terça-feira, 25 de junho de 2013

Será que Crato quer que a ciência recue 20 anos em Portugal?

Deitar abaixo o que vem de trás, mesmo o que funcionava bem é um erro que se soma aos cortes cegos efectuados. Numa legislatura, o actual governo pode destruir muito do avanço conseguido nos últimos 20 anos. Avanço que colocou o nosso sistema universitário como o 22.º melhor.

Num momento em que Portugal se arrisca a perder milhares de alunos brasileiros de pós-graduação e a perder programas de cooperação com algumas das melhores Universidades internacionais (como MIT e a Carnegie Mellon), a política de ciência, ou a falta desta, está a desestabilizar centros de investigação e laboratórios associados, com alterações pouco claras nas regras de financiamento e de avaliação. 

O memorando de entendimento não previa, nem defendia cortes na ciência, uma área em que a Troika considerava que o país tinha registado uma evolução muito positiva vista como determinante para o reforço do crescimento e competitividade.

A decisão de fazer cortes na ciência, inclusive superiores aos cortes na despesa corrente, é uma decisão política. É uma opção do actual Governo. Cortar em cérebro, mais do que se corta em gorduras é uma decisão errada que compromete o potencial de crescimento futuro do país. A forte redução nas bolsas de doutoramento e nas verbas para pós-doutoramento (programa ciência) são exemplos que vão contribuir para aumentar o já enorme fluxo de fuga de cérebros que o país enfrenta.

Os cortes não são, no entanto, o único problema. Dou aqui quatro exemplos.

domingo, 23 de junho de 2013

A sombra de Malthus

O estudo da população é uma ciência de pouca exactidão. Por exemplo, ninguém previu o colapso demográfico da Rússia pós-soviética ou a descida da taxa de fertilidade que se regista um pouco por todo o lado. De qualquer maneira, de acordo com alguns especialistas, a actual população mundial, cifrada em 6 000 milhões de pessoas, deverá atingir os 7 200 milhões em 2050. Pode o planeta suportar tanta gente? A história diz-nos que não. Uma população humana próxima dos 8000 milhões só seria mantida por meio de uma devastação da terra. Convém sublinhar que a destruição do meio natural não é o resultado do capitalismo global, da industrialização, da “civilização ocidental” ou de qualquer outra invenção humana. É o resultado do êxito de uma espécie excepcionalmente predatória, a espécie humana. Os avanços da engenharia genética poderão permitir rendimentos crescentes de solos cada vez mais deteriorados e, em última análise, restará sobre a Terra pouco mais do que o Homo sapiens e o meio-ambiente protésico que o manterá vivo. Um cenário aterrador. Alguns autores, como Reg Morrison, têm notado que os seres humanos reagem ao stress da mesma forma que os outros animais: ante a escassez de recursos e a sobrepopulação reduzem o impulso reprodutivo. Dito de outro modo, a “praga humana”, tal como as pragas de outros animais, só poderá ser de curta duração. Não por acaso, a fertilidade encontra-se em queda em boa parte do mundo.
No virar do século XIX, Thomas Malthus indicava a guerra e as fomes recorrentes como meios de manter o equilíbrio entre a população e os recursos. Hoje, a guerra, as alterações climáticas, as novas doenças, a queda da fertilidade, ou a combinação destas, poderão interromper o actual pico de seres humanos. Num sistema caótico, não se pode prever com rigor a escala da transformação já em marcha. Ainda assim, Reg Morrison prevê que a população mundial por volta de 2150 se situará algures entre os 500 e os 1000 milhões – a título de curiosidade, em 1600, a população do planeta rondava os 500 milhões.
Durante décadas Malthus foi ridicularizado. O progresso tecnológico, que ele não antecipou, tem iludido os resultados da sua célebre Lei dos Rendimentos Decrescentes. Até quando? Talvez não seja má ideia voltar a ler o seu “Ensaio sobre o Princípio da População” de 1798.

