quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Pensamentos avulsos

  1. Hoje, quando vi uma foto de Pedro Nuno Santos ao lado de outra de José Luís Carneiro, acendeu-se uma lâmpada no meu cérebro: os portugueses não gostam de votar em homens com barba. Aliás, nunca houve nenhum Primeiro-Ministro ou Presidente da República barbudo. Lembram-se de quando Marcelo tinha barba? A única coisa que ganhou foi a liderança do PSD e perdeu a corrida a Presidente da Câmara de Lisboa. Ou seja, PNS pode ganhar a liderança do PS, mas não penso que irá muito mais longe.

    Pelos meus cálculos, André Ventura barbudo também não irá muito mais longe na política nacional: talvez consiga ser ministro de alguma coisa, mas mais do que isso é difícil. Claro que seria muito mais gratificante derrotá-lo em termos das ideias idiotas com que se decide projectar, mas quem não tem cão caça com gato e eu não sou esquisita.

  2. Por falar em eleições, Trump anunciou que iria ser um ditador desde o primeiro dia, caso ganhasse as eleições. Como se nós já não contássemos com uma vingançazita. Entretanto, bastantes republicanos estão interessados em que a Nikki Haley progrida nas primárias e que Chris Christie desista da corrida. Seria curioso ver se ela conseguia derrotar Trump. Também seria bom ter outra mulher candidata à Presidência.

    Note-se que Trump tem um ponto fraco: a sua guerra comercial com a China causou uma descida forte do preço das commodities agrícolas e houve bastante incerteza durante esse período, para além de perdas monetárias com a perda de volume exportado para a China. Como a maior parte do seu eleitorado está em zonas rurais, também seria interessante ver se os agicultores, sabendo agora do que a casa gasta, o iriam apoiar outra vez nas urnas.

  3. Ainda o Kissinger. Tentei ler o obituário dele no NYT e aquilo é super-comprido -- não sei se cheguei perto do fim, quando decidi adiar o exercício. Nele até se citava o Presidente Obama na revista The Atlantic:
    President Barack Obama, who was 7 years old when Mr. Kissinger first took office, was less enamored of him. Mr. Obama noted toward the end of his presidency that he had spent much of his tenure trying to repair the world that Mr. Kissinger left. He saw Mr. Kissinger’s failures as a cautionary tale.

    “We dropped more ordnance on Cambodia and Laos than on Europe in World War II,” Mr. Obama said in an interview with The Atlantic in 2016, “and yet, ultimately, Nixon withdrew, Kissinger went to Paris, and all we left behind was chaos, slaughter and authoritarian governments that finally, over time, have emerged from that hell.”

    ~ NYT, 29/11/2023

    É uma ideia simpática achar que todo o mal que os EUA fizeram se deveu apenas à proximidade de Kissinger dos vários governos americanos, mas os americanos não precisaram de Kissinger para lançar duas bombas atómicas, por exemplo, ou para invadir o Iraque. Ou seja, não há grande garantia que, se não existisse, as coisas teriam sido bem melhores. Pelo contrário, veja-se o papel de Kissinger no desenvolvimento da China. Quantas vidas não salvou e quantas pessoas não saíram da pobreza?

    O legado de Kissinger é complexo e não pode ser caracterizado de positivo ou negativo porque foi ambas as coisas, mas não se pode negar que o homem se interessava por estudar o mundo e tinha uma visão multicultural, para além de ter sido um intelectual a sério.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Serviço público

No dia 28 de Novembro, recebi um email do Novo Banco a indicar que, como não tenho um cartão de crédito ou de débito associado à minha conta, a partir de 19 de Dezembro não vou poder fazer transferências da minha conta que sejam agendadas pela página de Internet do Novo Banco e em 28 de Dezembro acontecerá o mesmo às transações agendadas por via da app. Para transferir dinheiro, é necessário ter um cartão "associado" à conta. Enviei um email ao banco a pedir esclarecimentos na Sexta-feira, mas ainda não recebi resposta. Hoje tentei agendar uma reunião com o banco, mas não aceitam números de telefone americanos no formulário da app, apesar de a minha morada ser americana. Aliás, eu abri a minha conta nos EUA, na época em que o BES tinha escritórios aqui. Desde então o serviço deteriorou bastante, apesar das novas tecnologias de informação.

Diz o Novo Banco que esta mudança é devida a "questões regulamentares", o que remete a culpa para o Banco de Portugal. Alguém pergunte ao Centeno se faz sentido obrigar os clientes de bancos a ter cartões bancários para efectuar transferências, dado que um cartão não é garantia de nada e frequentemente representa um custo para o utilizador. Para além disso, um cartão bancário aumenta a probabilidade que a pessoa seja roubada. Utilizar um cartão de débito não é seguro porque pode ser duplicado; quanto aos cartões de crédito também podem ser roubados. Depois, os bancos estão a fazer tanto dinheiro em juros e custos de transacção que o regulador devia estar mais preocupado com os consumidores do que em promover os produtos dos bancos.

