sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Estudou mesmo!

Gostaria de dizer que discordo profundamente do João Miguel Tavares. Estou do lado de Jorge Coelho e acho que foi muito verdadeiro quando afirmou "Eu fui estudar mesmo isto a fundo" e depois leu o e-mail. É óbvio que tinha estudado aprofundadamente o e-mail, tendo até analisado a quantidade de tinta necessária para imprimir cada letra, isto após ter passado várias horas a estudar a resolução do e-mail no écran do computador. Até o sublinhado prova isso mesmo: muito esforço no estudo do e-mail!

Não vale a pena

O Pedro Braz Teixeira pergunta no i se o PSD hibernou: não se compreende por que razão não forma um governo sombra e se prepara para governar. Acho que há duas razões principais: (1) os membros do PSD são muito incompetentes; e (2) não vale a pena governar nas piores condições possíveis.

A primeira razão é simples de verificar: se o PSD fosse minimamente competente, conseguiria defender a sua governação. Ora, se nem saíram do governo com dados suficientes para se defenderem das acusações do PS sempre que o PS distorce factos, então não há ninguém com o mínimo de bom senso e pragmatismo no partido.

A segunda já aqui avancei antes: não acho que sirva os interesses do partido e do país ter uma dinâmica em que o PS enterra o país e o PSD sofre as consequências políticas da má gestão do PS. Não é que eu subscreva tudo o que o PSD fez quando foi governo, mas também não acho que o PS teria feito melhor. Pelo contrário, pois este governo Geringonça recebeu um país em muito melhor estado do que o PSD/CDS e não há grande evidência de que consiga ter uma gestão melhor.

Julgo ser só uma questão de coincidência que o PSD esteja a agir maximizando os interesses de longo prazo, em vez de optimizar os de curto prazo. São demasiado burros para o fazer de propósito. É pena porque Portugal merecia ter políticos de melhor calibre intelectual, tanto à direita como à esquerda.

Geometria, a quanto obrigas...


Estão a retirar árvores na Praça do Saldanha. A culpa é da geometria porque era geometricamente incompatível ter árvores na nova praça. Mesmo assim, o vereador Manuel Salgado mandou transplantar duas árvores, mas quem executou o serviço achou que, geometricamente falando, transplantar é equivalente a cortar.

Pergunto:
  • Quem é o analfabeto que não sabe a diferença entre cortar e transplantar?
  • Quem é que vai fazer dinheiro com as árvores cortadas?
  • Quem paga pelo erro?
  • Quem é o responsável por fiscalizar o serviço?
  • Alguém perde o emprego?

Imagem: Plataforma em Defesa das Árvores

Pretty good year...

Hold on to nothing, as fast as you can!


A malandragem

Que chato! Parece que em 2015 o PIB cresceu 1,6%, em vez de 1,5%. Hmmm, um denominador maior vai reduzir o crescimento deste ano -- malandro do denominador. A matemática é terrível, bem fazia eu em detestar os números.

E a austeridade, essa traidora?!? Agora que a libertámos, não nos ajuda a crescer a 1,6%. Pobre e mal-agradecida! Bem fizemos nós em mandá-la para a curva. Somos pobres, mas honrados, como em tempos de outrora...

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Aberração lógica

A Mariana Mortágua acha que a economia portuguesa está estagnada porque o défice tem um limite de 2,5%. Diz que é preciso reestruturar a dívida pública para ganhar folga nas contas e não prejudicar a economia. Não se percebe duas coisas nesta lógica:
  1. a primeira é puramente matemática: porque é que a única maneira de diminuir um rácio é diminuir o numerador? Será que aumentar o denominador, o PIB, não ajudaria?
  2. a segunda é mesmo de economia: se o objectivo da reestruturação é ganhar folga para que o governo aumente a despesa, então o que é que ela quer que cresça exactamente, a dívida ou a economia?

Em Portugal, os aumentos de dívida não correspondem a crescimento da economia -- é por isso que o rácio dívida/PIB duplicou em 15 anos e, se cresceu tão depressa, é porque nem a restrição orçamental foi respeitada, nem a economia cresceu. O país acumula doses maciças de dívida pública e o PIB não cresce o suficiente para absorver esses encargos. De que serve reestruturar a dívida se a economia não funciona? Daqui a uns anos estamos na mesma.

Se vos perguntassem se queriam ter um acidente de carro agora ou depois, o que é que vocês respondiam? Pode ser depois, daqui a uns anos estou livre, dá para espatifar o carro e partir as costelas à vontade.

Porque é que a Mariana Mortágua não pensa em arranjar forma do sector privado crescer e gerar riqueza, de forma a que a receita de impostos sustente a despesa pública?

O gene da desistência

Costumo dizer que um doutoramento não é um certificado de inteligência; é um certificado de teimosia. Aquilo dá muito trabalho, especialmente se nós somos perfeccionistas e o nosso orientador também. A dissertação do meu mestrado (em Economia Agrária o normal é ter mestrado de dois anos e doutoramento de quatro ou cinco anos separados), que foi um cheirinho, foi uma trabalheira e como eu não acabava aquilo e já andava a tirar cadeiras para o doutoramento, a minha mãe exasperou-se e disse-me ao telefone: "Acaba essa merda!" E eu acabei quando ela me mandou.

No doutoramento, também decidi engonhar e meter-me na especialização de estatística, que prolongou o curso em pelo menos um ano. Por minha vontade, era estudante para sempre, pois era isso que eu queria ser quando tinha oito ou nove anos. E tive visão porque o doutoramento é a coisa mais gira que já fiz, mesmo se tivesse havido um dia em que eu saí do gabinete do meu orientador a chorar por causa da tese e comecei a andar e não queria parar. Eu tinha um plano: fugir. Fugia à escola, à família, ao marido, a tudo. Era um plano perfeito, mas tinha um pequeno senão: não podia ser executado.

As únicas coisas que consegui executar foi dar a impressão a uma jovem professora, que tinha começado a trabalhar no meu departamento, de que não gostava dela porque não a cumprimentei quando me cruzei com ela no campus enquanto planeava a minha fuga (também lhe tinha feito muitas perguntas quando ela estava a ser entrevistada para a posição e ela não se esqueceu de mim) e sentar-me debaixo de uma árvore a tentar procurar o gene que me permitia executar o plano. Sim, esse mesmo: o gene da desistência, esse grande ordinário. Ainda ando à procura dele, mas só encontro genes de teimosia.

o Miguel Relvas sofre de um mal diferente. Ele não é teimoso, é mais como a água: se não dá por um lado, desvia-se e vai pelo outro porque tem facilidade em desistir. É por isso que ele não tem curso superior a sério, daqueles que levavam quatro ou cinco anos no marranço só para tirar a licenciatura. Não, ele é fluído, desistiu dessa via e arranjou outra maneira mais fácil de ter um curso. Depois tiraram-lho porque era fácil demais e ele apelou. Agora desistiu do apelo, deve ter encontrado outra coisita qualquer mais fácil. O Miguel Relvas tem o gene da desistência em duplicado, pelo menos. A ver se arranjamos maneira de o fazer desistir de outras coisas.

Enquanto há Líbia, há esperança...

Já tiveram oportunidade de ler a grande novela que a Bloomberg Businessweek publicou acerca do envolvimento do fundo soberano da Líbia com a Goldman Sachs numas negociatas antes da crise financeira de 2008? Até menciona o Kadafi ter acampado a sua tenda de beduínos na relva de Donald Trump. Aconteceu a sério e o Trump foi pago -- that's business for you, não viram o debate? Imaginem o potencial do relvado da Casa Branca!

