quinta-feira, 31 de março de 2016

História gótica


25. Com a unha comprida do dedo mindinho, uma unha amarela e torta, retirou de entre os dentes, amarelos e tortos também, os restos fibrosos da carne que Gavril lhe servira ao jantar.

Intercalação: o quê


Quando somos pequenos, aprendemos que o quê tem o som do quá-quá dos patos.

O encontro mais importante

"Qual considera o encontro mais importante da sua vida? Até que ponto é que este encontro lhe pareceu, e lhe parece agora, resultado da fortuna ou pré-destinado?"

~ Inquérito feito por Paul Éluard e André Breton, os resultados do qual foram publicados no jornal Minotaur

É verdade, estou a ler "O Amor Louco" de André Breton. Gosto muito dos Surrealistas. Aqui estão alguns dos livros que estou a ler agora, alguns dos quais já mencionei aqui (o Robert Motherwell era um homem muito atraente -- um autêntico perigo).






História gótica

24. Uma coisa gatinhou pelo chão da cozinha.

quarta-feira, 30 de março de 2016

História gótica

23. Em frente da lareira, uma daquelas lareiras onde sete ou oito pessoas cabem de pé, um cão enorme estendia-se e secava o pêlo molhado.

Trumpada...

Uma rapariga de 15 anos que protestava contra Trump foi apalpada e atingida com gás pimenta por dois apoiantes de Trump no Wisconsin. A polícia anda à procura dos dois agressores.

Trump, Cruz, e Kasich foram a uma "town hall" da CNN falar com Anderson Cooper (o Anderson, que é filho da Gloria Vanderbilt, é sexy, fyi; os outros não dão pica nenhuma -- venha lá o Bloco de Esquerda acusar-me de discriminação sexual). Trump, numa hora, disse "excuse me" 18 vezes. Dá vontade de dizer, "Yes, Mr. Trump, you may be excused and good riddance..."

Os três candidatos Republicanos afirmaram que não iriam apoiar o candidato nomeado na Convenção Republicana, voltando atrás no que tinham afirmado antes.

Sim, o GOP está completamente em frangalhos. Sinto um calorzinho na barriga. Este é o partido que conduziu os EUA à Grande Recessão, depois de iniciar uma guerra por motivos errados. É bem feita! Agora só falta o PS auto-incinerar-se em Portugal para eu duvidar da não-existência de Deus.

Happy Meal em Bruxelas

A Fernanda Câncio foi a enviada especial do DN a Bruxelas. A Destreza das Dúvidas, sempre atenta, pediu à enviada que investigasse a actividade sexual das Happy Meals de Bruxelas. Já recebemos o relatório de que aqui damos conta.

Não havia nada a dizer rapaz ou rapariga no placard electrónico. escolhia-se simplesmente qual a prenda desejada no Happy Meal. A escolha era bastante alargada, como se vê na foto.

Ou seja, depois de Londres e Berlim, mais uma grande capital europeia que considera que os brinquedos da McDonald's não têm sexo.

Não se deve, no entanto, excluir a hipótese de a McDonald's belga ter mudado a política atemorizada com a visita da Fernanda Câncio.

Contamos em breve receber relatórios dos nossos enviados especiais à Suíça, Luxemburgo, Tailândia e Chicago.

História gótica

22. O funeral realizou-se debaixo de chuva.

Fogo...

you burn me
~ Moon Taxi (2013, EUA), Juniper (era o vosso TPC)

you burn us
~ Safo (entre 630 AC ou 612 AC e 570 AC, Grécia), traduzida por Willis Barnstone; "you" refere-se a Eros, deus grego do amor

you came and you did it, and I wanted you
and you thoroughly deceived my mind
as it blazed with desire

~ Safo, traduzida por Stanley Lombardo

if I meet
you suddenly, I can’t
speak — my tongue is broken;
a thin flame runs under
my skin; seeing nothing.
~ Safo, traduzida por Mary Barnard

Amor é um fogo que arde sem se ver
~ Luís Vaz de Camões (entre 1520 ou 1524 e 1580, Portugal pelo mundo)

Somos unidos por fogo no tempo e no espaço. E mais exemplos haveria, mas ultimamente ando numa de Safo...

