sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

2012

Os autores d'A Destreza das Dúvidas desejam a todos os seus leitores um próspero ano de 2012.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Ficar (em casa) ou partir para bem longe

As empresas estão asfixiadas com impostos e burocracia. Os bancos não têm dinheiro. O Estado é um buraco negro.

Nada disto parece incomodar quem anda por aí a exigir crescimento económico. Como se fosse possível uma economia crescer quando não há dinheiro para investir. Esta gente não vive neste mundo.

Posto isto, vejo duas opções racionais para os portugueses em 2012. Ficar em casa a poupar, esperando que a tempestade passe. Ou partir para bem longe (da Europa), fugindo ao empobrecimento a que Portugal está condenado nos próximos tempos.

Céus empestados

Garanto que se fosse mais novo e mais rico do que desgraçadamente sou, emigrava já hoje para a América. Não por cobardia – pois os tempos não podem prejudicar-me pessoalmente mais do eu a eles – mas por uma aversão avassaladora à podridão moral que, para empregar a frase de Shakespeare, empesta os céus.

O poeta Joseph von Eichendorff a um correspondente, 1 de Agosto de 1849 (reproduzido em A Era do Capital de E. J. Hobsbawn)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

À beira de um ataque de nervos

O Álvaro está mortinho por revolucionar Portugal. Já perdi a conta ao número de vezes que anunciou a revolução ou, mais modestamente, reformas estruturais. A última foi à saída de mais uma reunião da concertação social.

Existe uma “urgência da competitividade” e uma “urgência de reformar” porque Portugal não pode esperar mais e “estamos a chegar a um momento da verdade”, explica-nos, pela 1 437.ª vez, o Álvaro.

A tensão aumenta, o suspense adensa-se, o “momento da verdade” aproxima-se, não podemos esperar mais. Qual é afinal a ideia: reformar Portugal ou dar-nos cabo dos nervos?

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A energia não tem pátria

Afinal, de nada serviram as “cunhas” da Sra. Merkel. Os chineses ficam com 21,35% da EDP.
A Three Gorges vai pagar pela fatia a módica quantia de 2,69 mil milhões de euros.

Estou-me nas tintas se os chineses passam a mandar na EDP. O capital não tem pátria. Marx explica.

Antiamericanismo

Não sei donde vem o antiamericanismo e, sobretudo, a ideia abstrusa de que os americanos são uma cambada de ignorantes. Nunca percebi como é que uma cambada de ignorantes pode ser acusada de criar uma “cultura global”. É um bocadinho contraditório, não?

Na Europa, estas “ideias” aparecem hoje mais associadas à esquerda. Em abono da verdade, boa parte da direita sempre partilhou este tipo de preconceitos. Em 1941, escrevia João Ameal, um historiador e importante intelectual orgânico do salazarismo:

“Quando oiço apregoar com admiração as virtudes americanas, tenho um arrepio”. “Tenho pouco apreço por aquela gente e a sua civilização. Deu-me sempre a impressão de um grande bando de selvagens na posse de inventos extraordinários.”

Isto faz algum sentido? Como é que um “bando de selvagens” pode conceber “inventos extraordinários?

Também não é para entender. O antiamericanismo, na Europa, teve sempre pouco a ver com a razão.

A decrepitude da Europa segundo J. S. Silva Dias

Na sequência do post anterior, deixo aqui um naco de prosa do então jovem Silva Dias sobre o velho (novo) problema da decrepitude da Europa:

A Europa “está condenada a deixar de ser a cabeça política do universo” porque “ deixou de ser o centro económico do mundo e este se dividiu ou tende a dividir-se em grandes espaços”. “A Europa era o Ocidente e o Ocidente afigura-se uma noção cultural que emigrou”. (O Problema da Europa, 1945)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

É como aprender a nadar

Li algures uma história contada por Amadeu Carvalho de Homem sobre o seu “mestre” Silva Dias (1916-1994).

Estava Carvalho Homem a dar os seus primeiros passos como investigador e sentia-se “impotente”, não havendo “meio de sair um artigo digno de tal nome”. Decidiu então, desesperado, pedir ajuda ao mestre, tendo-lhe perguntado: “Numa palavra, como é que se investiga, senhor Doutor?”. O sábio respondeu: “Ora essa, Carvalho Homem; saber investigar é como aprender a nadar. A pessoa lança-se à água e esbraceja, esbraceja, até lhe apanhar o jeito. Quando tal acontece, essa pessoa fica a saber nadar.”

Meio aturdido, Carvalho Homem insistiu: “E se a pessoa esbracejar, esbracejar, voltar a esbracejar, e mesmo assim não aprender a nadar?”. A réplica de Silva Dias foi taxativa: “Se não aprender a nadar, não há novidade. Afoga-se. Tem a sorte que merece, não acha?”

Como podemos ser felizes?

Numa festa, toda a gente dança e se diverte, menos um socialista revolucionário, cabisbaixo, Isolado num canto. Uma rapariga aproxima-se e pergunta-lhe se ele não se quer juntar ao grupo. E, com o ar mais sério do mundo, o homem responde: como posso eu ser feliz se a Polónia sofre? Lembro-me de ler esta cena num dos livros do Eça de Queiroz – penso que em A Capital.

Certas personagens da vida pública nacional sugerem-me o socialista revolucionário do Eça, em especial o Francisco Louça. Louçã parece carregar todas as desgraças do universo. E sofre. Sofre muito. Coitado.

Strauss-Kahn sem taras

Taras sexuais à parte, Dominique Strauss-Kahn até parece um tipo sensato.

Uma empresa chinesa de internet, com certeza pouco impressionada com as façanhas sexuais do homem, convidou-o para falar de economia. E o Dominique não desiludiu. Comparou o euro a uma jangada à deriva – reparem bem na metáfora: uma jangada, o mais frágil dos transportes marítimos.

Isto vindo do ex-director do FMI é bem capaz de ter deixado algumas pernas a tremer. A começar pelas da Sra. Merkel.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O único gordo num país de famélicos

Morreu o “Querido Líder”, Kim Jong-il, filho de Kim Il Sung, o fundador da pátria.

Relata-nos a imprensa que milhares de norte-coreanos choram a morte do “Querido líder”. São, claro, lágrimas de crocodilo. Mais vale chorar do que ir parar ao gulag. E motivos não lhes faltam para chorar copiosamente.

Sucede-lhe o seu filho Kim Jong-un. Ninguém sabia da sua existência até há um ano. Foi apresentado ao mundo como o “Comandante brilhante”. Prefiro o título que outros lhe concederam: “o único gordo num país de famélicos”. Parece-me mais ajustado à realidade da Coreia do Norte, um país sobre o qual Bernardino Soares tinha dúvidas de que não fosse uma democracia. Lembram-se? Será que o Bernardino também chorou?

A Rihanna não nos conhece

Um dos mitos nacionais é que não somos um povo racista, ao contrário de espanhóis, ingleses, franceses, alemães, etc. Não vou agora discutir isso, que, diga-se de passagem, não me parece ter qualquer sustentação histórica ou empírica.

Mas episódios como este com a pop star Rihanna num hotel em Lisboa não ajudam nada a vender lá fora essa imagem que temos de nós mesmos. E logo agora que precisamos tanto dos nossos amigos angolanos.

Bem, pode ser que o “cabrão racista” não seja português. Infelizmente, a notícia não específica.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Vacas sagradas

Poucos animais despertarão tantos orgulhos nacionais e regionais como as vacas. É como se cada povo se quisesse afirmar pela sua vaca. E a verdade é que este orgulho pela vaca atravessa continentes. Na América do Norte, a vaca é tão importante que os vaqueiros se tornaram figuras míticas do cinema, os famosos cowboys, cheios de sex appeal e de outras qualidades invejáveis.
Na América Latina, quer os argentinos quer os brasileiros têm a mania de que as suas vacas são as melhores do mundo. Quando, há dois ou três anos, visitei a Austrália, verifiquei que também os australianos consideravam as suas vacas melhores do que as outras. Chegava-se ao ponto de as embalagens dos hambúrgueres do McDonald’s trazerem uma garantia, certificada com fotografia do rancheiro, de que a carne bovina era 100% australiana. Agora, de visita de trabalho a Londres, descubro que também os ingleses exibem em diversos restaurantes o orgulho de confeccionarem os seus pratos com vaca 100% inglesa. Quase que nos esquecemos que as vacas loucas nasceram aqui.
Mas os portugueses não ficam atrás neste orgulho. Qualquer pessoa que vá ao Minho é obrigado a comer uma posta barrosã. Temos um presidente que exalta, com orgulho, o sorriso das vacas açorianas. Mas, nos Açores, este sentimento de orgulho pela vaca não é universal. Na ilha Terceira era costume dizer que só havia vantagens em ter os americanos na Base das Lages. Diziam os terceirenses que os americanos só tinham trazido coisas boas para a ilha. E, como bónus, tinham levado as vacas lá com eles para América. Enfim, umas más-línguas. Razão têm os indianos, que sacralizaram as suas vacas.

É a política...

Volta e meia lá temos de ouvir aquela frase estafada: “os portugueses são um povo que não se governa nem se deixa governar”, ou coisa que o valha, atribuída a um romano qualquer, referindo-se o homem provavelmente aos lusitanos, uma vez que o Afonso Henriques ainda não tinha nascido.

Não saberão estes sábios que existem frases do mesmo género em muitos outros países? Lamento, mas não somos assim tão especiais.

Dá-me impressão é que esta gente não se dá muito bem com a coexistência de diferentes ideias, visões, projectos e vontades sobre como se deve organizar o país – um dos sentidos de “polis” que vem dos gregos. E como, em cada comunidade ou sociedade, existem pessoas e grupos com diferentes perspectivas, é inevitável a luta pelo poder.

A isto chama-se política - no sentido que lhe dava, por exemplo, Max Weber - e, por isso, esqueçam lá o dito romano.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A ver navios

Os povos da Polinésia, adeptos dos “cultos da carga”, construíam faróis a fingir pensando que assim atrairiam navios carregados de mercadorias.

Em Portugal, também construímos um aeroporto a pensar nos aviões que aterrariam; auto-estradas (sem custos para o utilizador) para os carros que passariam; maternidades para os bebes que nasceriam; parques industriais para empresas que investiriam, etc. Ficámos, quase sempre, a ver navios.

Há quem pense que a solução é fazer mais faróis e os navios acabarão por vir. No fundo, se não estou a ver mal, é isto que anda a pedir a maioria dos fiéis do “culto do crescimento económico”: faróis. É uma questão de fé e, portanto, temos de respeitar.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A decadência política de Passos Coelho?

No início dos anos 1990, Passos Coelho era líder da JSD. Foi uma época marcada pelas lutas estudantis contra o aumento das propinas no ensino superior, que se cifravam em 1200 escudos/ano (equivalente a mais ou menos 6 euros), valor que vinha do tempo do Estado Novo. O governo de Cavaco Silva queria aumentá-las para, salvo erro, 40 000 escudos. Coutos dos Santos era o Ministro da Educação e o grande alvo das contestações.

