanhar com ramos na cara quando passeio os cães?

Por falar em quarentões em Portugal, António Costa não os costuma tratar muito bem, como é evidente pela forma como tratou o jornalista da RTP 1, o Vítor Gonçalves, que nasceu em 1969--bom ano, até tem direito a uma canção do Bryan Adams. A meu ver, isto é uma má mensagem para os "jovens emigrantes". Ficam logo com a impressão de que, quando eles chegarem aos 40, não merecerão respeito nenhum.

Nessa entrevista, Costa aponta os problemas da Grécia, um dos quais é ter tentado negociar com a Troika unilateralmente. Na altura que isso foi feito, Costa até foi um grande proponente dessa estratégia. Agora que a estratégia não funcionou tão bem, é um exemplo do que não seguir. "Hindsight is 20/20!"--a vida vivida em retrospectiva seria perfeita...

Estas ideias todas ficaram a macerar na minha cabeça até que cheguei a um ponto e pensei: "Caramba, este Costa é só 'sound bytes'!" Depois, outro pensamento atracou: "Qual 'sound bytes'?!? Estas coisas do Costa são mais como 'sound vai-te's!!!"

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Portugal na NPR

Ontem de manhã, durante a minha comuta, fiquei deveras surpreendida. Uma das histórias que ia aparecer no programa de actualidades "Here and Now" era acerca de Portugal; acerca de como uma cidade em Portugal--Batalha--se preparava para receber alguns refugiados do conflito da Síria.

Eu não sei como é que surgiu a história, até porque se trata apenas de receber quatro famílias; mas, mais uma vez, deu uma imagem muito positiva de Portugal, parecendo que os portugueses são pessoas muito terra-a-terra, realistas, e com "o coração no sítio certo", como dizem os americanos.

Obrigada à Cíntia Silva, a vereadora que foi entrevistada, por dizer coisas como esta:

"We’re not a very rich country, but we here have some good lives and we have stability. So it’s an honor, I think, for the Portuguese and for every state that are receiving these people and helping because it’s international – a global question and a human rights question that’s so basic that some people don’t have even the basics to live in this world."

Ouçam a história aqui:

Fonte: Here and Now, um programa produzido pela NPR, National Public Radio, e pela WBUR, da Boston University.