terça-feira, 29 de março de 2016

História gótica

21. Os dois homens levantaram a cabeça ao mesmo tempo.

EUA -- Actualização

No Domingo, o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, admitiu que está a ter dificuldades em conseguir ser levado a sério por líderes internacionais, devido ao surrealismo da campanha eleitoral para as Presidenciais americanas. Parece que o mundo está chocado e incrédulo perante as peripécias políticas. Mas não se assustem, portugueses e portuguesas*, isto é normal e já dura há décadas. "You can always count on Americans to do the right thing -- after they've tried everything else.", como disse Sir Winston Churchill. Vamos lá a ver o que mais foi tentado desde ontem:

Não irá haver cowboyada na Convenção Republicana, pois os Serviços Secretos recusam-se a deixar o pessoal levar armas para lá por questões de segurança, apesar daquela petição com mais de 40.000 assinaturas. Imagine-se! Coitados dos apoiantes acérrimos da Segunda Emenda da Constituição. Booooooh...

O gerente da campanha eleitoral de Donald Trump foi preso e acusado de agredir uma jornalista, em Júpiter, Florida. A jornalista é apoiante de Ted Cruz.

Por falar em Júpiter, ando obcecada com a canção Juniper** dos Moon Taxi. Cá está ela e prestem atenção ao verso "You burn me" -- não vos recorda a poesia de ninguém?

* Rita, versão politicamente correcta-avançada e gramaticamente incorrecta.
** Zimbro, que é uma árvore ao pólen da qual eu sou extremamente alérgica. E as contagens de pólen de árvores andam bastante altas por Houston, TX...

Uma democracia a sério

A luta contra a discriminação sexual não tem fim, nem tréguas. Há meses o piropo de teor sexual foi criminalizado. Depois deste grande avanço civilizacional, ficámos, entretanto, a saber que a antítese do piropo e do assédio também pode ser crime. Pedro Arroja chamou “esganiçadas” às deputadas do Bloco e disse que “não as queria nem dadas”. Resultado? Sujeita-se a cinco anos atrás das grades.
O Nuno Amaral Jerónimo perguntou aqui se se deve dizer “meus amores e minhas amoras” e “colegas e colegas”. Não sei que diga. Talvez seja melhor “colegas e colegos”. Dirão: ah, a discriminação sexual só afecta as mulheres; por isso, que se lixem os “colegos”, os “economistos” e os “camarados”. Pois, mas isto também pode não ser completamente verdade. Há sempre a possibilidade de alguém sentir a sua masculinidade ofendida e preferir que “as colegas” e “os colegos” lhe chamem “colego”.
Enfim, a confusão está instalada. A Rita tem razão. É necessário um "um guia da discriminação sexual". Para nosso descanso, o Bloco de Esquerda é capaz de estar a tratar do assunto. Os Pedros Arrojas que se cuidem. Vai deixar de ser possível continuar a ofender impunemente os “outros”. Mas primeiro é preciso definir muito bem quem são “os outros”. 
Sugiro que no dito guia haja também uma lista com os nomes dos que podem (e merecem) ser enxovalhados à vontade: Cavaco Silva, Passos Coelho, Donald Trump (um doido varrido), movimentos conservadores e reaccionários de direita, Isabel Jonet, banqueiros, juízes brasileiros, etc. Claro que estas listas têm de ser constantemente actualizadas. Por exemplo, o Tribunal Constitucional já teve melhores dias. Houve um tempo em que qualquer crítica aos seus acórdãos era considerada um desrespeito pelos textos sagrados, também conhecidos como “Constituição”. Isto durou até ao dia em que a Marisa Matias considerou uma vergonha a decisão dos juízes em restituir as subvenções a políticos aposentados como João Soares ou Maria de Belém. Por outro lado, a Merkel já não é uma Hitler, foi elevada à condição de humanista. Pelo que talvez seja necessário nomear um comité de gente séria, honrada e imparcial, cuja função seria actualizar permanentemente as listas. Pode ser que assim tenhamos, finalmente, uma sociedade mais democrática, justa, tolerante e respeitadora. Uma democracia a sério.

Interpolação: palavras com zê


Zoroastro disse "se duvidas que uma acção seja boa ou má, abstém-te dela", mas há acções de cuja bondade ou maldade não duvidamos sequer, ainda que duvidemos se valem a pena, e quanto a estas não há profeta persa que nos ajude.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Entretanto, na América...