Nós já sabíamos, mas é sempre bom confirmar, que a Goldman Sachs tem talento para encontrar empregados muito coloridos. Um dos empregados coloridos da Goldman Sachs, Andrea Vella, supostamente irritou-se, tirou o sapato e começou a bater com ele na mesa. Outro foi ao Dubai e encomendou duas prostitutas por $300. Isso é muito barato, até porque elas fizeram um serviço tão bom que ele ficou estafadinho de todo e não trabalhou no dia a seguir. Espero bem que o Arquitecto Saraiva seja amigo de Durão Barroso. Aguardo ansiosamente as próximas memórias...

Bem, bem, vamos ao que interessa, o que nos dá esperança: a Líbia processou a Goldman Sachs em Londres e pode ser histórico pela argumentação usada: “undue influence”, um conceito usado pelas esposas que processam os maridos, segundo o qual uma das partes tem tanto poder num contrato que o contrato não é válido.

"Goldman may have made hundreds of millions off Libya, but it’s put banking dogma at risk. A bedrock principle of the securities business is that sophisticated investors can look out for themselves and don’t have recourse to the courts if they lose their shirts. If a huge sovereign wealth fund can successfully claim it was duped, there’s no telling who else can. Ben-Brahim identified the perils of dealing with Libya in an April 2008 e-mail. “These guys are extreme,” he wrote a colleague. “If we truly behave as steadfast friends looking after their interests, they will do anything for us. If we ever lose their trust, they are ruthless.”"

Fonte: Bloomberg BusinessWeek

A dignidade nacional

Alguns jornais conservadores americanos estão a apoiar a candidatura de Hillary Clinton. De notar o Arizona Republic, que nunca apoiou um candidato democrata em 126 anos. Diz o editorial:

"Since The Arizona Republic began publication in 1890, we have never endorsed a Democrat over a Republican for president. Never. This reflects a deep philosophical appreciation for conservative ideals and Republican principles.

This year is different.

The 2016 Republican candidate is not conservative and he is not qualified.

That’s why, for the first time in our history, The Arizona Republic will support a Democrat for president.

[...]

Clinton retains her composure under pressure. She’s tough. She doesn’t back down.

Trump responds to criticism with the petulance of verbal spit wads.

That’s beneath our national dignity.

When the president of the United States speaks, the world expects substance. Not a blistering tweet."


Ler mais no Arizona Republic

Não é o único, mas veremos os que se seguirão. Esta eleição poderá ser histórica não só por ser uma mulher a ser eleita, mas por o país se unir contra Donald Trump. Como disse Hank Paulson, em Junho, está na altura de colocar o país à frente do partido. Era bom que a moda pegasse...

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Iremos sobreviver!

Há aquela expressão "put your money where your mouth is", da qual eu gosto muito. Já comecei a dar para a campanha. Só dou dinheiro à Hillary porque discrimino homens; ao Obama não dei, mas dei a ela contra ele e dei a ela para a ajudar a pagar a dívida das primárias de 2008, ao Bloomberg não daria. Se os homens me discriminam, eu retribuo o favor. Não têm de agradecer, faço-o com muito gosto.

Preferia votar no Bloomberg só para não ter de aguentar quatro anos a ouvir homens queixarem-se de uma mulher, porque em competência acho-os parecidos. Mas eu vou sobreviver e os homens também porque ela vai ganhar.

Game on!



Esta foi a pérola que saiu do debate e está a ter bastante cobertura em sítios onde há muitos latinos.

Já vos contei acerca da primeira vez que estive no aeroporto em Miami? Foi em Maio de 1996. Como viajava em stand-by, tive de falar com a moça da companhia aérea. Ela falava para mim em espanhol; eu respondia em inglês e ela nunca me respondeu em inglês. Tenho cabelo escuro, logo para ela eu era latina, ainda por cima estava a viajar para Madrid, mas o meu passaporte era português. As mulheres são muito lixadas...

Floricultura 33


Este é mesmo um palerma. Tanto que nem me vou dar ao trabalho de fazer de conta que estou só a escrever de longe, nem vou inventar pessoas que digam por mim que este é mesmo um palerma.

A sério!

O Tumblr acha que eu sou jovem, tenho empréstimos de educação, e preciso de me ir inscrever para votar. Eu sou tão boa a enganar o algoritmos...





terça-feira, 27 de setembro de 2016

Fez diferença?

Na semana passada, um amigo meu falou comigo e disse todo convencido que ia votar no Trump. Não gostava lá muito dele, mas achava a Hillary muito pior -- terrível! Hoje, depois do debate, veio falar comigo e disse que o Trump era uma desgraça, completamente mal-preparado, não pode votar nele; mas a Hillary também não é lá muito boa, talvez não vote em nenhum. Ou talvez vote no Gary Johnson, o libertário, cujo mote é:

"The government today is the direct result of your choosing the lesser of two evils for generations."

É o que vai fazer o meu vizinho:




Bastidores das eleições

Não dêem muita importância aos debates presidenciais nos EUA. As pessoas que vão fazer a diferença e eleger Hillary Clinton para a presidência não ligam ao debate. Informem-se acerca da sofisticação da equipa analítica de Obama nas eleições de 2012 e imaginem o que isto não será quatro anos depois. É mesmo "data analysis on steroids!"

You may have heard how statistical wizard Nate Silver predicted the electoral votes for each state in the 2012 presidential election, showing that raw data crunching of polls is much more reliable than traditional punditry. What you probably haven't heard is how the Obama campaign built a 100-strong analytics staff to churn through dozens of terabytes of data with a combination of the HP Vertica MPP (massively parallel processing) analytic database and predictive models with R and Stata to gain a competitive edge.

Credit for the big data approach goes to Obama campaign manager Jim Messina, who decided to dive headfirst into an analytics-driven campaign. Messina commented, "We were going to demand data on everything, we were going to measure everything... we were going to put an analytics team inside of us to study us the entire time to make sure we were being smart about things." To ensure everything was measured, staff were evaluated on whether they entered data. The mantra became: "If you didn't enter the data, you didn't do the work."


Ler mais na InfoWorld

O debate

Achei o debate muito fraco no geral. Foi extremamente fraco para Hillary Clinton no início, mas também foi fraco para Donald Trump na segunda metade. O início para ela foi extremamente difícil, ela pareceu reluctante em dar respostas e pouco à vontade em política económica doméstica. Hesitava muito a construir os seus argumentos e sentia-se que não tinha convicção ou paixão pelo que dizia. As suas tentativas de simpatia, sorrindo e tentando fazer piadas, foram completamente falhadas. Eu que vou votar nela, detestei; mas a minha mãe sempre me disse que eu tinha uma capacidade enorme de tomar remédios mistela, logo irei tomar o remédio, mesmo torcendo muito o nariz.

Clinton pareceu-me altiva e arrogante -- como eu, mas eu tenho o bom senso de não me candidatar a nada -- e perdeu imensas oportunidades de dar respostas curtas e convincentes. Por exemplo, disse que o plano dela era aumentar os impostos aos ricos para financiar as suas políticas, mas não disse que os ricos estão com ela: por cada dólar que Trump recebe dos ricos, ela recebe $20. Os ricos ao apoiá-la estão a comprometer-se a pagar mais impostos, estão do mesmo lado do que os pobres: ela conseguiu convencer os ricos, mas ainda não se convenceu a ela própria.

O Trump deu-lhe imensas oportunidades que ela desperdiçou: disse-lhe que ela andava a combater o ISIS durante toda a sua vida; ora o ISIS é uma coisa relativamente recente, será que ele sabe que não existiu durante toda a vida de Clinton? Ela acusou-o de não pagar impostos e ele disse que, se tivesse pagado impostos federais, o dinheiro tinha sido mal-gasto. Ela devia ter rematado e dito: "tu próprio admites que não pagas! És melhor do que o resto dos americanos?" ou podia ter pedido explicações: "se és um empresário de tanto sucesso, como é que não tens lucro suficiente para pagar impostos?" Duh, meus caros, são perguntas óbvias!