O jovem Passos estava do lado dos estudantes – penso que foi aí que começaram as suas divergências com Cavaco. Curiosamente, ele usava a palavra “actualização”, ao contrário do desastrado Couto dos Santos que falava em “aumento” de propinas – ouvi um dia destes na rádio que o homem poderá ser candidato à Liga Portuguesa de Futebol, enfim, cada um tem o que merece. Esta pequena nuance entre “actualização” e “aumento” diz muito sobre a capacidade política dos dois homens.

É, por isso, estranho ver o Passos Coelho primeiro-ministro utilizar o termo “excedente” quando se refere aos 2 (na última versão já eram 3) mil milhões de euros a mais relativamente ao objectivo inicial de um défice público de 5,9% - repito: 5.9%. “Excedente” é uma palavra desastrosa, dada a situação calamitosa das finanças públicas e os esforços extraordinários que foram exigidos os portugueses.

Neste governo, sempre que um ministro abre a boca sai asneira. Há notórios problemas de comunicação – é no que dá escolher para ministros tecnocratas em vez de políticos. Se o primeiro-ministro começar também a engrossar o coro de disparates, não sei onde é que isto vai parar

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O problema das elites e uma folha A4

Ontem, o Pedro Lomba terminou o seu artigo do Público declarando: “Caros concidadãos: se me estiverem a ler em 2080, saibam que eram assim as elites do regime em 2011. A gente pedia ideias e em troca recebia uma folha A4 e o Hotel do Mar”.
Bastaria, de acordo com, respectivamente, Assunção Esteves e Freitas do Amaral, uma folha A4 e juntar os líderes europeus no Hotel do Mar para resolver o problema da União Europeia. Haja, pois, boa-vontade e boas condições de trabalho e tudo se resolve.
Pois, percebo a angústia do Pedro Lomba. Falta saber se teremos o problema resolvido em 2080.
Em 1938. queixava-se Salazar numa entrevista a António Ferro: “O nosso grande problema é o da formação das elites, que eduquem e dirijam a nação. A sua fraqueza ou deficiência é a mais grave crise nacional". Mas o ditador não desanimava: “Só as gerações em marcha, se devidamente aproveitadas, nos fornecerão os dirigentes – governantes, técnicos, professores, sacerdotes, chefes do trabalho, operários especializados – indispensáveis à nossa completa renovação.”
É claro que Salazar não foi o primeiro nem o último a queixar-se das elites. Muita gente antes e depois dele se queixou do mesmo.
Pelo que é legítimo perguntar: este problema tem solução? Pelo menos, estamos todos de acordo que não se resolve numa folha A4.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A inocência de Cavaco segundo um "génio"

João César das Neves (JCN) foi assessor económico de Cavaco Silva, salvo erro, entre 1991 e 1995. No final dos anos 1990, lembro-me de Cavaco o ter considerado um “génio” – o elogio veio a propósito de uma crítica a uma remodelação governamental qualquer de Guterres, que tinha o hábito de promover secretários de Estado a Ministro, coisa que ele, Cavaco, jamais tinha feito, mesmo quando teve à sua disposição um “génio” como JCN.

No seu último artigo publicado no DN, JCN mostra-se muito indignado com a “intelectualidade” indígena porque, imagine-se, deram agora para considerar que a origem da actual crise está “nas decisões de Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro.” “Será que faz sentido”, pergunta ele.

Para JCN, é claro que não faz sentido nenhum. Tal aberração tem como explicação o facto de termos “uma intelectualidade displicente que nunca se esforça por fundamentar com rigor as teorias que impõe por inércia”.

Como é evidente, Cavaco Silva não é único responsável da actual crise – nem nunca ninguém disse tal enormidade. Há muitas causas e muitos responsáveis. Todavia, como afirmou Vasco Pulido Valente recentemente numa entrevista ao Público, foi “Cavaco que empurrou o carrinho pela descida abaixo.” Em especial, na última parte da sua governação (1991-1995), precisamente quando terá contado com a assessoria económica de JCN - mas isso com certeza foi uma mera coincidência.

A título de exemplo, não foi Cavaco Silva que criou um sistema de promoções automáticas na função pública, cujas ondas de choque na despesa do Estado se fizeram sentir muito para além do inicialmente previsto? Não foi ele que criou o 14.º mês para os pensionistas? Não por acaso em 2005 Miguel Cadilhe, seu ex-Ministro das Finanças, o acusou de ser o pai do “monstro”.

Numa palavra, Cavaco Silva elevou as expectativas dos portugueses para níveis muito acima das possibilidades do país. E foi aí que começou o desastre. É verdade que os que vieram a seguir não emendaram os erros que vinham de trás, pelo contrário, agravaram ainda mais a situação. Só que nada disso iliba Cavaco Silva.

Sobre as decisões económicas do seu ex-chefe, JCN brande estatísticas sobre a produção das pescas, indústria e agricultura, no período em causa, para tentar provar que o problema não começou com Cavaco. E diz não perceber qual o “interesse que a Europa teria em nos arruinar.” A questão não é essa. Quando um governante faz opções, não pode, como é evidente, prever todos os seus efeitos, em especial a médio e longo prazo - pelos vistos, nem um “génio” pode. Enfim, e ao contrário do que reza a lenda, Cavaco Silva às vezes também se enganava.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Uma nova Europa?

Parece que Merkel e Sarkozy, essa dupla fatal, já têm uma proposta para apresentar, na próxima sexta-feira, aos outros Estados-membros na cimeira “decisiva” sobre o futuro da União Europeia. Haverá até ao final de Março novos tratados, que reforçarão, como agora por aí se diz, a “governança” económica – leia-se: serão reforçados os poderes dos grandes, em especial, claro, da Alemanha, e as sanções aos Estados infractores serão ainda mais duras.
No final dos anos 1930 e princípios dos 1940, falava-se muito em “nova ordem”, uma nova Europa que resultaria da vitória dos nazis sobre os aliados. Hitler, pelos vistos, nunca precisou a configuração dessa nova Europa, onde a Alemanha, obviamente, mandaria. A maior parte dos pormenores que então emergiram sobre o assunto eram de índole económica. Por exemplo, Walter Funk, ministro da economia alemão, em Julho de 1940, falou sobre a necessidade de consolidação política da Europa, único meio de gerar uma “intensificação” de toda a vida económica no espaço vital europeu, O mesmo Funk diria também na altura que era uma “loucura a autarcia excessiva na qual todo o país pequeno deseja fabricar tudo, desde o botão até à locomotiva pesada.” (in Filipe Ribeiro de Meneses, Salazar, uma Biografia Política).
Não há consenso sobre a posição de Salazar relativamente a essa “nova ordem”. Uns vêem inclinações favoráveis no ditador português – é o caso, por exemplo, de Miguel Loff. Outros, pelo contrário, consideram que Salazar não desejava de todo a vitória alemã, temendo precisamente as consequências dessa nova ordem. No fundo, esta divisão tem a ver com a velha discussão sobre se Salazar e o Estado Novo foram ou não fascistas, questão que agora não nos interessa.
De qualquer maneira, atente-se no que o ditador de Santa Comba Dão escreveu, em Setembro de 1941, a Gonzague de Reynold, um intelectual ultraconservador suíço, reproduzido no livro de Ribeiro de Meneses:
“Não falando em que, além da organização ou ordenação económica da Europa, há muitas outras coisas de tanto ou maior valor – a independência, a personalidade nacional, a cultura, a liberdade, a religião – e restringindo-nos apenas ao plano económico, eu tenho muito receio de que esta nova Europa não seja mais do que a exploração organizada dos países agrícolas pelos países super-industrializados, na hipótese, principalmente, a Alemanha.”
Moral da história? Passados 70 anos, a Alemanha está a concretizar, por outros meios, aquilo que alguns sempre desejaram e muitos sempre recearam.

domingo, 4 de dezembro de 2011

A eternidade cansa


Estava curioso por ver In Time, o último filme de Andrew Niccol, o realizador de Gattaca.

Em 1997, Gattaca passou despercebido em Portugal, não tendo tido sequer direito a ser exibido nas salas de cinema. Hoje, é um filme de culto. Num futuro não muito longínquo, num mundo asséptico, são concebidos, através de manipulações genéticas, seres humanos fisicamente perfeitos – o sonho dos nazis (e não só) tornado realidade. A perfeição, já se sabe, é um tédio que assusta.

In time está uns furos abaixo de Gattaca, mas vale o tempo. Desta vez, Andrew Niccol trata de outro mito: a juventude eterna. Num mundo, onde existe uma clara divisão de classes, os ricos podem comprar tempo e viver eternamente e os pobres, coitados, andam constantemente a contar o tempo que lhes resta. O tempo é literalmente dinheiro.
A eternidade cansa, diz dramaticamente um dos personagens. Acredito que sim. Como diz um velho ditado mexicano:
“Habitue-se a morrer
antes que a morte chegue
porque os mortos apenas podem viver
e os vivos apenas podem morrer.”

sábado, 3 de dezembro de 2011

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Uma declaração (exagerada) sobre a morte do capitalismo


“A economia liberal, que nos deu o super-capitalismo, a concorrência desenfreada, a amoralidade económica, o trabalho-mercadoria, o desemprego de milhões de homens, morreu já. (...) As instituições políticas correspondentes, sobretudo a democracia parlamentar, não tardarão a ter a mesma sorte.”

Quem disse isto? Marx, Lenine, Rosa Luxemburgo, Cunhal, Jerónimo de Sousa? Não, meus caros, foi Salazar em 1934.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O Outono Árabe?


O mundo está perigoso era uma expressão muito usada pelo Vasco Pulido Valente há uns anos. O mundo continua perigoso. Há 15 dias um partido Islâmico ganhou as eleições na Tunísia, onde a onda árabe começou. Muito democraticamente, tentaram impor a sharia. Os outros partidos não deixaram.

Por este andar, vai-se repetir a História da Argélia nos anos 90, quando os islâmicos chegaram ao poder após a queda da ditadura comunista. Os franceses, esses grandes paladinos dos direitos humanos, meteram-se ao barulho e a coisa descambou num banho de sangue. Parece-me que a Primavera Árabe já tem o Outono à espreita.

O futuro sem telemóveis


Revejo o Blade Runner de 1982. A acção decorre em 2019 em Los Angeles e não se vêem telemóveis. Ninguém os previu. Nem o Philip K. Dick.

domingo, 27 de novembro de 2011

Marialvas e Mariachis de braço dado

Também a música popular mexicana foi eleita património intangível da humanidade.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Um senão da revolução dos transportes


A revolução dos transportes encolheu o mundo. Aumentou a circulação de mercadorias, de pessoas e, principalmente, de ideias. Numa palavra, tornou as sociedades mais abertas.
Mas não há bela sem senão.

Há tempos um amigo elucidou-me sobre um “senão”.