O último "escândalo" a afectar o GOP são as alegadas amantes de Ted Cruz. (E as amantes dos políticos portugueses, já encontraram? Parece que nem o Correio da Manhã lhes toca. Já percebi! É eficiência à portuguesa...)

Foi noticiado no National Enquirer, que Ted Cruz tinha cinco amantes secretas, supostamente, e deram-lhe a alcunha de Pervy Ted. Linda Stasi na New York Daily News diz que não consegue encontrar nenhuma mulher que queira dormir com Cruz. Não faço ideia porque procura, mas tenho pena da Linda, pois escapa-lhe o óbvio: o homem é casado, há pelo menos uma que dormiu e, se calhar, ainda dorme com ele. Duh!

Por falar em esposa do Cruz, o Gato Donald aproveitou e fez um tweet da foto da Heidi Cruz (manager na Goldman Sachs, whoop-whoop...) ao lado da de Melania Trump, o que escandalizou os apoiantes do Trump. Esqueceu-se de referir que a Melania tem mais photoshop do que um catálogo da Victoria's Secret, mas se Donald Trump dissesse a verdade, não seria Donald Trump.

P.S. Aposto que o Ricardo Araújo Pereira deve estar de boca aberta, nem ele conseguiria inventar estas patetices. A América é maravilhosamente surreal...

História gótica


20. Na carruagem, a rapariga não ouvia o matraquear da voz do padre nem sentia o hálito do boticário, perfumado por pastilhas de açúcar e violetas.

Acordo à americana...

Democrats and Republicans Finally Agree on Something: 40,000 Sign Petition to Have Guns at GOP Convention

Chaos and violence are far from rarities at a certain GOP front-runner's rallies, but it seems Republican voters would like to up the ante. More than 40,000 people have singed a petition to allow guns at the Republican National Convention in Cleveland, Ohio, in July. The petition, creatively titled "Recognize Our Constitutional Right to Open Carry Firearms at the Republican National Convention at the Quicken Loans Arena in July 2016," decries the fact that, although Ohio is an open-carry state, Quicken's strict policies prevent anyone from carrying a weapon into the arena.

Fonte: New York Magazine

História gótica


19. Este boticário era um personagem curioso.

O Vítor, o André, o Rui A. e a Câncio

Alexandre Burmester, a pretexto do meu último ‘post’, com um link para uma notícia de mais um atentado, lança uma série de perguntas:
Viveria num "ghetto"? Estaria desempregado? Seria vítima de racismo e xenofobia? Que fizemos nós, ocidentais, ou deixámos de fazer, para que isto tenha sucedido?
Como é óbvio, o que Alexandre fez foi disparar algumas das desculpas que se costumam dar a pretexto dos ataques terroristas (e da criminalidade em geral) -- ou, se preferirem, caricaturar as desculpas que muitas vezes se ouvem. 

Gosto de as ver assim tão bem esplanadas. É interessante vê-las assim por causa das reacções que vi no Blasfémias e no Insurgente a um dos artigos que Fernanda Câncio escreveu em Bruxelas. Nesse artigo, Fernanda Câncio visita o bairro onde viviam o terroristas e faz uma descrição que permite questionar aquelas desculpas uma a uma. As raparigas que ela entrevista são modernas e ocidentalizadas, que têm iPhones, usam jeans e gel nas unhas. Deixa bem claro que o bairro não só não é um bairro pobre, como até está muito bem localizado, é asseado, podendo ser tudo menos um gueto. Ou seja, parece difícil alegar que ali nascem terroristas por problemas de integração.

Ao longo da reportagem, Câncio vai mais longe e dá sinais de como é aquela cultura que se recusa fazer parte de um todo maior. Por exemplo, diz-nos que quando as miúdas se aperceberam de que estava sozinha ficaram preocupadas. Por exemplo, não foram a um café porque era só para homens e acompanharam-na ao táxi por estarem preocupadas com a sua segurança.

Nesta reportagem são descritos muçulmanos que votam à direita e que defendem a deportação dos terroristas, miúdas que defendem os terroristas, mas que se comportam e se vestem de uma forma que as condenaria imediatamente no Estado Islâmico. Tipos que gostam do Abdeslam, mas que acham ele devia ir parar com os costados à prisão, etc. Enfim, uma série de paradoxos, que continuaram a ser explorados nos artigos seguintes.