Ele admitiu que defendia os seus interesses, os da família e os dos seus empregados e não chegou a dizer que iria trabalhar para os americanos; pelo contrário, quando os americanos entram em bancarrota, ele acha que o que tem mais lógica é ir à procura de imobiliário barato. Será que esse também é o plano da sua presidência: causar uma recessão para poder beneficiar os seus próprios negócios? Nunca saberemos porque nem Lester Holt, o moderador, nem Clinton lhe perguntaram.

Quando ele a acusou de não ter vigor, ela devia ter-lhe perguntado se o vigor dele vinha do Viagra -- então não era? Até parece que vocês não se perguntam como é que ele aguenta a Melania. E não venham com o sexo é privado, que ele anda sempre a fazer piadas sexuais. Ele meteu os pés pelas mãos em questões de segurança, racismo, igualdade de género, e política internacional.

Apesar dos erros, Trump pareceu mais terra-terra no início e simpático, se bem que estava sempre a aspirar pelo nariz. Talvez tenha alergias. O Neil Gaiman no Twitter achou-o "embarassing" pelo tique, mas nota-se que o Gaiman é todo Hillary. Para o fim Trump perdeu o controle e ficou mais beligerante -- não aguentou 90 minutos a fazer de Mister Simpatia.

Bem, no final, este debate não foi transformativo: quem gosta do Trump continua a gostar dele; quem gosta da Hillary continua a gostar dela. Eu continuo a gostar muito do Michael Bloomberg; apetecia-me emigrar para um universo paralelo. Por falar nisso, o pessoal do True Blood é todo Hillary.

A pergunta mais importante da noite foi a última, na qual o Lester Holt, Republicano, que não foi lá muito bom, especialmente no início -- o meu amigo Saleh em Nova Iorque diz que era como se o moderador não estivesse na sala, mas também disse que era um trabalho ingrato --, perguntou se eles iriam aceitar o resultado das eleições e o Trump, que foi o último a falar, disse que sim, que aceitaria se ela ganhasse...


Tudo a postos?

Pessoal, estamos a seis minutos do início do debate Clinton-Trump. Tudo a postos desse lado?

Que ganhe o melhor!

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Veludo Azul...

De vez em quando, os EUA são um bocado com o início de Veludo Azul, o filme de David Lynch: tudo parece bem e, de repente, algo de surreal acontece. Esta manhã foi assim.

Na semana passada, recebi um postal para participar na network social da nossa vizinhança no NextDoor. Eu já participo na da minha vizinhança de Memphis, mas ainda não me tinha inscrito na de Bellaire; o postal foi a minha dica. A vizinha que mo enviou tem o apelido Duarte e o primeiro nome não me parecia português; depois de me adicionar ao grupo, vi que ela nasceu no Brasil. Ainda nem lhe enviei nenhuma mensagem em português.

Enquanto estava a tomar o meu chá e a minha torrada, dei uma vista pelo NextDoor e a vizinha Duarte tinha acabado de publicar que havia um atirador à solta no cruzamento Bissonnet/Weslayan. Sabem a Bissonnet, aquela rua esburacada de que já vos mostrei? Até vos fiz um vídeo que, por coincidência, começou neste mesmo cruzamento. Eu, que estava meia a dormir, pensei que fosse num cruzamento mais abaixo: a Bissonnet/Bellaire; depois li outra vez e acordei. O cruzamento onde se deu o tiroteio é onde passo todos os dias para ir para o trabalho e onde há uma pequena zona comercial. De vez em quando, vou à mercearia Randall's, compro a comida dos meus cães na Petco, e há umas semanas, do outro lado da rua do tiroteio, fui ao Skeeter's almoçar com uma rapariga portuguesa, super-simpática, que tinha entrado para o grupo portugueses em Houston recentemente. Ela vive mesmo nessa área e ouviu a comoção esta manhã dos helicópteros e das sirenes da polícia.

Com as redes sociais, a notícia espalhou-se rapidamente e os meus amigos todos no Facebook andavam aflitos a ver se eu estava bem. Por enquanto estou, mas os EUA são um bocado estranhos. Há muitos "acidentes" que acontecem. Em 2014, demorei-me um bocado para sair para ir almoçar a casa e, quando conduzia, notei que havia um helicóptero a sobrevoar à minha frente. Cerca das 12:30, um assaltante estava a tentar escapar à polícia num carro e chocou contra o Starbucks onde eu costumo ir. O cruzamento Bissonet/Rice estava bloqueado, o carro dele todo espatifado no meio da rua, e o corpo dele se calhar ainda lá estava dentro quando passei por perto porque a ambulância ainda estava em cena. Se eu tivesse saído à hora normal, se calhar tinha assistido.

Mas sorte, sorte, foi só ter morrido ele. Aquele Starbucks é pequenino, mas tem muitos clientes regulares, há muito senhores africanos que o frequentam e é normal juntarem-se na esquina do café a fumar e a conversar. Quando eu vi a cena imaginei logo o pior: que um deles tivesse sido esmagado durante o embate. Só houve alguém que ficou com alguns ferimentos ligeiros por causa do vidro estilhaçado. Uma senhora num carro teve alguns ferimentos também. Quase que vos contei esta história porque o Starbucks ficou fechado durante alguns dias e os clientes meteram um pedaço de papel a dizer que tinham saudades de eles estarem abertos, que gostavam muito dos empregados, enfim, as lamechices habituais dos americanos: "We miss you, we love you, come back soon!"

O atirador de hoje era um advogado, Nathan DeSai, que conduzia um Porsche Boxster preto, e tinha um curso de Direito da Universidade de Tulsa e um bacharelato em Psicologia da Universidade de Houston. O meu vizinho de gabinete, que é indiano, acha que DeSai é um nome indiano também, mas o Nathan parece ser ocidental segundo a foto do LinkedIn. Um vizinho meu no NextDoor dizia "Who terrorizes people with a Porsche Boxter? Gay" Pois, é uma mariquice não arranjar um Hummer para aterrorizar os vizinhos, até porque ele tinha-se dado ao trabalho de arranjar muitas armas e estava vestido com indumentária a rigor.

Parte do tiroteio deu-se em Law St. -- as coincidências... Houve vários feridos ligeiros e um em estado crítico. Um dos senhores, que foi apanhado pelo fogo cruzado, chama-se Eduardo Andrade (a sério!), tem 42 anos e ia a caminho do ginásio. Não foi ferido, só o carro sofreu danos. Dizia ele que tudo tinha sido tão aleatório. Sim, se reduzirmos tudo ao essencial, é mesmo tudo aleatório.

E ainda não é desta que eu vos conto o meu final de ano de 1999, que também meteu armas, assaltantes, FBI... Mas isso foi em Baton Rouge, Louisiana.

P.S. Esqueci-me de dizer: anda tudo armado até aos dentes por estas bandas, mas depois é sempre a polícia que apanha estes fulanos. Os good guys with guns são muito bad a manter a ordem...

Finanças da campanha...

A Bloomberg tem um artigo interessante acerca das doações dos bilionários às campanhas presidenciais de Clinton e Trump. Ela consegue atrair 20 vezes mais dinheiro do que ele neste grupo de pessoas. Deve ser a primeira vez que uma mulher esmaga um homem assim, numa campanha, entre bilionários.

Já nos "pobrezinhos", ela também ganha, pois tem mais doações individuais de menos de $200 do que ele -- é nesta área que a equipa do Obama é bastante hábil, o tal movimento "grassroots". Ela já angariou um total de $526 milhões; enquanto que ele tem um total de $182,1 milhões. O próprio Trump já contribuiu cerca de $54 milhões do seu próprio dinheiro, logo, quase 30%; no entanto, durante a campanha, os negócios de Trump têm beneficiado alguma coisa, pois ele arrenda as suas propriedades para alguns dos eventos e aluga o seu avião, tendo já recebido $8,2 milhões assim.

