terça-feira, 25 de julho de 2023

Os narizes grandes e tortos

O primeiro jantar de Dallas nas minhas últimas férias foi no restaurante Paradiso, no bairro de Bishop Arts. Sentámo-nos no bar no interior do restaurante, mas estava tão cheio que para além do barulho que nos forçava quase a gritar para manter uma conversa, não me senti muito à vontade na nossa era covídica. Quando chegou a altura para nos sentarmos na mesa de jantar, fui da opinião que devíamos ficar no jardim, que eu adoro. Ao final da tarde, as melgas estavam que nem melgas, mas assim que o sol se pôs desapareceram e deu para apreciar o quão agradável a noite estava.

Eramos quatro nessa noite porque uma não fez a viagem e a outra só chegaria no dia seguinte. A conversa estava animada e a minha companheira de quarto parecia super-feliz. Quando estava a ler o menu tirei-lhe uma foto de perfil porque gostei de a ver e também "tínhamos" de partilhar as fotos do que estavamos a fazer não só com as duas do grupo que não estavam lá, mas também com a minha antiga vizinha de Houston, a tal que tem 98 anos, e a sua melhor amiga que, por coincidência, faz anos no mesmo dia que eu.

Quando viu que lhe tirei a foto, ficou chateada. Não gosta que lhe tirem a foto porque fica mal em fotos e tem o nariz grande. Nunca me tinha apercebido que o nariz dela era grande, aliás achei que a foto tinha ficado muito gira. Dei às outras amigas para apreciar e toda a gente concordou que a foto estava boa, mas a amiga do nariz discordou e disse-me que eu não entendia porque era gira ("cute"), etc.

Então mencionei que o meu nariz não era simétrico porque as minhas narinas não têm o mesmo tamanho. Acrescentei que como eu, que me vejo ao espelho todos os dias, demorei quase 50 anos a aperceber-me que o meu próprio nariz tinha "problemas", deduzi que o risco dos outros repararem era muito pequeno. A minha conclusão é muito falaciosa porque, logo a seguir, uma das outras amigas disse que eu tinha o nariz torto. E realmente tenho o cano do nariz com um bocadinho mais de osso de um lado do que do outro. Com a constatação que o meu nariz é torto ficou a situação ultrapassada e pudemos finalmente ficar felizes com a foto que despoletou toda esta conversa.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Leituras de verão, etc.

Em Junho, quando fui passar uma semana ao Texas, calhou ouvir na ida o podcast The Literary Life, que tinha uma entrevista com a Anne Berest acerca do seu livro novo, de título "The Postcard", dado que a tradução americana acabou de ser publicada nos EUA. Adorei a entrevista e, quando passei por Houston, aproveitei para ir à Livraria Brazos, uma livraria independente, comprar uma cópia. A Anne Berest é de ascendência judia e o livro relata muito do que aconteceu à sua família durante a Segunda-Grande Guerra Mundial e o período que a antecedeu, mas também tem coisas mais recentes.

Não sei se posso classificar isto de coincidência, mas na Segunda-feira de Juneteenth, uma das minhas amigas insistiu em passar pelo Museu do Holocausto e Direitos Civis de Dallas. Apesar de eu já ter visitado várias vezes o Museu dos Direitos Civis de Memphis, que fica no Motel Lorraine, onde o Martin Luther King, Jr. foi assassinado, nunca tinha ido a um Museu do Holocausto para ver uma colecção permanente porque sempre achei que iria ser demasiado triste. Tinha ido só ao Museu do Holocausto de Houston quando mostraram o filme sobre o Aristides Sousa Mendes, mas só para ver o filme e a palestra que se seguiu. (Valia bem a pena fazer uma versão nova deste filme. É um projecto que calharia bem na Netflix.) Reticentemente, acedi a ir com a minha amiga.

O museu de Dallas está mais focado para a parte do que aconteceu politicamente e militarmente na Europa, numa visão mais macro. Não há muitas histórias de pessoas específicas, mas há uma instalação em que podemos entrevistar um sobrevivente dos campos de concentração através de um holograma da pessoa. Isto porque entevistaram os sobreviventes e fizeram 1000 perguntas a cada um. Depois quando fazemos uma pergunta, há um algoritmo que selecciona a parte do seu testemunho que serve melhor de resposta.

A sobrevivente que nos calhou era uma senhora que foi violoncelista e tinha tocado na orquestra do campo de concentração -- foi isso que a salvou. Tinha uma disposição muito pragmática e era uma pessoa muito directa. Uma das perguntas que lhe fizeram foi o que ela diria a pessoas que negam o holocausto e ela responde que é preciso ser muito estúpido para negar uma coisa que está tão bem documentada. Depois quando visitei Houston decidi ir ao Museu do Holocausto sozinha. Esse museu tem uma perspectiva mais micro e é dedicado à história oral dos sobreviventes que foram para Houston. Também tem uma pequena cabine onde se pode entrevistar um sobrevivente vendo-se a pessoa por um écran.

