domingo, 25 de fevereiro de 2018

Azul

Yves Klein: Anthropométrie de l'époque bleue (1960)


Érika Circé-Perrault: Bleu (2012)

Graças ao Facebook, temos, finalmente, uma resposta

O existencialismo é uma maneira de perguntar “Porque é que estamos neste planeta? Porque é que vivemos as nossas vidas sem sentido?" Durante 200 ou 300 anos, ilustres escritores e filósofos espremeram em vão os miolos a tentar responder a estas perguntas. Como diz a personagem J. karacehennem em “Odeio a Internet” de Jarett Kobek:

“O Facebook é fantástico porque compreendemos finalmente porque é que temos cidades natais, porque é que nos envolvemos em relacionamentos, porque é que comemos os nossos jantares estúpidos, porque é que temos nomes, porque é que somos donos de carros idiotas e porque é que tentamos impressionar os amigos. Porque é que aqui estamos, porque é que fazemos estas coisas todas? Podemos, por fim, avançar com uma solução. Estamos na Terra para fazer enriquecer ainda mais o Mark Zuckerberg.”

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Três pontos

  1. Como têm acompanhado nas notícias, no dia 14 de Fevereiro passado, dia de S. Valentim, houve um atentado numa escola secundária nos EUA. Não foi muito diferente dos atentados que têm acontecido ao longo dos últimos anos e não julgo que seja o último. Há, no entanto, uma pequena diferença na reacção: os alunos desta escola decidiram organizar um movimento de protesto nacional para exigir que o acesso a armas seja controlado de forma diferente. Para o dia 24 de Março, está a ser planeada uma marcha em Washington, que irá mobilizar os alunos das escolas americanas. Veremos se o momentum deste movimento terá pernas para andar, mas é inspirador ouvir raparigas de 17 anos a discutir este tema.

Reportagem 15

 Numa iniciativa inédita em território nacional e, tanto quanto foi possível apurar, também além-fronteiras, a Associação Cívica e Cultural Os Manhões, da vila de Manhões de c., inaugura hoje um LCD comunitário, sito no edifício da antiga escola primária, entretanto desactivada dada a vontade das crianças locais de pôr em prática pelo menos uma parte do ditado deitar cedo e cedo erguer, a saber, a segunda, ou seja, cedo erguer.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Aprender a aprender


O Diário de Notícias de hoje dá relevo, na primeira página, a uma frase que António Guterres terá proferido ontem, por altura do seu doutoramento honoris causa pela Universidade de Lisboa: que os alunos devem aprender a aprender e não a “marrar nas sebentas” (referia-se, certamente, às suas lembranças de estudante). 

domingo, 18 de fevereiro de 2018

You’re beautiful!


Foi numa Quarta-feira, que, num ímpeto do momento, telefonei à J. para saber se queria ir jantar fora, mas não a apanhei a tempo: estava cansada depois de um belo dia a jogar golfe, coisa que já sentia falta dado o inverno menos ameno que este ano temos tido em Houston. Combinámos para o dia seguinte e fui até casa dela, ao fundo da rua, buscá-la à porta. É raro a J. atrasar-se e, frequentemente, está pronta alguns minutos antes. 

Saí do meu carro, que tinha há menos de duas semanas, e ela ao vê-lo pela primeira vez imediatamente o admirou. Como tínhamos combinado, entrámos em casa da J. durante alguns minutos para conversar e beber um copo de vinho tinto, o que ela faz todos os dias, religiosamente, às 17h30m. Quando saímos, abri-lhe a porta do carro para entrar e liguei o aquecimento do banco dela na temperatura mínima para a não magoar — aos 92 anos, a pele da J. é frágil e ela toma medicamentos para controlar a espessura do sangue. Depois de, na última vez que visitou a minha casa, o meu cão lhe ter dado algumas nódoas negras só porque a cumprimentou, tento ser mais cuidadosa. 

Normalmente, a J. gosta de frequentar os restaurantes mais perto de casa, mas eu estava mais inclinada para irmos ao O’Porto Café, um pequeno bistro que serve pratos inspirados em cozinha portuguesa, italiana, e espanhola — é uma bocado fusão mediterrânea, apesar de Portugal não ficar no lado do Mediterrâneo, mas sim do Atlântico. O chefe, no entanto, é filho de um italiano e de uma portuguesa ou talvez seja ao contrário... 

Gosto de ir a este restaurante. Foi um dos primeiros em Houston que comecei a frequentar quando me mudei para cá, mas uma vez tive uma conversa com uma outra portuguesa que aqui vivia que me dizia que o bacalhau à Brás que era servido lá não era bom: o grande defeito é que não sabia ao bacalhau à Brás que ela fazia em casa. 

Achei uma crítica estranha porque, quando vou a Portugal, é raro qualquer prato saber ao que nós fazemos em casa, logo para mim é um critério meio-esquisito. Aliás, se eu quisesse que soubesse ao que faço em casa, fazia em casa, não ia comer fora... Mesmo o conceito de saber ao que se faz em casa é ilusório. Uma das minhas melhores amigas em Portugal tinha mãe goesa e muitos dos pratos que ela fazia sabiam a cominhos, o que eu adorava porque, na minha casa, quase nunca se cozinhava com cominhos, ou seja, cada casa tem o seu sabor.

Fomos pela Bissonett e a J., que ainda conduz, ficou feliz por não ter de passar pela via rápida que a assusta um bocado. Note-se que, ainda no ano passado, a J. foi a Austin de autocarro sozinha — mais de duas horas de viagem —, logo diverte-me pensar que uma via rápida dentro da cidade lhe causa ansiedade. Antes de chegarmos ao cruzamento da Wesleyan com a Richmond, entrei no parque de estacionamento e fui censurada pela minha companheira, que pensava que eu estava a tentar fugir ao semáforo, mas disse-lhe que tínhamos chegado ao strip mall onde ficava o restaurante. 

