Republico o artigo que escrevi no Público em 13 Outubro de 2012. Na altura, defendi um pacto, com força legal, entre os partidos do arco governativo que desse estabilidade suficiente para permitir (e simultaneamente obrigar) a que a redução da despesa, e a reestruturação necessária do Estado, se fizessem num prazo mais longo e não a correr. Na altura já eram conhecidos os primeiros números referentes ao défice de 2012 e estava-se no rescaldo da falhada tentativa de alterar a TSU. Sabe-se agora que também coincidiu com o primeiro pedido de demissão de Vítor Gaspar.
Penso que era uma boa ideia. Mas na altura, quando estávamos a 3 anos de novas eleições, não agora, quando vamos entrar em campanha eleitoral ao descobrir que estamos a 11 meses de eleições.
E se nos limitássemos a passos de bebé?
Quando foi anunciado o pacote de austeridade para 2012, assustei-me com a dimensão dos cortes. Juntando ao de 2011, eu perderia cerca de 25% do meu salário. Apesar de tudo, e acreditava nisto com convicção, pensava que se a terapia de choque permitisse ir além do acordado com a tróica, reduzindo o défice para menos de 4,5%, valeria a pena.
Sabemos os resultados: subiram-se diversos impostos e cortaram-se dois vencimentos aos funcionários públicos e reformados. Sequencialmente, o desemprego disparou para os 16% e reduziu-se o défice de 7,1% em 2011 para 6,3% em 2012.* Para reduzir o défice em 0,8 pontos percentuais era mesmo necessário tanto corte? Ou, pelo contrário, os efeitos recessivos foram tão fortes que a política seguida se derrotou a si mesma? Só não digo que não serviu para nada porque, de facto, o défice das contas com o exterior está quase anulado.
Para 2013, foram anunciadas medidas adicionais de um valor ainda desconhecido mas que ficará algures entre os 5 e os 6 mil milhões de euros. A história recente sugere que, na melhor das hipóteses, conseguiremos reduzir o défice de 6,3% para 5,5%, que o desemprego disparará para valores acima dos 17% e que o PIB cairá cerca de 2%.
Quem acredita que estes cortes draconianos são a política correcta, precisa de quanta evidência em contrário para concluir que estão erradas? No meu caso, os números para o défice de 2012 obrigam-me questionar as minhas certezas e a pensar em alternativas.
Políticas despesistas acentuariam o desequilíbrio externo. Uma política prudente seria manter a despesa pública e as taxas de impostos estáveis (fazendo os ajustamentos exigidos pelo Tribunal Constitucional). Com toda a probabilidade, o PIB pararia de cair em 2013 e as receitas fiscais cresceriam com o crescimento da economia. O crescimento económico seria maior se se obrigasse empresas com mercados protegidos a cobrar preços concorrenciais - de resto, é para isso que existem os reguladores sectoriais. A combinação do aumento de receitas fiscais, com algum crescimento económico, mesmo que sofrível, com alguns cortes que se pudessem fazer na despesa - redução de consumos intermédios, um corte feito com seriedade nos gastos com fundações e PPP e alguma racionalização de serviços públicos -, seria suficiente para fazer cair o défice em percentagem do PIB para um valor próximo do que vai ser obtido com os aumentos draconianos nos impostos. Se, a nível europeu, vier a ser criada uma taxa Tobin sobre transacções financeiras, estes efeitos serão maiores e compensarão algum excesso de optimismo da minha parte relativamente ao crescimento do PIB.
Apesar de corrigido o défice externo, convém não esquecer que tal aconteceu devido ao aumento do desemprego e queda de rendimentos de parte da população, que levou a uma quebra da procura interna e, portanto, das importações. Adicionalmente, o aumento das exportações ainda não está consolidado. Para garantir um equilíbrio externo e duradouro, é crucial que futuros aumentos da procura interna sejam resultado de aumentos das exportações.
Um empurrão adicional às exportações pode ser conseguido com a TSU como instrumento preferencial. O Professor Caldeira Cabral propôs uma queda significativa da TSU apenas para sectores sujeitos à concorrência internacional, o que teria impacto orçamental limitado. Mais tarde, quando houvesse condições orçamentais, poder-se-ia alargar a redução da TSU a toda a economia. Quer para garantir a aprovação da Comissão Europeia, quer porque é do nosso interesse a longo prazo, deve ficar absolutamente claro que esta diferenciação de impostos é temporária. A criação de linhas de empréstimos específicas para o apoio à actividade exportadora, podendo para isso usar-se parte dos fundos da tróica destinados à banca, seria também muito bem recebida pelas empresas. Se a Caixa Geral de Depósitos não é usada com este fim num momento de emergência nacional, então para que serve a Caixa nas mãos do Estado?
Para conter o aumento da despesa interna devem-se iniciar reformas estruturais na Segurança Social, que são inevitáveis, passando de um sistema de repartição para um sistema de capitalização. O aumento da taxa de poupança daí decorrente garantiria que a um crescimento do PIB corresponderia um aumento menos do que proporcional da procura interna.
Como seriam aceites internacionalmente estas políticas? É óbvio que todas estas medidas não podem ser seguidas à revelia da tróica. Adicionalmente, para ter credibilidade, seria necessário um pacto entre os três partidos do arco governativo que garantisse que a despesa pública não aumentaria durante um período alargado de tempo - 5 anos, digamos. Firmar-se-ia este compromisso na lei do enquadramento orçamental exigindo dois terços dos votos para ser alterada. Como forma de controlo, exigir-se-ia que cada Orçamento de Estado só entraria em vigor depois de ratificado pelo Tribunal de Contas, garantindo que a despesa orçamentada não excede a do ano anterior.
Se credível, o compromisso teria dois efeitos essenciais: (1) no curto prazo, travar-se-ia esta política que cria tanto desemprego e dar-se-ia a necessária estabilidade às empresas para investir; (2) no longo prazo, o Estado teria de redimensionar-se. Com a despesa pública estável em termos reais, o crescimento do PIB será suficiente para que, no fim deste período, a despesa pública represente menos de 40% do PIB, um valor bem abaixo da média europeia. A enorme vantagem de seguir uma política de pequenos passos é que se um deles estiver errado, não nos afastamos muito na direcção errada.
O consenso político é difícil de alcançar, mas ou se consegue agora ou nunca mais. Tem de se resgatar o "espírito" do memorando quando foi assinado - uma oportunidade para reforma - corrigindo medidas que falharam e garantindo que, havendo um compromisso a médio prazo sobre contenção da despesa, futuros governos ainda terão liberdade para fazer escolhas. Consensos e compromissos nalgumas áreas são a condição para que haja alternativas futuras noutras.
* Considero o valor de 7,9% para 2011, que corresponde ao défice sem a transferência dos fundos de pensões dos bancos corrigido dos efeitos da Madeira (0,4%) e do BPN (0,4%). Para 2012, sabe-se que no primeiro semestre o défice foi de 6,8%. O número de 6,3% é o que provavelmente se obteria sem medidas extraordinárias.
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