CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE
Título XVI
Regras especiais
CAPÍTULO I
Prisão preventiva e detenção
Artigo 123.º
Prisão preventiva
1 - A prisão preventiva, em conformidade com o princípio da presunção de inocência, é executada de forma a excluir qualquer restrição da liberdade não estritamente indispensável à realização da finalidade cautelar que determinou a sua aplicação e à manutenção da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional.
Sobre a prisão preventiva, muitos não conseguem ver para lá de Sócrates. Num país em que cerca de 1 em cada 5 reclusos são presos preventivos, choca a incapacidade de ver além do odiozinho de estimação.
Peguemos no último caso. Arnaut faz figura de pateta quando procura argumentar que se trata de uma perseguição a Sócrates. Objectivamente, Arnaut faz figuras ridículas quando fala de Sócrates, tal como outros antes dele. É por demais evidente que os responsáveis pela cadeia apenas estão a aplicar regras cegamente e não a perseguir o ex-primeiro-ministro. Mas é por isso mesmo que este caso nos deve alertar.
Se tratam assim um recluso quando sabem que estão a ser escrutinados ao milímetro, como não farão com outros? Custa muito perceber que José Sócrates é apenas a ponta do iceberg? Desprezar o que lhe acontece é desprezar todos os outros presos preventivos e suas famílias.
E, para mim, essa é a questão, com que legitimidade se desumaniza alguém? Com que legitimidade é que a nossa sociedade pega num cidadão presumivelmente inocente e o submete a um regime prisional em tudo semelhante ao de um condenado efectivo?
Esqueçam, por momentos, José Sócrates. O que vos diria o bom senso relativamente à prisão preventiva? Dando de barato que seja necessária, e lembro que tal não é verdade em diversos ordenamentos jurídicos, terá sempre de ser excepcional e apenas na medida estritamente necessária, tal como garantido na Constituição da República (artº 28). Se vamos cercear a liberdade de alguém que, perante a lei, é inocente, devemos reduzir essa liberdade da forma menos agressiva possível. Isto é mero bom senso. Faz, ou devia fazer, parte dos princípios gerais do Direito.
Diz o João Miranda que por causa de Sócrates vamos ter de andar a rever dezenas de leis injustas aprovadas pelo próprio. Ao João Miranda, e a muitos outros que aplaudem este tipo de declarações, eu gostaria de dizer três coisas:
- Se a prisão de Sócrates servir para tomarmos consciência da importância da liberdade será óptimo. Eu sei que parece ridículo dizer isto a alguém que se diz liberal e que faz da liberdade individual um valor quase absoluto, mas, claramente, não são só os apoiantes que ficam patetas quando falam de Sócrates.
- Se essa tomada de consciência servir para rever alguns códigos e regulamentos, já não vai a tempo de beneficiar Sócrates, pelo que pode ficar descansado. Os beneficiados serão outros.
- Não é preciso andar a rever leis à pancada. As que existem, se aplicadas com bom senso, servem perfeitamente. Cito o nº 1 do artº 123 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade: A prisão preventiva, em conformidade com o princípio da presunção de inocência, é executada de forma a excluir qualquer restrição da liberdade não estritamente indispensável à realização da finalidade cautelar que determinou a sua aplicação e à manutenção da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional.
Não devia ser necessário explicar isto, mas, num país em que a liberdade é regra e não a excepção, é evidente que a prisão preventiva tem de ser aplicada da forma menos restritiva e invasiva possível. Se uma pessoa que nem acusada foi não pode receber um livro, qual o valor que damos à liberdade em Portugal?
PS Agradeço a Teresa Pizarro Beleza a dica que deu no Facebook relativamente a este artigo do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Adenda
Adenda
Diz o João Miranda, sarcasticamente: "Por isso, há boas razões, como sugere o LA-C, para ter esperança que vamos ter grandes mudanças liberais na sequência do caso Sócrates. As experiências anteriores mostram que legislar sobre casos, ou tendo em mente a indignação que os casos geram, é uma grande ideia."
Ainda bem que eu escrevi, e passo a citar, "Não é preciso andar a rever leis à pancada. As que existem, se aplicadas com bom senso, servem perfeitamente." E queixam-se os liberais de que passam a vida a distorcer o que eles dizem.
Ainda bem que eu escrevi, e passo a citar, "Não é preciso andar a rever leis à pancada. As que existem, se aplicadas com bom senso, servem perfeitamente." E queixam-se os liberais de que passam a vida a distorcer o que eles dizem.
Caro LA-C,
ResponderEliminarIndependente de Sócrates, não percebo a necessidade para tanta prisão preventiva com a chegada dos meios de vigilância electrónica (que, na maioria dos casos, corresponde a prisão domiciliária). Partindo do príncipio que o maior risco será o de perturbação de prova (uma vez que, e pegando no caso Sócrates, a este é impossível fugir sem ser reconhecido e não me parece que estar em casa cause qualquer perturbação pública), isso não desaparece? Ponham o homem em casa e ele consegue interferir como?
Se o problema são os telefones, escutem a linha fixa e bloqueiem os sinais de telemóvel (e, já agora, obriguem a ligação à internet a passar por routers instalados pela PJ, com restrições ao tipo de software ou serviços que podem ser acedidos).
Mais, pode-se mesmo equacionar (a suportar pelo próprio, o que traria problemas de igualdade de acesso nos casos, mas adiante) que se o referido suspeito quiser sair de casa, o possa fazer acompanhado por um agente da polícia, que o deverá manter vigiado.
O perigoso aqui é a ideia do julgamento sumário: foste preso logo és culpado. Não sei se ele é. Pessoalmente acho que sim, mas não sou juíz e isso para aqui não conta. Mas não acho legítimo que alguém seja condenado antes do julgamento, mesmo que apenas de forma aparente.