quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Retrocesso e progresso

A propósito da nova exigência de ter um cartão associado às contas bancárias em Portugal para se poder efectuar pagamento de serviços, recebi hoje um telefonema da minha gerente de conta do Novo Banco. Fiquei feliz porque é mulher e o meu primeiro gerente era homem, logo o rácio 50% que o PM Costinha queria implementar foi concretizado, apesar de a empresa ser privada. Pena o PS não conseguir arranjar uma mulher que consiga liderar a malta socialista.

Então o telefonema foi acerca de eu ter pedido um cartão de débito, que já me foi enviado, só que enviaram para a minha morada no Texas porque ainda não tinham processado o pedido de alteração de morada que tinha feito mais de um mês antes, quando aí estive. Para que não andasse um cartão de débito com o meu nome à solta no Texas tivemos de activar o cartão e depois cancelá-lo para eu poder pedir um cartão novo, dado que a minha morada já está regularizada. Pelo sim, pelo não, enviei dinheiro a mais este mês para pagar a minha parte da mensalidade dos cuidados do meu pai porque calculei que algo podia correr mal que comprometesse o uso da conta em Janeiro para efectuar o pagamento. Já sabem que eu sofro de ansiedade...

Aproveitei para dizer à minha gerente que achava o preço da minha conta muito caro (€60 por ano), mas ela disse-me que não há contas grátis--é como os almoços. Na minha ideia, se pago tanto por uma conta e se me dou ao trabalho de me deslocar a uma agência para mudar a morada, altura em que apresento os documentos com a morada nova e comprovo a minha identidade junto de uma pessoa física, a morada devia ser alterada imediatamente no sistema ou, pelo menos, entrar em vigor no dia seguinte, depois do sistema fazer a sua actualização diária. Não faz sentido esperar um mês para efectuar a mudança. Quando se fala em produtividade baixa em Portugal, isto é um bom exemplo.

Entretanto, nas minhas contas americanas, é tudo bipolar: ou muito pouco ou muito sofisticado. Por exemplo, para fazer pagamentos de serviços acontece frequentemente o banco não conseguir fazer transferência directa para o prestador e então dizem que vão ter de enviar um cheque pelo correio. A sério que nós ainda usamos cheques. E quem paga o selo é o banco, que não me cobra nada nem da transação, nem sequer pago custos de manutenção da conta, dado que tenho pelo menos um depósito mensal.

Na minha conta à ordem do Capital One até processam o meu salário assim que recebem a ordem de depósito, logo fico com o dinheiro disponível na conta um a dois dias antes do normal: dizem que é para minha conveniência. E pagam 4,3% de juros ao ano na conta a prazo. Como não há balcões da Capital One em Memphis, trato tudo pelo telefone ou pela Internet. Reparei há dias que também dá para fazer associar contas em outros bancos à minha conta de forma a que eu possa transferir dinheiro facilmente e sem pagar nada.

As mudanças mais sofisticadas aconteceram porque os bancos normais viram que estavam a perder negócio para as aplicações digitais como a Venmo, a CashApp, a Paypal, etc. Por exemplo, o senhor que corta a minha relva nem conta bancária tem e recebe o pagamento via PayPal; para aceder aos fundos tem um cartão de débito da PayPal. A manicurista também recebe pela PayPal e a minha cabeleireira recebe por Zelle. Duvido que os americanos larguem os cheques num futuro próximo. O mote deles é "if it ain't broke, don't fix it."

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Pensamentos avulsos

  1. Hoje, quando vi uma foto de Pedro Nuno Santos ao lado de outra de José Luís Carneiro, acendeu-se uma lâmpada no meu cérebro: os portugueses não gostam de votar em homens com barba. Aliás, nunca houve nenhum Primeiro-Ministro ou Presidente da República barbudo. Lembram-se de quando Marcelo tinha barba? A única coisa que ganhou foi a liderança do PSD e perdeu a corrida a Presidente da Câmara de Lisboa. Ou seja, PNS pode ganhar a liderança do PS, mas não penso que irá muito mais longe.

    Pelos meus cálculos, André Ventura barbudo também não irá muito mais longe na política nacional: talvez consiga ser ministro de alguma coisa, mas mais do que isso é difícil. Claro que seria muito mais gratificante derrotá-lo em termos das ideias idiotas com que se decide projectar, mas quem não tem cão caça com gato e eu não sou esquisita.

  2. Por falar em eleições, Trump anunciou que iria ser um ditador desde o primeiro dia, caso ganhasse as eleições. Como se nós já não contássemos com uma vingançazita. Entretanto, bastantes republicanos estão interessados em que a Nikki Haley progrida nas primárias e que Chris Christie desista da corrida. Seria curioso ver se ela conseguia derrotar Trump. Também seria bom ter outra mulher candidata à Presidência.

    Note-se que Trump tem um ponto fraco: a sua guerra comercial com a China causou uma descida forte do preço das commodities agrícolas e houve bastante incerteza durante esse período, para além de perdas monetárias com a perda de volume exportado para a China. Como a maior parte do seu eleitorado está em zonas rurais, também seria interessante ver se os agicultores, sabendo agora do que a casa gasta, o iriam apoiar outra vez nas urnas.

