Elizabeth Siddal foi uma supermodelo que inspirou a parte mais importante das obras com interesse dos pré-rafaelitas. Gabriel Rossetti foi por sua vez um dos mais inspirado dos pré-rafaelitas, e manteve com a Elizabeth uma relação conturbada de doze anos, que viria a culminar com o suicídio dela com uma overdose de opiácios (tese que o Oscar Wilde viria a desafiar, sugerindo que foi Rossetti que a matou).
No início da relação, em 1850, Rossetti começou a pintar um quadro que só viria a terminar praticamente no fim da relação com Elizabeth. Este dado é curioso – Rossetti foi um dos pintores mais produtivos dos pré-rafaelitas. Completou várias dezenas de quadros de Elizabeth e, quando estava apertado de dinheiro, pintava como se não houvesse amanhã. No entanto, demorou dez anos a terminar este quadro particular – um quadro aliás bastante medíocre, quando comparado com todos os outros que o tornaram famoso, e que hoje está literalmente escondido num museu em Cambridge (tem de se fazer marcação para poder vê-lo, numa cave). O quadro representa o próprio casal a encontrar-se consigo mesmo. Passeando num bosque, Rossetti e Elizabeth dão de caras com duas pessoas iguais em tudo a eles próprios, e têm uma reacção meio aparvalhada: ele desembainha a espada, sem que se perceba se é para atacar ou se defender; ela perde os sentidos.
Olhando para o futuro, a partir de quando começou a ser pintado, ou para o passado, a partir de quando foi terminado, este quadro faz igualmente sentido. A partir do 1850, olhando para a frente, poderia refletir as ansiedades da paixão e as suas milhentas contradições – se for verdade que nos apaixonamos pela nossa imaginação do outro, e não por ele mesmo, o maior medo deve ser darmos de caras com a realidade. A partir do 1860, olhando para trás, refletiria o imenso choque perante o que falharam em se tornar – ela, que tinha o talento suficiente para ser patrocinada pelo crítico de arte mais conhecido do século XIX, mas que nunca veio a criar nada de memorável (quem é que hoje sabe quem ela é?); ele, que a manipulou para a tornar vulernável e dependente dele, e acabou por carregar com o peso dela nos braços. Se calhar o quadro também faz sentido se olharmos para ele como uma premonição final, dado que Rossetti viria em falhar em proteger Elizabeth de si própria (se ela se matou), ou de ele mesmo (se Oscar Wilde tiver razão).
É uma obra tão maravilhosa como medíocre.
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