quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O julgamento moral de António Borges

Começo por dizer que nada me ligava a António Borges. Do seu passado, pouco conhecia. Das suas intervenções públicas recentes, apenas retenho o que defendeu sobre a TSU e, como é sabido, fui das pessoas que mais se esforçaram por mostrar que ele estava errado. Pelo que li a seu respeito, parece-me que dizer que ele era um dos mais brilhantes economistas de sempre é manifestamente exagerado. Ele foi director do INSEAD — pelos vistos um brilhante director — fez uma carreira assinalável no FMI, na Goldman Sachs, entre outros. Estes dados permitem-me a dizer que ele foi um gestor notável com uma carreira internacional brilhante. Mas não há registos escritos relevantes sobre o seu pensamento económico ou sobre a economia portuguesa, por isso não considero que se possa dizer que é um dos mais brilhantes economistas de sempre. Dito isto, algumas reacções à morte de António Borges são absolutamente disparatadas.
Dizer-se que morreu um homem que lutou para que os salários baixassem é, simplesmente, não se fazer o mínimo esforço para o entender. E na verdade é simples, António Borges acreditava que só uma descida de salários podia evitar o disparar do desemprego. Podia estar errado, mas era nisto que acreditava. Com toda a certeza que Carvalho da Silva, ou Francisco Louçã, ou Tozé Seguro se indignariam se os acusassem de lutar para que o desemprego aumente. A acusação seria absurda. Quando estas pessoas defendem a subida dos salários mínimos (ou um mercado de trabalho mais rígido) não o defendem com o objectivo de que o desemprego aumente. Defendem-no porque acreditam que o desemprego não é (muito) influenciado por estas restrições legais. Da mesma forma, quando António Borges defendia que os salários deviam baixar, não o defendia porque quisesse que os salários baixassem. Na sua cabeça, esta era a melhor forma de evitar que o desemprego disparasse. Adicionalmente, na sua cabeça, o aumento do desemprego leva inevitavelmente a uma queda dos salários. Assim, ao defender uma maior flexibilidade salarial, pretendia apenas evitar os custos do desemprego.
O modelo económico de Borges pode estar certo ou errado. Tal como o de Louçã e Carvalho da Silva. A partir daí, não é lícito fazer julgamentos morais, muito menos linchamentos morais.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Sobre os swaps

Pedi ao meu colega de Finanças, Artur Rodrigues, que escrevesse um texto sobre os swaps, para ajudar a perceber a embrulhada em que estamos.

Sobre os swaps
Artur Rodrigues

Nos últimos meses tem ocorrido em Portugal uma polémica mediática em torno do uso de contratos swaps por parte de várias empresas públicas. Não conhecendo em detalhe os contratos celebrados, não será exagerado supor que uma boa parte da polémica resulta do desconhecimento, dos jornalistas e do público em geral, sobre este tipo de contratos. A questão de fundo é saber se estas empresas deveriam ter recorrido a estes contratos. Mas antes mesmo de responder a esta questão, há duas questões prévias: 
  1. Devem as empresas públicas endividar-se?
  2. Devem estas empresas financiar-se a taxas fixas ou a taxas variáveis?

Para responder à primeira questão, a teoria financeira divide-se entre os que argumentam sobre a irrelevância da estrutura de capitais das empresas e aqueles que sugerem a existência de uma estrutura ótima, em resultado de um trade-off entre os benefícios e os custos de um maior endividamento. O benefício principal advém da poupança de impostos resultante dos juros e os custos estão associados aos problemas de tesouraria e aos custos de falência da empresa. Ora no caso das empresas públicas, o benefício fiscal é irrelevante dado ser o Estado o acionista. Tal sugere que as empresas públicas não devem ter qualquer endividamento. É certo que alguns argumentarão que o endividamento poderá ajudar e reduzir os custos de agência, mas porventura essa "disciplina" poderá ser exercida por via indireta através do acionista Estado. Então porque se endividam (e bastante) estas empresas? Não vejo outra razão senão as regras de vigilância orçamental que permitem "esconder" o endividamento do Estado nestas empresas.

A resposta à segunda questão é bem mais fácil. O endividamento a taxas fixas ou a taxas variáveis é, em princípio, indiferente. Pressupondo a ausência de oportunidades de arbitragem, as duas taxas são equivalentes.* Há quem sugira, no entanto, que se a volatilidade dos fluxos de caixa implicar um custo (de falência ou dificuldades financeiras) as empresas com uma correlação positiva (negativa) entre os fluxos de caixa operacionais e as taxas de juro devem financiar-se com taxas variáveis (fixas).

