terça-feira, 29 de setembro de 2015

Em fuga

Em 2011, o governo de Sócrates chamou a Troika. Isto é um facto. Há registos em todo o lado para quem tiver graves problemas de memória. Os oligarcas (os gajos que mandam nisto) deixaram a um “provinciano”, um tipo que veio lá da província e que ninguém nos grandes círculos do poder levava a sério, fazer o trabalho sujo. Ele que queimasse as mãos. Todos os ex-líderes do PSD se demarcaram cautelosamente de Passos. São conhecidas as dificuldades que houve em arranjar ministros e secretários de Estado. Muitos eram quarta, quinta ou décima escolha. Ninguém se queria queimar. Um dia, quando as coisas melhorassem, os oligarcas voltariam a reinar como sempre reinaram. António Costa, que, à cautela, também não quis avançar em 2011 para a liderança do PS, era o homem ideal para esse regresso aos bons velhos tempos. Conhece toda a gente dos tais círculos, é amigo de muitos. O poder devia ser-lhe entregue agora de bandeja. Mas alguma coisa parece ter corrido mal. Como diz hoje o Rui Ramos no "Observador", se calhar, muitos portugueses perceberam finalmente de que massa é feita esta gente que se acha no direito natural de dirigir e mandar nas massas "ignaras" e "estúpidas".

29 comentários:

  1. Ainda bem que recorda isso. É bom lembrar que Cavaco Silva praticamente "ofereceu" o poder ao PS em 2013, na sequência da crise entre Paulo Portas e Passos Coelho, mas o PS não quis eleições naquela altura. Em primeiro lugar porque o Seguro era o líder do PS, em segundo lugar porque Costa ainda estava à espera de melhores dias para ir a jogo (em 2013 ainda se falava que Portugal ia precisar de um segundo resgate...). Note-se bem o calculismo e a canalhice desta oligarquia.

    Aliás, voltemos à crise entre Passos e Portas, para a qual acho que a saída de Relvas e Gaspar do governo muito serviu para sanar. Não me parece que o "irrevogável" fosse por causa de Maria Luís Albuquerque, mas porque Portas achava que Paulo Macedo seria uma escolha melhor do que a actual ministra das Finanças (no que era acompanhado por muitos membros do PSD no governo), e porque Passos não lhe passou cartão nenhum, preferindo agradar a Bruxelas em vez combinar as coisas com o parceiro do governo. Depois de perceberem que estavam à beira do descalabro, os dois partidos passaram a coordenar-se melhor e nota-se que há duas fases na legislatura a nível político e económico.

    Ao derrotarem convincentemente o PS, os portugueses estão a mostrar que o calculismo e a espertice é punida pelo eleitorado, ou seja, que nenhum partido se safa em deixar a "batata quente" para quem vier a seguir, porque o povo tem memória. O eleitorado obriga assim os partidos a renovarem os seus quadros e as suas políticas, de modo a que os mesmos erros e a mesma corrupção não se perpetuem. O povo tem de zelar pela qualidade da Democracia e dos seus representantes quando vota. Os portugueses não podem recompensar quem só quer ir a votos quando não há crise!

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    1. É também conhecida a superação espontânea, pelo menos parcial, das situações de Gresham, quando o mau funcionamento da vida monetária, devido à circulação de moeda em desvalorização, ultrapassa determinados limiares.

      É o fenómeno, por exemplo, da dolarização parcial de economias onde a desvalorização da moeda local atingiu níveis que não podem coexistir com uma vida económica regular.

      Pode especular-se sobre a possibilidade de, atingidos certos níveis de saturação, a demagogia eleitoral se tornar contraproducente para os seus praticantes e o eleitorado escolher candidatos com programas menos prometedores, mas mais exequíveis.

      Uma atitude desse género poderia fazer com que políticos, se não bons, pelo menos de melhor qualidade, surgissem nas competições eleitorais.

      Será razoável esperar que uma tal situação se verifique algum dia em Portugal?
      http://www.ordemeconomistas.pt/xportalv3/membro/diretorio/artigo.xvw?p=302319&sobre-a-pseudo-lei-de-gresham-da-pol%C3%ADtica
      [Nuno Valério (economista), em 28/Nov2008, na Ordem dos Economistas (parágrafos meus)]

      (a) Isidro Dias

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    2. "Será razoável esperar que uma tal situação se verifique algum dia em Portugal?"

      Já está a acontecer. Não é mais possível prometer tudo a toda a gente sem cair no ridículo, e isso vai mudar a maneira como se faz política e por arrasto os actores políticos.