Para quem reside fora de Portugal, ainda faz menos sentido esta restrição, dada a dificuldade em se mudar a nossa morada. Por exemplo, quando estive em Portugal no mês passado fui ao Novo Banco mudar a minha morada, que já estava obsoleta há mais de cinco anos. Porquê só agora? Porque para mudar era preciso um comprovativo oficial de morada fiscal, só que sendo eu emigrante, a minha morada fiscal é a morada do meu procurador fiscal.

Quando cheguei ao banco, a senhora que estava ao balcão da frente pediu-me o tal do comprovativo oficial de morada e quando eu disse que morava nos EUA, ela presumiu (erradamente) que os americanos também emitiam comprovativos oficiais de morada via um inexistente Portal das Finanças americano. Mostrei a minha carta de condução americana e lá mudaram, mas ela ainda me disse que não sabia se seria suficiente porque não era um comprovativo oficial de morada. O Guterres, o Sócrates, o Costa não chegaram a Primeiro Ministro prometendo maior simplidade burocrática?

Adiante, a razão de eu não ter cartão de débito é fácil de comprender: foi enviado para a minha morada antiga no Texas, logo nunca foi activado e nunca apareceu na minha conta do banco, logo cancelei porque estava farta de pagar por um cartão que eu não tinha. Só que com esta mudança, tive de pedir um cartão de débito na semana passada -- aqui entre nós, acham que o dito tem tempo de chegar aos EUA antes de 19 de Dezembro e de ser activado? É que todos os meses tenho de pagar a conta dos cuidados do meu pai num lar de terceira idade e não sei se deva enviar dinheiro a mais em Dezembro caso não consiga em Janeiro. Convinha isto ficar esclarecido antes porque senão desisto de pagar com o Novo Banco e começo a pagar via Wise, ou coisa que o valha.

Entretanto, hoje comecei a perguntar aos meus amigos portugueses se tinham conhecimento destas mudanças: um que está nos EUA e vai frequentemente a Portugal não sabia de nada; os que estão em Portugal têm uma vaga ideia, mas nem sabem se as suas contas à ordem estão associadas a um cartão para que as transações não sejam canceladas. Não tenho visto nenhuma discussão na Comunicação Social de uma mudança que me parece bastante problemática. Quando entrar em vigor, veremos as consequências.

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Um período grave

Bem sei que, ultimamente, não me tem dado para escrever, ou melhor, escrevo imenso na minha cabeça, mas depois não chego a executar o acto. Tenho tido alguma consistência a escrever para a minha vizinha, talvez uma ou duas vezes por mês, apesar de, ultimamente, com as viagens e o ritmo de trabalho, as missivas se terem espaçado. Hoje apeteceu-me vir aqui e não por uma razão apenas.

Há umas semanas, fiquei incrédula quando vi que há quem ache que a demissão de António Costa representa algum tipo de golpe judicial, como se ele tivesse sido forçado a demitir-se. Tenho uma opinião completamente contrária, pois o governo PS já teve bastantes escandâlos em que a demissão de António Costa era o mínimo esperado e, como nas outras vezes não se demitiu, é surpreendente que o tenha feito. Ou seja, o seu comportamente passado não dá credibilidade à ideia de que ele não tinha outra hipótese. Para mim é evidente que ele pretere os interesses do país aos próprios e do partido, logo a sua demissão deve ter sido motivada por algo que desconhecemos.

Galamba finalmente demitiu-se para que, logo a seguir, na Comunicação Social aparecessem conjecturas acerca da possibilidade de Pedro Nuno Santos o poder salvar. É como se alguém atirasse barro à parede para tirar a temperatura dos ânimos. Como é que alguém do calibre de Galamba chega onde está e lá fica tanto tempo, sem que sequer tenha o benefício da nossa ignorância acerca da sua incompetência? Podia-se invocar a lei dos grandes números, mas, num país tão pequeno, onde o PS já governa há tantos anos, talvez se deva cunhar a lei do pequeno número de amigos. Só que um Primeiro Ministro não pode ter amigos, dizia António Costa para se distanciar da pocilga política que criou. Fica a nota para quem vier a seguir.

Aqui na minha parte do mundo, as coisas estão curiosas. Os Democratas acham que a questão do aborto lhes dá apoio político, mas no meu caso--e note-se que eu não sou uma pessoa representativa do eleitorado americano--retira-lhes apoio. Como já aqui escrevi, sinto que a questão do aborto faz de nós mulheres reféns políticos, especialmente pelo partido Democrata. Não há nenhum assunto pertinente ao corpo dos homens que seja tão contencioso como a questão do aborto para as mulheres, logo a ideia da igualdade entre homens e mulheres está cada vez mais no reino da utopia.