Tudo o que é sólido dissolve-se no ar

A popularidade de Karl Marx foi um acidente histórico. Não fora I Guerra Mundial, o consequente colapso do czarismo, os posteriores incidentes, acasos, pura sorte e golpes de génio de Lenine que conduziram os bolcheviques ao poder em 1917, e Marx seria hoje, provavelmente, um obscuro autor do século XIX, conhecido apenas por alguns eruditos. Em vez disso, carradas de intelectuais espremeram os miolos a decifrar o que o homem escreveu, tentando fornecer coerência e “fundamentos científicos” à obra do autor do Capital. Por causa da actual crise, alguns pensadores, onde pontificam Alain Badiou e Slavoj Žižek, têm tentado reabilitá-lo. O resultado desses esforços é previsível: Marx compreendeu algumas características fundamentais do capitalismo do início do século XIX, mas estas não têm nada a ver com as do capitalismo do início do século XXI.
De qualquer maneira, há uma frase de Marx que li há uns anos, numa passagem do Manifesto Comunista, que me ficou gravada: “Tudo o que é sólido dissolve-se no ar”. Não estarei a exagerar se disser que Marx foi o primeiro a perceber que as mudanças provocadas pelos mercados não se confinam à economia, ao invés, transformam toda a ordem social, não deixando pedra sob pedra. A religião e o nacionalismo não morreram tal como ele havia previsto (nem há sinais da sua morte para breve), mas, ao perceber a forma como capitalismo estava a alterar a velha ordem social, Marx tocou num ponto essencial. Talvez por isso me pareçam fantasiosas e incoerentes as posições da direita conservadora - onde em Portugal se destacam João César das Neves e João Carlos Espada -, que acredita, por um lado, nas virtudes do mercado e, por outro, gostaria de manter ou restaurar a “família” e uma certa ordem social. Se Marx não se enganou neste particular, isso é o mesmo que pedir sol na eira e chuva no nabal.

sábado, 22 de junho de 2013

Património Mundial

A minha Alma Mater é agora património mundial. De certa forma, isto faz de mim, e de outros elementos deste blogue, património da humanidade, o que faz do próprio blogue património imaterial da humanidade, ao lado do fado e do flamengo.

Graçolas à parte, parabéns à Universidade de Coimbra. Cada vez mais me orgulho de ter sido nessa Universidade, e na cidade que a acolhe, que me formei.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Uma coisa que nunca percebi foi

por que motivo haveriam os restaurantes de pagar IVA reduzido. Há alguma explicação racional para argumentar que os clientes dos restaurantes devem pagar menos IVA do que os consumidores de outros produtos?

PSL - Partido Sem Lei

Apesar de o Tribunal da Relação ter rejeitado o recurso para se candidatar, Fernando Seara apresenta, já esta sexta-feira, a sua candidatura à Câmara de Lisboa, durante uma conferência de imprensa, no Padrão dos Descobrimentos.
Já não há adjectivos  para qualificar a atitude dos partidos da maioria perante o quadro legal do seu país. Para o PSD e para o CDS as leis, que eles próprios aprovaram, são simples obstáculos a ser ultrapassados.

Ainda sobre as Zonas Monetárias Óptimas

O detalhei na minha entrada sobre Zonas Monetárias Óptimas tem, essencialmente, a ver com a teoria económica nos anos 60 e inícios de 70 do século passado. Nos anos 80, a literatura económica esqueceu este assunto. Com os projectos de criação da moeda única europeia que culminou com o Tratado de Maastricht, o assunto reavivou-se na literatura científica. 

Não houve grandes contributos teóricos, apesar de haver alguns, naturalmente. Eu dividiria a evolução nos anos 90 em 3 fases:
  • primeiro, foi feita uma releitura da teoria das zonas monetárias óptimas para que as condições de optimalidade fossem empiricamente testáveis;
  • segundo, fizeram-se vários testes que concluíram, basicamente e sem grandes margens para outras interpretações, que os países da União Europeia não formavam uma zona monetária óptima;
  • terceiro, surgiram então novos contributos teóricos para a literatura. Esses contributos defendiam a endogeneidade das Zonas Monetárias Óptima. 
O argumento era mais ou menos este: mesmo que antes na união monetária não estejam reunidas as condições para ela poder ser óptima, uma vez formada essas condições serão facilitadas. Por exemplo, uma das condições para que dois países devam adoptar uma moeda comum é que o comércio entre eles deve ser intenso. Ora, a existência de uma moeda comum vai, precisamente, incentivar o comércio entre esses dois países. Assim, condições que não existem ab anteriori podem ser criadas a posteriori.

Serve esta entrada para dizer que o voluntarismo político identificado por Zé Carlos teve como boa companhia o voluntarismo de diversos académicos economistas.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Nuno Crato admite-se derrotado

Afinal o Ministério da educação não tem problemas em alterar a data de exames por causa de greves. Tudo para não prejudicar os alunos. Ou então teve medo que os exames tornassem a decorrer com toda a normalidade, tal como o exame de português.

O mais interessante é que desta vez estamos a falar de alunos de 6º e 9º anos. O que quer dizer que se por acaso parte dos alunos tivessem de fazer exame num outro dia os prejuízos seriam incomensuravelmente menores do que no caso dos exames do 12º ano. Afinal de contas, para estes as notas contam a valer e podem ser absolutamente decisivas no acesso ao ensino superior.