  3. Ainda o Kissinger. Tentei ler o obituário dele no NYT e aquilo é super-comprido -- não sei se cheguei perto do fim, quando decidi adiar o exercício. Nele até se citava o Presidente Obama na revista The Atlantic:
    President Barack Obama, who was 7 years old when Mr. Kissinger first took office, was less enamored of him. Mr. Obama noted toward the end of his presidency that he had spent much of his tenure trying to repair the world that Mr. Kissinger left. He saw Mr. Kissinger’s failures as a cautionary tale.

    “We dropped more ordnance on Cambodia and Laos than on Europe in World War II,” Mr. Obama said in an interview with The Atlantic in 2016, “and yet, ultimately, Nixon withdrew, Kissinger went to Paris, and all we left behind was chaos, slaughter and authoritarian governments that finally, over time, have emerged from that hell.”

    ~ NYT, 29/11/2023

    É uma ideia simpática achar que todo o mal que os EUA fizeram se deveu apenas à proximidade de Kissinger dos vários governos americanos, mas os americanos não precisaram de Kissinger para lançar duas bombas atómicas, por exemplo, ou para invadir o Iraque. Ou seja, não há grande garantia que, se não existisse, as coisas teriam sido bem melhores. Pelo contrário, veja-se o papel de Kissinger no desenvolvimento da China. Quantas vidas não salvou e quantas pessoas não saíram da pobreza?

    O legado de Kissinger é complexo e não pode ser caracterizado de positivo ou negativo porque foi ambas as coisas, mas não se pode negar que o homem se interessava por estudar o mundo e tinha uma visão multicultural, para além de ter sido um intelectual a sério.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Serviço público

No dia 28 de Novembro, recebi um email do Novo Banco a indicar que, como não tenho um cartão de crédito ou de débito associado à minha conta, a partir de 19 de Dezembro não vou poder fazer transferências da minha conta que sejam agendadas pela página de Internet do Novo Banco e em 28 de Dezembro acontecerá o mesmo às transações agendadas por via da app. Para transferir dinheiro, é necessário ter um cartão "associado" à conta. Enviei um email ao banco a pedir esclarecimentos na Sexta-feira, mas ainda não recebi resposta. Hoje tentei agendar uma reunião com o banco, mas não aceitam números de telefone americanos no formulário da app, apesar de a minha morada ser americana. Aliás, eu abri a minha conta nos EUA, na época em que o BES tinha escritórios aqui. Desde então o serviço deteriorou bastante, apesar das novas tecnologias de informação.

Diz o Novo Banco que esta mudança é devida a "questões regulamentares", o que remete a culpa para o Banco de Portugal. Alguém pergunte ao Centeno se faz sentido obrigar os clientes de bancos a ter cartões bancários para efectuar transferências, dado que um cartão não é garantia de nada e frequentemente representa um custo para o utilizador. Para além disso, um cartão bancário aumenta a probabilidade que a pessoa seja roubada. Utilizar um cartão de débito não é seguro porque pode ser duplicado; quanto aos cartões de crédito também podem ser roubados. Depois, os bancos estão a fazer tanto dinheiro em juros e custos de transacção que o regulador devia estar mais preocupado com os consumidores do que em promover os produtos dos bancos.

Para quem reside fora de Portugal, ainda faz menos sentido esta restrição, dada a dificuldade em se mudar a nossa morada. Por exemplo, quando estive em Portugal no mês passado fui ao Novo Banco mudar a minha morada, que já estava obsoleta há mais de cinco anos. Porquê só agora? Porque para mudar era preciso um comprovativo oficial de morada fiscal, só que sendo eu emigrante, a minha morada fiscal é a morada do meu procurador fiscal.

Quando cheguei ao banco, a senhora que estava ao balcão da frente pediu-me o tal do comprovativo oficial de morada e quando eu disse que morava nos EUA, ela presumiu (erradamente) que os americanos também emitiam comprovativos oficiais de morada via um inexistente Portal das Finanças americano. Mostrei a minha carta de condução americana e lá mudaram, mas ela ainda me disse que não sabia se seria suficiente porque não era um comprovativo oficial de morada. O Guterres, o Sócrates, o Costa não chegaram a Primeiro Ministro prometendo maior simplidade burocrática?

Adiante, a razão de eu não ter cartão de débito é fácil de comprender: foi enviado para a minha morada antiga no Texas, logo nunca foi activado e nunca apareceu na minha conta do banco, logo cancelei porque estava farta de pagar por um cartão que eu não tinha. Só que com esta mudança, tive de pedir um cartão de débito na semana passada -- aqui entre nós, acham que o dito tem tempo de chegar aos EUA antes de 19 de Dezembro e de ser activado? É que todos os meses tenho de pagar a conta dos cuidados do meu pai num lar de terceira idade e não sei se deva enviar dinheiro a mais em Dezembro caso não consiga em Janeiro. Convinha isto ficar esclarecido antes porque senão desisto de pagar com o Novo Banco e começo a pagar via Wise, ou coisa que o valha.

Entretanto, hoje comecei a perguntar aos meus amigos portugueses se tinham conhecimento destas mudanças: um que está nos EUA e vai frequentemente a Portugal não sabia de nada; os que estão em Portugal têm uma vaga ideia, mas nem sabem se as suas contas à ordem estão associadas a um cartão para que as transações não sejam canceladas. Não tenho visto nenhuma discussão na Comunicação Social de uma mudança que me parece bastante problemática. Quando entrar em vigor, veremos as consequências.