Talvez num futuro próximo no qual a gestão de bebés possa ser feita fora do corpo das mulheres, o debate mude de figura, mas não sou tão optimista. O que penso estar a acontecer é uma reversão à média e, se formos a ver, historicamente, as mulheres nunca usufruiram verdadeiramente de igualdade e os períodos em que tiveram mais direitos nunca duraram muito.

Neste contexto, votar Democrata não ajuda as mulheres porque dá-se uma cheque em branco aos Democratas que eles usam noutros assuntos que não o do avanço das mulheres na sociedade. Depois há o facto curioso de a sociedade americana se tornar muito mais activa no sentido de preservar direitos quando os Republicanos estão na Presidência. Esta curiosidade não é única daqui porque, em Portugal, os governos de Direita também têm maior resistência da sociedade portuguesa do que os governos de Esquerda. Talvez a malta da Esquerda saiba resistir melhor do que os de Direita.

Finalmente, há a questão Israel-Gaza/Palestina. Neste conflito, a maior parte das vítimas são mulheres e crianças e os Estados Unidos não têm qualquer problema em enviar armas a Israel sem exigir que se salvaguardem as convenções internacionais que regem conflitos e os direitos humanos. Se Trump se comportasse assim, os americanos sairiam à rua. Há muitas mulheres americanas que estão contra Biden neste conflito, ou seja, o melhor dos cenários para os Democratas é Biden morrer antes das eleições. Se ele for a votos, perde com certeza mesmo contra Trump.

Enquanto escrevia este post, saiu a notícia de que Henry Kissinger morreu aos 100 anos. Pode-se não gostar do homem, mas tinha um calibre intelectual que hoje em dia raramente se encontra; se quiserem ler o seu pensamento, têm acesso a algumas entrevistas dele aqui. Em 2018, Kinssinger dizia ao FT "We are in a very, very grave period." Ainda estamos.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Decepcionante

Estou extremamente decepcionada com os comentadores portugueses. Ainda não vi ninguém perguntar o porquê de António Costa salvar a todo o custo o pêlo do Galamba. Se fosse nos EUA já alguém teria especulado que Galamba deve saber algo acerca de António Costa que António Costa não quer que venha a público, ou seja, Costa deve estar a ser alvo de chantagem. É a única explicação lógica para António Costa não ter demitido Galamba. E MRS "a vê-los passar", completamente impotente por vontade própria.

domingo, 12 de novembro de 2023

Indefinidamente

No discurso de hoje, António Costa pinta-se de vítima--não viu nada, como de costume, mas quando foi confrontado com o que supostamente não tinha visto também não agiu: não demitiu imediatamente Galamba, que carrega às costas como se a sua vida dependesse disso, em vez de salvaguardar a reputação da República. Depois anda em negociações com o PR para escolher o seu substituto, e acha que Centeno é o melhor candidato. Centeno, como de costume, presta-se ao serviço necessário para manter o PS no poder.

Nada do que se tem passado em Portugal nos últimos dias abona a favor de Portugal ser considerado uma democracia. Se Costa se demite e a demissão é aceite pelo PR, mas Costa continua em funções, então Costa não se demitiu. Se há uma demissão e, como o LA-C refere, não há um protocolo de continuidade de governação que é observado, então todo este teatro não faz qualquer sentido.

A não ser que o plano seja António Costa começar a distanciar-se do governo para se candidatar a Belém e Centeno seja visto como a melhor hipótese de manter o PS no poder por mais uns bons tempos. Que o PS não sai do poder já era um dado adquirido, dado que o PS não precisa de maioria para governar indefinidamente.

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Piada à americana

Na semana passada, fui a Singapura em trabalho e tive oportunidade de assistir a uma conferência em que um dos oradores tentava iserir algum humor no seu tópico, numa altura em que o humor está a preço de saldo, dados os acontecimentos de Israel e Gaza. Dizia ele, a propósito do ano que vem, que as perspectivas não estavam muito animadoras porque nas próximas eleições 40% do eleitorado vota Biden, 36% vota Trump e 80% preferia não votar em nenhum dos dois.

Conversei, no dia seguinte, com um dos meus conhecidos que é republicano, mas detesta Trump e não votou nele, que se questionava como é que num país de 350 milhões (eu corrigi-o e disse-lhe que era mais próximo de 330, mas a estimativa mais recente é 335,6), estes dois candidatos são o melhor que se pode arranjar. Exacto, exacto, é essa mesmo a pergunta que faço, respondi-lhe, acrescentando que não entendia como é que os Democratas que eram tão Democratas não arranjavam uma candidata mulher. Ele dizia-me que até não se importaria de votar na Nikki Haley e eu também não, se a alternativa fosse Biden.