Ninguém sabe muito bem quanto vale Donald Trump: ele diz $10 mil milhões (biliões curtos, nos EUA); a Forbes diz que é mais $4,5 mil milhões e, mesmo assim, não há certeza. Como ele não revela nada das finanças privadas, não dá para saber; mas depois das eleições, quando for preciso pagar as contas, saberemos melhor. Em 2008, a campanha de Hillary Clinton acumulou uma dívida de $25,2 milhões, sendo $13,2 milhões desse dinheiro devido a ela própria. Demorou quatro anos para Clinton pagar a dívida dessa campanha, tendo de recorrer a parte das suas poupanças.

Os ricos...

Estava aqui a ler uma peça acerca de Greenwich, Connecticut, a terra dos hedge funds (o meu número no Google Voice tem o indicativo de lá, que é o número que eu ponho no meu CV às vezes, que eu não sou burra...), que está na Bloomberg.

Parece que aquilo anda muito mortiço. Não se compram Mercedes por $250.000, fica-se pelos de $70.000; as casas que se vendem são as de $2 milhões ou menos. Enfim, a vida está dura para aquela malta. Em 2015, decidiram aumentar os e houve uns não-pobres que se foram embora para a Florida, onde não há imposto estatal sobre o rendimento. Diz a peça:

The median annual household income is $135,000 -- compared with $56,516 nationally. Residents paid more state income taxes in 2014, the last year for which data are available, than in any other municipality in Connecticut.

Sore Point
The tax rate, by the way, is a sore point, and possible reason behind the departure of the likes of Paul Tudor Jones and Thomas Peterffy, who switched their permanent residences to Florida. The state income tax there is zero.

In 2015, Connecticut boosted the income tax for individuals making more than $500,000 and couples above $1 million to 6.99 percent from 6.7 percent. Levies on luxury goods rose to 7.75 percent from 7 percent on cars over $50,000, jewelry over $5,000 and clothing or footwear over $1,000.

Sternlicht said at a conference two weeks ago that this was why he relocated to the sunshine state. “We used to have no taxes,” he said wistfully, recalling Connecticut before it enacted its income tax in 1991.


Fonte: Bloomberg

Frases famosas 83


Sempre que desço a avenida até ao mar, vejo o mesmo cão.

domingo, 25 de setembro de 2016

Clinton vs. Trump: Primeira Ronda

Caros leitores,
Hoje estou no Observador a falar do debate entre Hillary Clinton e Donald Trump que se realizará na Terça-feira, às duas da manhã de Lisboa. Podem ler aqui.

(E obrigada ao LA-C por me ajudar com o meu português. É bom ter quem nos ajude.)

Três vídeos...

Um homem negro foi morto em Charleston, Carolina do Norte, pela polícia. O homem estava dentro do seu carro, parado no parque de estacionamento do complexo de apartamentos onde morava. A polícia estava lá à procura de outra pessoa e quando o viram no carro, pediram-lhe para sair. A vítima tinha sete filhos e tinha sofrido um acidente traumático cerebral por causa do qual estava sob medicação quando morreu. Não se sabe exactamente o que aconteceu porque nenhum dos vídeos é claro. A polícia diz que ele estava armado, mas a esposa diz que não. O vídeo da polícia não foi imediatamente divulgado porque, supostamente, iria afectar a investigação. A falta de informação e a percepção de que a polícia estava a esconder algo contribuiu para que houvesse manifestações violentas na cidade. Ontem o The New York Times divulgou o vídeo que a esposa da vítima tinha filmado; hoje a polícia decidiu divulgar os dois vídeos que tinha.

Em Tulsa, Oklahoma, outro homem negro foi alvejado e morto pela polícia no dia 19, Sexta-feira, neste caso por uma mulher polícia, o que é raro, mas a polícia decidiu divulgar o vídeo imediatamente na Segunda-feira, o chefe de polícia avisou que o vídeo era chocante, e a agente que disparou foi prontamente suspensa sem vencimento, acusada de "manslaughter", e detida, estando neste momento fora da prisão sob fiança. Talvez por a polícia ter tido uma atitude diferente, não houve confrontações violentas imediatas na cidade, e só agora é que o caso está a ter projecção nacional. Há marchas e manifestações de solidariedade para com a vítima, mas por enquanto são pacíficas. Tulsa é a segunda maior cidade de Oklahoma e é considerada bastante liberal para Oklahoma.

sábado, 24 de setembro de 2016

Com tempo tudo se aprende

José Sócrates de 2016 considera a concentração de poder em instituições do Estado um perigo para a liberdade dos cidadãos.
José Sócrates de 2008 considerou fundamental criar o cargo de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna para a a segurança dos cidadãos.
José Sócrates de 2005 considerou fundamental criar a ASAE para a protecção dos cidadãos.
Em vez de Lyotard, tivesse lido Orwell.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Mulheres determinadas

A história da rapariga que precisava de um sorriso e de alguma orientação, que teve a boa sorte de encontrar uma outra mulher que a conseguiu ajudar, revela acima de tudo a capacidade e auto-determinação das mulheres. Esta semana no programa de rádio Texas Standard, mencionaram um outro exemplo do esforço delas: Galveston não tem uma piscina municipal e muitas pessoas achavam que era um desperdício de dinheiro fazer uma.

Um grupo de mulheres achou que não e incomodou gente suficiente até conseguir os fundos iniciais para o projecto. Barbara Sanderson, a directora do Parks and Recreation Department, de Galveston, descreve-as assim:

“I guess you call them my pool ladies – and they were determined and went to the [Industrial Development Corporation] board and received about $250,000 in seed money to get some plans drawn”

~ Barbara Sanderson, entrevistada no Texas Standard

O projecto vai custar $4,5 milhões e o resto do dinheiro foi conseguido através de doações de privados e fundações e de actividades de angariação de fundos. De notar que um antigo CEO da Delta Airlines é residente na ilha e doou, juntamente com a sua esposa, $1 milhão.

Morde a vida!

Ó pessoas, não fiquem aí especadas a olhar para o novo sorriso desta moça, que foi oferta do Dr. Miguel Stanley, na White Clinic. Contactem a Patrícia Motta Veiga e façam um donativo para ajudar a dona do sorriso a pagar as contas até receber o primeiro salário. Eu, que estou do outro lado do mundo, já contribuí, logo que desculpa têm vós? Ah, quem disse que a sociedade civil portuguesa não era organizada?



Amadorismo vs. Desespero

O MAL n'O Insurgente sugere que o gráfico que o PS apresentou, no qual esticou o eixo vertical, é sinal de amadorismo. Vou discordar do MAL, mas, antes que me declarem guerra outra vez, vou dizer que até gosto do moço, só que está na minha natureza discordar de muita gente (e tenho de falar no MAL porque foi a única referência fácil que encontrei para o gráfico). Eu não acho que seja amadorismo o que fizeram ao gráfico porque revela que a pessoa que o fez tinha conhecimentos suficientes de Excel para distorcer a informação de modo a melhorar a aparência da coisa.

O que é revelado neste gráfico é o nível de desespero de quem nos governa -- já atiraram com a toalha à parede. Até aqui, havia alguma calma, asseguravam-nos de que a mudança de política ia eventualmente ter um efeito positivo na economia e que era uma questão de se esperar para se colher os frutos. Com este gráfico, há uma admissão de que não vale a pena esperar porque as coisas não vão ficar muito melhores do que isto, logo o melhor é mesmo distorcer a informação.