Antigamente, os jovens iam para universidades localizadas nos grandes centros e só iam a casa dos pais uma vez por outra porque os transportes eram morosos. Hoje, não. Todas as sextas-feiras rumam para a aldeia ou povoação de onde um dia saíram. Isto tem consequências.

Antes, mesmo que com pouca frequência, ainda iam a uma exposição ou outra, ao teatro, ao cinema e, pelo menos, aproveitavam os fins-de-semana para dar umas voltas e conhecer “outros mundos”. Agora, não.

A semana é supostamente passada entre as aulas e os bares. Os horizontes culturais não se expandem e os jovens saem do ensino superior quase tão provincianos como quando lá chegaram.

É por isso cada vez mais frequente vermos jovens licenciadas perdidamente apaixonadas por mecânicos e canalizadores. Nada contra. Suspeito é que a coisa não vai correr bem.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Entrevista do nosso Fernando à Rosa Soares do Público

Público, 21 de Novembro de 2011
Fernando Alexandre, professor de Economia da Universidade do Minho, e coordenador do estudo A Poupança em Portugal, apresentado na semana passada em Lisboa, defende que quanto mais rigorosa for a informação a prestar às pessoas sobre a situação do país maior será a taxa de poupança. Nesse sentido, considera que seria útil dizer aos cidadãos que estão no activo e especialmente aos mais jovens que o seu rendimento vai cair drasticamente na reforma e o Estado social vai diminuir consideravelmente. E vai mais longe, defendendo que o modelo do subsídio de desemprego deve sofrer uma alteração profunda e o 14.º mês acabar definitivamente para as reformas acima de 1500 euros mensais.

Como é que é possível poupar quando as famílias estão a sofrer uma forte diminuição do rendimento?
É verdade que a redução do rendimento faz cair a poupança, mas isso não significa que a taxa de poupança diminua. Quando as pessoas tomam a decisão de poupar não têm apenas em conta o rendimento actual mas também a expectativa de rendimento futuro. Se as pessoas tiverem a expectativa de uma redução de rendimentos nos próximos anos, apesar da contracção da economia, conseguem alterar os seus modos de vida ou práticas de consumo e poupar mais. É muito provável que, mesmo com a contracção da economia, a taxa de poupança suba.


A taxa de poupança pode ter um crescimento da mesma ordem de grandeza do que é previsto para a queda do consumo, que é da ordem dos 5 a 6%?
Não, porque o rendimento das famílias também vai cair. Não é possível antecipar o crescimento da taxa de poupança. Acredito que vai crescer no futuro imediato, porque as pessoas percebem que os riscos aumentaram. Nas últimas décadas, uma das principais razões para as pessoas terem deixado de poupar foram expectativas demasiado optimistas. Apesar da estagnação da economia desde a adesão ao euro, as famílias acreditaram até muito recentemente que esse mau comportamento da economia era transitório. Os governos contribuíram para esse sentimento ao negarem por demasiado tempo a verdadeira situação em que as contas públicas se encontravam, bem como os possíveis prejuízos do elevado endividamento das famílias e das empresas.


Após um período de fortes restrições, os portugueses deslumbraram-se com o consumo? A taxa de poupança caiu de 24% (1985) para os 10% actuais, mas a taxa de consumo cresceu acima da média europeia...
O período de restrições que o país viveu, com duas intervenções do FMI, ajuda a explicar o crescimento do consumo a partir da década de 80. Mas também é a partir desta altura e principalmente depois da entrada para a Comunidade Europeia, que as expectativas das pessoas em relação ao futuro sobem. O Estado social alarga-se, garantindo reformas e ensino e serviços de saúde gratuitos. O desenvolvimento do sistema financeiro e a quase universalização do acesso ao crédito eliminou também a necessidade de poupar para fazer face a períodos de dificuldade ou para adquirir habitação ou bens como o automóvel. Estes factores conjugados conduziram de facto a um deslumbramento e a um aumento do consumo, relativamente ao rendimento, para níveis muito superiores aos da área do euro. Tudo isto foi possível porque os mercados internacionais partilharam deste entusiasmo e concederam-nos crédito. No fundo, podemos dizer que partilhamos das tendências internacionais que conduziram ao excesso de endividamento e à crise financeira internacional. A abundância de crédito foi uma das razões pelas quais Portugal viveu acima das suas possibilidades, uma frase muito repetida ultimamente, e que nos levou à crise actual.


E em relação ao crescimento do consumo é possível fazer uma redução sem baixar muito a qualidade de vida?
É possível, mas também tem de ser. Aqui entramos um bocado nas preferências de cada um, mas eu acho que é possível conseguir níveis de bem estar ou de felicidade eliminando o consumo de alguns bens, como trocar de telemóvel, de carro, ou de computador, sem um motivo forte, onde não pode entrar a desculpa de que saiu um novo modelo. Admito que nos agregados com menores rendimentos a situação é mais grave. Mas não deixa de ser estranho que a parte de rendimento que os portugueses alocam ao consumo só tenha paralelo com a Grécia e EUA.


Mas quando tomamos a decisão de não trocar de carro há um concessionário a fazer menos negócio... Isso não vai agrava a contracção económica?
Há sectores que vão necessariamente sofrer mais do que outros, como os concessionários, as agências de viagens, ou os restaurantes. Mas estes sectores estão precisamente entre os que mais cresceram nas últimas décadas, alimentados pelo endividamento. Confesso que no actual contexto, em que nos conseguimos financiar através da ajuda financeira dos outros países, me faz muita confusão que os portugueses, incluindo muitos reformados de rendimentos médios ou elevados, continuem a passar férias no Brasil ou nas Caraíbas. Não sei se os portugueses já perceberam que só temos gasóleo nos postos de abastecimento porque nos emprestaram dinheiro. A redução ou o adiamento do consumo de bens importados que não sejam de primeira necessidade é a melhor forma de reduzir o impacto da crise que estamos a passar no bem-estar das famílias. Desta forma limitava-se o crescimento do endividamento externo e reduzia-se o défice comercial. Não há alternativa ao corte de consumo, as opções são fazê-lo de forma voluntária e em bens supérfluos ou fazê-la de forma drástica e em todos os bens.


É por isso que defende informação rigorosa, incluindo a forte redução nas reformas futuras?
Defendo essa informação rigorosa, porque a decisão da poupança é tomada em grande medida pela expectativa de rendimento que se quer ter no futuro. Mas eu vou mais longe, e desde o início da crise defendo o corte definitivo do 14.º mês para as reformas acima dos 1500 euros mensais. Esse corte teria um efeito positivo na redução da despesa da Segurança Social, e representaria uma questão de justiça. É que as reformas actuais foram fixadas num período de expectativas demasiado optimistas e estão a ser financiadas por quem está agora a trabalhar e que vai ter um corte brutal no seu rendimento quando se reformar. Este sistema é injusto. É preciso criar um sistema de transição.


O corte do 13.º e 14.º mês para os funcionários públicos deve ser temporário?
Um dos salários deveria ser cortado de forma definitiva. Quando houver condições, os aumentos na função pública deveriam ser feitos com base no mérito. No entanto, o corte de dois meses, para muitas famílias, vai ser brutal.


O corte do 14.º mês ajudava a quebrar as expectativas de que o rendimento na reforma está garantido?
Fazia as pessoas aterrar. Ajudava-as a perceberem que, de facto, muita coisa mudou. Mas ninguém gosta de dar más notícias. A democracia é assim. É curioso verificar que dois terços do aumento da despesa pública foram decididos pouco antes de eleições. O último exemplo foi o aumento dos funcionários públicos em 2009. Nas últimas décadas, a política orçamental portuguesa tem sido uma aberração, e por isso chegamos à situação actual. Agora é preciso dizer às pessoas que o Estado social está a diminuir. Em relação à educação e à saúde tenho muito receio do impacto que esse corte pode ter na vida das pessoas e no bem-estar da sociedade em geral. Um modelo de saúde como o americano é assustador.


A crise actual também deve ser aproveitada para alterar o regime do subsídio de desemprego e criar uma Conta Poupança Desemprego?
Para além do momento é preciso vontade política para fazer essa alteração. Justifica-se que haja uma protecção do Estado para o desemprego, porque há inúmeras situações que o trabalhador não consegue controlar, mas o regime que existe actualmente tem efeitos perversos. A Conta Poupança Desemprego, tal como a propomos, não representa um privatização do sistema. Simplesmente, cada trabalhador desconta para uma conta, e o mesmo acontece à entidade empregadora, pelo que a taxa social única não desaparece, pode é ser mais baixa, se o sistema for eficiente. Se o trabalhador ficar desempregado, o subsídio é pago a partir dessa conta, e se ficar negativa, o Estado assume esse pagamento. Quando o trabalhador voltar ao activo, o Estado recupera o saldo negativo. O que não for gasto em situações de desemprego será recebido na reforma. Este sistema responsabiliza mais o trabalhador. O que o Governo está a fazer é muito complicado. Na actual conjuntura, reduzir o subsídio de desemprego e a sua duração é muito complicado.


O estudo revela que 30% das famílias têm poupança negativa, que é que isto significa?
Significa que as despesas são superiores ao rendimento anual disponível. Verifica-se especialmente em dois patamares, num mais baixo, essencialmente idosos e a viver no interior, em que parte das despesas é suportada pelos filhos, e num escalão mais alto, numa faixa etária entre os 30 e os 40 anos, em que há endividamento. Um dado curioso é que, em Portugal, quem está mais endividado são as famílias de alto rendimento e elevada escolaridade.