Fica assim demonstrado, para quem tivesse dúvidas, que a intransigência com a data dos exames de 2ª feira passada pouco ou nada tinha a ver com o supremo interesse dos alunos. Nuno Crato, simplesmente, quis fazer um braço-de-ferro com os professores. E perdeu.

O grande salto em frente

Em posts abaixo, o Luís e o Manuel Cabral defendem, implícita ou explicitamente, o reforço do orçamento comunitário. Ambos gostariam que fosse transferido mais dinheiro para as regiões ou países com maior desemprego. O Manuel Cabral não se importaria se tal fosse feito à custa dos agricultores dos países mais ricos. O LAC relembra o conceito de Zonas Monetárias Óptimas, introduzido em 1961 por Robert Mundell, segundo o qual um “orçamento parcial comum” é uma das condições chave para uma integração monetária eficaz. Muito bem. O problema é a realidade. Os líderes europeus já mostraram não pretender aumentar as contribuições dos seus países para o "orçamento comunitário" e não pretendem tal coisa porque os povos que os elegeram não estão para aí virados, bem pelo contrário.
Pois é, a democracia às vezes é uma chatice, o povo nem sempre quer ver a luz. Há quem diga que nos fazem falta líderes do calibre de um Helmut Schmidt, um Valéry Giscard d'Estaing, um François Mitterrand ou um Helmut Kohl. Afinal de contas, foram eles que sonharam, idealizaram e puseram de pé a moeda única, contra todas as teorias e, mais importante, contra toda a evidência histórica – nunca em época alguma se tinha avançado para uma União Monetária sem a existência prévia de uma União Política. Em suma, foram eles, esses visionários, que nos empurraram para a beira do abismo. Agora, como dizia o outro, só falta dar o grande salto em frente.

Exame de português

Os tribunais da Guarda e Évora aceitaram os candidatos contestados pelo movimento revolução branca: Álvaro Amaro (PSD) e Pinto Sá (CDU), respetivamente. Esta história representa Portugal no seu melhor. A lei de limitação dos mandatos (Lei 46/2005, de 29 Agosto) tem apenas um artigo com três alíneas e nem assim os nossos ilustres representantes conseguiram escrever uma lei clara, sem ambiguidades, que toda a gente entenda. Há quem diga que as leis são feitas deliberadamente assim, susceptíveis de mil interpretações, para dar dinheiro aos escritórios de advogados; a mim parece-me que, na maior parte das vezes, a explicação é bem mais prosaica: os nossos deputados não sabem pura e simplesmente escrever num português escorreito.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Pode alguém ser quem não é?

Primeiro, parece que António José Seguro diz uma atoarda conceptual respeitante à estatística. Depois, parece que afinal não é caso de burrice, mas tão só boa vontade. A seguir vem o decano do blogue, Luís Aguiar-Conraria, escrever que a ideia até é louvável. Mais tarde, é Manuel Cabral que vem para aqui dizer que a proposta do SG do PS era exequível e preferível a sustentar vacas francesas (embora isto seja outra discussão).
Que o meu post foi assim uma piada falhada não é surpresa nenhuma para ninguém, já que não se espera outra coisa. Agora o que quero saber é isto: se é para o dr. Seguro dizer coisas que a malta deste blogue acha que não são tontas, para que servem afinal este blogue e, principalmente, António José Seguro?

Sobre apoios europeus ao subsidio de desemprego ou a regiões com forte desemprego