A minha mesa preferida fica junto à janela e nesse dia encontrava-se reservada. Duas mesas de jantar estavam livres: uma a meio do restaurante, outra mais para o interior. Escolhi a que ficava mais longe porque na mesa ao lado estava sentado um casal de pessoas mais velhas, o que achei encantador, pois gosto de observar pessoas: people-watching é um passatempo tipicamente americano!

Coube-me escolher o que comer e bebemos água porque já tínhamos tratado do vinho. Como os pratos são mais estilo tapas, achámos melhor partilhar várias coisas. Um dos pratos que escolhi foi pastéis de bacalhau, que são servidos com uma tacinha com molho picante. O molho não é tradicional, nem a J. gosta de picante, mas os pastéis não são maus de todo e ela apreciou-os bastante. Também impressionaram os nossos vizinhos do lado, o tal casal idoso, o suficiente para nos perguntarem o que era: eu respondi e a J., triunfante, explicou que eu era de Portugal e os pastéis de bacalhau eram uma comida tradicional portuguesa. 

Também petiscámos um queijo de cabra e, no todo, passámos uma noite bastante agradável. Para o final, o homem do casal ao lado disse à J., à frente da companheira, “You’re beautiful!” A J. agradeceu e ele acrescentou que ela tinha qualquer coisa que reluzia. Depois trocaram idades: eles tinham à volta de 87 e a J., com os seus 92, sentiu-se gloriosa: eram uns jovens, dizia amavelmente. Despedimo-nos e regressámos a casa ambas contentes.


Nessa noite, pensei no #metoo: num futuro próximo, será possível dizer a uma pessoa desconhecida “You’re beautiful!” sem que se seja acusado de assédio?

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Procrastinar



Há uns dias, deu-me para andar a procurar vídeos da Marlene Dietrich e acabei por ver este filme dela: The Monte Carlo Story (1957), que está completo no YouTube. Já não me recordo o que causou tal busca, mas decerto que foi um ataque de procrastinação. (Eu sei, eu sei, tenho andado ausente, mas escrevo-vos posts na minha cabeça todos os dias -- só não os chego a publicar... My bad!)

Pronto, vou deixar-vos outra coisa gira: alguns pedaços da entrevista da Ruth Bader Ginsberg, Juíza do Supremo Tribunal dos EUA, a Poppy Harlow. RBG, como é conhecida, tem 85 anos e está fresca que nem uma alface...

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Progresso

Ontem à tarde, nas notícias dos EUA, enquanto se tentava enquadrar a queda do mercado accionista, que chegou a estar 10% abaixo do máximo histórico, o que faz das quedas da semana passada e desta uma correcção e não apenas uma flutuação, a grande pergunta que se fazia era se o governo federal americano iria fechar outra vez à meia-noite. No All Things Considered, da NPR, entrevistavam-se membros do Congresso do lado dos Democratas e do lado dos Republicanos, num jogo de passa-a-culpa.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

How they met themselves

Elizabeth Siddal foi uma supermodelo que inspirou a parte mais importante das obras com interesse dos pré-rafaelitas. Gabriel Rossetti foi por sua vez um dos mais inspirado dos pré-rafaelitas, e manteve com a Elizabeth uma relação conturbada de doze anos, que viria a culminar com o suicídio dela com uma overdose de opiácios (tese que o Oscar Wilde viria a desafiar, sugerindo que foi Rossetti que a matou). 

No início da relação, em 1850, Rossetti começou a pintar um quadro que só viria a terminar praticamente no fim da relação com Elizabeth. Este dado é curioso – Rossetti foi um dos pintores mais produtivos dos pré-rafaelitas. Completou várias dezenas de quadros de Elizabeth e, quando estava apertado de dinheiro, pintava como se não houvesse amanhã. No entanto, demorou dez anos a terminar este quadro particular – um quadro aliás bastante medíocre, quando comparado com todos os outros que o tornaram famoso, e que hoje está literalmente escondido num museu em Cambridge (tem de se fazer marcação para poder vê-lo, numa cave). O quadro representa o próprio casal a encontrar-se consigo mesmo. Passeando num bosque, Rossetti e Elizabeth dão de caras com duas pessoas iguais em tudo a eles próprios, e têm uma reacção meio aparvalhada: ele desembainha a espada, sem que se perceba se é para atacar ou se defender; ela perde os sentidos. 

Olhando para o futuro, a partir de quando começou a ser pintado, ou para o passado, a partir de quando foi terminado, este quadro faz igualmente sentido. A partir do 1850, olhando para a frente, poderia refletir as ansiedades da paixão e as suas milhentas contradições – se for verdade que nos apaixonamos pela nossa imaginação do outro, e não por ele mesmo, o maior medo deve ser darmos de caras com a realidade. A partir do 1860, olhando para trás, refletiria o imenso choque perante o que falharam em se tornar – ela, que tinha o talento suficiente para ser patrocinada pelo crítico de arte mais conhecido do século XIX, mas que nunca veio a criar nada de memorável (quem é que hoje sabe quem ela é?); ele, que a manipulou para a tornar vulernável e dependente dele, e acabou por carregar com o peso dela nos braços. Se calhar o quadro também faz sentido se olharmos para ele como uma premonição final, dado que Rossetti viria em falhar em proteger Elizabeth de si própria (se ela se matou), ou de ele mesmo (se Oscar Wilde tiver razão). 

É uma obra tão maravilhosa como medíocre.

Image result