sexta-feira, 4 de maio de 2012

A propósito do penúltimo post do Luís

Naturalmente, dizem-nos que a pessoa que saudavelmente se dirige para o seu interior também se preocupará com os outros. Ao que eu apenas respondo: se podes acreditar nisso, podes acreditar em tudo.

                                                                                              Allan Bloom in a A cultura Inculta

Não há dúvidas de que os pressupostos da economia radicam na moderna filosofia fundada por Hobbes e Locke no século XVII. A visão dual dos gregos, em que a alma (representando as virtudes)  luta tenazmente com o corpo (símbolo dos desejos e vícios), dá lugar a um Homem solitário e egoísta, que apenas visa o seu bem-estar - em bom rigor, podemos considerar Maquiavel o pai desta moderna visão da natureza humana.
Esta nova visão do Homem está por detrás das análises das ciências ditas humanas ou sociais – nomeadamente da economia. Nas “análises científicas” do comportamento humano, qualquer acção ou efeito tem uma causa e, portanto, não há espaço para valores elevados e nobres como o altruísmo ou a generosidade: é irracional supor que alguém possa agir desinteressadamente.
Este tipo de análise racionalista, fria, mecânica e redutora da complexidade humana pode ser bastante útil na política ou no mundo dos negócios, mas é perniciosa quando baixa ao Homem comum e se transforma na visão dominante – até a amizade, por exemplo, corre o risco de ser vista como uma mera contabilidade de favores.

12 comentários:

  1. Que as minhas balelas inspirem esta tua entrada é a prova de que do mal pode vir o bem. E assim fica resolvida uma questão que tanto tem ocupado teólogos e filósofos.

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  2. A amizade é um elo biológico4 de maio de 2012 às 21:34

    que conduz a um fitness acrescido
    dos animais envolvidos
    e funciona inter-espécies...é por isso que o cão...

    gathering é a social skill útil em espécies gregárias
    (a economia é apenas uma adaptação de processos mentais primitivos

    que levam a uns quantos antropóides a escavarem buracos no silexito
    e a trocar esses pedaços com outros antropóides

    tamém serve para colecções de cromos

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  3. Tens razão num ponto: "do mal pode vir o bem" e, já agora, o contrário também é verdadeiro:

    "também os primeiros cristãos sabiam exactamente que o mundo é governado por demónios e que quem se mete em política, quer dizer, quem aceita utilizar como meios o poder e a violência, assina um pacto com o diabo, de tal maneira que deixa de ser garantido que na sua actividade o bom só produza o bem e o mau só mal, amiúde se verificando por sinal o contrário. Quem não consegue ver estas coisas não passa, politicamente falando, de uma criança"
    MAX WEBER

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  4. JCA,

    Acho que faz duas confusões neste post. A primeira é acerca da noção de causalidade. A causa de um comportamento não tem necessariamente de ser egoísta, nem vejo por que se deva assumir que só o interesse próprio pode servir de motor do nosso comportamento. Oferecer comida por altruísmo é, como razão, tão válido como comer por necessidade. Motivos nobres também são causas! (e, obviamente, a alternativa extrema de assumir que algo pura e simplesmente não tem causa - seja egoísta ou não - parece-me apenas uma má desculpa para a nossa ignorância)

    O "paradigma" do agente egoísta tem-se revelado útil e verdadeiro em muitas situações, e aí parece-me que a minha visão até é menos dogmática do que a sua. Se é possível explicar um comportamento através deste modelo, se a teoria encaixa nos dados e faz previsões correctas, então por que é o modelo há-de ser descartado? Talvez desmistifique alguns dos "valores nobres" que supostamente nos guiam, mas este argumento é tão sólido como o que foi usado no século XIX para atacar o darwinismo (homens a descender de macacos? Onde está a dignidade?).

    Se os dados não encaixam na teoria, pois então que se mude de modelo. Mas aí continua a ser necessário explicar como é que comportamentos genuinamente altruístas foram seleccionados em ambientes de concorrência que favorecem máquinas que propagam os seus próprios gentes, o que restringe bastante as respostas possíveis (e aqui entramos no âmbito da keen selection, teoria dos jogos e por aí fora).

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  5. Antes de mais, obrigado pelo seu comentário. No meu pot reconheço que o "paradigma" do agente egoísta pode ser bastante útil na política e no mundo dos negócios e, portanto, não descarto o seu poder explicativo em determinadas situações. Pessoalmente, também considero que o altruímo pode explicar muitas acções humanas. A minha questão no post é que as ciências humanas e sociais não o consideram nos seus modelos - a economia, pelo menos, não considera, apesar de Adam Smith ter falado precisamente no "altuísmo compassivivo" (o prazer que temos em ver os outros bem), mas referiu-se a ele no seu outo livro famoso: a teoria dos sentimentos morais.
    Esta questão é complicada. Por exemplo, não sei até que ponto esta visão do Homem - que vem de Maquiavel, que, esse sim, descartou a visão dos gregos e nos seus pressupostos para os conselhos que deu ao "Princípe" conse«direva o Homem egoísta, invejoso, desconfiado, mentiroso, etc. - é de tal forma poderosa que acabou por tansformar a própria natureza humana, ou seja a visão acabou por se transformar realidade.

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  6. Zé Carlos, percebo o que dizes, ou pelo menos penso que percebo. Mas não me parece que seja assim tão difícil incluir o altruísmo nos nossos modelos com o homo economicus.
    Nos nossos modelos, consideramos um homo economicus que maximiza uma função utilidade. Para introduzir o altruísmo nesses modelos, basta considerar que a utilidade do homo economicus é também função do bem-estar dos outros. Não só tal é fácil de fazer, como até é feito em alguns modelos. Por exemplo, quando se pretende modelizar aspectos inter-geracionais, como por exemplo heranças, é comum considerar na função utilidade do homo economicus o bem-estar dos seus descendentes.
    Outro exemplo, se admitirmos, como me parece razoável, que cada pessoa não gosta de observar muita desigualdade de rendimentos à sua volta, o que custa incluir na função utilidade do homo economicus uma variável que reflicta isso mesmo? Não custa nada, não é necessário mudar de paradigma, apenas a matemática fica um pouco mais difícil.

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  7. Em 1881, escreveu o importante economista irlandês Francis Y. Edgeworth: "O primeiro princípio da Economia é que cada agente é motivado apenas pelo interesse próprio." Altruímo pode ser definido como amor dsinteressado ao próximo.
    O princípio definido por Edgeworth mantém-se, ou não, no essencial, válido no grosso dos modelos económicos actuais?

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    1. O meu argumento vai ao lado, se na tua função utilidade incluíres o interesse dos outros, então ao procurares o teu próprio interesse estarás, também, a ter comportamentos altruístas. Não vejo por que seja necessário mudar de paradigma. (Aliás, eu quase que considero isto uma tautologia.)

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  8. "então ao procurares o teu próprio interesse estarás, também, a ter comportamentos altruístas"
    Luís, isto não me parece uma tautologia, parece-me mais um oxímoro. Por outras palavras, procurar o próprio interesse é uma contradição com a essência de altruísmo. Um altruísta, por princípio, não está preocupado em optimizar a sua função de utilidade.
    Lembro-me de há uns anos ter tido uma discussão com uma amiga que, convencida do egoísmo inerente ao ser humano - ou seja, vítima da tal visão moderna do Homem - me dizia que até a dor que sentimos com a perda de alguém próximo deriva do sentimento egoísta de nós ficarmos pior. Eu respondia que o essencial da dor vinha, como dizia o Platão, de um sentimento de culpa, culpa de não termos feito o suficinete para ajudar essa pessoa quando ela precisou, de termos estado ausentes, ignorado ou subestimado os seus momentos de sofrimento, etc. Pois bem, passaram alguns anos, e, infelizmente, perdi pessoas que me eram próximas e queridas e posso hoje afirmar que - pelo menos no que me diz respeito - o Platão é que tocou no essencial desta questão.
    Como escreveste naquele texto brilhante sobre as prendas de Natal, há de facto assuntos em que os economistas não têm competência para avaliar. Parece-me que o altruísmo é mais um desses casos.

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    1. Mas não consegues admitir que alguém goste de ajudar os outros? Se gosta, então por definição de gostar, ao ser altruísta está a ter alguma compensação, mesmo que puramente psicológica, por ajudar e por se achar útil.

      Penso que com um exemplo percebes o que quis dizer com tautológico. Supõe que alguém tem a opção altruísta de ir passar uma tarde a trabalhar para o banco alimentar contra a fome ou a opção egoísta de ir ver um filme.
      Se essa pessoa escolher ir trabalhar para o banco alimentar então é legítimo concluir que naquelas circunstâncias a pessoa preferiu ir ajudar os outros. É uma preferência que foi manifestada. Uma função utilidade que indique um valor maior para a acção altruísta do que para a acção egoísta capta esta preferência. (E aqui, como sabes, não interessa a utilidade cardinal, apenas a ordinal é relevante.)

      Se a interpretação subjectiva que dás a esse comportamento é a de que o agente é egoísta dado que apenas maximiza a sua utilidade, ou se é altruísta porque põe o bem-estar dos outros à frente do seu (ou porque se sente realizado a ajudar os outros, ou porque quer que a sua vida tenha um dado significado) é irrelevante. Para mim, o ponto principal é simplesmente este: não é necessário mudar de paradigma metodológico para que os modelos económicos descrevam e prevejam comportamentos altruístas. O actual paradigma abarca isso perfeitamente. Se os agentes dos modelos económicos não são altruístas é porque o modelizador assim o quer. A haver insuficiência não é do paradigma nem da metodologia. A insuficiência estará na moral do economista que escolhe modelizar o comportamento humano dessa forma.

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  9. Percebo o que dizes. És capaz de ter alguma razão. Mas o que me mete impressão é a ideia de associar compensação (ainda que psicológica) a altruísmo. Já li noutros sítios que até quando ajuda os outros o Homem se move por sentimentos egoístas, no sentido em que, no fundo, o que ele pretende é sentir-se bem consigo mesmo. Não sei, mas parece-me que há algo de perverso nesta maneira de ver as coisas. É claro que há pessoas que gostam de ajudar os outros (e são muitas, felizmente), mas não me parece que, quando o fazem, o seu móbil principal seja qualquer compensação, psicológica ou outra - admitir isso já me parece uma forma de desvirtuar a acção. É como alguém atirar-se instintivamente ao mar (já vi casos)para salvar um desconhecido, fá-lo quase automaticamente, sem pensar nas consequências que isso pode ter, inclusive para a sua própria vida.

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