Concordo inteiramente com o que o Luís disse e com o geral da proposta do António José Seguro.
Já a defendo há algum tempo, embora numa versão mais soft que a americana, que penso poderia ter enquadramento na lógica europeia. 
Tenho defendido que uma medida desta natureza devia ter sido colocada com força no orçamento comunitário para os próximos anos. No entanto, não foi. Embora em espírito até por lá ande qualquer coisa do género com o programa de politicas de emprego para os jovens.
O que eu defendi é que, havendo apoios comunitários para vários grupos alegadamente desfavorecidos (como os agricultores, as regiões com um nível de rendimento abaixo dos 75% da média da UE, regiões industriais em declínio, etc) poderia e deveria haver também apoios para regiões (ou países) com níveis de desemprego acima de um determinado nível absoluto (maior que 15%) ou relativo (por exemplo com um nível de desemprego 3 ou 4 pontos acima da média comunitária).
Num esquema razoável, estes apoios deviam ser majorados quando simultaneamente houvesse um nível de desemprego particularmente elevado e se tratasse de regiões ou países com rendimento abaixo da média.
Esta medida, em minha opinião, já teria feito sentido antes da moeda única, e os apoios às regiões industriais em declínio iam razoavelmente nesse sentido. Mas, existindo uma moeda unica, faz ainda mais sentido que, dentro dos países que a integram, houvesse mecanismos de transferência favoráveis às regiões com níveis de desemprego acima da média, em especial quando estas coincidem com regiões com rendimentos mais baixos.
Estes mecanismos de transferência poderiam ser para pagar parte do subsidio de desemprego, ou para financiar investimento ou programas activos de promoção de emprego.
E quem paga?
O Orçamento comunitário.
Ou uma parte do Orçamento apenas da Zona Euro.
Ou, no limite, esta parte até podia ser financiada por emissão monetária - o que criava um mecanismo automático de expansão monetária quando houvesse muito desemprego.
Confesso que acho a ultima alternativa muito ousada. Pelo que deve ser deixada de fora da discussão.
Mas acho que uma União que continua a gastar quase 40% do seu orçamento a apoiar um grupo desfavorecido como são os agricultores, podia, num momento em que os preços agrícolas estão tão altos, ter reduzido este montante para 30% e já ficava com 10% para dedicar ao apoio ao emprego. Podia também colocar parte das verbas destinadas à coesão mais viradas para regiões com forte desemprego. Países do leste que estão com um bom crescimento e com baixo desemprego estão a receber fortes apoios do fundo de coesão que estão a contribuir para inflacionar os preços da construção, entre outras coisas. Talvez uma parte dos fundos de coesão devesse ser ligada ao nível de desemprego (até eventualmente aceitando que regiões próximas da média pudessem beneficiar destes fundos quando têm desemprego elevado).
Para terminar, acrescento apenas duas coisas.
A primeira é que os apoios ao combate ao desemprego jovem  incluidos no orçamento plurianual vão já muito no sentido do que disse, pelo que parece existir na UE um razoável consenso de que criar apoios especiais para regiões com muito desemprego é coerente com a politica europeia. O problema aqui é que o orçamento comunitário dedica a este problema apenas 0,7% do total das suas verbas! É isto que a meu ver é errado.
A segunda é sobre se Portugal andaria a pagar o subsidio de desemprego alemão.
É possível que sim.
Mas com nuances. A primeira é que mesmo que tivessem existido apoios fortes ao desemprego, continuaria a ser provável que a Alemanha dos anos 90 fosse um contribuinte líquido para o orçamento comunitário.
Fosse como fosse, eu penso que a reunificação alemã recebeu alguns apoios de solidariedade da União europeia (o fundo de coesão aplicou-se no leste) e eventualmente devia ter recebido ainda mais.
Porque é que a ideia de se no futuro houver muito desemprego na Finlandia haver apoio comunitário a regiões e aos desempregados da Filândia é uma ideia chocante, numa Europa que dá enormes apoios aos agricultores, em particular aos agrícultores franceses e alemães, com uma percentagem particularmente elevada a ir parar aos agricultores com maiores explorações (os mais ricos).
Passámos todos os anos 90, com os portugueses a financiar agricultores com rendimentos acima da média de Portugal da França, Holanda e Alemanha (três dos países que mais recebem da PAC) de duas formas:
* Usando verbas comuns da UE (que também os portugueses pagavam - pelo IVA) em apoios comunitários;
* Com preços particularmente elevados dos bens agrícolas, que significavam que os nossos consumidores financiavam os produtores de cereais e outros bens em que a Europa é menos competitiva do que os EUA. Esta transferência era particularmente forte no caso português, pois Portugal é importador líquido de bens agrícolas, e em particular dos em que a UE coloca mais restrições à entrada.
Portugueses a financiar alemães e franceses já hoje existe. Eu confesso que preferia que fossem desempregados a agricultores (principalmente quando se sabe que 80% dos apoios eram canalizados para os 20% de agricultores com maior rendimento). 
Penso que faz todo o sentido haver apoios a regiões com forte desemprego.
A UE e a Zona Euro retiraram instrumentos aos estados para lutar contra o desemprego.
Seria razoável que tivessem criado um mecanismo de compensação parcial.
Hoje o desemprego é o maior problema europeu.

O combate a este merecia mais do que 0,7% do orçamento comunitário.

O meu balanço

Para o dia de exames de hoje, o Ministério da Educação convocou todos os professores. O que quer dizer que por cada professor-vigilante havia cerca de 9 substitutos. É mais ou menos como se uma equipa de futebol tivesse um plantel de 110 jogadores para poder fazer 99 substituições durante um jogo. De manhã, no facebook, escrevi que se depois desta convocatória mais de metade dos exames não se realizassem, então estaríamos perante uma monumental derrota deste governo.

