quinta-feira, 24 de setembro de 2015

António Costa pergunta, eu respondo e faço mais perguntas

Em reacção à notícia de ontem sobre o défice de 2014, que teria ficado nos 7,2% devido à capitalização do Novo Banco, António Costa fez uma série de perguntas. Eu imagino que fossem questões retóricas, mas vou responder-lhes. E começo por dizer que me aflige que alguém que pretende ser Primeiro Ministro daqui a umas semanas - e que possivelmente sê-lo-á - conheça tão mal as normas que compõem a governação económica da União Europeia. Eu sei que aquilo é complexo, mas não precisa de entrar nos detalhes técnicos para evitar as asneiras que tem dito. E se não é ignorância de uma matéria fundamental, trata-se de profunda desonestidade intelectual, o que é pior e ainda mais aflitivo.

Convém lembrar que, com ou sem Novo Banco, o défice reportado havia sido de 4,5%. Talvez deva esclarecer que 4,5% é superior a 3% e que 3% é o valor de referência para uma situação de défice excessivo. Mas um défice acima de 3% não é automaticamente considerado excessivo; ele será tolerado se for tido como excepcional e será considerado excepcional se, por exemplo, resultar de um evento pontual. Como é o caso. E como foi o caso dos submarinos, sim, que (felizmente!) não era despesa estrutural. Portanto, não há buraco para explicar na Alemanha ou em Bruxelas. Pelo menos, por agora. Daqui decorre que não são necessárias medidas adicionais - os sugeridos cortes nas pensões ou o aumento de impostos - para corrigir a situação. Mas pergunto eu: se o PS acha que elas são necessárias e se pretende ser governo, que poupanças extra se propõe fazer? Já pediu António Costa ao grupo de economistas que refaça as contas? E que contas lhe apresentaram eles?

Por outro lado, quem me pareceu ter durante os últimos tempos sugerido que o défice é mero problema contabilístico, uma coisa de regras europeias, foi o PS. Talvez tenha agora percebido que não. Talvez tenha compreendido que, com ou sem Tratados, défices constantes significam necessidades de financiamento e que é complicado um país estar constantemente a endividar-se, sobretudo se cresce ridiculamente pouco. A este respeito, posso tranquilizar António Costa: o dinheiro que foi emprestado ao fundo saiu da parte da tranche da troika destinada à recapitalização da banca. Ou seja, era dinheiro de que já dispúnhamos, pelo que não se traduz num aumento da dívida, e que não foi desviado de outro qualquer uso.

Aqui, Passos Coelho também fica mal na fotografia. Quando vem apresentar este empréstimo ao Fundo de Resolução como um negócio vencedor, surgem-me as duas hipóteses que acima coloquei: ou ignora os factos ou não é intelectualmente honesto. Repito: são ambas más alternativas, mais grave a segunda. Recuperemos as declarações da Ministra das Finanças a 4 de Agosto do ano passado: "A taxa de juro corresponde ao custo de financiamento do montante que temos reservado para a estabilidade financeira, a chamada linha da 'troika'. Neste momento, o custo daqueles 6,4 mil milhões é de 2,8% e sobre esta taxa incidirá um 'spread' de 15 pontos base, que é para a remuneração dos custos administrativos". Ou seja, não há ganho nenhum, porque o spread é para compensar os custo administrativos. E, se bem se lembram, a justificação para não haver prémio de risco é que não havia risco. Algo que já percebemos que não é exactamente assim. Ou melhor, na exactidão até é, porque o Estado não corre risco, corre-o a Caixa Geral de Depósitos, que é do Estado. É mais ou menos como alguém dizer que não dormiu com a vizinha do lado, porque, na verdade, esteve bastante acordado com ela...

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