Parece que Merkel e Sarkozy, essa dupla fatal, já têm uma proposta para apresentar, na próxima sexta-feira, aos outros Estados-membros na cimeira “decisiva” sobre o futuro da União Europeia. Haverá até ao final de Março novos tratados, que reforçarão, como agora por aí se diz, a “governança” económica – leia-se: serão reforçados os poderes dos grandes, em especial, claro, da Alemanha, e as sanções aos Estados infractores serão ainda mais duras.
No final dos anos 1930 e princípios dos 1940, falava-se muito em “nova ordem”, uma nova Europa que resultaria da vitória dos nazis sobre os aliados. Hitler, pelos vistos, nunca precisou a configuração dessa nova Europa, onde a Alemanha, obviamente, mandaria. A maior parte dos pormenores que então emergiram sobre o assunto eram de índole económica. Por exemplo, Walter Funk, ministro da economia alemão, em Julho de 1940, falou sobre a necessidade de consolidação política da Europa, único meio de gerar uma “intensificação” de toda a vida económica no espaço vital europeu, O mesmo Funk diria também na altura que era uma “loucura a autarcia excessiva na qual todo o país pequeno deseja fabricar tudo, desde o botão até à locomotiva pesada.” (in Filipe Ribeiro de Meneses, Salazar, uma Biografia Política).
Não há consenso sobre a posição de Salazar relativamente a essa “nova ordem”. Uns vêem inclinações favoráveis no ditador português – é o caso, por exemplo, de Miguel Loff. Outros, pelo contrário, consideram que Salazar não desejava de todo a vitória alemã, temendo precisamente as consequências dessa nova ordem. No fundo, esta divisão tem a ver com a velha discussão sobre se Salazar e o Estado Novo foram ou não fascistas, questão que agora não nos interessa.
De qualquer maneira, atente-se no que o ditador de Santa Comba Dão escreveu, em Setembro de 1941, a Gonzague de Reynold, um intelectual ultraconservador suíço, reproduzido no livro de Ribeiro de Meneses:
“Não falando em que, além da organização ou ordenação económica da Europa, há muitas outras coisas de tanto ou maior valor – a independência, a personalidade nacional, a cultura, a liberdade, a religião – e restringindo-nos apenas ao plano económico, eu tenho muito receio de que esta nova Europa não seja mais do que a exploração organizada dos países agrícolas pelos países super-industrializados, na hipótese, principalmente, a Alemanha.”
Moral da história? Passados 70 anos, a Alemanha está a concretizar, por outros meios, aquilo que alguns sempre desejaram e muitos sempre recearam.
Salazar era um ultra conservador ultra desconfiado.
ResponderEliminarSe ele desconfiava dos portugueses por maioria de razão desconfiava dos alemães, e de todos os
outros.
Há quem diga que o homem se manteve tanto tempo no poder precisamente por ser "ultra desconfiado". O mesmo argumento se aplica a Franco - e provavelmente a todos os ditadores de "longa duração". Franco era galego e ainda hoje se diz em Espanha que quando encontramos um galego a meio de uma escada é difícil perceber se está a subir ou a descer.
ResponderEliminarHá quem diga que o homem se manteve tanto tempo no poder precisamente por ser "ultra desconfiado". O mesmo argumento se aplica a Franco - e provavelmente a todos os ditadores de "longa duração". Franco era galego e ainda hoje se diz em Espanha que quando encontramos um galego a meio de uma escada é difícil perceber se está a subir ou a descer.
ResponderEliminar«a Alemanha está a concretizar...»
ResponderEliminarFoi a Alemanha que planeou e executou o nosso endividamento, a nossa má gestão?
Não, em relação ao endividamento e à má gestão só nos podemos queixar de nós próprios. A Alemanha está é colocar-se numa posição que Hitler e Gulherme II sempre tentaram à força e, como se sabe, não conseguiram. Mas, atenção, não quero alimentar qualquer preconceito contra a Alemanha que penso não ter nada a ver com a de há 70 ou 100 anos. Só acho é que esta História vai correr, infelizmente, outra vez mal. Além da falta de democraticidade com que se está a querer resolver o actual problema da UE, não acredito que toda a gente na Europa vá aceitar passivamente as imposições da Alemanha quando as coisas derem realmente para o torto.
ResponderEliminarParece-me que a Alemanha se limita a fazer o seu papel. Senão, façamos o exercício de nos colocarmos no lugar dela e imaginar qual seria a nossa posição sobre esta crise. Ou colocando o problema de outra perspectiva: poderia a Alemanha ser acusada de fazer o que pretensamente está a fazer, numa conjuntura de ausência de crise financeira/económica europeia? Com estabilidade/crescimento em todos os países da Europa, qual seria a estratégia da Alemanha para concretizar o seu pretenso plano hegemónico/expansionista/colonialista(?)?
ResponderEliminarEu também não sou germanófilo; mais depressa seria anglófilo mas, parece-me, que culpamos insistentemente o médico e a terapia e esquecemos a leviandade que nos conduziu à doença. Nós errámos, mas duvidamos da seriedade das intenções dos outros? Com que balança julgamos essas intenções e acções; com a nossa? E a nossa balança é minimamente credível?
Quanto à ciclicidade em História, ela não existe de per si, não é uma fatalidade nem uma imposição do demiurgo. Resulta, sobretudo, da falta de racionalidade e da consequente repetição de erros. Hoje, acho que os grandes culpados da História não são tanto os protagonistas, pela sua dinâmica, mas os anódinos, pela sua apatia.
Mas é como diz, a História volta a reunir as condições para tudo voltar a correr mal. Mas isso acontece mais por nossa culpa do que por culpa dos alemães, ou não será assim José Carlos Alexandre?
Desculpe-me esta divagação, mas olhe que os pontos de interrogação que uso expressam mais as minhas dúvidas do que uma retórica irónica.
Francisco, considero bastante pertinentes as suas interrogações. Aliás, a Alemanha nem desejava o euro. Como é sabido, foi uma troca que fez com a França para poder realizar a reunificação. Foi a primeira vez na história que se avançou para a criação de uma moeda sem a existência prévia de uma união política, que agora muita gente anda por aí a reclamar. Também não me parece que tal seja viável: alguém imagina um candidato sueco a fazer campanha em Portugal para as eleições Presidenciais na União Europeia? Resumindo: a criação do euro foi um erro crasso. Portanto, se quisermos procurar culpados pela actual situação, podemos começar por aí, pelos líderes que conceberam este projecto utópico. Também me parece que os alemães não têm na manga nenhum projecto imperial ou de hegemonia - antes ou depois da crise. Simplesmente, como diz, “a História volta a reunir as condições para tudo voltar a correr mal” , com a Alemanha (voluntária ou involuntariamente) ao leme de um barco que está a ir ao fundo.
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