Os números finais já são conhecidos. Cerca de 30% dos alunos não fazerem exame, quando foram convocados 1000% dos professores necessários, é uma derrota para o ministério. Não é uma derrota monumental, mas é uma derrota clamorosa. Estes resultados só são possíveis com uma adesão brutal, na casa dos 90% ou mais. Que eu saiba, é uma adesão sem precedentes entre professores.

Estes números são ainda mais impressionantes se tivermos em conta as condições caóticas em que milhares de alunos fizeram os exames. Desde exames feitos em cantinas e ginásios, a exames vigiados por pessoal não docente, passando por exames que se realizaram graças à presença da polícia (chamada para expulsar alunos que se manifestavam nas escolas e nas salas de exame).

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Traumatismos de greve

Talvez não se lembrem, mas em 1989 ninguém foi admitido pela primeira vez numa universidade pública portuguesa. Os que concluíram o 12º ano em 1989 esperaram até Janeiro de 1990 para saberem os resultados das candidaturas. A razão do atraso, se bem me lembro, deveu-se a uma greve à correcção das provas específicas por parte dos professores do ensino superior.
Posso adiantar que estes seis meses de férias prolongadas foram profundamente traumáticos para a minha geração, e para mim em particular.  Li o que faltava da biblioteca lá de casa, o que incluiu três ou quatro romances de Milan Kundera, as duas obras principais de Kafka, uns tantos romances de Fernando Namora e de Urbano Tavares Rodrigues, e outras obras cujo nome já não me recordo. O trauma foi tanto que até deu para um part-time num gabinete de contabilidade de um primo, o que me permitiu pagar umas viagens e uns acampamentos pelo país.
Em suma, fui obrigado pelos grevistas de então a passar o tempo a namorar, a ler e a passear. Com um trauma assim, acho que vou pedir uma pensão por invalidez.

domingo, 16 de junho de 2013

Tózé Seguro, Zonas Monetárias Óptimas e o Euro

Na sequência da Grande Guerra, a Conferência de Bretton Woods instituiu um sistema monetário internacional largamente baseado num sistema de câmbios fixos. As crises das Balanças de Pagamentos, provocadas por taxas de câmbio desajustadas, sucederam-se a um ritmo que viria a rebentar com o próprio sistema.
No fim dos anos 50, o debate sobre qual o sistema de câmbios mais adequado era bastante vivo, com Milton Friedman a defender um sistema de câmbios flexíveis e Robert Mundell a estudar as condições necessárias para existir exactamente o oposto: uma zona monetária comum. É deste debate que nasce a teoria das Zonas Monetárias Óptimas.
As vantagens de vários países com fortes laços comerciais e financeiros adoptarem uma moeda comum são relativamente fáceis de perceber. Ao se evitar a instabilidade cambial, as empresas encontram um ambiente internacional mais estável que lhes permite conduzir negócios internacionais sem correr riscos cambiais. Numa frase, permite aumentar os ganhos com o comércio internacional.
A adopção de uma moeda comum também tem riscos. Mais uma vez, esses riscos são também bastante óbvios. Se um país prescinde da sua própria moeda prescinde, simultaneamente, de ter uma política monetária autónoma. Particularmente grave é o facto de deixar de poder usar a taxa de câmbio para corrigir desequilíbrios externos.
A teoria das Zonas Monetárias Óptimas procura precisamente dizer em que condições é que os custos de prescindir do instrumento cambial não são demasiado onerosos. Robert Mundell, Ronald McKinnon, Peter Kenen e muitos outros identificarem uma série de condições chave para o sucesso de uma moeda única.
Resumindo de uma forma muito simples, e não pretendendo de todo ser exaustivo, o ideal era que 

  1. os vários países tivessem os seus ciclos económicos sincronizados e que diferentes países não estivessem sujeitos a diferentes choques macroeconómicos. Se assim fosse, a política monetária e cambial adequada para um país era também adequada para todos os outros. Infelizmente, a investigação empírica conclui que não é esse o caso da Zona Euro. Não se verificado a condição descrita, então 
  2. seria importante que cada país tivesse um mercado de trabalho bastante flexível para que choques macroeconómicos pudessem ser absorvidos sem grandes aumentos de desemprego. Mais uma vez, e comparando com o caso norte-americano, os países europeus não cumprem esta condição, exibindo na sua maioria mercados de trabalho bem mais rígidos do que o dos EUA. Não se verificando nenhuma das duas condições anteriores, os efeitos nefastos de uma moeda única 
  3. seriam mitigados se houvesse forte mobilidade de trabalhadores dentro da zona monetária. Assim, trabalhadores de países com maior desemprego deslocavam-se para os países com menos desemprego, corrigindo-se o desequilíbrio. Mais uma vez, esta terceira condição não se verifica na Zona Euro, muito provavelmente devido a problemas de adaptação linguística. Finalmente, não se verificando nenhuma das condições anteriores, 
  4. uma forma de criar condições adequadas para uma moeda única é a existência de um orçamento parcialmente comum que permita fazer redistribuição de recursos a favor dos países enfrentam situações macroeconómicas complicadas. É o que não existe na Europa ao contrário dos EUA. Por exemplo, um aumento do desemprego na Florida e o consequente aumento das despesas em subsídios de desemprego leva automaticamente a um aumento das transferências de Washington DC para a Florida, dado que grande parte desses subsídios são pagos pelo estado federal.