Finalmente, a resposta à questão inicial. Devemos, em primeiro lugar ter presente que os contratos derivados (entre eles os swaps) são ativos financeiros redundantes. Um swap simples ("plain vanilla") de taxas de juro é um acordo de troca de taxas de juro fixas por variáveis (ou vice-versa). Um dos três mercados (taxa fixa, taxa variável e swap) pode ser criado "sinteticamente" com uma combinação dos outros dois. Em segundo lugar devemos ter presente que um swap tem um valor nulo quando é contratado. Ao longo da duração do contrato o seu valor variará de acordo com a evolução das taxas de juro, podendo ser positivo ou negativo. Estes dois factos e a respostas às duas questões prévias, permitem-nos afirmar o seguinte:
  1. O uso de swaps poderia ser justificado pelo facto de um dos mercados ser menos líquido (é o caso por exemplo do mercado da dívida pública a taxa variável, dado que tradicionalmente a dívida pública é emitida a taxa fixa), e o swap permitir o financiamento a taxa variável.
  2. As regras de vigilância orçamental serem menos “apertadas” quando o financiamento se faz originalmente num dos tipos de taxa e depois se usa o swap para a converter na outra, do que se o financiamento fosse feito diretamente no outro tipo de taxa. O uso de swaps por parte da Itália e da Grécia há vários anos atrás explorou esta lacuna... com o resultado que se viu.

Nesta entrada ignoramos, propositadamente, entre outras, as seguinte questões: o uso de swaps exóticos e os benefícios privados resultantes da sua contratação.

* Note-se que equivalente não quer dizer igual. Estão em equilíbrio. Ou, dito de outra forma, sendo diferentes, não é possível dizer, a priori, qual das duas é mais vantajosa.

domingo, 18 de agosto de 2013

Uma sala de Crivellis

Anunciação, com Santo Emídio
Não o disse no blogue, mas esta semana que passou, passei-a em Londres. É uma capital fascinante. E um dos aspectos mais fascinantes são os museus, grande parte dos quais gratuitos. O British Museum é do outro mundo. Os britânicos pilharam fachadas inteiras de monumentos gregos, colunas completas dos egípcios, múmias e tanta coisa mais. Talvez por isso não tenham lata para cobrar entrada nos seus museus.
Onde passei mais tempo foi na National Gallery (e no Tate, mas não é desse que quero falar). Como costumo fazer, quis um guia-áudio do museu. Eles tinham duas modalidades. Um guia em inglês, com reflexões sobre mais de 1000 dos quadros expostos, e um guia em português (e em outras línguas) com uma selecção de 40 das obras mais importantes (o ideal para quem não conhece a galeria e não dispõe de mais de duas horas para a visita). Alugámos os dois.
Como certamente percebem, a primeira coisa que fiz foi ir à procura de Crivellis. Encontrei-os na sala 59. Quase ninguém ligava aos Crivellis. Passavam por lá sem parar. Rapidamente percebi o porquê. O guia-áudio com a selecção mais curta das obras não incluía nenhuma explicação sobre os Crivellis. Basicamente, mandava-nos passar saltar da sala 56 para a 60. Nós, claro, desobedecemos e parámos na sala 59, cravejada de Crivellis. Sendo Agosto, as galerias estavam cheias. Nesta sala, só havia três casais, todos portugueses. Era óbvia a curiosidade dos portugueses com os Crivellis. A julgar pela amostra, a National Gallery de Londres contribui bastante mais pela divulgação de Crivelli entre portugueses do que a colecção privada de Miguel Pais do Amaral.
Na ala das pinturas dos séculos XIII a XV, estas eram as mais luminosas, com cores muito vivas. A sala contrastava com as outras da mesma época. Era como se fosse de uma época bastante mais recente. Não sei avaliar as pinturas, mas a de que gostei mais foi a da Anunciação, com Santo Emídio, que ilustra esta entrada. Não fiquem com a ideia errada. Esta imagem não faz, nem de longe, jus à vida que o quadro transmite no local e não é possível explicar os seus detalhes e riquezas com base numa imagem tão pequena.
Antes de nos virmos embora, ainda tentámos sugerir aos responsáveis que valia a pena incluir nos guias-áudio em português, um ou dois quadros do Crivelli. Mas ninguém nos recebeu.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Cabines telefónicas de Londres