domingo, 20 de novembro de 2011

Hasta la vista, Zapatero

Tudo indica que o Partido Popular (PP) ganhe as eleições legislativas em Espanha com maioria absoluta. À terceira tentativa, o cinzentão Mariano Rajoy vai finalmente concretizar o sonho de ser Presidente do Governo de Espanha.
Todavia, prefiro, neste momento, falar sobre os oito anos de governação de José Luis Rodríguez Zapatero.
Zapatero ganhou as eleições na sequência do atentado terrorista em Madrid em 11 de Março de 2004. O poder caiu-lhe literalmente em cima. Inesperadamente. Uma das suas primeiras medidas foi retirar o contingente militar espanhol do Iraque. De uma assentada deu cabo da parceria estratégica de Aznar com a administração americana. O princípio não era nada auspicioso.
Entretanto, as coisas começaram a compor-se e a popularidade de Zapatero a subir. Isto deveu-se a três factores fundamentais. Primeiro, a economia. Até 2007, a economia cresceu de forma vigorosa. Até rebentar a crise internacional em 2008, a nona economia do mundo transpirava optimismo e dinheiro. Para isso contribuiu, sem dúvida, no primeiro mandato, o experiente Ministro das Finanças Pedro Solbes, que se encarregou de manter as finanças públicas em ordem. Sobretudo, contou o declarado amor de Zapatero pela economia de mercado e a iniciativa privada, que ele considerava quase sagradas. Ainda antes de rebentar a crise, já Zapatero havia liberalizado o mercado de trabalho tornando os despedimentos mais fáceis.
Segundo, mexeu nas autonomias das comunidades, algo que não acontecia desde a sua formação com a Constituição de 1978. A Catalunha ganhou um novo estatuto onde aparece mencionado o termo “nação” mas que trava a auto-determinação e deixa isolados os independentistas.
Terceiro, a “modernização” da sociedade espanhola. Os casamentos de homossexuais e a sua adopção de crianças. O fim de uma série de privilégios da igreja, nomeadamente no ensino. Por fim, a polémica “Lei de reconhecimento e extensão dos direitos das vítimas da guerra civil e da ditadura”.
Com esta estratégia, não mexer na economia e apostar nas chamadas questões “fracturantes”, Zapatero empurrou Rajoy e o PP para a direita fazendo-lhe perder o decisivo centro. E, segundo alguns estudos, 18% dos espanhóis consideram-se liberais. A oscilação deste grupo é que decide as eleições e Zapatero soube conquistá-lo. Esta estratégia garantiu-lhe a reeleição em 2008.
Infelizmente, não há bela sem senão. A economia afinal não estava tão vigorosa como parecia. Crédito barato, um boom na construção civil e consumo doméstico eram os motores da economia espanhola e não o investimento. A construção, que representava até há bem pouco tempo 16% do PIB e 12% do emprego, cresceu muito devido à chegada constante de imigrantes – mais de 3 milhões – e aos milhares e milhares de pensionistas alemães, franceses e ingleses que escolhem o sul de Espanha para viver. O elevado défice externo também não augurava nada de bom.
Com o rebentar da crise internacional, as debilidades da economia espanhola ficaram à vista de todos.
Zapatero em 12 de Maio de 2010 anunciou um corte de 5% nos salários na função pública – em Portugal, Sócrates faria o mesmo apenas a 29 de Setembro. Aumentou a idade de reforma para 67 anos. Foi imposto um limite constitucional à dívida pública. Desgraçadamente, o desemprego disparou, rondando agora os 22%.
É possível que daqui a uns anos Zapatero seja visto como o Gerhard Schröder espanhol: o homem de um partido de esquerda que fez as reformas difíceis no início da década passada que preparam a Alemanha. Entretanto, o PSOE, à semelhança do SPD alemão, afundar-se-á eleitoralmente.
Mas também é possível que Zapatero venha a ser recordado como o homem que, inadvertidamente, despertou velhos demónios que se pensava estarem há muito enterrados e que ninguém queria voltar a ver. As suas políticas “fracturantes” podem ter dividido e fracturado a Espanha.
A Espanha de hoje tem muitas semelhanças com a de 1936, nas vésperas da guerra civil e de centenas de milhares de mortos. De uma lado, uma Espanha anticlerical, federalista e “progressista”; do outro, uma Espanha conservadora, centralizadora e profundamente católica.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Dá-lhe gás

Li hoje no Sol que:
"O presidente executivo da Galp acusou hoje o Governo de privilegiar a REN na atribuição directa da concessão de armazenagem de gás natural e, que por isso, apresentou uma denúncia à Comissão Europeia.

Manuel Ferreira de Oliveira, que falava no evento 'Respostas na Hora H', organizado pelo Jornal de Negócios, afirmou não perceber «porque tem que se privilegiar uma empresa em relação a outra» nesta matéria, até porque a Galp está «habituada a viver em ambiente de concorrência»."

Quem disse que o presidente da Galp não tem sentido de humor?

A cadeira vazia

Recentemente colaborei num estudo sobre os efeitos do salário mínimo nacional no mercado laboral português. Uma das principais conclusões do estudo foi que, desde 2006, ano do acordo em sede de concertação social que determinou o aumento gradual do salário mínimo, este tem observado um crescimento significativo, com aumentos reais acima dos 4% entre 2008 e 2010. A compressão salarial daí resultante levou a que actualmente 50% dos trabalhadores por conta de outrem aufiram salários entre o salário mínimo e o seu dobro, o que coloca Portugal entre os países com menor desigualdade salarial da Europa, na metade inferior da distribuição salarial.

Este aumento dos salários mais baixos, em claro contraciclo com o desempenho da economia, resultou em perdas significativas de emprego nas camadas mais vulneráveis da população, nomeadamente jovens, mulheres e profissionais não qualificados. Os números do desemprego, ontem divulgados confirmam estas conclusões, com o desemprego dos jovens com idade inferior a 25 anos a atingir os 30% e o dos restantes grupos claramente acima da média nacional, actualmente de 12,4%. 

O acordo de 2006 foi assinado por todos os parceiros presentes na Comissão Permanente de Concertação Social, mas onde havia uma cadeira vazia: a do representante dos desempregados.

* Artigo de opinião publicado no Diário Económico de 17/11/2011

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A Poupança em Portugal

A forte e contínua redução da taxa de poupança da economia portuguesa nas últimas décadas foi, até à crise financeira internacional, um facto largamente ignorado por especialistas e decisores de política. Esta diminuição acentuada da taxa de poupança teve como reflexo o aumento exponencial do défice e da dívida externas, o que deveria ter feito soar os sinais de alarme. No entanto, apesar de estarem ainda bem presentes as duas intervenções do Fundo Monetário Internacional nas décadas de 1970 e 1980, em resultado de crises de pagamentos, instalou-se na sociedade portuguesa, depois da adesão ao euro, o sentimento de que desta vez seria diferente.

A queda da taxa de poupança contribuiu para os desequilíbrios económicos que se avolumaram nos últimos anos e que resultaram na crise da dívida soberana. De facto, em geral, os países com crises da dívida soberana partilharam tendências decrescentes da taxa de poupança. A saída da crise da dívida soberana, que limitou as possibilidades de financiamento externo da economia portuguesa, ameaçando estrangulá-la, terá de passar pela recuperação da importância da poupança no discurso e na prática dos portugueses.

Subtraindo as remessas dos emigrantes, que desde o início do século XXI se tornaram irrelevantes, a poupança nacional nunca atingiu níveis muito elevados – desde finais dos anos 1970, excetuando o período 1987-1990, foi sempre inferior a 20% do rendimento disponível. No entanto, os desenvolvimentos das últimas décadas conjugaram-se para que a taxa de poupança nacional apresentasse uma tendência decrescente. Naqueles desenvolvimentos, a adesão à Comunidade Económica Europeia ocupa um lugar fundamental. Os primeiros anos de Portugal na CEE, antes da adesão ao euro, foram marcados por um forte crescimento económico e pelo desenvolvimento do "Estado Social". Nesse período, o nível de vida em Portugal convergiu de forma acelerada para o nível de vida médio europeu. Ao mesmo tempo, procedeu-se à estabilização nominal da economia portuguesa, com a redução das taxas de juro e da taxa de inflação. Outro dos símbolos deste período é o desenvolvimento do sistema financeiro português. A este desenvolvimento esteve associado o levantamento de restrições no acesso ao crédito. As famílias e as empresas portuguesas aproveitaram as novas possibilidades e aumentaram fortemente o seu endividamento, mesmo durante os anos posteriores à adesão ao euro, possivelmente embaladas pelas expectativas de que Portugal poderia continuar a crescer e a convergir com os países mais ricos.

Assistiu-se, assim, a uma redução da poupança nacional desde finais dos anos 1980, que resultou em 80% da redução do contributo das famílias e em 20% da redução do contributo das empresas. O contributo do sector público para a poupança nacional não apresentou esta tendência decrescente, mas foi quase sempre negativo ao longo destas décadas. Este contributo negativo refletiu-se no crescimento da dívida pública, em especial na primeira década do século XXI, que acabou por se revelar insustentável.

A grande queda da taxa de poupança das famílias deu-se entre o final dos anos 1980 e meados dos anos 1990. Como referimos acima, o sistema financeiro português desenvolveu-se muito nesse período, permitindo uma maior facilidade no acesso ao crédito. Naturalmente, as famílias fizeram uso dessa maior facilidade porque entenderam que seriam capazes de cumprir as obrigações decorrentes da obtenção desse crédito. Ou seja, do lado da procura também havia condições favoráveis ao crescimento do endividamento. Essas condições resultavam, em primeiro lugar, do contraste visível entre este período e o período imediatamente anterior, no qual Portugal viveu uma crise de pagamentos que exigiu a intervenção do Fundo Monetário Internacional e a execução de um programa de austeridade. Em segundo lugar, a adesão à CEE produziu um choque muito positivo nas expectativas dos portugueses, que a retoma do crescimento económico e o usufruto das amenidades proporcionadas pela ação do Estado só vieram confirmar. Assim, o consumo privado em Portugal aumentou para um dos níveis mais elevados, em percentagem do rendimento disponível, entre os países da OCDE. Ao contrário, a taxa de poupança das famílias desceu de quase 24% do rendimento disponível em 1985 para 10% no final dos anos 1990. Desde então tem estado estável, à exceção do período 2005-2008, no qual baixou para 7%. Esta queda terá resultado do aumento da taxa de juro neste período, à qual as famílias terão reagido, dado o elevado nível de endividamento, com a redução da poupança, em vez de reduzirem o consumo.

No entanto, é importante salientar a elevada concentração da poupança em Portugal: quase 90% da poupança das famílias portuguesas é feita por apenas 20% dessas famílias. As taxas de poupança das famílias que mais contribuem para a poupança chegam aos 50% do rendimento. No outro extremo temos 30% de famílias que apresentam poupança negativa. Note-se que os reformados aparentam poupar mais 20% do que os outros agregados familiares.

Quanto às empresas, há a destacar a relação entre a redução da poupança das empresas não financeiras e o aumento do pagamento de juros e de dividendos a partir de 2004. Uma análise mais fina mostra que o pagamento de juros e de dividendos está muitíssimo concentrada: 5% das empresas que pagam juros são responsáveis pelo pagamento de cerca de 85% dos juros totais e 5% das empresas que distribuem dividendos são responsáveis pela distribuição de cerca de 88% dos dividendos totais. Trata-se, em geral, de grandes empresas, de sectores relacionados com as indústrias transformadoras, a produção de eletricidade e gás, atividades imobiliárias e construção.

No âmbito da crise da dívida que a economia portuguesa atravessa, e dada a importância que o aumento da poupança terá no processo de recuperação, coloca-se a questão do papel do Estado na promoção da poupança. A experiência noutros países mostra que o efeito das políticas de incentivo à poupança, nomeadamente as de cariz fiscal, é ambíguo. Para além disso, as dificuldades orçamentais que o Estado português vive e viverá nos próximos anos reduzem as possibilidades de promoção da poupança via incentivos fiscais. De facto, a tendência dos últimos anos tem sido de redução drástica e eliminação na maioria dos casos. Para além disso, um Estado que é visto como dissipador terá sempre grandes dificuldades em promover de forma eficaz e credível a poupança e a redução do endividamento. Assim, e dada a sua contribuição fortemente negativa para a poupança nacional, pensamos que o melhor contributo que o Estado poderá dar para o desígnio do aumento da poupança da economia portuguesa será ele próprio poupar. Um segundo contributo seria todas as medidas de política económica terem em consideração o seu impacto sobre a poupança. Um terceiro contributo seria a defesa da estabilidade e previsibilidade das políticas de promoção de poupança que forem adotadas, condição essencial para o seu sucesso. Alterações como as que tiveram lugar, em 2006 e 2008, na remuneração dos certificados de aforro são incompatíveis com a existência de uma relação de confiança entre o Estado e os aforradores.

