quarta-feira, 5 de junho de 2013

OE DE 2014: MODERAÇÃO PODE RESULTAR EM MENOS DESEMPREGO E MENOS DÍVIDA

Num momento em que Portugal recebe a visita do presidente do Euro-grupo e se fala da flexibilização das metas para 2014, este artigo coloca duas alternativas, e as suas consequências.
Uma alternativa é a proposta que Vitor Gaspar fez à Troika, que passa por um corte de 4 mil milhões na despesa. Outra, que parece merecer consenso entre outros membros do Governo, do PSD, CDS e PS, seria um cenário alternativo de congelamento da despesa.
O cenário alternativo (congelamento da despesa – cenário B no quadro abaixo) tem a virtude de abrir a possibilidade de crescimento já em 2014, o que, a menos que haja uma alteração radical da política europeia é bastante difícil que possa acontecer, no cenário de corte de 4 mil milhões.
O cenário alternativo tem o defeito de resultar num défice mais elevado, tendo como base central um défice acima do acordado com a Troika.
No entanto, é bom salientar que ao défice mais elevado não corresponde um rácio Dívida/PIB maior. Antes pelo contrário, uma escolha pelo congelamento da despesa, em alternativa ao corte de 4 mil milhões, deverá resultar num aumento mais moderado do rácio Divida/PIB
O quadro abaixo apresenta valores centrais associados aos dois cenários. Admite-se em ambos os casos a manutenção das taxas de imposto e que 2014 seja um ano de recuperação moderada na Zona Euro, o que permite prever que o corte de 4 mil milhões resulte numa recessão de apenas 1%, enquanto o congelamento das despesas possa ser compatível com um crescimento de 1%, colocando fim a três anos consecutivos de queda do PIB em Portugal.

OPÇÕES PARA O ORÇAMENTO DE ESTADO DE 2014

2014
2014

Cenário A
Cenário B
Corte
4 mil milhões
0
Taxa de crescimento do PIB
-1%
1%
Défice/PIB
4%
5%
Taxa Desemprego
20%
18%
Divida/PIB
136
134

Tendo em conta a evolução verificada nos últimos anos a redução do défice prevista não é proporcional às medidas tomadas.
Porquê?
Porque a redução da despesa tem um efeito na redução da receita fiscal. Porque  a continuação da recessão em 2014 (cenário A) resultará na continuação do aumento do desemprego, resultado por isso em maior despesa e em menores receitas para a segurança social, do que um cenário de manutenção do nível de desemprego (cenário B),
Admitindo diferentes conjunturas mundiais e europeias para 2014, ou diferentes pontos de partida em finais de 2013 (nomeadamente quanto ao nível de défice, rácio da divida/PIB), a simulação abaixo apresentaria valores diferentes, no entanto, considerando valores realistas, em nenhuma das simulações o corte de 4 mil milhões resultou em menor rácio Dívida/PIB.
Estando a dívida próxima dos 130% do PIB, só uma redução do défice 1,3 vezes superior à queda que provoque no PIB pode garantir uma melhoria do rácio divida PIB. Nos últimos dois anos o que aconteceu foi o inverso. As medidas de austeridade tiveram um efeito maior na redução do PIB do que na redução do défice. Um estudo recente do FMI (1) pode ajudar a compreender este fenómeno.
Os autores deste estudo argumentam que a posição em que se está no ciclo macro-económico (expansão ou recessão) afecta os multiplicadores da política orçamental e fiscal. Em recessão os multiplicadores (a amplitude do efeito da queda do produto resultante de uma diminuição dos gastos ou aumento de impostos) tendem a ser maiores. Assim, os autores recomendam que, em casos em que a economia está em recessão, se deve seguir uma opção de consolidação mais gradual.
Esta é também a ideia que resulta da simulação apresentada abaixo. Uma opção mais gradual, mesmo obrigando a um atraso nos objectivos de redução do défice, permitiria atingir os mesmos objectivos não só com menor desemprego e perda de PIB, mas também com um menor rácio Divída/PIB.
A alternativa proposta está longe de ser fácil. Congelar a despesa exige um trabalho de persistência e uma boa coordenação entre as Finanças e os vários Ministérios, para conseguir poupanças estruturais e garantir que não há derrapagens.
Expandindo até 2016 a ideia de congelar a despesas, em alternativa à proposta de cortes do Governo, teríamos o mesmo resultado: Congelando as despesas o défice em percentagem do PIB em 2016 seria superior a pouco mais de 1 ponto percentual face ao cenário do Governo, mas a divida em percentagem do PIB poderá ser entre 3 a 4 pontos percentuais menor no cenário de despesa congelada, face ao cenário de cortes mais acentuados.
Em qualquer dos cenários Portugal deverá chegar a 2016 com um rácio Dívida/PIB perigosamente próximo dos 140%, um desemprego acima dos 17,5%  e um PIB abaixo do registado em 2007.  
É possível um caminho em que o Desemprego aumenta menos, a economia começa a recuperar mais depressa, e o rácio Dívida/PIB se mantêm mais baixo. É importante escolhe-lo para relançar a confiança interna e o investimento e para consolidar a confiança internacional, que hoje olha com muito mais preocupação para o rácio Dívida/PIB e para a falta de crescimento que o permita estabilizar, do que apenas para o défice público.