Entretanto, após o meu regresso às terras do Tio Sam, liguei a rede do telemóvel mesmo a tempo de apanhar a reacção das minhas amigas americanas (e democratas) a um discurso de Biden. Estavam todas encantadas, que sorte termos o Tio Biden como presidente. Eu não respondi, aliás deixei de participar na conversa porque acho completamente estéril. Os apoiantes de Biden desligaram o cérebro e estão tão cegos como os de Trump e nem uns nem outros reconhecem que a política externa de um e outro é mais parecida do que diferente: uma América isolada, com o resto do mundo às turras entre si e sem nenhuma orientação.

Há uma facção alargada de pessoas que acha que o imperialismo americano é indesejável e muitas vezes violento, com os EUA a meterem-se onde não devem; mas a alternativa também não é pacífica e uma política isolacionista americana é desestabilizadora. E ainda vai ficar pior: os americanos estão a gastar a Reserva Estratégica de Petróleo, umas das ferramentas que lhes permitia gerir o preço internacional de petróleo e que permitiu várias décadas de preços estáveis e relativa paz.

A ideia americana é ser menos dependente de conbustíveis fósseis dentro de poucos anos, com incentivos a que a frota automóvel passe a ser eléctrica, mas uma política destas combinada com políticas nacionalistas prejudica quem é mais pobre. As barreiras ao comércio internacional são cada vez maiores, o que contribui para subidas de preços, e a inflação cria incentivos a políticas ainda mais nacionalistas.

Finalmente, há o aspecto humanitário, talvez o mais importante. Se continuarmos a deixar que estas agressões proliferem, um conflito maior é quase inevitável -- para lá caminhamos, quem dera que fosse piada.

domingo, 17 de setembro de 2023

Mandem para mim!

Se vocês não querem a estátua do Camilo a abraçar a Ana nua, podem enviar para minha casa. A sala de jantar está cheia de mulheres nuas porque faço colecção e é uma ideia bastante divertida ter mulheres nuas onde se come. E para bom entendedor, meia palavra basta...

Notas:
Bem sei que alguma da arte tem vidro que reflecte, mas foi porque as peças foram compradas assim. Os que comprei sem moldura e mandei arranjar estão com vidro anti-reflexo. Só em molduras para as três peças inferiores na parede da La Femme Nue gastei quase $1500 -- bem sei que é mais do que muitos portugueses ganham num mês, mas quem vos manda eleger governos incompetentes?

Ah, a escultura de alabastro comprei na Etsy e veio da Grécia. Encontro muito pouca coisa portuguesa por lá, mas já comprei uns tapetes.

Pois é, ensanduíchado entre os dois livros de fotografia do Richard Avedon estão dois livros do Tito Mouraz, fotógrafo português que eu adoro!

Sim, sim, a escultura por cima dos livros é parecida com uma gata, mas também é uma mulher nua porque cada um vê o que quer.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Por acaso, aconteceu e correu muito bem

A minha cabeleireira habitual cortou um dedo num prato partido, logo não me podia atender este mês. Lá fui ver se a Ulta tinha vaga no salão, apesar de já lá não ir há um ano. Deixei de ter paciência para pintar o cabelo em casa, é o que é. Também está na moda não pintar o cabelo, mas ainda não entrei nessa onda. Quando frequentava a Ulta com mais assiduidade, costumava marcar com uma senhora que até tinha ascendencia portuguesa, pois a família era de Macau. Depois ela mudou-se para a Califórnia porque o filho queria-a mais próximo dele, e deixei de ter alguém regular por aquelas bandas. Dixei de lá ir depois de ter sido atendida por um senhor de cujo serviço não gostei. Para além de ter mau hálito, era um bocado trapalhão e não me lavou bem a cabeça e não tirou a tinta toda, nem foi muito exacto a aplicar o produto em redor da cara, logo fiquei toda manchada.

Não tinha má impressão dos cabeleireiros homens, pois os anteriores que tive foram todos espectaculares, mas deixou-me pausa esta má experiência. Tentei marcar desta vez com uma mulher, mas a primeira que tentei não trabalhava no fim-de-semana; passei ao nome seguinte da lista que era um homem e tinha vaga para Domingo, o que para mim era perfeito, mas fiquei um bocado reticente, a pensar que podia ser mais outra má experiência.

Chegou o dia da minha consulta e à hora marcada fui ao balcão informar que já tinha chegado. O meu cabeleireiro mandava avisar pela recepcionista que ia chegar 10 minutos atrasado, mas na realidade o atraso foi de uns 20 minutos. Deram-me a garrafinha de água de praxe, e eu esperei. Quando chegou fiquei surpreendida que fosse um senhor negro, dado que nunca tinha visto um a trabalhar lá. Ainda por cima, constatei que eu nunca tinha sido atendida por uma pessoa de cor. Nunca me tinha calhado até então.