No âmbito de políticas públicas de promoção da poupança consideramos essencial a divulgação junto da população do efeito da reforma da segurança social de 2007 sobre as pensões de reforma das gerações mais jovens. O sistema de repartição da segurança social é um dos fatores explicativos da baixa taxa de poupança. A tomada de consciência das gerações mais novas de que os descontos para a segurança social não terão como compensação pensões de reforma que lhes permitam manter os níveis de vida da vida ativa terá duas consequências: um aumento da taxa de poupança daqueles indivíduos e um aumento da pressão social para a reestruturação do atual sistema de repartição, em direção a um sistema de capitalização. No entanto, a transição do sistema de repartição para um sistema de capitalização não se fará sem custos.

No âmbito das políticas sociais é também proposta a criação de um plano de poupança desemprego, que poderia ser financiado pelo trabalhador e pelo empregador, e que substituiria o atual sistema de subsídio de desemprego. Este plano serviria simultaneamente como uma poupança para financiar períodos de desemprego e como conta poupança dos trabalhadores. Muitos dos problemas de incentivos do atual sistema seriam eliminados.

Finalmente, dado que a poupança é uma decisão que envolve o presente e o futuro, e que o horizonte temporal que os indivíduos consideram nas suas decisões é influenciado por aspetos comportamentais, pelo nível de literacia financeira, pela qualidade da informação relativa aos produtos financeiros ou pelo facto de as escolhas dos consumidores revelarem a existência de inércia, vários autores têm sugerido a importância de oferecer produtos simples e acessíveis à população em geral, bem como produtos que beneficiem da inércia que caracteriza os consumidores. De facto, alguns programas de poupança recentemente promovidos por bancos portugueses baseiam-se naqueles princípios. Estes programas de promoção e captação da poupança podem ser uma forma eficaz de promover a poupança na economia portuguesa, dado que a maioria da população, que não tem hábitos de poupança, tem de ser atraída para este tipo de produtos. Todavia, o lançamento de produtos financeiros que procuram tirar proveito da inércia presente no comportamento dos consumidores deverá ser devidamente regulada e supervisionada pelo Banco de Portugal e/ou Instituto de Seguros de Portugal e/ou Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

Para concluir, é importante referir que as perspetivas do recuo do Estado Social, motivadas pelas dificuldades de financiamento do Estado e pela dinâmica demográfica, e o aumento das restrições no acesso ao crédito, dois dos principais fatores explicativos da quebra da taxa de poupança nas últimas décadas em Portugal e nos países desenvolvidos, bem como a imperiosa necessidade de reduzir o défice externo, sugerem que a taxa de poupança poderá conhecer uma tendência crescente nos próximos anos. Os indicadores económicos indiciam que essa tendência poderá estar já a ocorrer.

O texto na íntegra pode ser lido aqui:

A Poupança em Portugal

domingo, 13 de novembro de 2011

Desenvolvimento e estupidez

Reli este fim-de-semana um ensaio do historiador Carlo M. Cipolla intitulado As leis fundamentais da estupidez humana. Este ensaio oferece uma explicação diferente para o progresso (ou retrocesso) de civilizações, países, instituições, etc.
Antes de mais, convém precisar o conceito de estúpido. Um estúpido é alguém que, sem beneficiar nada com isso (pode inclusive prejudicar-se a ele próprio), está constantemente a arranjar problemas e danos aos outros. E fá-lo sem nenhum motivo racional. Estupidamente.
Cipolla está convencido de que se nasce estúpido como se pode nascer moreno ou louro. Não há, portanto, instrução ou educação que resolvam o problema. A estupidez não distingue país, raça, sexo, classe social - a percentagem de estúpidos dos sem-abrigo é igual à da fina flor da sociedade. Em suma, uma pessoa nasce estúpida por vontade imperscrutável e inapelável da Divina Providência.
Além dos estúpidos, Cipolla divide os seres humanos em mais três grandes categorias. Os crédulos: beneficiam os outros prejudicando-se a si. Os bandidos: beneficiam-se prejudicando os outros. E os inteligentes: beneficiam-se a eles e aos outros.
Em vez de preparar defesas, a maioria das pessoas inteligentes cai no erro fatal de desprezar ou, pior ainda, de se associar a um estúpido pensando que o podem manipular. Um estúpido age sem razão, sem um plano preciso, nos lugares mais improváveis e impensáveis. Daí resulta que apanha sempre os outros de surpresa e, como os seus ataques são imprevisíveis, é muito difícil organizar uma defesa racional.
Obviamente, os efeitos nocivos causados por um estúpido são infinitamente maiores quando este tem poder. À primeira vista, parece surpreendente que isso possa acontecer. Mas, pensando bem, não é. O estúpido pode ter herdado o poder. Ou, no caso de uma democracia, não é estranho que seja eleito visto que uma percentagem significativa da população é estúpida e, por consequência, há um efeito de identificação.
O que é que tudo isto tem a ver com o desenvolvimento de uma sociedade? Como vimos, a percentagem de estúpidos é igualmente elevada nos Estados Unidos e no Afeganistão. A diferença é que as sociedades em declínio ou estagnação permitem que os mais estúpidos (incluindo os bandidos e crédulos com elementos de estupidez) se tornem mais activos e cheguem ao poder.
Por exemplo, os EUA criaram um sistema com tantos poderes e contra-poderes que permite que o presidente seja boçal sem que daí venham grandes males ao mundo – há sempre uma percentagem elevada de pessoas inteligentes na retaguarda.
Por isso, as principais razões para o subdesenvolvimento de uma sociedade não são, por exemplo, a geografia ou a exploração dos “imperialistas americanos” - eu sei, eu sei, dá sempre imenso jeito arranjar um bode expiatório. A História demonstra sobejamente que quando há vontade e inteligência todos esses factores são secundários. Segundo Cipolla, o mais importante é evitar que uma percentagem elevada de estúpidos detenha o poder.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O jackpot europeu

Já outros bloggers se lembraram do "Há petróleo no Beato" com Raul Solnado a propósito das notícias sobre prospeção de petróleo, gás natural e minérios em Portugal. Também eu me recordo de nessa altura pensarmos que encontrar petróleo seria a melhor forma de sairmos da crise em que vivíamos. Era bom que desta vez fosse a valer. É capaz de ser o caminho mais curto para nos aproximarmos dos países nórdicos, neste caso, da Noruega. Espero ainda que também os gregos encontrem petróleo rapidamente, mas não debaixo da Acrópole.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O poker e a roleta russa na zona euro

Primeiro foi o primeiro ministro grego a propor um referendo, ideia que deixou alemães, franceses e mercados financeiros com os cabelos em pé. Parece que era bluff. Agora é a notícia de que a França e a Alemanha estão a estudar a criação de uma Europa a duas velocidades. O próximo passo será planear a divisão da Itália, talvez com o aplauso da Liga Norte, de modo a que a Itália do Norte fique na área do euro-forte e a Itália do Sul fique na área do euro-fraco.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Salário Mínimo Nacional

De tempos a tempos discute-se na blogosfera quais os impactos que aumentos do salário mínimo têm no desemprego. Citam-se sempre uns quantos estudos, alguns dos quais feitos com dados portugueses.

O trabalho sobre os impactos de aumentos do salário mínimo encomendado pelo Ministério da Economia já está disponível online. Esse estudo conta com cinco co-autores, três dos quais aqui da minha universidade, um dos quais co-autor deste blogue. O estudo pode ser lido aqui.

Refiro apenas algumas das conclusões, mas, claro, vale a pena ler o estudo completo:
- o efeito negativo de aumentos do salário mínimo sobre o emprego das mulheres é cerca do dobro do encontrado para os homens;
- o impacto negativo sobre o emprego dos trabalhadores menos qualificados é particularmente adverso e sente-se em especial na região Norte;
- os jovens com idade inferior a 25 anos são os mais penalizados pelo aumento do SMN, sofrendo perdas de emprego muito significativas - acima dos 5% desde 2007;
- os sectores em que o emprego mais diminui em resposta ao aumento do SMN são a Agricultura e Pescas e Indústrias Extractivas, seguidos da Indústria Transformadora e da Construção.

domingo, 6 de novembro de 2011

O trabalho em Portugal: uma interrupção do descanso?

Quando em Setembro de 1999 cheguei a Londres para fazer o doutoramento, uma das primeiras questões que coloquei à secretária do Birkbeck College foi se me podia dar o calendário com os feriados que iríamos ter até ao Natal: precisava de planear as viagens a Portugal. Mas na Inglaterra, até ao Natal o número de feriados era ZERO! Para um português isso era muito estranho: entre o fim do verão e o Natal temos o 5 de Outubro, o 1 de Novembro, o 1 de Dezembro e o 8 de Dezembro. Como ontem lembrava o Vasco Pulido Valente no Público, nenhum destes 4 feriados tem justificação que não seja dar mais férias aos portugueses – ou ainda mais férias. No resto do ano temos mais 10 feriados, com muitas pontes. Um absurdo para um país que se queixa de ser pobre mas que tem muita dificuldade em mudar muitos dos fatores que contribuem para isso.

De todas as vezes que se fala em diminuir o número de feriados em Portugal levantam-se vozes desvalorizando o impacto no PIB. Nesses cálculos esquecem-se todavia de um efeito: efeito de ‘solavanco’ que os feriados causam no funcionamento das organizações. Confesso que para mim os feriados nunca contaram na definição da minha agenda – são quase sempre dias como os outros, mas com menos emails, sem reuniões e menos telefonemas (ou seja, até sou mais produtivo nesses dias). Mas com os cargos de gestão que tenho tido na universidade tenho sentido os feriados como um empecilho à resolução de problemas e à execução de algumas tarefas. Ou seja, os feriados são a maior parte das vezes um entrave para fazer andar as coisas para a frente. Nas empresas penso que o resultado será ainda bem mais negativo.

Com os dias de férias, feriados e pontes e tolerâncias que temos, trabalhar em vez de ser um hábito que devia ser interrompido pela benesse que devia ser o feriado, torna-se uma coisa má porque interrompe o descanso das pessoas. Acabar com feriados seria bem mais positivo do que aumentar o dia de trabalho em meia hora: eliminava o efeito 'solavanco' e garantia uma jornada de trabalho diária compatível com um modo de vida civilizado.