(1)    Anja Baum, Marcos Poplawski-Ribeiro, e Anke Weber (2012). Fiscal Multipliers and the State of the Economy, IMF Working Paper WP/12/286, Dezembro de 2012

5 comentários:

  1. Concordando em abstrato com as ideias apresentadas, essa opção implica um aumento em valor absoluto do défice de 8 mil milhões (na realidade, provavelmente mais), que terão de vir de alguma parte (do mercado diretamente ou de um empréstimo adicional da troika/segundo resgate). O mercado estará disposto a emprestar esse valor a taxas aceitáveis? A troika estará disposta a aceitar financiar esse valor adicional sem exigir contrapartidas que limitem o seu risco futuro (i.e., mais medidas de austeridade)?

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  2. Acho um pouco estranho o valor do défice para 2016 ("Congelando as despesas o défice em percentagem do PIB em 2016 seria superior a pouco mais de 1 ponto percentual face ao cenário do Governo"). Há uns tempos fiz um exercício semelhante, e nas minhas contas o défice num cenário sem medidas de consolidação facilmente 'espiralava' para fora de controlo: se no primeiro ano a diferença entre a opção 'austeritária' e a 'no policy change' era de apenas 1,5/2 p.p. de défice no PIB, dois anos depois a diferença já era de 4/5 p.p. de PIB (em parte, mas não só, pelo efeito que a dívida nominal adicional tinha na despesa pública com juros).

    Esta situação, a verificar-se, exacerba o problema identificado no comentário anterior: obriga a um financiamento adicional muito grande e deixa os credores 'reféns' de um país que chega a um período posterior com um défice enorme por tapar.

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  3. Caro Pedro
    O cenário base que considerei foi o de congelar a despesa face à redução proposta pelo Governo, que em 2015 não era muito diferente de congelar a despesa (considerava apenas uma redução de 700 M. Euros). Admiti um cenário de crescimento moderado na UE em 2014 a manter-se até 2016.
    A diferença de défices que considerei é mais reduzida porque estou a considerar os efeitos recessivos e o efeito dos mesmos na não redução do défice (no caso de forte corte da despesa).
    Num cenário de crescimento económico moderado (1-2% real, 3% nominal) o congelar da despesa conduz à consolidação orçamental, quer por aumento da receita (que pode subir mais do que proporcionalmente, tal como desceu mais do que proporcionalmente), quer até por redução de prestações sociais - pois no contexto em que estamos a manutenção do nível de desemprego implica uma redução das prestações com o subsidio de desemprego, uma vez que muitos desempregados estão a perder o seu direito e a assistir a reduções das prestações. Isto aconteceu entre 2005 e 2007, em que o congelar da despesa (houve alguma redução da despesa, mas houve mais um congelar da despesa), conduziu a uma diminuição da despesa no PIB, que em conjunto com um aumento moderado da receita (metade veio do aumento da economia a outra de aumentos de taxas) reduziu o défice de 6 para menos de 3% do PIB.

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  4. O Manuel Cabral pode disponibilizar a folha de cálculo utilizada para chegar a estes resultados?

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  5. Caro Manuel,

    As simulações que fiz também levam em conta esses dois efeitos (receita fiscal + subsídio de desemprego - os 'efeitos «coice»' da austeridade, chamemos-lhe assim), daí ter estranhado a diferença entre os dois resultados. Uma possibilidade, que presumo que possa explicar pelo menos uma parte da discrepância, é o 'factor preços'. Nas minhas contas, assumi que os preços continuam a evoluir de forma 'normal' num cenário de austeridade, aumentando o PIB nominal (do qual depende a receita fiscal) e contribuindo assim para mitigar o 'efeito coice'.

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