Quando a música ainda tocava…*

Em 2000, os níveis de endividamento das famílias, das empresas não financeiras e do Estado correspondiam a cerca de 218% do PIB. Em 2005, atingiam 269%. Em 2010, eram 339%. O endividamento externo cresceu de forma galopante. Em meados da década de 1990, correspondia a cerca de 15% do PIB; em 2005, a 70%; em 2009, já havia ultrapassado os 100%. A taxa de poupança estabilizou nos 20% em meados da década de 1990. Em 2000, iniciou uma trajectória descendente, até atingir os 10% em 2008. Portugal passou então a estar colocado entre os países com mais baixa taxa de poupança da OCDE - pior do que nós só os EUA e a Grécia.
A partir de 2001, a economia portuguesa caiu numa longa estagnação, que nos continua a assombrar – apenas no ano de 2007 a taxa de crescimento ultrapassaria os 2%. Desde a II Guerra Mundial que não se verificava uma estagnação tão persistente.
E, no entanto, estes desequilíbrios não passaram despercebidos. Logo em 2001, o Relatório Anual Gerência do Banco de Portugal referia: 
“A evolução observada em 2000 deve ser interpretada como o início do processo de ajustamento da economia portuguesa, que terá que prosseguir nos próximos anos. Caso contrário, apenas se agravará a magnitude do futuro ajustamento necessário, aumentando a probabilidade de ele vir a ser desencadeado de forma brusca. Acresce que o conjunto dos instrumentos de política ao dispor das autoridades para facilitar o processo de ajustamento é mais limitado no contexto da participação na área do euro. Assim, a inevitável correção dos desequilíbrios externos terá que passar necessariamente por uma redução dos ritmos de crescimento da procura interna, pública e privada.”
O alerta do BP (repito: em 2001) sobre os riscos do excesso de endividamento não impediu que estes fossem desvalorizados e que a urgência da sua correcção fosse questionada. De facto, iniciou-se, nessa altura, uma discussão e uma clivagem na sociedade portuguesa que impediu o consenso necessário para suportar as medidas que permitissem um processo de ajustamento mais suave do que aquele que viria a ocorrer com o pedido de resgate em abril de 2011. 
Em 2002, o governo liderado por Durão Barroso, com Manuela Ferreira Leite como Ministra das Finanças, anunciou que Portugal estava de ‘tanga’. Em consequência, o governo tomou uma série de medidas com o objectivo de conter a despesa pública (nomeadamente o congelamento de salários da função pública) e de evitar a violação, pelo segundo ano consecutivo, do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). As medidas tomadas, por esse governo e pelos seguintes, não foram suficientes para compensar o crescimento da despesa com prestações sociais e os défices orçamentais continuaram sistematicamente a violar o PEC.
As divergências em relação à necessidade e urgência do ajustamento não eram exclusivas dos políticos. Existiam também entre economistas. Cavaco Silva, em 2003, num debate com Vítor Constâncio (então Governador do Banco de Portugal), alertou para os riscos do endividamento e para a gravidade do desequilíbrio da balança corrente, apesar de pertencermos a uma União Económica e Monetária. Cavaco chamou a atenção para a necessidade de reformas estruturais que permitissem melhorar a competitividade da economia portuguesa, dada a impossibilidade de recorrer às desvalorizações competitivas da moeda.
Seguindo a ortodoxia então vigente, e aparentemente contrariando os alertas do Relatório do BP de 2001, Vítor Constâncio defendia a benignidade dos desequilíbrios externos. No pressuposto de que os mercados promoveriam uma alocação mais eficiente dos recursos na economia global, Constâncio desvalorizava os défices da balança corrente no contexto do euro. Olivier Blanchard e Francesco Giavazzi, num artigo de 2002, apresentaram uma posição semelhante – todavia, Blanchard, num importante artigo de 2006 sobre o difícil ajustamento da economia portuguesa, viria a reconhecer o seu erro. 
Um outro exemplo da clivagem existente em relação à forma e à urgência da correcção dos desequilíbrios da economia portuguesa, e que na minha opinião viria a ser decisivo para o caminho seguido em 2005, foi o famoso discurso do Presidente da República Jorge Sampaio, em 2003, nas cerimónias do 25 de abril. Embora alertando para a gravidade dos desequilíbrios e para a necessidade de os corrigir (incluindo o da despesa pública), o então Presidente da República afirma então que “Há vida para além do Orçamento” (e não do défice, como é usual ser citado), lembrando a importância do investimento público e sugerindo o recurso a parcerias entre os sectores público e privado. De acordo com essa visão, do investimento público viria, como na década de 1990, o crescimento económico. E com o crescimento económico o endividamento deixaria de ser excessivo. 
Seria este o caminho que o governo liderado por José Sócrates viria a seguir a partir de 2005. A desvalorização dos desequilíbrios na zona do euro e o ambiente internacional favoreciam esta opção: o excesso de liquidez com origem nos mercados asiáticos e nos países produtores de petróleo levaram as taxas de juro a mínimos históricos e o endividamento a máximos históricos. 
A música ainda tocava e Portugal também quis continuar a dançar. Apesar das medidas tomadas para tentar controlar a despesa pública e os défices orçamentais, o Estado continuou a aumentar o seu endividamento. As famílias e as empresas, na expectativa do regresso do crescimento, continuaram também a acumular endividamento e a reduzir a poupança.
Infelizmente, a música deixou de tocar antes do crescimento ressurgir e as coisas tornaram-se muito complicadas. As taxas de juro subiram. E o mundo entrou na mais grave crise desde a Grande Depressão dos anos 1930. Os países que mais sofreram com a crise foram os que, como Portugal, tinham maiores níveis de endividamento. Ou seja, a culpa não é da crise financeira internacional. A culpa é de todos os que desvalorizaram os riscos do endividamento e dos que favoreceram o seu crescimento. 
A economia portuguesa apresenta hoje muitos sinais positivos de recuperação. Mas não tenhamos ilusões: está feita apenas uma pequena parte do ajustamento. Se a economia crescesse, tudo seria mais fácil. Mas o crescimento continua a ser o maior dos mistérios económicos. Ainda não é tempo para festas.    

* Este título baseia-se na afirmação de Chuck Prince, CEO do Citigroup, When the music stops… things will be complicated. But as long as the music is playing, you’ve got to get up and dance. We’re still dancing, em 8 de julho de 2007. A música, e a dança, parariam um mês depois, quando rebentou a crise financeira nos Estados Unidos.