Nota: os meus filhos já me fizeram uns testes e dizem que eu fico classificado como workaholic. Mas eu também não defendo que toda a gente trabalhe as horas/ano que eu trabalho.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Waiting for Superman


Waiting for Superman é um documentário de 2010 de Davis Guggenheim sobre o estado do ensino público nos Estados Unidos. A grande questão é: como foi possível dar cabo de um sistema que até aos anos de 1970 era visto por todos com admiração? Os maus resultados dos jovens americanos nos testes PISA são apenas mais um reflexo da actual situação.

A degradação do sistema atinge por vezes proporções tais que às tantas um sociólogo se interroga se não serão as más escolas que geram maus bairros em vez do inverso, como nos é habitualmente explicado.

Bem, o problema principal não parece ser a falta de investimento das administrações. Pelo contrário. Os sucessivos presidentes aumentaram as dotações orçamentais do sector. O problema parece estar na crescente “sovietização” do sistema, com uma burocracia infernal. Do Estado federal emanam as grandes directivas e depois cada Estado tem um office center, que controla vários agrupamentos, que, por sua vez, controlam dezenas de escolas. Um sistema piramidal que tem servido para desresponsabilizar toda a gente.

Guggenheim considera a tenure um dos principais problemas. Convém recordar que a tenure foi criada nos anos 1950 para proteger os professores universitários de perseguições políticas e ideológicas – e, já agora, acrescente-se que esta palavra foi recentemente introduzida, de forma parola, pelo ex-ministro Mariano Gago no actual estatuto da carreira docente, quando já tínhamos uma expressão equivalente: “nomeação definitiva”…mas adiante. De qualquer maneira, não era fácil obter aquele estatuto: só ao fim de muitos anos e de muitas provas. Ora, a tenure, nos outros níveis de ensino, obtém-se após dois anos. E basicamente tem servido para tornar quase impossível despedir os maus professores.

Guggenheim acusa a American Federation of Teachers de ser uma das principais forças nocivas do sistema. Qualquer tentativa de avaliar os docentes esbarra com estrondo na sua oposição, como é ilustrado pela luta frustrada de uma directora do office center de Illinois para implementar um sistema de avaliação nesse estado, um sistema, diga-se, que seria optativo, deixando de fora os que abdicassem de ser promovidos.

Por contraponto, Guggenheim conta-nos a história de sucesso de Geoffrey Canada, que deliberadamente escolheu uma zona pobre do Harlem para criar uma charter school – escolas financiadas pelo Estado, mas que gozam de grande autonomia. Canada acredita que o segredo do êxito está em professores bem pagos e altamente motivados. Nenhuma criança é deixada para trás, com sistemas tutoriais que ajudam em especial os que têm mais dificuldades. E é imposto aos miúdos um ritmo de trabalho avassalador, sem pausas para Play Stations e outros divertimentos do género.

Os resultados obtidos pelos alunos parecem confirmar as estratégias de Geoffrey Canada. Desgraçadamente, as charter schools têm um número muito limitado de vagas. Os eleitos são escolhidos aleatoriamente no meio de carradas de candidatos.

Guggenheim acompanha ao longo do documentário várias mães (não se vêem pais) e filhos que terminam a sofrer numa random selection. Os excluídos terão de continuar à espera que o superman os venha salvar.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Quem pagará a dívida?


Hoje nasceu Danica Maio Camacho, bebé Filipina simbolicamente baptizada de cidadão 7000 milhões. Dos mesmos números da ONU, ficámos a saber que a população Portuguesa atingirá o seu o valor máximo brevemente (2013 num cenário intermédio, 2023 num cenário optimista, 2011 num cenário pessimista). Estes números contrastam com as previsões, bem mais optimistas, da última projecção do INE, que datam de 2009, segundo a qual a população portuguesa continuaria a crescer até 2034 (cenário central). A diferença entre as duas projecções deve-se essencialmente às hipóteses da subida gradual das taxas de fecundidade (dos 1.3 filhos por mulher actuais para 1.6 em 2060) e da manutenção de um saldo migratório positivo, ambas assumida no estudo do INE.
Já pensou em reforçar o seu PPR?

O fim da ETA?


A ETA proclamou recentemente um cessar de fogo. Em princípio, é uma boa notícia, depois de 50 anos de atentados, 800 vítimas e 100 sequestros.
Durante a ditadura, a luta da ETA recolheu muitas simpatias, a tal ponto que, ainda hoje, o brutal assassinato do putativo sucessor de Franco, o almirante Carrero Blanco, em 1973, é visto por muitos como um dos grandes serviços que aquela “organização” prestou à pátria.
Com a chegada da democracia, a ETA deixou de fazer qualquer sentido. Em 1982, houve uma autodissolução de um sector, os chamados "polis-milis", que optaram pela via política, enquanto o resto do grupo preferiu prosseguir com a luta armada (leia-se: terrorismo). Parece que estão profundamente debilitados, já que, por um lado, a esquerda “abertzale” (nacionalista) os pressionou bastante para porem fim à violência e, por outro, a cúpula, que agora está encarcerada, decidiu cessar os atentados (de facto, há dois anos que não havia nenhum).
Todavia, ainda não depuseram as armas. Esperemos que não aconteça o mesmo que em 1982: muitos fizeram da luta a sua forma de vida e não será fácil integrá-los socialmente. Como dizia um dos pais das vítimas: "espero não ter como vizinho o assassino do meu filho".
Em 1982, ninguém lhes exigiu que entregassem as armas nem que reconhecessem as vítimas. Foram simplemente amnistiados.
Que acontecerá agora com os 700 presos etarras e com os que estavam a ser perseguidos pelas autoridades? Que atitude terão os familiares das vítimas?
Não será tudo isto mais uma artimanha da ETA para ganhar tempo e reorganizar-se, como já fez em várias ocasiões no passado?
Esperemos que os políticos espanhóis estejam à altura das circunstâncias. Uma coisa é certa: ainda que a violência termine, o conflito político com os independentistas continuará.

domingo, 30 de outubro de 2011

Boardwalk Empire - When alcohol was outlawed, outlaws became kings


Hollywood produz carradas de lixo cinematográfico,”pensado” para adolescentes acéfalos. Vai-nos valendo as séries televisivas americanas, que vivem a sua época de ouro. A lista das grandes séries americanas é longa e, infelizmente, não há tempo para as ver todas. Boardwalk Empire é apenas mais um exemplo dessa excelência televisiva. Conta com a chancela de Martin Scorsese, que ganhou recentemente um Emmy pela realização do episódio piloto.
O centro da acção é Atlantic City, uma cidade do Estado de New Jersey que teve nos anos 1920 um grande desenvolvimento e hoje é uma espécie de segunda Las Vegas devido aos seus casinos. E por lá desfilam os grandes gangsters da América do século XX, em especial Al Capone e Charlie “Lucky” Luciano.
Um Steve Buscemi em grande forma é “Nucky” Enoch Thompson, um político mafioso que percebeu logo a oportunidade de ouro para ganhar fortunas graças a uma lei feita, segundo as palavras do personagem, por ”ignorant bastards”. Refere-se ao National Prohibition Act, conhecido informalmente por Volstead Act (lei seca) e que entrou em vigor a 15 de Fevereiro de 1920, data em que arranca a trama da série.
Os resultados desastrosos da lei seca, que terminaria, salvo erro, em 1933 (pouco tempo depois da prisão de Al Capone), continuam vivos na memória colectiva. Talvez por isso os “ignorant bastards” ainda não se atreveram a ir mais longe nas leis do tabaco.
Como lamentava um dos mafiosos da série, era realmente uma pena que ninguém se tivesse lembrado de fazer uma lei igual para o tabaco.

sábado, 29 de outubro de 2011

Como foi possível?

Pedro Lains, no seu blogue, mostra umas sondagens que deixam claro que a maioria da população discorda do Orçamento de Estado. De seguida, desafia o governo a ouvir as sondagens, mudar de conselheiros e, presume-se, a mudar de propostas. Finalmente, pergunta: Como chegámos aqui? 
Respondendo a esta última pergunta, eu diria que um dos motivos por que chegámos a este ponto foi por ter sucessivos governos que governam para as sondagens.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Atrapalhando o tráfego

Uma vez a falar com um amigo sobre gostos musicais, amigo esse que é co-autor neste vosso blogue, terei dito: Meu caro, posso gostar de muita coisa, e gosto, posso ter muitos músicos e músicas preferidas, e tenho, mas há três que estão num patamar diferente de todos os outros: Zeca Afonso, Bob Dylan e António Jobim. Todos os outros estão um patamar abaixo, pelo menos um patamar.

Na verdade, à medida que o tempo passa. Entre os outros de que gostava muito estavam o Chico Buarque, o Caetano Veloso, o Nick Cave, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, entre muitos outros. No entanto, quanto mais o ouço, mais Chico Buarque se destaca e se eleva ao patamar definido pelo trio inicial.

Há pouco cruzei-me, novamente, com a Construção. É uma música tão forte, o puzzle de palavras que são montadas numa angústia crescente é tão louco que é quase impossível. Praticamente absurdo.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Os mercados querem acreditar

A reação dos mercados bolsistas ao resultado da cimeira europeia é um sinal de que os mercados querem acreditar que a Europa vai realmente resolver o problema da dívida soberana. Não sei se esta reação se deve a acreditarem genuinamente no futuro do euro, se é porque ainda não perceberam que as verdadeiras decisões estão adiadas, ou se é apenas por estarem exaustos com o arrastar da crise e desejarem, mais do que acreditarem, que o pesadelo acabe. De qualquer modo, resta saber se as próximas emissões de títulos de dívida pública, nomeadamente francesa e italiana, confirmam estes sinais. O problema, segundo me parece, é que não bastará que o juro baixe, será necessário que baixe significativamente. Caso contrário, as dúvidas quanto à concretização das decisões europeias poderão voltar a tomar conta dos mercados. É preciso não esquecer que os verdadeiros resultados destas decisões, ou seja, as suas consequências para o défice e a dívida públicas, só serão conhecidos dentro de muitos meses ou anos, quando as execuções orçamentais dos próximos trimestres/semestres/anos forem conhecidas. Espero que o FEEF aguente até lá.

Solução? Adiar

Parece-me um acordo que não consegue salvar, apenas adiar. A dívida pública grega cai para 120% do PIB. Suficientemente alta para não conseguir resistir a ataques, especialmente depois da confiança ser abalada com este acordo de default.
Por outro lado, podem e devem recapitalizar os bancos. Mas não há recapitalização que sobreviva a um verdadeiro pânico seguido de uma boa corrida aos bancos. Vamos ver, às vezes adiar problema acaba por ser uma forma de os resolver.
Mas digam-me uma coisa, é impressão minha ou, cada vez mais, a União Europeia, como a conhecemos, depende da performance de Portugal?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Europe: put your money where your mouth is

In August, I and Fernando Alexandre wrote a post on "the end of Europe as we know it". There we argued that resolution of the crisis requires further, and decisive, transfers of fiscal sovereignty to Europe, though short of a full-fledged "European government", which we believe to be unrealistic at present. We also wrote that France and Germany appeared to be moving towards a solution of this sort.