8 de Novembro: encontro marcado


Não tem dentes...

In "Coffee Cookery", Helmut Ripperger, 1940

Um sorriso pode ser uma solução

Uma coisa que já é óbvia é que os nossos governantes não têm estratégia nenhuma para o país e, pior do que não ter estratégia, é que eles não têm ideia nenhuma de como melhorar a vida das pessoas efectivamente. Só conseguem pensar em termos de manipulação de impostos e subsídios, com umas proibições pelo meio. Normalmente, nem sabem quem é afectado, como, e que valores estão envolvidos: têm uma ideia, implementam-na, se o povo deixar, e depois é que vêem se aquilo funcionou ou se ainda fez a situação pior do que o que estava. Há tanta coisa que poderia ser feita com um bocadinho de imaginação e vontade, mas a realidade é por vezes um bicho de sete cabeças.

A realidade morde, especialmente a quem não tem dentes ou os tem em mau estado. Quem tem dentes em pior estado são as camadas mais pobres da população e é um ciclo vicioso: por serem pobres não gastam tanto dinheiro na manutenção dos seus dentes e depois, quando ficam com os dentes em mau estado, acabam por ter outras consequências a nível de auto-confiança e perspectivas de emprego, o que reforça o ciclo de pobreza onde se encontram. Ainda é pior do que isso porque, no longo prazo, ter maus dentes também aumenta a probabilidade que se desenvolva outros tipos de doenças, logo acabam por ficar mais doentes, o que pode reduzir a sua produtividade, e aumenta as despesas do estado com os cuidados de saúde dessas pessoas.

Eu gostaria de ver, em Portugal, um programa a nível nacional que promovesse a saúde dentária e a aparência cosmética das bocas das pessoas mais pobres da população -- que tal uma organização não lucrativa*? (Façam um reality show, pelo menos, em vez de andar a discutir o Arquitecto Saraiva e o casal Brangelina.) Acho que isso iria ter consequências palpáveis. Imaginem alguém ir a uma entrevista de emprego com um sorriso confiante versus alguém que tem vergonha de sorrir. Não precisam de imaginar -- a Patricia Motta Veiga** descreve no seu mural no Facebook a diferença que um sorriso faz para uma mulher. E notem que esta mulher que precisava de um sorriso foi acompanhada pela Segurança Social e a proposta de solução que lhe fizeram foi meter o filho numa instituição para ela ter menos um encargo.



* Já tenho nomes:
-- Morde a vida
-- Sorri e vence
-- Portugal a sorrir

** Dava para financiar um projecto para clonar a Patricia Motta Veiga? Aposto que os clones fariam maravilhas a trabalhar na Segurança Social portuguesa...

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Um imperativo!

Não sei se leram a op-ed da Leonor Modesto no Observador. É muito importante pensar nestas coisas, mas eu tenho a impressão de que os nossos líderes são alérgicos a pensar ou talvez ter de memorizar o nome de todo o pessoal a quem podemos pedir favores é muito exigente e requer muita capacidade cerebral, deixando pouco para o resto. Por exemplo, quando os socialistas pensam em especialista de globalização, o nome José Sócrates ilumina-se. Eu sei, é mesmo um WTF colorido que nos passa na cabeça quando pensamos nesta associação.

Mas regressando ao cerne da questão: o envelhecimento e a inovação. Para mim isto é ainda mais importante. É que, estatisticamente falando, eu só tenho mais meio ano para ser inovadora. Depois dos 45, normalmente a coisa começa a cair. Mas juro-vos que eu vou contrariar a genética ou morrer tentando. Tenho de continuar a ser maluca e inovadora. Hoje de manhã, por exemplo, estava a fantasiar com revoluções partidárias. Se eu fosse jovem -- em termos de anos, meninos, porque em mentalidade eu sou a irmã perdida do Benjamin Button -- e estivesse inscrita na Universidade do PS, quando aparecesse o Sócrates à frente, eu levantaria o meu cartaz que diria: "We don't need no education!" E sairia porta fora. Até era capaz de emigrar -- outra vez!


Pronto, já percebi

No passado fim-de-semana, numa conferência socialista, Mariana Mortágua abriu o painel sobre a Esquerda e as desigualdades. Com a frase “Temos de perder a vergonha e ir buscar a quem está a acumular dinheiro”, a sua intervenção rapidamente subiu ao top 10 dos assuntos "facebookianos" e "twitteiros" (suspeito mesmo que foi por isso que Angelina Jolie e Brad Pitt decidiram separar-se, para rivalizar em popularidade com Mariana Mortágua). No artigo de ontem, o Luís (Aguiar-Conraria), se bem o percebi, não estranhou a proposta bloquista, mas surpreendeu-se com o acolhimento aplaudidor que teve no PS. Eu também fiquei um pouco admirada, confesso.
Mas ontem, eis que se fez luz! Percebi que provavelmente aquelas palmas foram batidas apenas ao começo da frase, "Temos de perder a vergonha". O apelo foi feito já no fim do discurso, portanto é natural que a capacidade de concentração já não permitisse que se ouvissem todas as palavras. De resto, é uma coisa não inédita entre socialistas, que, quando foi da resposta prescrita à crise financeira de 2008, leram apenas a parte em que falava de políticas de estímulo, sem reparar que era só para os países que tivessem folga orçamental que o permitisse. Animado pelas palavras de Mariana Mortágua, o PS lá ligou para a São Caetano à Lapa e entendeu-se quanto ao fim dos cortes nas subvenções aos partidos. Agora faz sentido.

Investimento

Comprar casas não é investimento, a não ser que seja o fundo da segurança social a comprar para alugar a baixo custo. -- João Miranda no twitter.

Frases famosas 63

Morri.

Aquela máquina...

A máquina do Obama está a trabalhar a todo o vapor para eleger a Hillary Clinton. O trabalho de campo é impressionante. Hoje na NPR, falavam do esforço que está a ser feito em registar os eleitores, o mesmo que em 2008 e 2012. Tudo isso é guiado pelo uso intensivo de análise de dados. Já é a terceira campanha presidencial na qual Marlon Marshall e Jim Margolis, que fizeram parte das equipas eleitorais de Obama, estão a trabalhar, o MO é sempre o mesmo. Não há no mundo ninguém mais sofisticado.

O próprio Obama ajuda porque, como eu vos disse antes, ele tem todo o interesse em proteger o seu legado e isso só é possível de ser feito com Hillary Clinton. Ele não é burro: estamos perante uma eleição que terá imenso peso para os livros de história. O que acontecer na próxima presidência determinará se o primeiro presidente negro dos EUA será visto como extraordinário ou como alguém que pareceu melhor do que o que realmente foi.

Ouçam o discurso de Obama:


quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Não é nada, por enquanto...

As remessas dos emigrantes caíram em Julho deste ano face a Junho, mas não concluam nada antes de examinar os dados. Em primeiro lugar, seria importante conseguir cruzar as remessas com o número de emigrantes para se ter verdadeiramente noção do que se está a passar, mas as estatísticas portuguesas de emigração não são muito boas porque a série tem uma falha ente 2004 e 2010.

No entanto, se consultarem a série estatística das remessas dos emigrantes, na página do Banco de Portugal, verão que as remessas este ano foram anormalmente altas em Junho, quando, normalmente, o mês forte é Julho. Isto faz com que a diferença Julho-Junho seja uma quebra em vez de um aumento e que a variação de Julho do ano passado para este ano indique também uma grande quebra (já a de Junho indica um grande aumento).