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  2. Este blog, nas últimas 24 horas, tem estado estranho

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    1. Compreendo. Mas neste blog nunca houve consenso, diria até que é um dos seus atractivos, cada um pensa à sua maneira; mas, pode ficar tranquilo, que de certeza que alguns dos meus colegas de blog não se revêem no que eu escrevi.

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    2. Concordo com o Nuno, o blog está estranho. E não pela diferença de opiniões, como diz o José Carlos, mas pelo moralismo populista de mão na anca. Oligarcas maus ("gajos que mandam nisto") contra provincianos bons, neste post, "nojo" da gente antipatriota à volta do Costa, nos posts da Rita ao lado... Afinal, parece que os doutorados em Economia não são os "megawonks" da lenda e também são capazes de espumar da boca de vez em quando. Só que para isso já há muita oferta e eu, pelo menos, não venho cá para isto. Importam-se de acalmar e subir um pouco o nível? Obrigado.

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    3. André, o blogue está o que sempre foi: um sítio onde os seus autores escrevem o que lhe apetece e onde os comentadores, desde que assinem, escrevem também o que lhe apetece (com uma ou duas excepções).
      Esperamos que continue a vir, naturalmente. Temos muito gosto nisso.

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    4. Nas minhas palavras há "moralismo populista"? Talvez, se as entendermos como uma dicotomia entre "provincianos bons" e "oligarcas maus" - embora, por definição, os oligarcas são alguém que pertence a uma determinada classe que detém o poder e age segundo os seus interesses próprios. Mas eu não faço essa generalização. Falo de um "provinciano" (no sentido em que veio da província) em concreto e destes oligarcas portugueses, que, de facto, não me merecem muito respeito. Portugal está cheio de provincianos que foram para a capital e venceram: desde Salazar a Sócrates, passando por Cavaco. Há semelhanças entre eles, mas também há muitas diferenças. Este fenómeno é mais frequente à direita do que à esquerda. A direita recorreu muitas vezes, desde o século XIX, ao "provinciano" para chegar ao poder, alguém com quem as massas se identificassem. Tratou-se sempre de um casamento de conveniências. A direita lisboeta olha com um certo desprezo para estes intrometidos, mas tolera-os porque precisa deles para manter o poder; os intrometidos olham com um certo desprezo os meninos bem da capital, porque eles, apesar de não perceberem nada de vinhos e de outros assuntos do género, é que vieram de baixo e subiram a pulso. Bem, se calhar, já me afastei um bocado do assunto principal...

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    5. Pensando bem, esse exemplo dos vinhos está desactualizado, hoje já há muita a gente a perceber do assunto, mas eu sou um "provinciano", dos "bons", espero.

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    6. Caro José Carlos,

      Para mim, o assunto principal é que, no meu entender, você caiu no velho vício retórico de reclamar a superioridade moral, que é quase sempre uma maneira de despolitizar a discussão. Passos bom não por causa das suas políticas concretas de direita, mas porque provinciano corajoso contra Costa mau não por causa da sua política concreta de centro-esquerda, mas porque aliado calculista da oligarquia, feito, como ela, de uma "má massa" que os portugueses terão detectado a tempo. Ou seja, Passos melhor que Costa por razões apolíticas, porque MELHOR PESSOA, independentemente da ideologia concreta de cada um. Bom, todos nós gostamos de pensar tribalmente que aqueles com quem concordamos são melhores pessoas do que os de quem discordamos. Afaga o nosso ego - assim nós somos melhores, também - e desvia-nos do trabalho de discutir as ideias do outro lado. Por isso é que não gosto em regra de reclamações de superioridade de carácter e não gostei do seu post em particular (que diz, basicamente, vamos ganhar porque somos feitos de uma massa melhor, somos moralmente superiores). E se me irritou foi também porque, no elogio do provinciano contra o fantasma da oligarquia toda poderosa, repete um tópico populista antigo da direita portuguesa, que vem desde pelo menos Salazar, passa por Marcelo Caetano - que atirava as suas origens populares, embora lisboetas, aos filhos-família Cunhal e Soares -, Cavaco e agora Passos. Todos apelaram a origens humildes para se insinuarem moralmente superiores aos opositores, mais honestos e capazes que eles. Isto, claro, desvia do debate político sério e difícil, entre escolhas técnicas e ideológicas falíveis, uma coisa menos apelativa que a divisão tribal entre gente séria (nós) e os de "má massa" (eles). Mas este comentário já está longo demais. Saudações.

