ACERCA DA ARTE DA ESCRITA LITERÁRIA
UM MODO DE ARREDAR A VERBORREIA ECONÓMICA
QUE NOS TEM DADO CABO DAS ESTATÍSTICAS MENTAIS
Cristóvão de Aguiar
Ao embrenhar-me
há dias na leitura de um texto que serviu de padrinho de baptismo a um livro
meu, fiquei com a sensação de que um escritor, como eu, pouco sabe acerca do
que lhe sai da pena, ou da tecla, ou da imaginação, ou da memória afectiva, ou
de todas elas congregadas… Quem se dedica à escrita vai sulcando a página ou
a pantalha do computador com mais ou menos lenteza, com mais ou menos fadiga
suada, epónimo da romântica inspiração…
A
actividade escritural requer entrega e muito esforço. O escritor escreve sem
cuidar se uma frase necessita de uma metáfora, de uma hipálage, ou de outra
qualquer figura de estilo… Já imaginaram Camões, no acto de escrever os Lusíadas,
pensar de si para consigo: “Agora tenho de incluir uma sinédoque neste verso:
por exemplo, Ocidental Praia Lusitana,
em vez de Portugal, sempre fica mais profundo e neste momento não me ocorre
nenhuma rima em al, além de que estas malas-artes poderão vir a consumir as
cabecinhas dos futuros alunos do quinto ano do Liceu antigo, sempre que o
professor mandava interpretar as estâncias ou dividi-las em orações…”
A Camões
não poderia ocorrer tão maus pensamentos, palavras e obras. Aconteceu que essas
malas-artes nasceram a partir da escrita, assim como a anatomia surgiu muito
depois do corpo humano. Compete, portanto, ao bom crítico hermeneuta ir
desvendando as malhas com que se tece a escrita, conscientizar o que porventura
pertencia ao reino do inconsciente, traçar as linhas que conduzam a uma melhor
compreensão do texto, para que também o escritor possa entender e descobrir
alguns dos nexos e associações com os quais nem sonhara no acto da criação.
Foi o que senti ao ler o texto da apresentação
concebido por alguém que conhece muito bem as ferramentas que modelam a
escrita, para que ela se estenda em face dos olhos com outros pormenores que
iluminam uma perspectiva diversa, não visível a olho nu. E assim, de achega em
achega, se vai construindo uma interpretação cada vez mais aproximada de um
texto literário, sempre em busca de uma exegese que nunca se alcança, e ainda
bem que não… Só os políticos cuidam que o conseguem, mas afundam-se!
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