A partir desta reportagem, que qualquer pessoa com dois dedos de testa percebe que questiona uma série de argumentos desculpabilizadores, Vítor Cunha conclui que Câncio acha que há uma cabala ou uma campanha negra contra o bairro de Molenbeek. Como o Vítor é uma pessoa que escreve bem, é difícil de acreditar que não sabe ler. Custa entender como é que conseguiu perceber tudo ao contrário. Mas, depois, vemos ainda o André Azevedo Alves a reproduzir o post. E o Rui A., também do Blasfémias, aproveita o mote para gozar com a reportagem que pensam que leram.

Camaradas, tendes de passar a ler os artigos sem ver o nome dos autores. A vossa má-vontade é tal que vos retira qualquer capacidade de compreensão.

É de lei ou de cinto, Lindley Cintra?

Assim como parece que se deve dizer "portugueses e portuguesas" e "alunas e alunos" para não discriminar, também se deve dizer "colegas e colegas" (para distinguir os géneros) e "meus amores e minhas amoras"?

domingo, 27 de março de 2016

Sick for so long...

O princípio:

"Sick for so long
I forgot this feeling
When ya wake up in the morning
With your heart still bleeding
With the wolves at ya heals
When ya spark is buried, buried deeply
Burning from the bottom
Cracked open and weeping
That's how you singin' softly
Brooms be on the street now
Sweeping up the broken crowns
Glass in ya feet now
Remove it from ya feet now
Remove it from your back of the sidewalk

Like fire and water
Sun rays on the ocean waves
Fathers and daughters
Now ya gotta relate
Sun rays on the ocean waves..."

História gótica

18. "A menina verá, não é lugar onde valha a pena ir."

Aluada...

Acordei há menos de uma hora e, depois de consultar o email, Facebook, e Tumblr (ah, as minhas prioridades...), apeteceu-me ouvir a versão de "Harvest Moon" dos Poolside. É estranho porque a lua da colheita é daqui a seis meses, mas o meu cérebro tem razões que a própria razão desconhece. Ou então, poder-se-ia dizer que acordei aluada, mas seria mais fiel presumir que esse é mais o meu estado permanente. De qualquer dos modos, este tema é tão giro...

Because I'm still in love with you
I want to see you dance again
Because I'm still in love with you
On this harvest moon...

História gótica


17. O jogador de dominó atravessou aos tombos a praça da aldeia.

Lula livre

Amigos, lusófonos, bloguers

Emprestem-me os vossos olhos. Escrevo aqui para elogiar Lula, não para o crucificar. Que o bem que os homens fazem lhes sobrevive e o mal é muitas vezes enterrado com os seus ossos. Que assim seja com Lula. O nobre Boaventura disse-vos que Lula era um herói do povo. Se assim foi, é vigorosa qualidade, e vigorosamente Lula respondeu por isso.

Na imprensa, sob os olhares de Boaventura e do resto, porque Boaventura é um sociólogo imparcial, como todos os outros são imparciais, aqui venho eu escrever da perseguição a Lula. Ele era amigo de Sócrates, fiel e justo com ele. Mas Boaventura diz que ele é um homem do povo, e Boaventura é um professor imparcial.

Pode ter utilizado dinheiro dos cofres públicos para pagar o mensalão. Pareceu aqui Lula ser ambicioso? Não, porque os amigos não ficaram sem nada.

Quando os pobres choraram, Lula deu-lhes um cabaz de comida. Pareceu aqui Lula ser como a Isabel Jonet? Não, porque ele foi metalúrgico e a Jonet só sabe usar talheres.

Mas Boaventura diz que Lula era honesto, e Boaventura é um professor sério. Todos viram como, durante a Quaresma, Dilma três vezes lhe ofereceu um cargo no governo, e três vezes Lula aceitou.

Mas diz Boaventura que Lula era honesto, e claro, ele é um sociólogo honrado. Não escrevo aqui para desaprovar o que escreveu Boaventura, mas apenas para escrever sobre o que sei.

Se estivesse disposto a virar os vossos corações contra Lula, contrariaria Boaventura e toda a esquerda, que, como todos sabem, são pessoas sérias e honradas. Mas não os vou contrariar. Prefiro enganar os leitores, enganar-me a mim, enganar a Oderbrecht, do que contrariar gente tão séria e honrada.

