domingo, 23 de junho de 2013

Tudo o que é sólido dissolve-se no ar

A popularidade de Karl Marx foi um acidente histórico. Não fora I Guerra Mundial, o consequente colapso do czarismo, os posteriores incidentes, acasos, pura sorte e golpes de génio de Lenine que conduziram os bolcheviques ao poder em 1917, e Marx seria hoje, provavelmente, um obscuro autor do século XIX, conhecido apenas por alguns eruditos. Em vez disso, carradas de intelectuais espremeram os miolos a decifrar o que o homem escreveu, tentando fornecer coerência e “fundamentos científicos” à obra do autor do Capital. Por causa da actual crise, alguns pensadores, onde pontificam Alain Badiou e Slavoj Žižek, têm tentado reabilitá-lo. O resultado desses esforços é previsível: Marx compreendeu algumas características fundamentais do capitalismo do início do século XIX, mas estas não têm nada a ver com as do capitalismo do início do século XXI.
De qualquer maneira, há uma frase de Marx que li há uns anos, numa passagem do Manifesto Comunista, que me ficou gravada: “Tudo o que é sólido dissolve-se no ar”. Não estarei a exagerar se disser que Marx foi o primeiro a perceber que as mudanças provocadas pelos mercados não se confinam à economia, ao invés, transformam toda a ordem social, não deixando pedra sob pedra. A religião e o nacionalismo não morreram tal como ele havia previsto (nem há sinais da sua morte para breve), mas, ao perceber a forma como capitalismo estava a alterar a velha ordem social, Marx tocou num ponto essencial. Talvez por isso me pareçam fantasiosas e incoerentes as posições da direita conservadora - onde em Portugal se destacam João César das Neves e João Carlos Espada -, que acredita, por um lado, nas virtudes do mercado e, por outro, gostaria de manter ou restaurar a “família” e uma certa ordem social. Se Marx não se enganou neste particular, isso é o mesmo que pedir sol na eira e chuva no nabal.

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