As far as I can understand from recent news and previews of tomorrow's European summit, it appears we were wrong: France and Germany are still trying to make us believe that minor changes to the European treaties (focused on after-the-fact punishment), plus a drastic haircut and some sort of a European "fund" or "mechanism", with one, two or three billion Euro and in charge of negotiating and overseeing austerity measures, will be enough to end the crisis. The presumption, I believe, is that financial markets will from now on charge interest rates on European governments' bonds that, though sustainable, will (together with the memory of recent events in Greece) force them to maintain sound public finances, thereby avoiding the need for a significant revision of European treaties to allow for before-the-fact intervention.

I am inclined not to believe that these proposals (amendment+haircut+fund) will convince the financial markets. The shock waves from a drastic haircut will affect many other countries and assets. Soon the amount given to the "fund" will (again) appear too low to protect other endangered countries. I therefore suggest the following to European leaders: If you really believe that the proposed amendments to the treaties and the haircut will be enough to make European countries solvent, then tell the "fund"/European Central Bank to freely buy European governments' bonds, so as to fill any gap left by "irrational" financial market behaviour.

Note that "funds" or "mechanisms" are just masking the essential: it is the ECB who is holding the real bazooka, i.e., the printing press. Making the ECB lend a slingshot to a "fund" and announcing that a few more slingshots may be lent will not keep away the wild beasts. The fund/mechanism is only a mediator between troubled countries and ECB money: its duty is to make sure that countries deserve their funding. But, given the size of European public debts, without full access to ECB money it will always appear to be too small.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O pai do monstro (VPValente dixit) e não só

Na sua coluna de Sábado no Público, Vasco Pulido Valente escreveu que o Sr. Presidente da República é "o Pai do monstro", o que o torna também trisavô da actual crise (Guterres, Durão Barroso/Santana Lopes, Sócrates). Também podemos recordar que o Sr. Presidente da República já tinha sido um dos pais da crise que trouxe o FMI pela segunda vez a Portugal, para o programa de ajustamento em 1983-1985. Mas voltemos ao monstro: teria o Sr. Presidente da República obtido votações jardinescas sem usar métodos jardinescos?

sábado, 22 de outubro de 2011

Entrevista que dei...

ao jornal virtual Etc e Tal, depois de um debate na Casa dos Açores do Norte, no Sábado passado.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Letter

A propósito do Abstract postado pelo Luís, lembrei-me deste parágrafo da carta do editor, David H. Autor, publicada no Journal of Economic Perspectives (JEP), Vol. 25, No. 3, Summer 2011, dirigida a Bruno S. Frey:

There is very substantial overlap between these articles and your JEP publication. Indeed, to my eye, they are substantively identical. Based on discussions with the editors of these journals, we have confirmed that the JEBO article was in press and the R&S article under review while your article was under revision for JEP. At the time we accepted your paper for JEP, we could not readily have learned of these two overlapping articles since they were at the time unpublished. Further obscuring the links among these articles is the fact that none of your four articles cites any of the other three. Had you chosen to inform us of the JEBO and R&S articles prior to the publication of your JEP article, we would of course have no grounds for complaint. In that case, however, we would not have published your article.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Cortes & Cegos

Os cortes brutais previstos no OE de 2012 (-16,8% em 2012 e -19,2% reais em 2013, considerando uma inflação de 3% em ambos os anos), poderão ser necessários, mas são estúpidos. Ao serem iguais para todos não diferenciam, quer o mérito individual, quer o desempenho dos organismos e empresas públicas com boas práticas de gestão e com resultados de excelência nos serviços que prestam (sim, porque também os há). Melhor seria que a administração central fixasse um objectivo de redução do deficit para cada serviço, dando liberdade e incentivos aos seus dirigentes para os cumprirem. Os cortes salariais seriam assim um último recurso, para os organismos que não cortassem as suas despesas, ou que não gerassem receitas suficientes. Por exemplo, uma universidade com potencial de gerar proveitos próprios poderia empenhar-se mais na busca de novas fontes de receita, enquanto outra instituição poderia optar por uma redução de custos onde houvesse desperdícios. Uma medida como esta teria ainda a vantagem de aumentar a concorrência entre organismos públicos pelos melhores gestores, com ganhos de eficiência evidentes. Percebe-se a urgência, mas não se percebe a falta de imaginação.

Jorge Palma | Portugal, Portugal.



Esbanjaste muita vida nas apostas
E agora trazes o desgosto às costas
Não se pode estar direito
Quando se tem a espinha torta
Ai, Portugal, Portugal
De que é que tu estás à espera?
Tens um pé numa galera
E outro no fundo do mar
Ai, Portugal, Portugal
Enquanto ficares à espera
Ninguém te pode ajudar

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Abstract

This study is a replication of “Are Muslim Immigrants Different in terms of Cultural Integration?” by Alberto Bisin, Eleonora Patacchini, Thierry Verdier and Yves Zenou, published in the Journal of the European Economic Association, 6, 445–456, 2008. Bisin et al. (2008) report that they have 5,963 observations in their study. Using their empirical setup, we can only identify 1,901 relevant observations in the original data. After removing missing values we are left with 818 observations. We cannot replicate any of their results and our estimations yield no support for their claims. -- Abstract de um artigo publicado no último número do Journal of the European Economic Association.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Linux Ubuntu

O facto de eu usar o Linux em vez do Windows e, portanto, nao usar o Office da Microsoft, causou-nos (muito mais ao Luís e ao Miguel, a quem só posso pedir desculpa, do que a mim, que tinha um comboio para apanhar) grandes problemas este fim de semana. Quero, apesar disso, reafirmar o que disse então: nada me move contra o Bill Gates (que merece admiração) ou o software comercial em geral, mas para já (e admito mudar) continuo a gostar mais do Linux Ubuntu. Ao exemplo do scanner que posso voltar a usar (plug and play, sem necessidade de procurar drivers, que depois não funcionam) vou acrescentar outro: sempre que eu usava o Windows Vista tinha de passar 5 minutos à espera que desaparecesse a mensagem "a eliminar 0 bytes em 0 segundos". Parece-me que um sistema que demora 5 minutos "a eliminar 0 bytes em 0 segundos" tem falhas graves. Dir-me-ão que o 7 é muito melhor. Talvez, mas estive hoje de manhã a trabalhar num computador com esse sistema e senti muitas saudades do Ubuntu.

sábado, 8 de outubro de 2011

Prémio Nobel???? (2)

... e como o mundo continua a ter muitas guerras e violência não deveria haver prémio Nobel da Paz; e como as pessoas continuam a morrer das mesmas doenças há milhares de anos não deveria haver Prémio Nobel da Medicina; ...

Prémio Nobel??

Dado o contexto de crise em que vive a Ciência Económica, este ano não deveria haver prémio Nobel da Economia.

Prémio Nobel da Economia

Confesso que mal conhecia muito dos Nobel da economia dos últimos anos. Sendo macroeconomista, e dado o contexto de crise da economia mundial, aposto no Kenneth Rogoff e no Robert Shiller para o prémio deste ano. O Olivier Blanchard, noutro contexto, seria também um forte candidato.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Prémio Nobel

Pelo que percebi, um dos três vencedores do prémio Nobel da Medicina deste ano morreu. O homem lutava contra um cancro há cerca de quatro anos. E, pelos vistos, na sua luta contra o cancro usou, com o sucesso conhecido, parte das teorias que desenvolveu, e pelas quais recebeu o prémio.

Em Economia também já aconteceu algo semelhante. O Robert Merton e o Myron Scholes receberam o prémio Nobel pelas suas teorias financeiras, mais concretamente sobre os mercados de derivados. Mais tarde, a empresa deles, que diariamente trabalhava com as fórmulas por eles derivadas e que tinham sido a razão do Nobel, iria à falência.

A principal diferença entre os dois casos é que, se a corretora de Merton e Scholes tivesse ido à falência antes da atribuição do Nobel, nunca este lhes teria sido atribuído.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Ministério da Educação?

A decisão de cancelar a atribuição de prémios aos melhores alunos do secundário no ano lectivo 2010/2011 é mais um sinal de que os Governos mudam mas as práticas do Estado se mantêm. O anterior anunciou (mais do que uma vez) subsídios como o cheque bébé, que nunca chegou a entregar. E já nem quero referir promessas eleitorais (essas são dos partidos e não do Estado).

Uma coisa os melhores alunos do país aprenderam, e o Ministro da Educação ensinou-lhes, para o resto da vida: não se pode confiar no Estado português!

Será que este custo foi incluído na avaliação que esteve na origem desta medida?
Será que o Governo já está em plano inclinado?

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

El próximo presidente del gobierno español


Eu e o Pedro Magalhães decidimos, a bem do equilíbrio das nossas contas externas, internacionalizar os nossos serviços. Assim, depois de termos, com sucesso, acrescente-se, feito previsões para eleições legislativas e presidenciais em Portugal, chegou a vez de Espanha. Para ser sincero, desta vez a ideia nem foi nossa, foi de Michael Lewis-Beck, que nos contactou para trabalharmos sobre Espanha. O resultado foi este.
Como sempre acontece nestas previsões, o principal desafio foi o de estimar um modelo econométrico decente com tão poucas observações (apenas oito eleições legislativas). Para aligeirar este problema, juntámos ao modelo as seis eleições para o parlamento europeu que Espanha já teve, mas, pelo meio, tivemos de apagar algumas, enfim.
Para prevermos o resultado do partido do governo usamos, essencialmente, três variáveis explicativas: duas económicas e uma política. As económicas são, como seria de esperar, a inflação e o desemprego. A variável política que usamos é obtida através de uns inquéritos mensais à população espanhola que existem desde o fim da década de 70 do século XX. Para que o nosso modelo tenha fins preditivos, usamos dados com um desfasamento de 6 meses.
Carregando a nossa bola de cristal com os dados disponíveis em Maio, obtemos uma previsão para as eleições que se verificarão em Novembro:
PSOE = 34,5%.
Será a segunda votação obtida pelo partido incumbente mais baixa de sempre, mas suficiente para evitar uma razia de proporções loucas.
Se quiser perceber melhor como chegámos a este resultado, leiam esta entrada do Pedro Magalhães. Ele explica tudo muito melhor do que eu.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Tudo o que é sólido dissolve-se no ar