A proposta de Tózé Seguro, segundo a qual quando um país tem um desemprego acima da média europeia vê parte dos subsídios de desemprego ser financiado pela União Europeia, é um passo no sentido de melhorar o ponto 4.
Podemos estar em desacordo, considerar que a sua operacionalização é difícil, inaceitável para os eleitorados de outros países e que introduz incentivos errados. Podemos até ser a favor de acabar com a moeda única (eu próprio já fui mais contra essa solução do que sou hoje). Mas o que não faz sentido nenhum é tratar esta proposta como estúpida e intelectualmente indigente como muitos andam a fazer. É uma proposta perfeitamente racional do ponto de vista da teoria económica. (Ainda mais quando Portugal tem cerca de metade dos seus desempregados sem direito a receber subsídio de desemprego.)

Isto é muito, muito bom II

Duas entradas abaixo, gozei com a proposta de Tó Zé Seguro de inviabilizar taxas de desemprego acima da média europeia, algo que é matematicamente impossível a não ser, claro, que também não haja ninguém abaixo da média.

Há pouco, ouvi as declarações dele na televisão. Não ouvi a declaração que o jornal lhe imputa. Apenas ouvi que Seguro propõe que, quando um estado tem um desemprego acima da média, parte dos subsídios de desemprego sejam financiados pelas instâncias comunitárias. Ora, independentemente da sua dificílima operacionalização, esta proposta não é nenhum disparate. Muito pelo contrário, é um passo na direcção certa caso a Europa pretenda salvar a moeda única.

Fica aqui a correcção.

Adenda: ler a este respeito o AAA. Fica a dúvida.

Em cima da média

Se António José Seguro chegar a primeiro-ministro, a sua política para a educação centrar-se-á no objectivo de que nenhum aluno tenha notas inferiores à média.

sábado, 15 de junho de 2013

Isto é muito, muito bom

"Proponho que a UE estabeleça como objetivo para o ano 2020 que nenhum país possa ter uma taxa de desemprego superior à média europeia”, afirmou António José Seguro.

Será possível que o homem tenha mandado uma asneira destas? Às vezes, fica a sensação de que os nossos políticos querem substituir os nossos humoristas. 

terça-feira, 11 de junho de 2013

12 viagens que mudaram o meu mundo - A primeira odisseia

Andava já há algum tempo para escrever umas coisas sobre viagens.
Não sei se está muito dentro da ideia do destreza da dúvidas...
Mas as viagens que fiz exigiram destreza e foram realizadas em condições duvidosas, pelo que a coisa pode fazer algum sentido.
Tinha colocado na minha página pessoal um link com um título algo a puxar para a literatura de auto-conhecimento, que aqui repeti (12 viagens que mudaram o meu mundo).
A ideia quando as escrevi foi partilhar com os alunos uma forma diferente de viajar, que se usava em tempos remotos, e que alguns ainda usam, incluindo muitos alunos universitários de outros países europeus, e também uns poucos portugueses.

Esta primeira é curta. Mas serve para enquadrar as seguintes.

A primeira viagem sem pais.

Um dia o Luís (1) telefonou-me a dizer para ir ter com ele a São Martinho do Porto. Eu disse que sim. Isso foi o mais importante nessa viagem. Foi o ir, sair pela estrada fora no pior veículo imaginável (uma casal boss). 

E lá fui. Carcavelos, Estoril, Sintra, Ericeira, Torres Vedras, Caldas da Rainha, São Martinho… onde encontrei o Luís e onde ficámos uns dias, antes de sairmos para São Pedro de Moel. Com uma passagem pela Nazaré e depois por Alcobaça. 

Tinha 14 anos. O Luís 16. Tínhamos duas casais boss. Éramos donos do mundo.

A viagem incluiu um cabo de acelerador partido pelo caminho, substituído por uns arames e um pau, que mantinha a mota acelerada, mas não desacelerava por si só, o que seria perigoso no caso da mota ter alguma potência - algo longe da realidade da Casal Boss.  

