domingo, 27 de setembro de 2015

Normalidade

Como eu lido com estatística, passo muito tempo a pensar nesta coisa da normalidade. Às vezes, tenho a clara noção de que nada na nossa vida é normal. Nada na nossa vida--nós que vivemos em países ditos avançados--é normal! O normal seria termos vidas muito piores do que as que temos e provavelmente nem termos noção da verdadeira disparidade entre os que têm e os que não têm.

Eu nunca tinha sido confrontada com tanta diversidade de nível de vida como em Houston; mas, mesmo assim, nos EUA, basta ouvir alguns do programas da National Public Radio, como o Morning Edition, o All things Considered, ou o This American Life, para ouvirmos histórias das mais macabras e surreais do que se passa no mundo e nos EUA.

Por vezes, estaciono o carro e estou a meio de uma história e não consigo desligar-me. Fico no carro, choro, limpo a cara, e certifico-me que a maquilhagem não está esborratada antes de sair. Limpo a cara e tento arranjar força para entrar na minha normalidade, a tal que é a coisa mais anormal para a maioria de pessoas no planeta, a tal que toda a gente espera que eu viva.

Hoje à tarde foi assim. No All Things Considered de hoje deram uma história acerca de um refugiado da Síria. Ele saiu de lá há vários anos porque pressentiu a desgraça. Mas agora vive sabendo que não tem nada: não tem país para onde regressar, não tem normalidade, não tem expectativas do que pode ser o futuro...

A certa altura da história ele fala da mãe dele, que foi morta por uma bomba na Síria. Diz ele que ainda tem o número de telefone dela no seu telemóvel. Eu sei exactamente o que isso é. Quando a minha mãe morreu, todos os números de telefone dos hospitais onde ela tinha estado estavam no meu telefone. Estava tudo tão perto de mim, como se eu lhe pudesse falar a qualquer altura, e tudo tão longe. E eu pensava que nesse período, bastava ver a minha conta de telefone para saber exactamente a história da minha vida.

Na história de Khaled Alkojak, ele fala a Primavera Árabe, de estar em pensamento com quem se manifestava nas ruas, mas também de ter medo e esperar que as coisas corressem bem. E depois fala de como tudo correu mal para o país. Eu penso nessa possibilidade, que em Portugal tudo também podia ter corrido mal depois do 25 de Abril: as escolas que eu frequentei, as oportunidades que tive, tudo aquilo que eu vivi--tudo isso foi emprestado, nada no universo garantia que tivesse de ser assim. Mesmo mais recentemente, a vinda da Troika: as pessoas pensam que foi duro, mas comparado com o resto do mundo não foi tão duro como poderia ter sido.

Penso nas nossas eleições que se avizinham e no que acontecerá depois delas--não há nada que nos garanta que as coisas ficarão como estão. Podem ficar muito piores porque, apesar de tudo, o normal de Portugal não é tão mau como o normal de muitos outros sítios...

Coisas na história do Khaled que me impressionaram:

  • "I want freedom to my country. I want to be open, like Europe, like United States, like any country."
  • "I don't accept to join any military. I don't accept to kill someone. That I believe, so I find the best thing to do is to leave the country."
  • It was also there that Alkojak got a call from his brother: Back in Syria, their mother had been killed in a bombing.
    "He tried to hide this from me. He didn't want to make it worse in detention," Alkojak says. "But I like feel it in my heart. I tell him, 'Tell me, I know somethings happened,' and he tell me, 'Just be patient: Your mom passed away.' "
    He still has his mother's phone number on his cellphone. He says that to this day, he still has trouble accepting her death.
  • "It's hard," he says. "What happened to Syria is not fair."
  • "I hope to continue my life like anyone else. But what can you do?"

2 comentários:

  1. Obrigada, Rita. Vale muito a pena acompanhar a página do Facebook Humans of New YorK, que além de pessoas de Nova Iorque viaja muito pelo mundo e está, agora, a apresentar casos de refugiados. https://www.facebook.com/humansofnewyork?fref=ts. Um bom domingo!

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  2. Obrigada, eu! Sim, ontem encontrei a página deles. Algumas das histórias são muito tristes.

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