As variações homólogas de Julho têm estado em terreno negativo desde 2014 (antes disso, note-se, não eram sempre positivas), mas as de Dezembro estão a ficar mais positivas. Dezembro é o segundo mês mais forte e, desde 2012, tem estado a ganhar importância. Julgo que é razoável presumir que Julho está a ceder parte da sua importância a Dezembro, ou pelo menos, os emigrantes que saíram desde 2012 estão a enviar mais remessas em dois períodos importantes que coincidem com férias. Mas isto continua a não explicar o porquê de Junho este ano, e não Julho.

Um outro aspecto a ter em contra é a mudança de governo. Até agora, não temos dados suficientes para indicar, com confiança estatística, que a Geringonça está a afectar negativamente as remessas de emigrantes, no entanto olhando para o gráfico, verificamos que houve uma mudança de comportamento na variável quando o actual governo tomou posse, mas a força de Dezembro de 2015, altura em que ainda não se sabia bem o que a Geringonça ia ser, ajuda a diluir o efeito negativo. Note-se que, mesmo sem Dezembro, o efeito negativo não é estatisticamente significativo até Julho, mas acho que a actuação da Geringonça na última semana não ajudou muito o resto do ano.

Dados: Banco de Portugal, milhões de euros, datas estão em m/d/a

Na Quinta-feira sai o relatório do Banco de Portugal e já saberemos mais pormenores.

Mais um!

George H.W. Bush (o Bush pai) disse esta semana que iria votar em Hillary R. Clinton, nas eleições presidenciais. Jonathan Bernstein, na Bloomberg, sumariza as razões pelas quais a elite republicana foge de Donald Trump:

The cold hard fact is that elite Republicans flee from him [Donald Trump] precisely because of any or all of these four disqualifying attributes -- that he can’t be trusted, that he doesn’t have the information base to do the job, that his business and personal finances are a mess, and that he’s running as a bigot.
Fonte: Bloomberg

Mais claro não podia ter sido!

O Código de Conduta do Governo




Foi publicada em Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 53/2016, de 21/9, a qual entra em vigor desde o dia 8 do mesmo mês. É por demais conhecida a sua occasio legis, ou seja, as circunstâncias concretas que a motivaram. Não nos interessa, aqui e agora, dedicar a nossa atenção à sua análise, aliás já escrutinada politicamente, em várias sedes e, sobretudo, no local próprio: a Assembleia da República.
Releva sim verificar que existia um relativo vazio legal na matéria da aceitação de ofertas ou vantagens por parte de membros do Governo ou de outros titulares de altos cargos dirigentes da Administração Pública (AP). É evidente que as situações mais graves já mereciam cobertura legal (penal, disciplinar e civil), avultando, quanto à primeira, de entre outros, os crimes de corrupção, peculato, concussão ou participação económica em negócio. Do mesmo passo, os casos mais severos subsumem-se também a infracções disciplinares previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que, no limite, pode conduzir à pena de demissão. Todavia, esta última Lei, em sentido estrito, não é, ao menos directamente, aplicável ao Governo enquanto órgão de soberania e de condução última da AP.
Registe-se que, através da RCM n.º 18/93, de 17/3, em Executivo liderado por Cavaco Silva, foi adoptada a Carta Deontológica do Serviço Público, aplicável à Administração central, regional e local, prevendo como um dos seus valores fundamentais o da integridade, proibindo os funcionários de, “pelo exercício das suas funções, aceitar ou solicitar quaisquer dádivas, presentes ou ofertas de qualquer natureza”. Sem grande explicação, já no Governo de António Guterres, a RCM n.º 47/97, de 22/3, viria a revogar aquele diploma. Assim, restavam os preceitos gerais enformadores do Código do Procedimento Administrativo (CPA) que, logo em 1991 e, agora, com o novo de 2015, estabelecem um conjunto de princípios gerais da actividade administrativa vinculativos, de entre outros, para o Governo. Para o que aqui releva, sobressaem os princípios da prossecução do interesse público, da boa administração e da imparcialidade.
O novo Código de Conduta aplica-se não somente aos membros do Governo (Primeiro-Ministro, Ministros, Secretários e Subsecretários de Estado), mas também aos respectivos membros dos gabinetes. Relevante é ainda a sua aplicabilidade a dirigentes e gestores de institutos e empresas públicas, bem como a todos os dirigentes superiores da Administração em relação aos quais o Governo exerce poderes de hierarquia e superintendência. Mais urge a Resolução agora publicada a que os Ministros, nas suas áreas de actuação, promovam a adopção de códigos de conduta sectoriais. Como é reconhecido no preâmbulo do diploma, é essencial que toda a AP – central, regional e local, directa, indirecta e autónoma ou independente – seja regulada da mesma forma, embora tal seja matéria para a qual é essencial o concurso do Parlamento no procedimento legislativo. Ninguém perceberia que não se aproveitassem os tristes episódios recentes para empreender esta essencial auto-regulação que se limita a corporizar o art. 266.º da Constituição, no tocante à prossecução única do interesse público pela Administração. Esta é como a “mulher de César”: a sua transparência e lisura têm de estar acima de qualquer suspeita, sob pena de se minarem os alicerces do Estado de Direito e do divórcio ainda maior com os cidadãos.
Para além da afirmação de um conjunto de princípios gerais que já decorrem da CRP e do CPA, sem prejuízo de outros títulos de responsabilidade, estabelece-se uma de tipo político perante o Primeiro-Ministro ou o Ministro respectivo, consoante as hipóteses. Não se podia ter ido mais longe e é de esperar que, no futuro, essa responsabilidade se efective, o que só pode implicar a demissão do membro do Governo que infrinja o Código. Deixa de haver espaço para titubear. Importante, embora não inovador em face do CPA, é a declaração da existência de um conflito de interesses actual ou potencial, o qual deve afastar o membro do Governo da condução daquela matéria. O ponto mais saliente para a opinião pública diz respeito à aceitação de ofertas e de convites ou benefícios similares. O princípio geral é da sua não-aceitação, provenham de pessoas singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras, sejam os bens consumíveis ou duradouros, “que possam condicionar a imparcialidade e a integridade do exercício” das funções. Presume-se, sem possibilidade de prova do contrário, que há condicionamento se as ofertas forem de valor igual ou superior a 150€, sendo esse valor tido em conta ao longo de um ano civil, mas somente quanto a uma dada pessoa singular ou colectiva. Isto significa que pode haver a aceitação, por parte, p. ex., de dez empresas, por ano, de valores até esse limite. Não se entende porque é que, quanto aos convites ou benefícios similares, esse valor é só superior a 150€, devendo sê-lo também igual, como sucede nas ofertas. Existem ainda excepções que contendem com a participação em eventos oficiais, de representação do Estado, mas que reclamam, em nossa perspectiva, uma interpretação restritiva, uma vez que são usadas cláusulas gerais que, se aplicadas amplamente, podem contrariar os princípios enformadores de todo o diploma. Importante é, por fim, a salvaguarda da aceitação de ofertas que possam ser encaradas pelo doador como “quebra de respeito interinstitucional”, nomeadamente quando falamos nas relações entre Estados. Nessas hipóteses, a aceitação faz-se a benefício do próprio Estado e não do titular momentâneo do cargo, sendo entregues na secretaria-geral do Ministério respectivo.
Apesar de um ou outro aspecto menos bem conseguido, aqui analisado em extremo esboço, e ponto é que se faça uma hermenêutica restritiva das excepções, este é, independentemente das concretas circunstâncias que o motivaram, um Código no caminho certo, a exigir um urgente complemento, por forma a vincular todos os órgãos, serviços e agentes da Administração Pública.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Continuem, sff!

Como gosto muito de informação, dá-me grande felicidade ficar mais esclarecida e foi exactamente o que aconteceu nos últimos dias. Sei agora que o projecto de governação do Bloco de Esquerda para a Geringonça passou de crescimento através do consumo, como dizia a Catarina Martins aqui há uns meses, para redistribuição da "riqueza" de uma economia estagnada, como defende a Mariana Mortágua.