 

(Agradeço as preciosas contribuições de William Shakespeare, Boaventura Sousa Santose Brasília, sem as quais este post não veria a luz do ecrã.)

Sumário

It's that simple, people.

A photo posted by Free Press Houston (@freepresshouston) on

P.S. BLM: Black Lives Matter

sábado, 26 de março de 2016

Uma pouca vergonha

Ontem, o meu filho-cão mais novo, o Chopper, chamou-me à atenção de que o meu jardim está completamente fora de controle. Estas últimas semanas, com a chegada da Primavera, tem sido uma autêntica pouca vergonha por estas bandas. A culpa é dos pássaros, que começaram a acasalar. Andam eles atrás delas e com cada piu-piu e assobio só saem obscenidades tipo "Anda cá, ó passarinha!", "Fodia-te as penas todas, ó passarinha!" Os passarinhos mais recatados, que dizem "Queres fazer amor comigo, minha linda?" não têm hipótese, pois elas escolhem os mais agressivos. Eles montam nelas, puxam-lhes as penas da cabeça com o bico, numa clara demonstração de submissão da pássara, e eu, uma mulher moderna, sinto-me profundamente agredida com estas coisas.

História gótica

15. Que pressentimento teve a mulher que se levantava cedo para tratar das lides domésticas?

Precisa-se: Guia da Discriminação Sexual

Depois desta coisa do Pedro Arroja estou a pensar que precisamos de um Guia da Discriminação Sexual e do que é igualdade entre mulheres e homens. Eu passo a vida a dizer que o António Costa nem nu convenceria e ainda ninguém me disse nada. Porque é que se acha que o Pedro Arroja discriminou sexualmente? Por dizer que não se casaria com as moças do Bloco de Esquerda? Mas é óbvio que não; consta-me que o homem é casado e bigamia é crime.

Ou será que é crime dizer publicamente que uma mulher não dá pica? E os homens, podemos dizer quais dão e quais não dão pica? E se eu tiver uma crise de identidade sexual e acordar um dia e decidir que gosto de mulheres, mas as senhoras do Bloco de Esquerda não me dão pica e disser isso publicamente? Se for uma lésbica ou bissexual a dizer, já é crime? Esclareçam-nos lá isto, que é para nós termos uma ideia do que é censurável e o que não é. Ah, esperem, a censura acabou em 74?!? Não, recomeçou em 2015.

Já agora, que estamos a falar de discriminação sexual, dava para dizer aos gajos que aparecem nos vídeos pornográficos para mostrarem a cara e gemerem mais? É que só aparecem as caras das mulheres e só elas é que gemem. As mulheres estão a ser discriminadas sexualmente, queríamos ver mais gajos com olhar de tesão, a grunhir. Tem de haver igualdade: dêem a cara e gemam para as mulheres, homens!

sexta-feira, 25 de março de 2016

História gótica



14. Zselyk, rodeada por uma floresta verde escura, quase negra, é uma aldeia já com muitos séculos, ainda que sem monumentos que nos digam isso.

Je suis Pedro Arroja

Vivemos num país, e numa sociedade, onde a liberdade de expressão é não direi sagrada mas um bem maior. Independentemente de gostarmos ou não, aceitamos que haja obras de arte que desrespeitam o que é sagrado para muita gente (por exemplo, pôr um crucifixo num copo de mijo). Dentro do nosso debate político, assistimos muitas vezes a insultos excessivos. Lembro-me de uma vez ter visto Jaime Gama a chamar, no parlamento, vulgar canalha a Guilherme Silva (deputado do PSD). Exemplos de insultos e provocações que são aceites em nome da liberdade de expressão abundam.

Pedro Arroja, num programa no Porto Canal, fez umas declarações parvas sobre as mulheres do Bloco de Esquerda, dizendo que elas eram umas “esganiçadas” e que se fosse casado com elas teria uma vida miserável. Enfim, “não as queria nem dadas”. A sociedade reagiu, muitas pessoas criticaram essas declarações, Pedro Arroja foi ridicularizado e penalizado pela opinião pública (ou publicada, melhor dizendo). 