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    7. Obrigado pelo seu comentário. Respeito a sua opinião e percebi agora melhor o seu desagrado com o meu post. Tem razão, a política, a polis, é de facto a luta entre ideias, projectos e visões diferentes para a comunidade e, por consequência, implica sempre uma luta pelo poder. Mas por detrás de cada um dos projectos estão pessoas e esse pormenor também conta, sobretudo quando vivemos numa democracia em que as diferenças entre os projectos muitas vezes são mínimas e meramente retóricas. Mas compreendo o seu ponto, Neste tipo de análises, há de facto o risco de descambar para atitudes de superioridade moral. Saudações

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  3. "Quem só quer ir a votos quando não há crise..."
    É. Mais 30% de dívida do que em 2011, a banca esfarelada e com os reforços para lhe acudir já consumidos, os juros presos com arames do BCE que não duram sempre,...é uma situação agradável para qualquer um que deseje ser governo.

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    1. Os "mais 30% de dívida do que em 2011" dizem respeito ao empréstimo que o teu partido pediu em 2011. A "banca esfarelada" foi o teu governo que deixou, por se financiar a juros superiores a 7% durante mais de um ano. E mais. Do empréstimo que o teu governo pediu à "troika" ainda sobrou dinheiro para o fundo de resolução do BES, por isso vê lá bem como este governo "aumentou" a dívida.

      Mas não te preocupes que o teu partido não vai arcar com tão "difícil" situação, porque felizmente para Portugal o PS não vai ganhar as eleições.

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    2. Não. Os 30% de dívida a mais dizem respeito a quem contribuiu para a instabilidade política que impediu a sua rolagem normal e foi eleito dizendo que a austeridade do governo anterior era excessiva e que o problema estava nas gorduras do Estado. Não. A banca esfarelada está, entre outras coisas, na indiferença com que o Primeiro-Ministro assistiu ao atirar ladeira abaixo a bola de neve BES, pelo Banco de Portugal, com a ignorância ou a ingenuidade, como preferir, de julgar, assim, estar a proteger os contribuintes. O meu partido era o PSD. E continuará a ser quando os jotinhas das Lusíadas e demais lambe-botas comissionistas da desintegração do Estado português o abandonarem.

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    3. "O meu partido era o PSD. E continuará a ser quando os jotinhas das Lusíadas e demais lambe-botas comissionistas da desintegração do Estado português o abandonarem. "

      Oh, um órfão do bloco central? Também queria o PEC IV? LOL

      Os vosso ressentimentos pessoais são tão transparentes... Mas essa não é a minha "guerra". C****** para isso.

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  4. Confesso que me parece um bocado artificial querer encaixar o Pedro Passos Coelho (parece ser dele que se fala) na categoria de "provinciano" - ele até pode ter nascido e crescido em Vila Real, mas há muito que é "elite lisboeta" até à medula dos ossos.

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    1. Duvido que Passos seja "elite lisboeta" até à medula dos ossos. Tal como Cavaco havia sido gozado (quem não se lembra da história do bolo-rei, por exemplo), também se fala com um certo desprezo de Passos, ele é "o seu fato de alfaiate de segunda, morador suburbano", ele é Massamá, ele é as férias na Manta Rota, ele é o opel corsa, ele é os empregos manhosos. Não quero alimentar nenhuma dicotomia ou uma história com os bons d um lado e os maus do outro. Há é dois mundos diferentes, isso parece-me evidente, e, por vezes, há muito snobismo de um lado e deslumbramento do outro.

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    2. Bem, umas coisas puxam outras. O que é a elite? Há vários sentidos. É um grupo selecto de pessoas, que se distinguiram pela excelência no que fazem e pelos seus valores, independentemente da classe ou do meio que provêm? Ou a elite são os círculos de poder, são quem decide e manda? Geralmente, é neste segundo sentido que a palavra é usada

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    3. Tirando a Raquel Varela, e já muito recentemente, as únicas pessoa que vi referir o apartamento em Massamá foi o próprio PPC e mais os seus apoiantes.

      Quanto às férias na Mantarrota, não estou a ver como ter uma casa de férias no eixo Albufeira-Loulé (a região mais "in" do turismo algarvio) poderia ser visto como sinal de desqualificação social (e confesso que também não ouvi ninguém pegar nisso).

      Nos "empregos manhosos", sim, mas o tom dessas criticas parece-me ser mais "este é daqueles que só viveu da política e quando teve que sair da politica só se safou graças aos amigos" não tanto "este é um borrabotas vindo sabe-se lá da onde" (ou seja, os "empregos manhosos" costumam ser usados exatamente para o acusar de ser um "insider", ligado a redes de poder e conluios, eventualmente até com ligações maçonicas). Note-se que eu não estou a dizer que os "empregos manhosos" dele sejam sinal disso, apenas que é o que as pessoas que os referem normalmente querem dizer (isto é, seja ou não seja verdade, a imagem dominante do PPC entre os seus detratores é "jotinha um pouco bom-vivant que arranjou amigos poderosos" - quase o oposto da imagem, p.ex., de um Cavaco Silva).