Interior de uma cabine telefónica no centro de Londres
Quase de certeza que o leitor já se questionou sobre a utilidade das cabines telefónicas nestes tempos de massificação dos telemóveis. Se é como eu, ter-se-á preocupado com o destino das típicas cabinas londrinas. Pode o leitor ficar descansado. Ando esta semana por Londres e percebi que estas cabinas prestam um serviço que, com toda a probabilidade, continuará a ser útil durante umas décadas. 
Imagine o leitor que quer contratar os serviços de uma prostituta. Usar o seu telefone pessoal, seja o de casa seja o de algibeira, será pouco avisado. O registo da chamada poderia revelar-se altamente comprometedor. Qual a alternativa? Juntar umas moedas e recorrer à cabina telefónica.
O mais interessante é que os serviços de prostituição londrinos, percebendo este prometedor nicho de mercado, usam as cabines para publicitarem os seus serviços. Pelo que tenho visto aqui em Londres, a maioria das cabines tem este tipo de publicidade. A fotografia que ilustra esta entrada é apenas um exemplo. Enfim, enquanto houver um mercado de sexo, as cabines telefónicas permanecerão

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Filtrar o ruído das sondagens

Escrito conjuntamente com Pedro Magalhães.

Analistas políticos encontram muitas vezes dificuldades em lidar com a imensa variabilidade nas sondagens. A principal dificuldade é mesmo compreender o motivo de tal variabilidade. Se hoje observarmos uma sondagem com resultados radicalmente diferentes da maioria das anteriores, deveremos interpretar essa diferença como sendo o resultado de uma forte alteração da opinião pública ou, pelo contrário, olhar para esse resultado como um mero resultado estatístico de uma sondagem que, pela sua própria natureza é sempre incerta?
Intuitivamente a resposta é simples. Se presumirmos que a opinião pública é estável ao longo do tempo, então a melhor abordagem é, simplesmente, calcular uma média das várias sondagens (eventualmente, ponderada pelo tamanho da amostra de cada uma). Se, pelo contrário, admitirmos que a opinião pública é extremamente volátil ao longo do tempo, então o melhor será olhar para os resultados da última sondagem e praticamente esquecer as anteriores.
A dificuldade em avaliar o que está descrito no parágrafo anterior é óbvia. Como separar a variabilidade da opinião pública da variabilidade das sondagens quando a única forma de medir a opinião pública é recorrendo a sondagens? Haverá forma de interpretar de forma sistemática estatisticamente rigorosa as novas informações que nos chegam diariamente? Felizmente, a resposta é sim.
No Público de hoje apresentamos a ideia geral, mas aqui damos uma explicação mais detalhada. A técnica que vamos usar, o filtro de Kalman, nasceu em 1960 na engenharia e é actualmente usada em todos os domínios científicos. O filtro de Kalman original já foi generalizado em várias direcções. Nas ciências sociais, o filtro de Kalman é bastante usado em modelos de estimação do estado latente (state-space models) — lamentamos o jargão, mas não sabemos como evitá-lo.
A ideia principal destes modelos, aplicados ao nosso caso, é considerar que há dois tipos de variáveis. Um tipo de variáveis, a que chamamos variáveis latentes, que não observamos directamente — no nosso caso a opinião pública — e um tipo de variáveis que observamos e que são uma medida imperfeita das variáveis não observadas — no nosso caso, as sondagens.
O modelo a estimar reduz-se então a um sistema de duas equações. Uma equação — a que chamamos equação de transição — descreve a evolução do estado latente, ou seja da opinião pública. A outra descreve a relação entre o estado latente e a variável observada, ou seja entre a opinião pública e as sondagens.
No nosso modelo, vamos considerar que, se nada de especial acontecer, então a opinião pública não muda. Ou seja, a percentagem que apoia um dado partido hoje é igual à de ontem. Se houver algum choque externo, então a percentagem de apoiantes pode mudar. Matematicamente:

%Partidot = %Partidot-1 +  ut                              (1)

em que ut representa os choques externos ou inovações, que presumimos serem gaussianos com média zero e variância σu2. Para já presuma que sabemos o valor de σu2.
A segunda equação capta relação entre as sondagens e a realidade. Aqui vamos presumir que cada sondagem é uma estimativa não enviesada da realidade que, no entanto, está sujeita a um termo de erro:

%Sondagemt = %Partidot + εt                            (2)

em que εt representa o termo de erro, que, mais uma vez, presumimos ser gaussiano de média zero. Neste caso, em princípio, saberíamos exactamente a variância do termo de erro: uma sondagem feita no dia t com Nt entrevistados que atribuísse ao partido uma percentagem de votos πt teria variância de σ2ε,t = πt(1 – πt)/Nt.
Com excepção de σu2, todos estes dados estão disponíveis e já poderíamos processar de forma bastante eficiente a informação oferecida por cada nova sondagem. Mas, na verdade, podemos fazer um pouco melhor. Infelizmente, para explicar exactamente o que fazemos, teremos de recorrer a uma linguagem mais técnica.
Em primeiro lugar, podemos aproveitar o facto de podermos facilmente generalizar o modelo para analisar várias variáveis em simultâneo. Pelo que podemos considerar um vector com as intenções de voto de todos os partidos, bem como considerar simultaneamente as sondagens para os cinco partidos com representação parlamentar, podendo ainda considerar um sexto “partido” chamado OBN (Outros Brancos e Nulos).
Tudo se resume ao seguinte modelo a estimar por máxima verosimilhança:

Yt = Zt + νt,        νt ~ N(0,Σν,t)                              (3)
Zt = Zt-1 + ωt,   ωt ~ N(0,Σω)                                (4)

em que Yt é um vector com as sondagens para os seis partidos sob análise (PS, PSD, BE, CDS, CDU e OBN), Zt é um vector com o valor latente de cada um dos partidos, νt é o vector com os termos de erro associados às sondagens e ωt o vector com as inovações que afectam cada um dos partidos.
Note-se que as únicas variáveis observáveis são as sondagens (Yt). Todas as outras são estimadas. A matriz de variâncias e covariâncias associadas aos erros das sondagens é dada por Σν,t e, como o subscrito indica, varia de sondagem para sondagem. Na diagonal principal, temos as variâncias, cujo valor teórico será yi,t (1 – yi,t)/Nt, para i = PS, PSD, BE, CDS-PP, CDU e OBN. As covariâncias teóricas também são conhecidas: –yi,t yj,t /Nt.
Infelizmente, a variância do erro amostral será maior do que yi,t (1 – yi,t)/Nt. Este valor para a variância é um valor teórico mínimo que só seria possível se as sondagens fossem feitas com um rigor impossível de garantir, não sofrendo de nenhum dos problemas de que as sondagens tipicamente padecem (erros de cobertura da amostra, erros de medição, etc.). Assim, ao estimarmos o modelo consideraremos que a variância do termos de erro será igual a σ2ν,t = yi,t (1 – yi,t)/Nt + αi., em que αi será uma constante não negativa a estimar. Vale a pena referir que os vários αi’s estimados são estatisticamente bastante significativos, com excepção do associado à CDU. Tal indica que o erro não-amostral é muito importante e que poderá ainda haver margem para as empresas de sondagem melhorarem nos seus métodos de amostragem e de inquirição, mesmo tendo em conta as limitações de tempo e de recursos que este tipo de trabalho impõe.
O mesmo exercício foi feito para as covariâncias. No entanto, as constantes acrescentadas às 15 diferentes covariâncias teóricas deram quase todas estatisticamente não significativas, pelo que por uma questão de parcimónia, resolvemos excluí-las do modelo. Também não incluímos no modelo variáveis que permitissem considerar os chamados house effects, o que implica que todas as casas de sondagens são tratadas da mesma forma. É algo que poderemos mudar no futuro, mas para já consideramos ser a melhor opção, especialmente à luz de trabalhos anteriores. O pressuposto de que as variáveis latentes seguem um passeio aleatório também poderia ser relaxado para, por exemplo, um processo auto-regressivo mais geral, mas a verdade é que a literatura demonstra que os ganhos com tal modelização são mínimos.
A nossa modelização é diária. Isto quer dizer que sempre que sai uma nova sondagem, actualizamos as nossas previsões relativamente ao estado de cada um dos partidos. Consideramos que o dia da sondagem corresponde ao último dia de trabalho de campo da mesma. Naturalmente, em dias em que não se revelam novas sondagens, não há novas informações pelo que a estimativa não se altera. No entanto, o intervalo de confiança em torno da estimativa aumenta dado que com o decorrer do tempo aumenta a incerteza a ela associada. Desta forma, em cada momento do tempo apresentamos a melhor estimativa possível (bem como o seu intervalo de confiança) dada a informação disponível até ao momento.
Os gráficos acima resultam da estimação do modelo referido com base em todas as sondagens publicadas desde as últimas eleições legislativas.
A partir de Outubro, no âmbito do projecto POPSTAR (Public Opinion and Sentiment Tracking, Analysis, and Research, www.popstar.pt, uma parceria entre o Instituto de Ciências Sociais e o INESC-ID, da ULisboa, a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e a Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho apoiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, estes e outros indicadores estarão disponíveis diariamente para a consulta do público em geral.
Nunca é demais realçar que o que estamos a fazer mais não é do que um método tecnicamente sofisticado de agregação de sondagens. Tal como uma refeição não pode ser melhor do que os ingredientes que a compõem, as nossas previsões só podem ser exactas na exacta medida em que as sondagens nos dêem uma fotografia não enviesada da realidade. Contudo, esperamos contribuir para que, de cada vez que sai uma sondagem, possamos olhar para ela não como um ilusório retrato definitivo da opinião pública, mas sim como uma (importante) fonte de informação que ajuda a compor um retrato mais geral e mais completo da opinião pública num determinado momento.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Que falta de vergonha