Perguntou-me qual a receita da minha cor e, realmente, a senhora que eu costumava ver tinha-me enviado a receita, mas não a guardei--também não a apaguei, mas a mensagem foi apagada nas limpezas de rotina para poupar memória ao telefone. Não me preocupou muito porque eu sabia que a receita também estava no sistema informático da Ulta e disse-lhe que estava no computador. Levou algum tempo, mas lá apareceu com ela, só que não a percebeu, não sabia que produtos usar, e havia uma cor que não estava em stock. Telefonou a outra cabeleireira a perguntar o que fazer e ela deu-lhe instruções, mas ele estava bastante ansioso acerca de toda a situação, a modos que eu também fiquei com uma boa dose de paranoia--e se ele me frita o cabelo? E se me deixa metade do cabelo por pintar? Etc.

Finalmente começou a pintar-me o cabelo e ficou muito surpreendido com a minha cabeça por ter tantos brancos -- que na verdade são prateados e brilham ao sol -- dado que eu era tão jovem. Ah, bom, o primeiro apareceu aos 25 anos e eu já não sou muito jovem, já tenho mais de 50. A sério, dizia-me, não me dava mais de uns 30 e poucos. Agradeci-lhe o elogio, apesar de achar que os meus 30 foram uma grande seca. Durante a aplicação foi bastante cuidadoso e muito exacto, a modos que não fiquei com a testa toda suja. Esperei os 45 minutos de praxe, durante os quais li a The Atlantic.

Quando me lavou a cabeça esfregou-me muito bem o couro cabeludo e ensaboou duas vezes. Depois aplicou um creme hidratante e esperou 5 minutos até enxaguar. Não gosto nada quando aplicam o amaciador e depois enxaguam logo a seguir, sem esperar que actue. Achei que a maneira como ele me lavou a cabeça foi das melhores que já tive e senti o couro cabeludo bastante limpo e sem vestigios de tinta.

Passámos à parte de secar o cabelo, mas eu trato o meu cabelo tão mal, devido ao uso de elásticos para fazer totós, que as pontas estavam bastante espigadas. Perguntou-me quem é que me aparava o cabelo e quando é que tinha sido a última vez (ele pensava que era eu, porque estava tão desnivelado). Na verdade, já nem me lembrava da última vez que tinha pedido para me darem um corte de manutenção, mas se ele quisesse e pudesse cortar, eu agradecia. Lá passou ao corte e ficou bastante bem, com um escadeado muito natural.

Conclusão, apesar dos solavancos com a progressão do serviço, o produto final foi excelente. Espero que fique no salão por bastante tempo porque eu gostaria de o ver novamente.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Joaquim Feio (1952-2023)

Mutatis mutandis, faço minhas as palavras do Fernando Alexandre no Facebook:

Foi com o Professor Joaquim Feio que tive algumas das melhores aulas de Economia na FEUC. Nas aulas de História de Pensamento Económico, uma opção a que assistíamos uma meia dúzia de alunos, dizia-nos que as aulas dele eram uma espécie de BBC, canal cultural. A aula sobre fisiocracia foi uma das melhores aulas a que já assisti. Foi com ele que conheci Albert Hirschman ou Peter Drucker - por causa dele li uma fascinante autobiografia de Drucker. Sobre Keynes, que idolatrava, aprendi muito dentro e fora das aulas, dado que o Professor Feio partilhava generosamente o seu enorme conhecimento com os alunos que nele estivessem interessados. Tive também o privilégio de ter longas conversas com ele, com as quais muito aprendi sobre economia e sobre muitos outros assuntos. Uma das pessoas verdadeiramente cultas com que me cruzei na academia e muito importante na minha formação. Foi com muita tristeza que tomei conhecimento da sua morte.

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

A americana é do piorio

Dizia um nosso ilustre leitor, há uns posts atrás, que a Rita portuguesa era mesmo bem portuguesa porque se tinha atrasado na submissão do forumulário de IRS. Coitadinha da Rita portuguesa, uma santinha, ou não tivesse ela o nome de duas, que até doente tentou entregar a tempo, mas a página de Internet da AT levou-a pelos maus caminhos. Mesmo assim só entregou com horas de atraso.