Incluiu noites a dormir nas barracas da praia. Dias sem tomar banho. Uma volta completa às tascas da Nazaré à procura de cigarros Kentuky - para o Luís que eu nunca fui dado ao tabaco. Incluiu também um pneu furado e viagens de noite pelo meio do pinhal de Leiria com uma escuridão total pouco interrompida pela pequena lanterna que enfeitava o motociclo. 

Esta foi a minha primeira viagem independente. Sem pais nem tios. Foi viajar sozinho, sem plano, sem rede. Com dinheiro contado e sem cartões ou telemóveis. Isso marcou-me para sempre e marcou as viagens que fiz a seguir. Quem faz 500 km numa Boss, faz qualquer coisa. 

Esta foi a primeira de várias viagens de moto. Na Gilera 50cc (uma moto incomparavelmente melhor que a Casal Boss) fui de Lisboa até Caminha, e depois pelo Gerês e até ao Douro, descendo depois de Lamego para a Serra da Estrela, antes de voltar a Lisboa. Ainda com esta mota fiz algumas viagens pelo Alentejo (até Évora e Beja e várias pela costa), região Oeste e Serra da estrela. A estas viagens seguiram-se outras por Portugal, Espanha   em motos mais decentes e outras por paragens exóticas, como Timor, Vietname, Marrocos, Malásia, Cambodja, Tailândia, Indonésia, Itália e Grécia, em motos alugadas, quase sempre de qualidade algo duvidosa. Mas tal como a Casal Boss, nunca me deixaram ficar mal.


Casal Boss – Uma maravilha da mecânica Portuguesa
Caixa: 2 velocidades. Velocidade máxima 50 Km/h.
IMG_0406

(1)Nota: outro Luis que não o Aguiar-Conraria)

quarta-feira, 5 de junho de 2013

OE DE 2014: MODERAÇÃO PODE RESULTAR EM MENOS DESEMPREGO E MENOS DÍVIDA

Num momento em que Portugal recebe a visita do presidente do Euro-grupo e se fala da flexibilização das metas para 2014, este artigo coloca duas alternativas, e as suas consequências.
Uma alternativa é a proposta que Vitor Gaspar fez à Troika, que passa por um corte de 4 mil milhões na despesa. Outra, que parece merecer consenso entre outros membros do Governo, do PSD, CDS e PS, seria um cenário alternativo de congelamento da despesa.
O cenário alternativo (congelamento da despesa – cenário B no quadro abaixo) tem a virtude de abrir a possibilidade de crescimento já em 2014, o que, a menos que haja uma alteração radical da política europeia é bastante difícil que possa acontecer, no cenário de corte de 4 mil milhões.
O cenário alternativo tem o defeito de resultar num défice mais elevado, tendo como base central um défice acima do acordado com a Troika.
No entanto, é bom salientar que ao défice mais elevado não corresponde um rácio Dívida/PIB maior. Antes pelo contrário, uma escolha pelo congelamento da despesa, em alternativa ao corte de 4 mil milhões, deverá resultar num aumento mais moderado do rácio Divida/PIB
O quadro abaixo apresenta valores centrais associados aos dois cenários. Admite-se em ambos os casos a manutenção das taxas de imposto e que 2014 seja um ano de recuperação moderada na Zona Euro, o que permite prever que o corte de 4 mil milhões resulte numa recessão de apenas 1%, enquanto o congelamento das despesas possa ser compatível com um crescimento de 1%, colocando fim a três anos consecutivos de queda do PIB em Portugal.

OPÇÕES PARA O ORÇAMENTO DE ESTADO DE 2014

2014
2014

Cenário A
Cenário B
Corte
4 mil milhões
0
Taxa de crescimento do PIB
-1%
1%
Défice/PIB
4%
5%
Taxa Desemprego
20%
18%
Divida/PIB
136
134