Pensava eu que nos tinham vendido a ideia de que o programa de crescimento da Geringonça ia ter tanto sucesso que o aumento da receita fiscal seria o produto do próprio crescimento e assim pagaríamos a dívida que não pára de crescer; afinal o aumento da receita fiscal é gerado por aumento da carga fiscal. Seremos pobres, mas honrados. Isto não é um plano de governação -- é um suicídio nacional, mas não é o único.

O Bloco de Esquerda irá continuar a perder eleitorado: um suicídio político. Isto de ter ódios de estimação é um conceito muito giro, mas é também um bom caminho para a auto-destruição. (É por isso que eu não os alimento.) Continuem a odiar o Pedro Passos Coelho, se faz favor. Quanto mais depressa se reduzirem à insignificância, mais depressa o país pode encontrar um rumo melhor. O Pedro Passos Coelho que nem se atreva a sair do PSD: está a prestar um serviço público.

Contos zen para crianças boas 163

Um conto curto é uma história pequena e um rato sem pêlo é um rato rosado. Uma coisa parece nada ter a ver com a outra, um conto curto e um rato sem pêlo, mas não custa nada juntar as duas e fazer um conto curto sobre um rato sem pêlo. Se fizermos um conto curto sobre um rato sem pêlo saem os dois a ganhar, o conto curto, que ganha um assunto, e o rato sem pêlo, que ganha um papel numa história. Um conto curto sem assunto, mesmo sendo curto e não precisando de assuntos longos, seria de tal forma curto que nem repararíamos nele quando estivéssemos a lê-lo. E um rato sem pêlo e sem história passaria ainda mais despercebido do que normalmente já passa, pois é rara a pessoa que diz ter visto um rato sem pêlo quando conta a quem a ouve o que lhe aconteceu durante o dia. Contar o que nos aconteceu durante o dia é fazer contos curtos sobre várias coisas, mas são tantas as coisas que nos acontecem num só dia e tantas as coisas que contamos uns aos outros que fazer um conto curto sobre um rato sem pêlo de propósito vale sempre a pena.

Holística e maluca

Penso que anda por aí muita gente que passou uns bons minutos a chamar-me maluca por causa da minha cartita à Mariana. Não sejam tão pouco selectivos. Se querem chamar-me de maluca, eu dou-vos uma razão muito melhor.

Ufa, já percebemos...



A conselho da Mariana, vendam a casa que vale €500 mil e ponham o dinheiro em contas bancárias a prazo: assim deixa de ser riqueza acumulada e passa a ser poupança. Precavejam-se também: não celebrem a venda da propriedade comprando uma roupa da Prada ou do Tom Ford, que isso é coisa de rico. Para dar mesmo a aparência de serem poupados, só podem comprar na Zara ou na Primark. Mas bom, bom, era comprar na Feira de Carcavelos aos ciganos.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O longo prazo...

Na Universidade do Arkansas, onde eu trabalhei (e o Bill Clinton, esse assediador de mulheres, também), os cidadãos residentes no estado que tenham mais de 60 anos podem-se inscrever em cadeiras de borla, desde que as cadeiras não estejam cheias.

Qual a razão desta generosidade? Bem, melhora a qualidade de vida das pessoas na região, pois quando chegam a uma certa idade têm uma opção onde podem exercitar o cérebro, estudar coisas pelas quais se interessam--as cadeiras de literatura e línguas estrangeiras são populares--, conhecer pessoas de outras faixas etárias, enriquecer a discussão das aulas, pois podem dar perspectivas de épocas em que os restantes estudantes ainda não eram nascidos -- ou os professores--, etc.

Há também o lado interesseiro, que em Portugal é muito desprezado e que os portugueses acham de muito mau gosto: quando estas pessoas morrerem, irão deixar no seu testamento dinheiro e outros bens. Se tiverem uma boa impressão da Universidade, pode ser que lhe deixem qualquer coisa. Em Portugal, o normal seria arranjar-se um imposto novo para financiar a despesa pública; nos EUA, eles acham que mais vale o jeito do que a força.

A propósito, eu vou morrer sem herdeiros. Tenho de começar a pensar quem é que vai ficar com os meus bens quando eu morrer. A longo prazo, estamos todos mortos, mas alguém vivo executa o testamento...

Só os euros não têm intenção...

Saiu há três dias os resultados de uma sondagem política, que indicam que PS soma e segue, tendo agora 36% das intenções de voto. O Bloco de Esquerda 8,9%, e a CDU 8,1%, ou seja, a Geringonça está forte com um total de 53%. Teria tudo um final feliz, não fora um pequeno detalhe: as intenções de voto não estão alinhadas com a actuação da economia.

Dizem-nos que o eleitorado "confia" mais no PS, mas os agentes económicos não consomem, nem investem, e as poupanças estão a diminuir. Isto tudo apesar de haver menos desemprego. Ou seja, as preferências políticas não estão alinhadas com as preferências reveladas no comportamento dos agentes no dia-a-dia: as pessoas dizem que acreditam neste governo e comportam-se como se não acreditassem.

A pensar nos quartos...

Estava aqui a pensar quantos quartos têm as casas onde vivem as meninas do Bloco de Esquerda. Espero que não haja nenhum quarto de hóspedes, pois acumular espaço é um desperdício e não é justificado, pois podiam perfeitamente convidar um sem-abrigo para ir viver lá para casa. Até é mais amigo do ambiente ter menos metros quadrados per capita por residência.

[Portugueses, não precisam de ter vergonha; pelo contrário, exijam que os políticos partilhem o que têm com aqueles menos afortunados.]

Não percas a vergonha...

Cara Mariana Mortágua,

Já vi que achas que se tem de perder a vergonha e ir atrás das pessoas que acumularam. Nós já sabemos que o brilharete que deste por causa do BES foi um acaso. Pensávamos nós que eras feita de um bom material pensante; afinal, aquilo deve ter sido o resultado da bica que tomaste por aqueles dias. Em Portugal o café é muito bom.

Ora bem, pessoas que acumulam. Eu sou uma pessoa que sempre senti necessidade de acumular. A minha mãe dizia-me que não se sabe o dia de amanhã, logo o melhor é ter alguma coisa de lado, caso seja preciso. Há 20 anos, eu olhava para a economia portuguesa e os dias de amanhã não faziam grande sentido para mim por causa da tal necessidade de acumular -- eu queria acumular muito, mas em Portugal não dava para acumular à velocidade que eu queria. Então emigrei e fui acumular para zonas mais verdejantes do planeta.

Vou dar-te um conselho: guarda a tua vergonha, Mariana. É a única coisa que te resta, pois o juízo já saiu porta fora há muito tempo. Se tu achas que num país que faz parte de uma união de países com fronteiras abertas e livre circulação de pessoas tu consegues seguir políticas de perseguição de poupanças, estás enganada. A única coisa que vais conseguir é fazer com que quem tenha opção de sair de Portugal saia mais depressa e, antes disso, até envia as poupanças que tem para fora. A propósito, tens acompanhado as estatísticas de emigração ou será que o teu governo decidiu não as recolher e publicar?

Pensava eu que ia regressar a Portugal qualquer dia; mas neste momento, já tenho dificuldades em pensar ir a Portugal de férias, quanto mais ir para aí na minha velhice gastar o que acumulei.