Já a Rita americana em vez de tratar dos impostos a tempo e horas, que este ano até era a 17 de Abril, porque o tradicional dia 15 calhava no Sábado, andou a engonhar e, uns pares de dias antes, enviou um email para o seu contabilista a pedir para entregar um pedido de extensão do prazo. Depois levou meses a tratar da coisa. Só tratou no último dia de Julho e foi porque o contabilista lhe disse que era melhor tratar antes de ele ir de férias, senão ela tinha esperado até Outubro, quando terminasse o prazo da extensão, preguiçosa como é, só faz aquilo que lhe agrada. Como hoje.

Hoje, quinta-feira, dia do relatório semanal das exportações agrárias americanas, que sai às 7:30 da manhã, a Rita americana já estava em frente do computador minutos antes, até porque também sai, à mesma hora, o mapa de monitorização da seca. É um dia espectacular, com tanto número e mapas coloridos com que brincar. Então a Rita americana passa o dia inteiro a pastorear números e a enviar emails e mensagens com quê, perguntam? Ora, mais números.

Já passava das 17:30 quando a Rita americana se apercebeu que já ia além da hora de terminar o serviço, mas que felicidade! E ainda estava esperta que nem uma alface salpicada de gotas de orvalho, aliás, pensava ela que ainda nem eram 15:00. Os olhos já estavam cansados e secos, as pernas precisavam de dar um esticão, mas a Rita americana insistia que não: ainda era preciso processar mais outro relatório, o da CFTC que saiu à tarde, e enviar mais um email à equipa a pedir comentários para o relatório que vai ser finalizado no Domingo de manhã -- é ao Domingo para ter a informação meteorológica mais actualizada para a próxima semana. Há quem vá à missa, a Rita americana vai ao Microsoft PowerPoint, o que dá no mesmo.

Por ano, a Rita americana tem direito a duas semanas de baixa médica, mas na semana dos impostos portugueses, quando estava febril e quase a delirar, não tirou sequer uma hora. E férias? Tem direito a 4 semanas de férias por ano (20 dias úteis), mais dois dias por motivos pessoais, e ainda só tirou 4 dias e meio o ano inteiro. E as férias de Setembro, que estava a planear fazer, a Rita americana já as adiou até Outubro, mas ainda nem sequer comprou o bilhete de avião. Ao menos, quando chegar a Outubro, já não terá de entregar os impostos.

É do piorio, a Rita americana. Só faz o que lhe dá na telha e não tem vergonha de andar sempre a adiar coisas.

domingo, 27 de agosto de 2023

Quarta-feira, depois do almoço

Foi na Quarta-feira, depois do almoço, que morreu a K. aos 94 anos. Na Quinta-feira à noite recebi o e-mail da minha vizinha onde me dizia que decerto eu já tinha ouvido da sua morte, mas eu ainda não sabia. Eram melhores amigas não porque tivessem sido melhores amigas, mas porque as duas eram as últimas sobreviventes do seu círculo de amizades. Agora resta apenas a minha vizinha que está triste por ser a última, mas o plano é chegar aos 100 anos porque um vizinho lhe deu uma garrafa de vinho caro e ela quer bebê-la na celebração--falta ano e meio.

Os últimos meses foram difíceis. Costumavam telefornar-se diariamente, mas a K. já estava esquecida e contava à minha vizinha coisas que ambas sabiam porque as tinham vivido. A minha vizinha ficava frustrada e dizia não saber o que se passava, que estava preocupada com a amiga. Já para o fim, a K. queria falar com ela, mas ela não sabia se a devia ir ver porque, há muitos anos, alguém das relações delas estava a morrer e a K. não achava bem que fossem visitar a pessoa. Para tentar resolver o impasse, disse-lhe que obviamente que tinha de ir, dado que a K. a queria ver.

A última visita correu bem, falaram quase 45 minutos e a K. estava lúcida, mas com bastantes dores e durante o tempo inteiro não se tinha mexido. Inquiri do porquê de não a mudarem de posição, dado que estando deitada ia ficar com feridas no corpo. "Rita, não interessa se ela terá feridas ou não. Ela já não vai melhorar." respondeu-me. A K. estava pronta para morrer, dizia que queria paz. Quando se despediram, a minha vizinha agradeceu à K. a sua amizade, ao que ela retorquiu "You're welcome." Riram-se porque era uma resposta tipicamente à K. Qualquer outra pessoa teria reciprocado o sentimento, mas ela não estava para essas coisas.

Quando conheci a K. e ela soube que era de Portugal, declarou-se a fã número um do António Lobo Antunes. Adorava os seus livros e já os tinha lido várias vezes--era uma leitora voraz. Também gostava muito de José Saramago, especialmente do livro "All the Names" ("Todos os Nomes"), que a vi mencionar a várias pessoas. Por sugestão dos leitores da DdD, recomendei-lhe os livros do Gonçalo M. Tavares que comprou imediatamente e leu. O último livro que lhe sugeri foi "Empty Wardrobes" (Os Armários Vazios") da Maria Judite de Carvalho: assim que lhe falei dele foi à Amazon e encomendou.

