Minha Querida Neta Ana Rita:
Por acaso não lhe foi o tempo padrasto como o Vovô no final da carta ontem escrita e já hoje com mais um ano aposto à parcela simultânea da soma e subtracção, típicas de um ser em existência, colocava como requisito para tornar a escrever-te – o de se o tempo me não for padrasto… Não o foi ainda! E aqui estamos de novo diante de um espelho especado num chão firme para os teus pés e inseguro para os do Avô, que contempla contigo a primeira e a última cena da tragicomédia da vida.
Às alturas tão vertiginosas do tempo a que o Vovô ascendeu, torna-se-lhe agora prudente pressentir e suspeitar… O quê e de quê, não sabe, ou talvez saiba, mas só no fundo escuro do seu poço. Num relâmpago chegou 2014. O estrondo do trovão que se lhe vai seguir não será difícil de adivinhar…
Não fora a graça do teu terceiro aniversário, com seu rebanho de estrelas pastando na imensa campina do céu, e dir-se-ia que o ano em curso iria (irá), por razões que ainda não conheces, palmilhar um percurso pedregoso e cheio de abrolhos. Mas não o vais calcorrear, que ainda estás, e hás-de continuar, no quente aconchego da tua inocência.
Irás, sim, percorrer um outro caminho: o da tua vida escolar, que em Setembro se inicia. A partir de então, e durante longos anos, nele permanecerás. A escola será a tua segunda casa, a casa da aprendizagem do saber. Ao princípio, tudo te vai ser estranho. Ao nela entrares pela primeira vez até poderás derramar um par de grossas lágrimas com saudade da outra casa e da vida calma e descuidada que nela levavas. Todo esse desgosto, porém, depressa se te apagará da memória e transformar-se-á, no futuro, em doce recordação. A tua irmã Laura frequenta a mesma escola, será ela o teu guia e amparo nos primeiros momentos de solidão. Sempre que se encontrar em Braga, o Vovô há-de ir buscar-te à escola na companhia de teu Pai, assim como o tem feito com relação à Ana Laura.
A tua escola é de longe muito melhor do que foi aquela que o Avô frequentou no tempo remoto em que era criança. Tens mais sorte. Havia medo de ir para a escola. Uma tristeza indefinível alastrava-se no interior dos alunos ao lá entrarem. Os professores eram ruins e geniosos. Batiam com uma régua grossa nas palmas das mãos. Dá cá a mão à palmatória, dizia-se. E ainda hoje dar a mão à palmatória significa confessar um engano e apanhar a respectiva reprimenda… Sempre que se cometia um erro de ortografia ou se não papagueava a lição, toca de malhar com desalma nos alunos encolhidos de frio e de susto. A escola do Vovô mais parecia uma prisão do que um lugar livre e alegre, como aquela que vais este ano frequentar, chilreando de meninos e meninas alegres, sem medo, tendo no professor ou na professora um amigo ou uma amiga, um pai ou uma mãe. No tempo pré-histórico da primeira aprendizagem do Vovô, os professores eram, salvo raríssimas excepções, uns verdadeiros verdugos e os alunos os seus presidiários... Por isso o tempo arrastava-se muito devagar, nunca mais chegava a hora da saída para darmos vazão à nossa energia enclausurada. Mas, mal púnhamos o pé fora da casa da escola, bafienta e fria, gritávamos de alívio, nem sempre de alegria, porque, no dia seguinte logo de manhã, esperava-nos o mesmo fado chorado…
Vai então a minha neta Ana Rita principiar uma nova fase da sua vida. Período longo, muito comprido mesmo. Mas vale a pena. No fim da jornada escolar e mais tarde académica, sendo a mesma pessoa, serás uma outra, madura, cheia de brio pelas conquistas entretanto alcançadas. Gostaria de estar cá para te ver. Se não estiver, ver-te-ei com os olhos da alma. Um beijo e a bênção de teu Avô Cristóvão, que te quer muito!
Coimbra, dia da Senhora das Estrelas de 2014
Que sorte tem a Ana Rita em receber estas cartas tão belas do avô! Muitos parabéns à pequenita :)
ResponderEliminar