Tendo em conta a evolução verificada nos últimos anos a redução do défice prevista não é proporcional às medidas tomadas.
Porquê?
Porque a redução da despesa tem um efeito na redução da receita fiscal. Porque  a continuação da recessão em 2014 (cenário A) resultará na continuação do aumento do desemprego, resultado por isso em maior despesa e em menores receitas para a segurança social, do que um cenário de manutenção do nível de desemprego (cenário B),
Admitindo diferentes conjunturas mundiais e europeias para 2014, ou diferentes pontos de partida em finais de 2013 (nomeadamente quanto ao nível de défice, rácio da divida/PIB), a simulação abaixo apresentaria valores diferentes, no entanto, considerando valores realistas, em nenhuma das simulações o corte de 4 mil milhões resultou em menor rácio Dívida/PIB.
Estando a dívida próxima dos 130% do PIB, só uma redução do défice 1,3 vezes superior à queda que provoque no PIB pode garantir uma melhoria do rácio divida PIB. Nos últimos dois anos o que aconteceu foi o inverso. As medidas de austeridade tiveram um efeito maior na redução do PIB do que na redução do défice. Um estudo recente do FMI (1) pode ajudar a compreender este fenómeno.
Os autores deste estudo argumentam que a posição em que se está no ciclo macro-económico (expansão ou recessão) afecta os multiplicadores da política orçamental e fiscal. Em recessão os multiplicadores (a amplitude do efeito da queda do produto resultante de uma diminuição dos gastos ou aumento de impostos) tendem a ser maiores. Assim, os autores recomendam que, em casos em que a economia está em recessão, se deve seguir uma opção de consolidação mais gradual.
Esta é também a ideia que resulta da simulação apresentada abaixo. Uma opção mais gradual, mesmo obrigando a um atraso nos objectivos de redução do défice, permitiria atingir os mesmos objectivos não só com menor desemprego e perda de PIB, mas também com um menor rácio Divída/PIB.
A alternativa proposta está longe de ser fácil. Congelar a despesa exige um trabalho de persistência e uma boa coordenação entre as Finanças e os vários Ministérios, para conseguir poupanças estruturais e garantir que não há derrapagens.
Expandindo até 2016 a ideia de congelar a despesas, em alternativa à proposta de cortes do Governo, teríamos o mesmo resultado: Congelando as despesas o défice em percentagem do PIB em 2016 seria superior a pouco mais de 1 ponto percentual face ao cenário do Governo, mas a divida em percentagem do PIB poderá ser entre 3 a 4 pontos percentuais menor no cenário de despesa congelada, face ao cenário de cortes mais acentuados.
Em qualquer dos cenários Portugal deverá chegar a 2016 com um rácio Dívida/PIB perigosamente próximo dos 140%, um desemprego acima dos 17,5%  e um PIB abaixo do registado em 2007.  
É possível um caminho em que o Desemprego aumenta menos, a economia começa a recuperar mais depressa, e o rácio Dívida/PIB se mantêm mais baixo. É importante escolhe-lo para relançar a confiança interna e o investimento e para consolidar a confiança internacional, que hoje olha com muito mais preocupação para o rácio Dívida/PIB e para a falta de crescimento que o permita estabilizar, do que apenas para o défice público.


(1)    Anja Baum, Marcos Poplawski-Ribeiro, e Anke Weber (2012). Fiscal Multipliers and the State of the Economy, IMF Working Paper WP/12/286, Dezembro de 2012

Bola para a bancada leste

Ainda agora comecei os treinos e já adeptos insatisfeitos protestam com a força dos meus cruzamentos. Mas como disse um dia Pinto da Costa, às vezes é necessário chutar com força contra a nossa própria trave para evitar ceder um canto.
Para evitar o equívoco, gostaria de deixar muito claro que a ideia do post anterior não é nenhum incentivo à inovação ou empreendedorismo. Reafirmo este facto por três razões: a primeira é não querer ser acusado de insensibilidade com as dificuldades sentidas por todos os trabalhadores, principalmente os das artes e espectáculos; a segunda é o desejo de evitar a hostilidade e a indignação de intelectuais de esquerda e comentadores anónimos que escrevem livros mas não os publicam nem os mandam imprimir em editoras e gráficas onde algum trabalhador ganhe apenas o salário mínimo nacional; a terceira é a ideia ser uma enorme palermice. Se não fosse, não a escrevia aqui, vendia-a. Infelizmente é apenas parvoíce. E embora haja estupidez que vende, a minha não tem valor de troca. Ou seja, apesar de estar aqui a bater punho – e dedos – no teclado, além de idiota, não sirvo nem para vender pipocas.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Noções de empreendedorismo

Ao longo da vida já fiz várias apresentações e comunicações públicas, umas mais sérias - standups e discursos em festas - e outras mais facetas - congressos, colóquios e palestras.
Soubesse eu da existência destes grupos cuja actividade se manifesta em risos durante apresentações públicas e tê-los-ia convocado para fomentar a gargalhada no decurso das minhas comunicações. Não fosse esta gente de esquerda revolucionária anti-capitalista e adversários da iniciativa privada, talvez encontrassem na provocação da risota um negócio a germinar. Tal como as carpideiras se desfazem em lágrimas durante os velórios, os grupos ridentes soltariam gargalhadas nos momentos em que o público genuíno não acolhe a graça das actuações públicas de cómicos, humoristas e professores universitários.

Porquê copiar os clássicos


Os socialistas de hoje andam a chocar ovos para tentar fingir que não foi o socialismo de ontem que nos trouxe a isto que eles querem resolver com o socialismo de amanhã.