Eu e ela partilhamos o mesmo dia de aniversário, mas com 43 anos de diferença. No ano em que nasci, calhou o nosso aniversário ser à Quarta-feira, e eu apareci depois do almoço.

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Claro que mudou

Tenho acompanhado com alguma surpresa a discussão em torno do estado da nação. Os diagnósticos feitos são os mesmos de sempre: (a) situação demográfica má e agora pior devido ao aumento da emigração; (b) carga fiscal elevada; (c) fraca produtividade do trabalho; e (d) salários baixos. A única coisa que mudou no discurso é que agora a taxa de desemprego está a níveis baixos. Como receita de crescimento, os de Esquerda propõem aumentar despesa em educação e saúde e os de Direita receitam uma descida de impostos, como se essas coisas tivessem valido ao país no passado.

Em Junho deste ano, a Universidade do Porto publicou um estudo acerca da economia não registada em Portugal, no qual se estimava que tivesse atingido 34,37% do PIB. Se isto é verdade então o problema não é tanto os impostos serem muito altos, mas sim haver uma parte significativa da população que consegue escapar a pagar impostos, logo a carga fiscal acaba por ser concentrada em menos contribuintes. A conclusão do estudo é curiosa: a solução está em

"que o governo tome medidas adequadas e abrangentes para tornar a economia oficial mais atrativa e competitiva – face à ENR, mas também face aos países concorrentes –, de um modo geral, para que as pessoas (trabalhadores e empresários) não tenham de recorrer à ENR para obter níveis de rendimento mais condignos ou até mesmo emigrar (deslocalizar, no caso das empresas)”, destaca Óscar Afonso, autor da investigação e diretor da FEP."

Fonte: UP

Ou seja, o crime compensa e quem não paga pode continuar a não pagar. Ainda por cima, o estado gastou mundos e fundos a desenvolver uma Autoridade Tributária das mais sofisticadas do mundo e, no final do dinheiro gasto, serve apenas para assediar quem já paga impostos. Ainda por cima, ironicamente os contribuintes é que suportaram o custo de um sistema que os persegue e que não consegue apanhar quem não paga. Ironicamente, se a economia paralela fosse declarada, Portugal teria um rácio de dívida pública-PIB mais baixo e haveria mais receitas fiscais para amortizar a dívida e até para melhorar a qualidade da saúde e da educação pública em Portugal. E sendo uma economia de menos risco, também poderia conseguir financiar-se a custos menores.

Onde é que está a economia paralela ou não registada e quem são as pessoas que afinal até são bastante produtivas para gerar mais de 34% do PIB registado? O estudo acha que é uma economia de vícios: corrupção, branqueamento de capitais, fraude, etc., mas acho este diagnóstico suspeito. Se eu tivesse que sugerir a área que aumentou bastante de actividade recentemente e que provavelmente uma parte significativa vive à margem, diria que é a economia digital, especialmente através das redes sociais, o que nos leva a outra ideia.

Portugal já tinha grande tendência para a economia dos biscates e agora, na era dos influencers, condutores de Uber, senhorios da Airbnb e do Instagram, personal coaches, etc., ainda tem mais e por isso o desemprego baixou -- não só em Portugal como noutros países. Não é verdade que a economia portuguesa não tenha mudado, mudou bastante e até se internacionalizou ainda mais. Basta participar nos workshops de influencers portugueses para encontrar pessoal a assistir que está espalhado por todo o mundo.

terça-feira, 25 de julho de 2023

Os narizes grandes e tortos

O primeiro jantar de Dallas nas minhas últimas férias foi no restaurante Paradiso, no bairro de Bishop Arts. Sentámo-nos no bar no interior do restaurante, mas estava tão cheio que para além do barulho que nos forçava quase a gritar para manter uma conversa, não me senti muito à vontade na nossa era covídica. Quando chegou a altura para nos sentarmos na mesa de jantar, fui da opinião que devíamos ficar no jardim, que eu adoro. Ao final da tarde, as melgas estavam que nem melgas, mas assim que o sol se pôs desapareceram e deu para apreciar o quão agradável a noite estava.

Eramos quatro nessa noite porque uma não fez a viagem e a outra só chegaria no dia seguinte. A conversa estava animada e a minha companheira de quarto parecia super-feliz. Quando estava a ler o menu tirei-lhe uma foto de perfil porque gostei de a ver e também "tínhamos" de partilhar as fotos do que estavamos a fazer não só com as duas do grupo que não estavam lá, mas também com a minha antiga vizinha de Houston, a tal que tem 98 anos, e a sua melhor amiga que, por coincidência, faz anos no mesmo dia que eu.

