O mundo, neste momento, divide-se entre os que cultivam a esperança e os que se entregam à loucura. Pragmatismo e cabeça fria valem ouro, dada a sua raridade.
Fui completamente apanhada de surpresa, ontem, quando um amigo meu me disse que tinha estado a falar com a família em Portugal a despedir-se por causa do ataque à central nuclear. Talvez a memória seja curta, mas quando tivemos a explosão em Fukushima (2011), aprendemos que os efeitos, apesar de maus, não seriam tão gravosos quanto se pensava.
Mas e Chernobyl (1986), perguntam vocês, que até foi na Ucrânia? Esse sim, foi muito mau, mas aconteceu antes da queda do muro de Berlim, quando o que se passava na USSR ainda estava envolto em nevoeiro. Depois, por ter sido tão mau e por quem ter sofrido mais terem sido os ucranianos, sabemos que estes tomaram medidas de segurança para que a história não se voltasse a repetir. Os ucranianos têm memória longa, já aqui falei sobre isso em 2016. Mesmo assim, o resto do mundo -- que inclui Portugal -- tem obrigação de ajudar os ucranianos com coisas mais concretas do que posts esperançosos no Instagram e Facebook.
Há um completo vazio de liderança política em Portugal, apesar de termos tido eleições um mês antes do início da invasão e da clara predilecção dos portugueses por bazucas. António Costa está MIA, como é normal sempre que as coisas vão para o torto. Marcelo preocupa-se em oferecer telefonemas de afecto ao presidente russo, o que lhe garante cobertura de primeira página. Rui Rio, que teoricamente é o líder do maior partido da oposição costuma deferir para António Costa porque, por admissão própria, é incapaz de oferecer melhor.
Nos partidos minoritários da Esquerda portuguesa, o PCP acusa os EUA de serem a causa do problema -- quem lê o que os comunistas escrevem pensaria que foram os americanos que anexaram a Crimeia em 2014. O Bloco de Esquerda, que normalmente é a cúspide do humanismo em Portugal, absteve-se da votação ao empréstimo à Ucrânia no Parlamento Europeu. Com amigos destes, ninguém precisa de inimigos.
Portugal que tem uma posição geográfica privilegiada entre os EUA e a Europa comporta-se como se fosse completamente irrelevante no plano estratégico mundial. Povo desnaturado, que nem em situações da maior gravidade se sabe erguer e lutar por uma causa nobre.
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