Saber agora que o assunto está em Tribunal, que o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) está a investigar o assunto, e que o parlamento perdeu tempo a autorizar as deputadas do BE a testemunhar sobre o assunto deixa-me de boca aberta. A sério que o DIAP não tem melhor forma de usar os seus recursos? O tempo para eles não é escasso? Foi a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género que apresentou queixa. Fico, mais uma vez, estupefacto. Não têm mais nada que fazer? Não encontram desigualdades e discriminações de género bem mais relevantes do que alguém ao falar de algumas mulheres dizer que elas são esganiçadas e que não quer casar com elas?

Invasões bárbaras

As invasões bárbaras durante o século V destruíram o império romano e uma civilização com séculos de existência, seguindo-se uma idade das trevas. Nos últimos tempos, surgiu outra visão, que se tornou talvez dominante. Afinal, o que houve foi uma transição pacifica para o domínio germânico. Esta mudança de perspectiva tem a ver com a actual situação – as perguntas que colocamos sobre o passado nunca estão desligadas do presente em que vivemos. Imagino que na cabeça de muitos germânicos, escandinavos e anglosaxões seja difícil engolir que os latinos, esses povos cheios de vícios, foram outrora muitíssimo mais avançados que os povos “bárbaros” do norte da Europa. Há cerca de 10 anos o historiador Bryan Ward-Perkins, com certeza irritado com essa visão idílica dos acontecimentos, escreveu um livrinho intitulado “A queda de Roma e o fim da civilização”, em que tenta demonstrar que o fim da autoridade universal de Roma trouxe o caos. Nove décimos da Europa regrediram mil anos, para o princípio da Idade do ferro.
O império romano atingiu um extraordinário nível de sofisticação. A moeda tinha-se generalizado nas trocas quotidianas. O nível de especialização produtiva por região estava já bastante avançado. Um camponês do norte de Itália podia comer em loiça e dormir debaixo de um telhado de telhas produzidas no sul de Itália. A cerâmica romana era de excelente qualidade, produzida em grandes quantidades e com uma alargada difusão. Era transportada por muitas centenas de quilómetros, chegando não só aos ricos, mas também aos pobres. O mesmo se passava em relação à produção de metais. Tudo indica que os enormes mercados para o vestuário, o calçado e as ferramentas não fossem menos sofisticados. Os arqueólogos nas últimas décadas têm feito descobertas que só vêm confirmar esta tese. Nos séculos seguintes, reinou o caos, a insegurança, a violência, a miséria. As pessoas voltaram a comer à mão, os pavimentos das casas passaram a ser de terra e os telhados de palha e barro. A moeda quase desapareceu e no dia-a-dia voltou-se à troca directa. Basta entrar num museu para verificar que há sempre um buraco de 700, 800, 1000 anos, em que a civilização desapareceu do radar histórico. Ao contrário da cerâmica e do metal, a palha e o barro não resistem à ruína natural do tempo.
Moral da história? O impensável acontece.

História gótica

13. "Espero que ninguém perceba", disse para si própria a rapariga que descia do comboio.

Life

I drown my days:
hours, minutes, seconds
get washed away
in a sea of blood and tears,
with which I smother all hope and fear.

I burn my days:
hours, minutes, seconds
get torched away
in a fire of lost years
until there is no other,
for I will not be here...

quinta-feira, 24 de março de 2016

"Crescimento Keynesiano"

Numa das vias de entrada para o prédio onde trabalho, há um sinal a indicar o acesso para pessoas em cadeiras de roda. Recentemente, o sinal foi mudado: retiraram as letras antigas e colocaram umas novas. As novas têm a novidade de ter um erro ortográfico, que as velhas não tinham. Um dia destes terão de repetir a coisa, assim o PIB irá "crescer" uma terceira vez pela mesma coisa. Aprendam, que os americanos não duram para sempre!

P.S. Estão a ver o cimento a rachar? Lisboa vai ser tão gira com o pessoal a estacionar em passeios de cimento e aquilo a rachar tudo. Serão passeios abstracto-realistas para combinar com as contas da CML que também continuarão a rachar...




Outro alerta...

Há dois dias, o U.S. DoS emitiu um alerta aos cidadãos americanos que estão na Europa ou irão lá estar. Diz assim:
The State Department alerts U.S. citizens to potential risks of travel to and throughout Europe following several terrorist attacks, including the March 22 attacks in Brussels claimed by ISIL. Terrorist groups continue to plan near-term attacks throughout Europe, targeting sporting events, tourist sites, restaurants, and transportation. This Travel Alert expires on June 20, 2016.