Quando viu que lhe tirei a foto, ficou chateada. Não gosta que lhe tirem a foto porque fica mal em fotos e tem o nariz grande. Nunca me tinha apercebido que o nariz dela era grande, aliás achei que a foto tinha ficado muito gira. Dei às outras amigas para apreciar e toda a gente concordou que a foto estava boa, mas a amiga do nariz discordou e disse-me que eu não entendia porque era gira ("cute"), etc.

Então mencionei que o meu nariz não era simétrico porque as minhas narinas não têm o mesmo tamanho. Acrescentei que como eu, que me vejo ao espelho todos os dias, demorei quase 50 anos a aperceber-me que o meu próprio nariz tinha "problemas", deduzi que o risco dos outros repararem era muito pequeno. A minha conclusão é muito falaciosa porque, logo a seguir, uma das outras amigas disse que eu tinha o nariz torto. E realmente tenho o cano do nariz com um bocadinho mais de osso de um lado do que do outro. Com a constatação que o meu nariz é torto ficou a situação ultrapassada e pudemos finalmente ficar felizes com a foto que despoletou toda esta conversa.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Leituras de verão, etc.

Em Junho, quando fui passar uma semana ao Texas, calhou ouvir na ida o podcast The Literary Life, que tinha uma entrevista com a Anne Berest acerca do seu livro novo, de título "The Postcard", dado que a tradução americana acabou de ser publicada nos EUA. Adorei a entrevista e, quando passei por Houston, aproveitei para ir à Livraria Brazos, uma livraria independente, comprar uma cópia. A Anne Berest é de ascendência judia e o livro relata muito do que aconteceu à sua família durante a Segunda-Grande Guerra Mundial e o período que a antecedeu, mas também tem coisas mais recentes.

Não sei se posso classificar isto de coincidência, mas na Segunda-feira de Juneteenth, uma das minhas amigas insistiu em passar pelo Museu do Holocausto e Direitos Civis de Dallas. Apesar de eu já ter visitado várias vezes o Museu dos Direitos Civis de Memphis, que fica no Motel Lorraine, onde o Martin Luther King, Jr. foi assassinado, nunca tinha ido a um Museu do Holocausto para ver uma colecção permanente porque sempre achei que iria ser demasiado triste. Tinha ido só ao Museu do Holocausto de Houston quando mostraram o filme sobre o Aristides Sousa Mendes, mas só para ver o filme e a palestra que se seguiu. (Valia bem a pena fazer uma versão nova deste filme. É um projecto que calharia bem na Netflix.) Reticentemente, acedi a ir com a minha amiga.

O museu de Dallas está mais focado para a parte do que aconteceu politicamente e militarmente na Europa, numa visão mais macro. Não há muitas histórias de pessoas específicas, mas há uma instalação em que podemos entrevistar um sobrevivente dos campos de concentração através de um holograma da pessoa. Isto porque entevistaram os sobreviventes e fizeram 1000 perguntas a cada um. Depois quando fazemos uma pergunta, há um algoritmo que selecciona a parte do seu testemunho que serve melhor de resposta.

A sobrevivente que nos calhou era uma senhora que foi violoncelista e tinha tocado na orquestra do campo de concentração -- foi isso que a salvou. Tinha uma disposição muito pragmática e era uma pessoa muito directa. Uma das perguntas que lhe fizeram foi o que ela diria a pessoas que negam o holocausto e ela responde que é preciso ser muito estúpido para negar uma coisa que está tão bem documentada. Depois quando visitei Houston decidi ir ao Museu do Holocausto sozinha. Esse museu tem uma perspectiva mais micro e é dedicado à história oral dos sobreviventes que foram para Houston. Também tem uma pequena cabine onde se pode entrevistar um sobrevivente vendo-se a pessoa por um écran.

Não foi planeado, mas tenho dedicado este verão a este tema e terminei o livro da Anne Berest, que tem mais de 400 páginas, muito rapidamente. Talvez agora esteja mentalmente preparada para a obra de Eli Wiesel. E como não vos posso oferecer um livro, deixo aqui a entrevista da Anne Berest. Vale bastante a pena.

sábado, 8 de julho de 2023

A produtividade da função pública

Há uma semana, depois de várias tentativas, consegui submeter a minha declaração de IRS. Foi azar estar doente e ter adiado para o último dia e a AT decidir sugerir que eu precisava de uma chave digital, o que me destrambelhou por completo, quando me bastava a palavra-chave de acesso à conta da Autoridade Tributária, como tem sido em anos anteriores, para além de que Sextas-feiras são um dos dias mais ocupados no meu trabalho e eu trabalho até às 17 horas, que são 23 horas aí. Desde 2008 que cumpro as minhas obrigações fiscais a tempo e horas em Portugal e fico chateada quando falho nestas coisas.