Fica bem,
Rita

Um discurso no funeral

Segundo alguns estudos, o principal medo dos americanos é falar em público. O segundo é a morte. Pegando nestes dados, Jerry Seinfeld concluiu que num funeral a maioria prefere estar deitada no caixão a ter de fazer o discurso da praxe. Nos anos 60, o eminente professor James McCroskey espantou-se com a quantidade de suicídios de estudantes da Pennsylvania State University durante a época de exames. McCroskey associou os suicídios ao formato dominante de exame oral e tentou descobrir métodos (ou tratamentos) que pudessem reduzir os níveis de ansiedade comunicativa de estudantes e professores. Nos anos 70 prevaleciam as teorias da aprendizagem e McCroskey acreditava que a apreensão/ansiedade comunicativa era aprendida e, por isso, também podia ser desaprendida. Vinte anos mais tarde, e atendendo ao relativo fracasso dos tratamentos prescritos para a ansiedade comunicacional, o autor, com uma certa tristeza, reconsiderou a sua tese. Os grandes avanços da biologia e das neurociências levaram-no a concluir que muitos dos traços de personalidade que estão por detrás da apreensão/ansiedade comunicacional são inatos. A biologia explicaria 60 a 80% dessas características pessoais e o meio social envolvente os restantes 20 a 40%. Seja como for, tratar de 20% do problema é melhor do que nada. Voltando a Seinfeld: pode ser o suficiente para preferirmos fazer o discurso no funeral.

domingo, 18 de setembro de 2016

As claques e a diabolização do adversário (V)



E com este post termino aquilo que me parecem ser as mudanças operadas na sociedade portuguesa que justificam a prevalência atual das claques e do discurso “diabolizador”. Infelizmente penso, aliás, que esta tendência está para ficar. 

Resumindo brevemente os quatros posts anteriores: (a) o espaço público é hoje dominado por claques, pompons, diabolização do adversário e insultos, em detrimento de ideias, modelos e programas; (b) há razões estruturais para isso (isto é, para além dos protagonistas conjunturais); (c) entre essas razões estruturais, destaca-se o progressivo desaparecimento do eleitorado flutuante (quase metade em vinte anos), o ciclo político “infeliz” desde 1999 (ausência de recursos para manter a base de apoio depois de obter uma maioria suficiente para governar), a necessidade de mobilizar o eleitorado fiel nos círculos eleitorais menos cacicados (onde precisamente se disputam os 49 lugares em jogo dos 230 deputados a eleger) e as mudanças no sistema partidário (a viragem à esquerda do eleitorado entre 1995 e 2012, o sucesso eleitoral do BE, a viragem à direita do PSD).

Dizer que o discurso “diabolizador” domina as redes sociais é óbvio. Elas permitiram a muitos portugueses tornarem-se comentadores políticos. E por comentador político entende-se adotar um discurso maniqueísta (o meu chefe é bom e tudo o que diz ou faz é bom, o teu chefe é mau e tudo o que diz ou faz é mau) e “malhar” no adversário. A própria estrutura das redes sociais facilita os pompons e o “tu matas, eu esfolo”, em detrimento de qualquer debate intelectualmente estimulante. Ora, se Facebook, Twitter e afins servem para “malhar” em vez de “discutir”, menos óbvio e bastante mais grave é que o discurso maniqueísta “diabolizador” a que por lá se assiste contagiou e domina agora a comunicação política dos partidos, e não contrário. Penso que aí se conjugaram dois fatores relevantes.

Primeiro, a produção de ideias politicas. Em Portugal, nunca houve centros de criação de conhecimento para os partidos. Nunca houve think tanks (aqueles que se assumem como tal são de gargalhada), nunca as fundações ou institutos partidários fizeram qualquer esforço intelectual, nunca os famosos gabinetes de estudo produziram conhecimento. Basta ver que o mesmo partido que no governo domina as estatísticas nacionais e os alegados estudos de qualquer política pública, na oposição não tem nada. É comparar o PSD de outubro de 2015 com o PSD de fevereiro de 2016 ou o PS em abril e em setembro de 2011 para perceber como todo o saber é produzido dentro do Estado, pago pelos contribuintes, e que apenas serve o partido que está no governo. Uma vez na oposição, este simplesmente não tem capacidade para discutir números ou impactos. 

O que mudou nos últimos vinte anos? As universidades. O pouco conhecimento que servia os partidos era produzido nas universidades, onde certos centros eram famosos pela sua proximidade aos vários partidos (por exemplo, a FEUNL ou a FCEE da UCP ao PSD, o ISCTE ou o ISEG ao PS, o CES à esquerda do PS). Mas a progressiva internacionalização das ciências sociais, primeiro a Economia, depois a Ciência Política, mais recentemente a Sociologia e outras, afastou a investigação dos interesses partidários. Provavelmente só o Direito continua irredutível a tal evolução.

Não vou discutir aqui se é bom ou mau produzir ciência social em inglês, para revistas internacionais, onde os investigadores estão sujeitos a padrões de avaliação anglo-saxónicos. O que é claro é que essa produção científica se desviou dos interesses conjunturais dos partidos. E que os investigadores dificilmente podem compatibilizar uma carreira de padrões internacionais com uma vida no aparelho do partido. Por alguma razão, a participação de académicos na vida dos partidos desceu nos últimos 40 anos (evidentemente que não é zero) e correspondeu a uma crescente funcionalização dos quadros do PS, PSD e CDS. A ideia de uma carreira académica em ciências sociais como trampolim para a política, sendo comum nos anos 80, praticamente desapareceu hoje em dia.

Portanto, os partidos políticos, principalmente na oposição, não têm hoje acesso à geração de conhecimento que lhes permita outro discurso que não o de maniqueísmo “diabolizador”. Qualquer discurso alternativo exige saber que simplesmente não existe nos partidos políticos.

Junta-se a comunicação social, principalmente as televisões. Desde os anos 90, é verdade que se abriu. Há mais canais, há mais comentadores, há menos governamentalização. Mas, na minha opinião, o efeito positivo inicial dos canais noticiosos (principalmente, a redução drástica do controle governamental da informação) acabou por criar uma dinâmica favorável ao contágio pelas redes sociais. Primeiro, quase todo o comentário político em canal aberto, ou em períodos de alguma audiência, é monopolizado por políticos que se dedicam a fazer o spin do seu partido, a preparar as suas oportunidades futuras (aqui o atual PR é o melhor exemplo) ou a tratar dos seus negócios. Evidentemente que a última coisa que fazem é estimular reflexão. Não é o papel deles. Segundo, os debates nos canais noticiosos raramente são em função do tema a discutir, mas sim dos seus protagonistas. Por isso, temos os mesmos políticos a falar de tudo. Não se encontra uma mesa-redonda de porta-vozes dos partidos para a educação ou para a saúde. Mas temos os vários comentadores partidários obrigados a falar de economia, de justiça e de sociedade no mesmo programa de 20 minutos. Na política, domina, assim, a discussão entre “tudólogos”, em detrimento dos especialistas. Não surpreende, pois, que, para encher tempo em antena, os debates acabem a despejar o discurso “diabolizador”, em vez de argumentos profundos (que logicamente muitos dos participantes não sabem, porque não tiveram tempo para estudar). O debate em função dos atores políticos, e não dos temas, impede a troca séria de ideias.

Hoje os debates televisivos vivem para as redes sociais e as redes sociais para os debates televisivos. Fazem parte do mesmo espaço, onde o que importa é “malhar”, insultar, mobilizar, em prejuízo da discussão ponderada, produtiva. A linguagem na comunicação social deixou de ser um travão ao radicalismo das redes sociais, tornando-se, ao invés, uma forma de o difundir. E as redes sociais têm um papel fundamental em convocar as claques e abafar a voz de quem discorda. Daí também a utilidade cada vez menor das jotas ou dos antigos canais de influência (sindicatos, associações patronais, associações de estudantes, etc.). Hoje os partidos usam as redes sociais para chegar aos seus, condicionar os adversários e influenciar o espaço público de um modo muito mais eficaz do que aquelas organizações fizeram no passado. E essa eficácia faz-se sempre com a diabolização do adversário.