sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Reportagem 15

 Numa iniciativa inédita em território nacional e, tanto quanto foi possível apurar, também além-fronteiras, a Associação Cívica e Cultural Os Manhões, da vila de Manhões de c., inaugura hoje um LCD comunitário, sito no edifício da antiga escola primária, entretanto desactivada dada a vontade das crianças locais de pôr em prática pelo menos uma parte do ditado deitar cedo e cedo erguer, a saber, a segunda, ou seja, cedo erguer.
Crianças e progenitores esperam deste modo que as primeiras venham a ter saúde, já que foi igualmente encerrado o posto médico da vila, e crescer. Este desejo de crescimento, dizem, não deriva de uma qualquer motivação individualista, permitindo este previsto acréscimo de palmos a uns enveredar pela carreira de modelo e a outros optar pela indústria aeronáutica. Trata-se, antes, da concretização de um ideal desinteressado, o de contribuir para a robustez da economia da nação, precisamente fornecendo à contabilidade nativa uma parcela mais. Neste anelo ufanista juntam-se conservadores e liberais, direita católica e esquerda marxista-leninista, e até mesmo a delegação local da Internacional Anarquista, na pessoa do pasteleiro do município. Há quem diga que neste se inspirou um célebre cineasta italiano de quem se aguarda ainda o retrato desta que é uma figura única, qualitativamente mas também quantitativamente, já que o pasteleiro anarquista manhosense não se parece com mais ninguém e não há mais nenhum anarquista, e mais nenhum pasteleiro, na vila. Aqueles que, da direita à esquerda, da ala conservadora à ala liberal, aceitam ingurgitar as madalenas e as filhoses, os pastéis de nata e as bolas de Berlim, as fatias de bolo de bolacha e as lampreias de ovos que diariamente tentam manhosenses de todas as idades, afirmam conseguir separar a dimensão anarquista, portanto política, do artífice e suas criações, da dimensão profissional, portanto apolítica, do visionário e suas facções. Já os que rejeitam deglutir jesuítas e queques, pastéis de massa folhada e fatias de tarte de maçã, rolo de chocolate e húngaros, entendem ser impossível essa separação e estar em risco a sanidade cívica de quem se deixe cair num ardil destinado à assimilação através da sacarose de princípios incompatíveis com a ordem e a segurança públicas. Serão servidos bolinhos de coco e de amêndoa durante a cerimónia de inauguração aqui noticiada.

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