A isenção dos juízes e diplomatas do corte de 10% nas pensões do sector público constitui uma grosseira iniquidade. As duas referidas categorias já gozam tradicionalmente de um privilégio injustificado -- que o regime de austeridade não ousou beliscar --, que consiste em as suas pensões de reforma serem equivalentes à remuneração das respectivas funções e serem sempre actualizáveis juntamente com elas. Por isso, essas pensões contam-se entre as mais altas no nosso País.
Agora o Governo resolve acrescentar um novo privilégio ao privilégio, isentando essas pensões do corte anunciado para as pensões do sector público. O novo privilégio é especialmente escandaloso, quando se trata de uma nova medida de austeridade, em que o sentido de equidade deveria ser especialmente respeitado. Pelos vistos, porém, para este Governo há corporações intocáveis, imunes à contribuição côngrua para a consolidação orçamental do País.
Caso esta grosseira desigualdade legislativa vá para a frente, só resta o escrutínio do Tribunal Constitucional. O princípio da igualdade não é violado somente quando alguém é indevidamente prejudicado, mas também quando alguém é indevidamente beneficiado. É de confiar que, apesar de serem beneficiários da referida discriminação positiva, os juízes do TC não deixarão de a chumbar, tendo em conta o zelo a que nos habituaram no controlo do princípio da igualdade de sacrifícios. "Ou há moralidade, ou pagam todos".

domingo, 4 de agosto de 2013

É razoável observarmos sondagens tão díspares?

Na última semana, soubemos de três sondagens diferentes. Numa o PS tinha uma vantagem de 10,5 pontos percentuais, noutra o PS apresentava uma vantagem de apenas 3 pontos percentuais e, finalmente, numa outra a vantagem era de 13. É legítimo perguntar se estes resultados, por si só, nos devem levantar suspeitas sobre como as sondagens são feitas em Portugal. A resposta é não. Explico de seguida.

Amostras e populações, ou quão pequeno é o infinito

Há a ideia de que uma sondagem a uma população maior exige uma amostra maior. É, por exemplo, muito comum ouvir jornalistas dizer que as sondagens nos Estados Unidos não têm qualquer credibilidade dado que são feitas com base em 1000 entrevistas, tantas quantas uma sondagem que seja feita em Portugal. E, claro, rematam dizendo que a população americana é 30 vezes maior do que a portuguesa. Esta ideia está errada, como explico a seguir, evitando recorrer a grandes fórmulas matemático-estatísticas.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Ainda o escândalo dos swaps


O primeiro perfil pertence a Janet Yellen, economista com uma carreira notável, até dentro da Federal Reserve. É casada com um das mentes mais brilhantes da academia económica do século XX, George AkerlofO segundo nome que se perfilha como sério candidato é o de Larry Summers. Macroeconomista de topo, naturalmente, mas que, adicionalmente, foi reitor daquela que talvez seja a melhor universidade do mundo: a Universidade de Harvard. É sobre esta faceta que queria falar.

Libertem o Crivelli

Confesso que nunca percebi o “Caso Crivelli”. Ao fim e ao cabo, para mim, que sou um bronco, reconheço, tudo se resume à explicação de Francisco José Viegas. O quadro tem dono, que pagou por ele. Não é legítimo que o Estado impeça que o dono disponha dele, vendendo-o. Mais tarde, percebi que muitos dos que atacam Francisco José Viegas defendem que o Estado exerça o direito de opção de compra. Esta opinião parece razoável e não colide frontalmente com os direitos de propriedade. Afinal de contas, o quadro era vendido pelo preço acordado, mas em vez de emigrar, ficava na posse do Estado português. É quase como se de uma nacionalização a preços de mercado se tratasse. Mas, mesmo assim, não concordo. E não concordo por duas ordens de razão: