Há uns tempos escrevi num comentário no FB que achava ofensivo para os
pobres associar maior pobreza a maior criminalidade. O LAC, simpática e
pacientemente, lá me tentou explicar que havia dezenas ou centenas de estudos
académicos que demostravam que nos períodos de maior crise económica os crimes
aumentavam, em especial os de natureza violenta. Acrescentava ainda que a
questão não era associar pobres e criminalidade mas sim o facto de a mesma
pessoa, à medida que empobrecia, revelar maior apetência ou propensão para o crime. Daqui
se devia inferir (penso eu) que, como há um empobrecimento geral em Portugal,
seria de esperar uma maior tendência para todo o tipo de crimes. Todavia, não é
para isso que aponta o recente Relatório Anual de Segurança Interna: “A
criminalidade geral participada à Polícia Judiciária (PJ), à PSP e à GNR baixou
2,3% em 2012 face ao ano anterior e a criminalidade violenta e grave desceu
ainda mais, com menos 7,8% de participações às polícias.” (Público)
Haverá com certeza pessoas que, em horas
de desespero, sem dinheiro para os compromissos assumidos ou até para comer,
são capazes de desatar aos tiros e assaltar supermercados e joalharias. Felizmente,
parecem ser uma minoria, insuficiente para se fazerem generalizações abusivas.
Um problema deste raciocínio é que em 2012 aconteceram muito mais coisas em Portugal do que apenas a recessão económica. Se alguns destes factores contribuíram para a alteração da taxa de criminalidade (e sem dúvida que alguns o fizeram), então não é correcto utilizar o caso português como contra-exemplo da tese de que uma economia mais débil tende a aumentar a criminalidade.
ResponderEliminarAliás, se quisermos extrair consequências da observação 'a olho nu' do caso português até teremos de concluir um pouco mais do que "a economia não afecta o crime". Acabaremos por chegar à conclusão de que quanto mais débil a economia estiver, mais baixa é a criminalidade - o que sugere que há algo a falhar neste método :)
Os estudos que documentam a relação entre economia/desigualdade e crime, por outro lado, tendem a anular o "ruído de fundo" introduzido pelas outras variáveis que oscilam lado a lado com a situação económica.
"Felizmente, parecem ser uma minoria, insuficiente para se fazerem generalizações abusivas."
ResponderEliminarA sério? Tu com base em 1 observação, sem controlares para nenhuma outra variável (p.e. nº de polícias na rua, fluxos migratórios, etc, etc), tiras uma conclusão assim tão forte (de que não há relação entre taxa de criminalidade e condições de vida) e quem faz generalizações abusivas são os outros?
Já agora, quando alguém diz que maiores taxas de criminalidade estão associadas a, por exemplo, maior desemprego, que generalização é que está a fazer?
De qualquer forma, nesta discussão o que mais me interessa é negar a afirmação de que dizer que maiores taxas criminalidade estão associadas a crises económicas não equivale, de forma alguma, a uma falta de respeito com os pobres. Simplesmente o raciocínio aplica-se a qualquer pessoa que se apanhe nessas circunstâncias.
ResponderEliminarEste filme apresenta uma versão extremada desta ideia: http://cinema.sapo.pt/filme/trading-places
Quem associa crises económicas a aumentos da taxa de criminalidade é que tem o ónus da prova. Eu apenas digo que este relatório não aponta nesse sentido, embora, confesso, intuitivamente sempre tive as maiores dúvidas sobre essas correlações para o caso português – fazem-me lembrar as correlações, mais do que duvidosas (penso que nesse caso comprovadamente sem fundamento), que em tempos também se estabeleceram entre pobreza e terrorismo. Se há outras variáveis decisivas, que, supostamente, mais do que compensariam os efeitos da crise, então, muito bem, demostrem-no. Só depois dessa demonstração, é que alguém poderá afirmar de forma fundamentada haver uma correlação entre a actual crise económica em Portugal e aumentos da taxa de criminalidade.
ResponderEliminar"Quem associa crises económicas a aumentos da taxa de criminalidade é que tem o ónus da prova."
EliminarPois, realmente o nosso ponto de partida apriorístico é tão diferente que é difícil discutirmos. A mim esse efeito parece-me tão óbvio que quase dispensa demonstração. Contigo passa-se o contrário.
De qualquer forma, como disse antes, nesta discussão o que mais me importa não é a relação de causalidade em si mesma, pelo que não vou insistir.
Apenas insisto que defender tal relação não tem absolutamente nada de ofensivo para os pobres, porque não se estão a comparar pobres com ricos. Está-se, isso sim, a argumentar que a mesma pessoa em circunstâncias diferentes tem comportamentos diferentes.
Sim, tal como disse, na nossa anterior conversa sobre o assunto no ponto essencial estamos de acordo: os pobres não devem ser vistos como potenciais criminosos. Também concordo que as pessoas em circunstãncias diferentes têm comportamentos diferentes - isso até é um pressuposto fundamental na economia e nas outras ciências sociais -, o que nos separa é que não é nada óbvio para mim que a maioria das pessoas em situação de empobrecimento tenha uma maior propensão para a criminalidade.
ResponderEliminarDeixei-te um gráfico na entrada a seguir a esta. Forte abraço.
Eliminar"não é nada óbvio para mim que a maioria das pessoas em situação de empobrecimento tenha uma maior propensão para a criminalidade."
ResponderEliminarJá agora, um pequeno preciosismo para quem nos lê. Para mim é óbvio que essa propensão aumenta, de facto, para a maioria. Mas tal não quer dizer, de forma alguma, que a maioria passe a praticar crimes. Se a propensão aumentar de 1% para 1,1%, há um forte aumento da dessa propensão (10%, para ser mais preciso) e, no entanto, a imensa maioria não passa a ter comportamentos criminosos.