Lembrei-me desta máxima marxista ao ler “O Mundo de Ontem, Recordações de um europeu”, livro de memórias de Stefan Zweig. Austríaco, judeu, humanista e pacifista, Zweig foi um dos escritores mais populares da Europa nas primeiras décadas do século passado. Hoje, está quase caído no esquecimento. Nasceu em 1881, no grande e poderoso império Austro-húngaro, na monarquia dos Habsburgos. Cresceu em Viena, na altura uma das maiores capitais culturais do mundo e que viria, anos mais tarde, a transformar-se numa cidade de província sob o jugo dos nazis.
Viena, cidade milenar, fundada pelos romanos, aqui brilhou sobre o mundo a plêiade eterna da música: Gluck, Haydn, Mozart, Beethoven, Schubert, Brahms, Mahler. Em quase nenhuma outra cidade da Europa era tão ardente a paixão pela cultura, recorda-nos um Zweig traumatizado – traumas de que nunca se libertaria, suicidando-se no Brasil em 1942. E, no entanto, a época que antecedeu a Primeira Guerra Mundial foi o período áureo da segurança. Tudo na democracia austríaca parecia construído para durar sempre, sendo o Estado o garante dessa estabilidade. Na altura, ninguém acreditava em guerras, em revoluções e subversões. Todo o radicalismo, toda a violência pareciam não ser já possíveis numa época de razão.
No seu idealismo liberal, o século XIX estava sinceramente convencido de se encontrar no caminho certo e infalível que levava ao melhor dos mundos. Era com desdém que se olhava para as épocas passadas, com as suas guerras e fomes, como para um tempo em que a humanidade ainda era menor e insuficientemente esclarecida. A crença inabalável no progresso tinha para essa época a força de uma verdadeira religião – e houve de facto, nesta altura, progressos notáveis a todos os níveis.
O resto da História é conhecido. O poderoso e, aparentemente, sólido império desfez-se após a Primeira Grande Guerra. A seguir, veio a Segunda Grande Guerra, e um sem número de bestialidades e perversidades nunca imaginadas nem nas noites mais negras pelos liberalismos e optimismos reinantes da época.
Ninguém previu a catástrofe que se avizinhava. Ninguém viu os sinais, que Zweig, retrospectivamente, reconhece estarem visíveis para alguém mais lúcido e atento desde a última década do século XIX. Os primeiros movimentos de massas com o surgimento do partido socialista e do social-democrata. As sementes do ódio espalhadas por um grupelho de fanáticos revolucionários agrupados no partido nacional alemão. Viena até então a cidade cosmopolita por excelência e, segundo Zweig, a cidade mais amada pelos judeus – que financiavam em grande parte a sua riquíssima vida cultural – vê surgir um nacionalismo feroz e um anti-semitismo crescente. O austríaco Hitler viveu lá nessa altura e levou consigo estas ideias para a Alemanha, com os resultados que se sabe.
Poucos foram os que, na altura, não se deixaram iludir com a loucura optimista daquela geração cega pelo idealismo e para a qual o progresso da humanidade deveria ter como consequência necessária uma evolução moral igualmente rápida. Mas houve um “pessimista”, pouco amado na altura, que nunca se iludiu: Sigmund Freud, para quem, a nossa cultura, a nossa civilização, é apenas uma fina camada em risco de poder ser perfurada, a qualquer momento, pelas forças destrutivas do mundo subterrâneo. Convém nunca esquecer isto. Porque, afinal de contas, tudo o que é sólido dissolve-se no ar.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Breaking Bad

Recentemente, o Pedro Lomba escreveu no Público "Uma lista" de conselhos para os jovens que vão este ano ingressar no ensino superior. Um deles, e talvez o mais sábio, é "aprender um ofício, uma experiência, de preferência prática, que nada tenha a ver com o curso." Refere a propósito um livro de 2009 de Matthew Crawford que após ter terminado um doutoramento em filosofia política decide mudar de vida. A insatisfação não abandonava o homem e este decide montar uma oficina de motas, aproveitando aquilo que aprendera de mecãnica enquanto jovem. E Matthew descobriu finalmente a sua vocação.
Lembrei-me disto ao ver recentemente Breaking Bad ( Ruptura Total), que já vai na quarta série nos EUA. Walt White, um professor de química frustado do secundário (onde é que já vimos este filme?), descobre aos 50 anos que tem um cancro. Com casa por pagar, um filho deficiente e a mulher grávida, decide fazer a tal ruptura. Dedica-se a produzir uma droga da moda (os cristais azuis) em parceria com um ex-aluno medíocre, que encontra por acaso. Farta-se de ganhar dinheiro e, de caminho, muda de personalidade, para poder sobreviver naquele mercado tão competitivo. Desaparece o Walt inseguro e nasce o Mr. White duro e astuto.
Moral da história? É sempre possível mudar de vida, mesmo sendo um professor com 50 anos. Convém é estarmos preparados para isso.

domingo, 18 de setembro de 2011

O fim da Europa como a conhecemos

A zona euro vive uma crise gravíssima, que terá consequências muito sérias para os portugueses e para a União Europeia. Reuniões inconclusivas dos responsáveis da área do euro e da União Europeia sucedem-se. E as dúvidas em relação ao futuro do euro acumulam-se.

No início da crise da dívida soberana, Grécia, Portugal e a Irlanda deviam milhares de milhões de euros e o problema era desses países, ou seja, teriam que corrigir os seus desequilíbrios através de medidas de austeridade. Na fase actual da crise, Espanha, Itália, Bélgica e França devem milhões de milhões de euros e o problema passou a ser também dos países credores – e será a estes que caberá a última palavra na solução para a crise da zona euro.

No entanto, desde o início da crise da dívida soberana da zona euro tem estado presente, de forma mais ou menos explícita, a esperança de os países em dificuldades convencerem os seus parceiros europeus a alterar a orientação do BCE, no sentido de adoptar uma política monetária expansionista, e a adoptarem políticas orçamentais expansionistas, que estimulem as importações de bens produzidos pelos países em dificuldades. Países como a Alemanha poderiam ainda tomar medidas para aumentar os salários e estimular a procura por essa via, reduzindo o superávite externo. De acordo com esta visão, desta crise poderia ainda sair uma solução para a fragilidade estrutural da moeda europeia através da criação de um "governo europeu", que recolhesse impostos e distribuisse subsídios e outras despesas públicas à escala europeia. Este governo poria em acção um mecanismo de "estabilização automática" dentro da zona euro: quando Portugal estivesse em recessão, como agora acontece, e a Alemanha estivesse em expansão, os impostos recolhidos na Alemanha pagariam, por exemplo, o subsídio de desemprego em Portugal. Por definição, este governo europeu seria financiado por euro-obrigações.

A evolução da crise tem mostrado que aquela é uma esperança vã por não ser aceitável para a generalidade dos alemães e para outros povos da Europa Central e do Norte. A concretização daquele cenário significaria que seriam os países em situação económica mais frágil, e que seguiram políticas económicas que se revelaram incompatíveis com a estabilidade do euro, a determinar a política económica dos países mais ricos e do BCE. Se o caminho continuar a ser este, o cenário mais verosímil será os países da Europa Central e do Norte deixarem cair os países com crises de dívida soberana. Neste caso, o euro acabaria e a União Europeia, como a conhecemos, também, ou pelo menos o número de membros seria reduzido significativamente. Seguir-se-ia um período de caos económico, social e político, com quedas abruptas do nível de vida, acompanhado pelo ressurgimento de tensões internacionais. Este processo teria consequências imprevisíveis, mas potencialmente dramáticas a um nível extremo, impensável na Europa ocidental antes da crise. Quanto a Portugal, passado o caos, certamente voltaria a ser o que era antes de iniciar o processo de integração europeia: um país pobre e periférico, e com grande instabilidade política.

No entanto, antes de isso acontecer, os países da zona euro, para salvarem a moeda europeia, poderão escolher soluções que envolverão políticas mais activas do BCE e/ou maior integração orçamental, e que correspondem a dois cenários possíveis.

No primeiro cenário, durante os próximos anos o BCE (e o FEEF) intervém de forma resoluta e em larga escala no mercado de dívida pública, comprando títulos dos países europeus com dificuldades em se financiar a taxas de juro que não ponham em causa a solvabilidade dos países e que evitem situações de pânico. Ao mesmo tempo, os países na mira dos investidores levam a cabo com sucesso programas de ajustamento orçamental, podendo ser auxiliados por alguma forma de reestruturação suave da dívida. Daqui por alguns anos, os investidores recuperam alguma confiança nesses países e o FEEF e o BCE podem mesmo deixar de comprar títulos de dívida pública desses países. Nessa altura, a zona euro volta à normalidade dos seus primeiros anos de vida, mas com spreads mais elevados para os países suspeitos, que tentarão manter as finanças públicas sob controlo de modo a evitarem uma repetição da crise. Contudo, o BCE (e o FEEF) terá que permanecer pronto a reentrar em acção quando voltar a haver algum alarme entre os investidores.

De facto, parece-nos que as decisões dos líderes europeus revelam a esperança, pelo menos aparentemente, de que esta solução resulte. No entanto, esta solução tem dois problemas: por um lado, não garante que o comportamento dos governos se venha a alterar de forma a evitar a repetição da crise – permanece um problema de risco moral, que poderá ser agravado neste novo enquadramento. Por outro lado, a alteração do comportamento do BCE dificilmente será aceite pelos cidadãos alemães. Assim, a dificuldade em implementar esta solução é que os mercados financeiros não têm acreditado na sua viabilidade, sentimento para o qual também contribuem o comportamento errático e a falta de consenso entre os próprios líderes europeus. As propostas de revisão do pacto de estabilidade e crescimento, nomeadamente através do estabelecimento de sanções automáticas para os prevaricadores, são uma forma de tentar ultrapassar este problema. Mas, se o pacto de estabilidade e crescimento falhou, o que garante que as novas propostas sejam eficazes (mesmo que venham a ser aceites por todos os países, o que também não é garantido)?

No segundo cenário, os países europeus chegam a um acordo político para reduzir, se não eliminar, a probabilidade de a zona euro voltar a enfrentar uma crise deste tipo. As medidas incluem (além de intervenções do BCE e de reestruturações suaves das dívidas) uma transferência das competências orçamentais para uma entidade europeia ‘desenhada’ pelos países da Europa Central e do Norte. Esta entidade compromete-se a apresentar orçamentos equilibrados (que poderão ter em conta a situação económica de cada país) para cada país sob a sua alçada. As autoridades nacionais poderão escolher o nível e a composição da despesa pública e o tipo de impostos que financiará essa despesa. A intervenção da entidade europeia no processo orçamental garantirá o cumprimento das metas orçamentais, impondo as medidas necessárias para corrigir desvios orçamentais. Pelo menos nos primeiros anos, esta solução deverá implicar a continuação da austeridade, de forma a reduzir o peso da dívida pública. O refinanciamento da dívida e o financiamento de défices temporários poderão ser feitos através de euro-obrigações, permitindo aliviar as medidas de austeridade.

Esta opção elimina o risco moral acima descrito através de uma transferência de poderes para uma entidade mais credível. Contudo, isto teria certamente a oposição de sectores importantes dentro dos países da zona euro, que a sentiriam como uma perda de soberania e uma submissão a regras estúpidas (que seriam sempre muito difíceis de definir).

No entanto, se nenhuma destas duas soluções resultar, o colapso do euro e o caos na União Europeia, em especial nos países periféricos, tornar-se-ão inevitáveis.

(escrito com Pedro Bação)