      Sinceramente, dizer que o Passos Coelho seja visto como um "provinciano" parece-me como aqueles filmes cómicos americanos em que alguém que é para todos os efeitos visuais um branco, perante qualquer ofensa se põe a dizer "só me fazem isso porque sou negro".

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    4. Hoje, no programa no Ricardo Araújo Pereira, o Sérgio Sousa Pinto esteve perigosamente perto disto que disse o Zé Carlos.

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  5. Apenas para secundar aqui o caríssimo José Carlos Alexandre, relembrando, aos demiurgos de princípios e outros tantos selectivos, que momentos há, na história, em que o maniqueismo linguístico é a única linguagem possível!!
    Um bem haja, a todos

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  6. Eu usei a palavra "provinciano" num sentido muito restrito, o de alguém que veio da província, o que em Portugal significa ter nascido e crescido fora de Lisboa. Há outro sentido de provinciano, usado por exemplo por Fernando Pessoa, e que se calhar é o seu sentido mais comum ou sociológico: alguém deslumbrado com a modernidade, as grandes cidades, etc. Pessoa contrapõe o provinciano ao "campónio", o qual desconfia de tudo o que é moderno e modernidade. Nesse sentido, por exemplo, Salazar não seria um "provinciano", era um "campónio".

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    1. A cidade de província sem combóio ou vila sem combóio que tem o ar pesado e acabrunhado ante a adversidade do grande mundo com combóio e com telefone!! Mas que todos ficavam aquém da grandeza, honorabilidade e rigor do Moreira, o guarda livros!! O Pessoa é segunda, terça....e tantas coisas mais e tudo e o seu contrário!!
      O tal provinciano sociológico não seria mais do Eça, caro José Carlos Alexandre!!??

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    2. É pena não termos hoje um Eça, mas referia-me mesmo ao Pessoa, num texto chamado "O caso mental português". Escreveu o Pessoa: Se fosse preciso usar de uma só palavra para com ela definir o estado presente da mentalidade portuguesa, a palavra seria «provincianismo». E define assim o Provinciano:"O amor às grandes cidades, às novas modas, às «últimas novidades», é o característico distintivo do provinciano."
      O texto está disponível no arquivo Pessoa online: http://arquivopessoa.net/typographia/textos/arquivopessoa-2983.pdf

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    3. Sim, caro José Carlos Alexandre!! Mas o provincianismo em Pessoa é como Pessoa, às segundas não são terças, às quartas talvez. Pessoa enaltece o provincianismo da mesma forma como o diminui, de seguida!! Daí a minha ressalva do provinciano no grande Pessoa se dever distinguir do provinciano sociológico a que o caríssimo se refere!! Quanto ao Eça, como grande cronista e divagador diletante, não sei se não temos um (VPV)!! Mas, sinceramente, não sei onde estaria, politicamente, hoje, Eça, dividido entre a sua indelével pulsão aristocrática e a sua aversão à vulgaridade da aristocracia (fidelidade ou razão). Nem no seu tempo se decidiu!!

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    4. OK, percebo, e tem razão, o VPV é o que mais se aproxima do Eça. Tenho pena que o Lobo Antunes não tenha continuado na linha do seu "Manual dos Inquisidores", que na minha modesta opinião é um grande livro, e um retrato genial da elite salazarista.

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  7. Só mais uma pitada de Pessoa, sobre a tragédia de Portugal (está no texto que referi acima):
    "Se de aqui se concluir que a grande maioria da humanidade civilizada é
    composta de provincianos, ter-se-á concluído bem, porque assim é. Nas nações
    deveras civilizadas, o escol escapa, porém, em grande parte, e por sua mesma
    natureza, ao provincianismo. A tragédia mental de Portugal presente é que,
    como veremos, o nosso escol é estruturalmente provinciano."

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  8. Ainda a tragédia mental de Portugal, de acordo com Pessoa, que publicou o artigo "O caso mental português" em 1932, mas que parece desgraçadamente actual:
    "O nosso escol político não tem ideias excepto sobre política, e as que tem sobre política são servilmente plagiadas do estrangeiro — aceites, não porque sejam boas, mas porque são francesas ou italianas, ou russas, ou o quer que seja. O nosso escol literário é ainda pior: nem sobre literatura tem ideias."

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    1. O Eça, no sec. XIX, já cheirava a sec XX, mas Pessoa, no início do sec. XX, já cheirava a sec. XXI, em todas as dimensões!!

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