Não foi planeado, mas tenho dedicado este verão a este tema e terminei o livro da Anne Berest, que tem mais de 400 páginas, muito rapidamente. Talvez agora esteja mentalmente preparada para a obra de Eli Wiesel. E como não vos posso oferecer um livro, deixo aqui a entrevista da Anne Berest. Vale bastante a pena.

sábado, 8 de julho de 2023

A produtividade da função pública

Há uma semana, depois de várias tentativas, consegui submeter a minha declaração de IRS. Foi azar estar doente e ter adiado para o último dia e a AT decidir sugerir que eu precisava de uma chave digital, o que me destrambelhou por completo, quando me bastava a palavra-chave de acesso à conta da Autoridade Tributária, como tem sido em anos anteriores, para além de que Sextas-feiras são um dos dias mais ocupados no meu trabalho e eu trabalho até às 17 horas, que são 23 horas aí. Desde 2008 que cumpro as minhas obrigações fiscais a tempo e horas em Portugal e fico chateada quando falho nestas coisas.

sábado, 1 de julho de 2023

Um país com imensa piada

É Sexta-feira, dia 30 de Junho, o que quer dizer que é altura de entregar o IRS. Tinha planos de o fazer mais cedo, mas fiquei doente esta semana e atrasei-me, então deixei para o último dia. Só que não dá para entregar porque é necessário autenticar não sei o quê e ninguém me disse que tinha de tratar da autenticação.

Antes de chegar a essa parte, houve uma situação gira. Eu faço uma contribuição mensal para uma organização com fins não lucrativos em Portugal e essa contribuição é declarada à AT que a mete no anexo H. Quando tentei submeter a declaração de IRS disse-me que por eu não ser residente não tenho direito a essa dedução no IRS. Claro, direitos não tenho, apenas obrigações e agora nem essas me deixam satisfazer.

Fui ao meu email ver se tinha recebido alguma correspondência electrónica da Autoridade Tributária a aconselhar-me a tratar da autenticação, mas não encontrei nada. Também não recebi nada do meu procurador fiscal nesse sentido. Estranhei porque há uns anos era frequente receber correio electrónico da AT a mandar-me ir limpar as matas que eu pudesse ter em Portugal. Claro que não tinha matas nenhumas, mas a AT decidiu errar por excesso de zelo, não fosse eu esquecer-me das matas que não tinha.

Não pensem que sou completamente desleixada porque, em 2015, comprei uma maquineta para o meu cartão de cidadão, que nunca funcionou com o PIN que me deram. Para além de que era preciso um software que tinha de instalar no computador e isso já lá vão três computadores. Aliás, o computador onde estou a escrever agora nem sequer tem porto USB para ligar a dita máquina que não funciona.

Chateia-me muito que o governo português trate os portugueses tão mal, mas não é culpa do governo que haja um punhado de portugueses que vote em gente tão medíocre para os governar. Também fico chateada com os partidos da oposição que nem sequer chegam a ter votos para governar porque são incapazes de apresentar um plano eleitoral coerente e, sejamos honestos, quando os que lá estão são tão maus, não é muito difícil pensar em como fazer melhor. E fazer melhor não é andar a assediar minorias, nem a imaginar que mais causas sociais estão nos extremos que possam ser adoptadas. Mas estou a digressionar.

Não é muito claro em que século é que Portugal está. Por um lado, tem um sistema fiscal todo XPTO a fazer de conta que vive no século XXI, mas para se tratar de alguma coisa, é preciso deslocarmo-nos presencialmente, como se ainda vivessemos nos séculos XIX e XX. A modos que eu, supostamente cidadã portuguesa, não tenho os documentos em dia porque tenho de ir presencialmente a um consulado, sendo que o que trata de mim está a mais de 12 horas de carro. Mesmo que queira lá ir, é preciso marcar vez com muita antecedência porque não há empregados suficientes para dar vazão ao serviço.

Há anos, o PR Marcelo disse que o governo tinha de normalizar a situação dos emigrantes para exercermos a nossa cidadania e facilitar a participação no processo democrático português, mas desde então nenhum progresso foi feito, ou seja, os nossos direitos constitucionais foram revogados. Isto acontecer sob um PR que foi professor de Direito Constitucional não deixa de ter imensa piada.

P.S. Voltei a tentar o processo de autenticação, mas parece que não existo para ser autenticada. Nesse caso, dá para eu não pagar IRS, nem IMI? Piadas à parte, não sei como vou descalçar esta bota. O melhor é enviar um email aos senhores autoritários da tributação.