U.S. citizens should exercise vigilance when in public places or using mass transportation. Be aware of immediate surroundings and avoid crowded places. Exercise particular caution during religious holidays and at large festivals or events.

Fonte: United States Department of State, U.S. Passports & International Travel

Em Novembro do ano passado, houve um alerta global, que expirou em 24 de Fevereiro. O alerta para a Europa termina em 20 de Junho, mas aposto que até lá haverá mais outro atentado. O povo diz que "não há duas sem três", mas já passámos desse ponto e parece que os terroristas estão a ganhar momentum. Os responsáveis pela segurança na Europa são, acima de tudo, optimistas. Daqueles que pensam que não haver atentado é sinal de sucesso, quando não se pode falar em sucesso neste tipo de situações, pois a véspera de um dia em que as coisas falham é um dia em que tudo corre bem. Pensem nos EUA na véspera de 11/9/2001: também se pensava que havia sucesso.

Lá por os terroristas terem escolhido Paris duas vezes e Bruxelas uma, não quer dizer que não decidam diversificar o seu portefólio de alvos. Uma das dificuldades em lidar com estas coisas é que, por serem tão raras, parecem um bocado aleatórias e difíceis de prever antes de acontecerem.

História gótica


12. Na taberna, enquanto o homem limpava a garganta com mais um copo de aguardente, os outros homens, apesar da impaciência, esperavam a continuação do relato.

Radicais humanistas

"There is this to say apropos the advanced art of our time: that the critical problemas of direction and quality are not kept distinct. Because a given work has originated in the most "modern" milieu, it is supposed to be valuable ipso facto, just [as] we sometimes assume unthinkingly that because so-an-so is a radical in his politics, he must be a humanist as a man. Otherwise art and politics were only specialized games. But in practice, we can judge nothing but a man's politics from his politics."

~ Robert Motherwell, Review of Calder's Three Young Rats (1944), in "The Writings of Robert Motherwell"

Dois pontos: (1) as preferências políticas, e até as religiosas, são apenas isso e não há qualquer implicação de que sejam condições necessárias ou suficientes para que as pessoas que as tenham sejam humanistas ou sequer boas pessoas; e (2) a escrita do Robert Motherwell é orgásmica!

História gótica

11.  À volta do estrangeiro, várias caras vermelhas fumavam os seus cachimbos, desconfiados. Melhor, desiludidos. Tinham-lhes prometido uma história espantosa, uma história digna do ar aterrorizado com que o homem entrara na taberna, mas até agora ouviram apenas coisas que não lhes diziam nada, sobre gente que não compreendiam, com as suas angústias e os seus lenços perfumados. 

eles e nós

1.

Destaco o último parágrafo:
Isis is killing more Muslims than any other group, yet Western news reporting, by highlighting only the West, tends to feed a "Muslims are against us" mentality. Until we understand that it's "Isis against the World", including Muslims, we will not be able to defeat a common enemy.

2.
Os três terroristas do ataque em Bruxelas eram belgas.
Por causa de Bruxelas, a Polónia fecha a porta a refugiados.
(devo ter faltado a alguma aula de Lógica...)

3.
Na Alemanha, o carro de um dirigente do partido neonazi NPD despistou-se e bateu contra uma árvore. Refugiados que por acaso iam a passar pelo local tiraram-no do carro e prestaram-lhe os primeiros socorros até chegar a ambulância. O NPD elogiou publicamente esses refugiados.
(imagino o homem a abrir os olhos depois daquele acidente, olhar para um grupo de moreninhos a falar árabe e pensar "não me digam que fui parar ao paraíso errado!") (e também: "será que tenho direito a virgens? afinal de contas, matei um cão alemão!")

quarta-feira, 23 de março de 2016

História gótica

10. "Mas para perceberem bem o que se passou, tenho que começar por explicar quem eu era há alguns anos.

Re: Silêncio ensurdecedor

Vítimas de ataques terroristas na Europa Ocidental
(Fonte: Max Roser, twitter)
Esta entrada anterior do Zé Carlos toca em pontos muito importantes. Em particular, considero insolúvel a contradição interna que é em nome do princípio da igualdade defendermos a abertura das fronteiras a culturas (e religiões) que não respeitam esse princípio. Apesar de tudo, penso que a entrada do Zé Carlos não tem em consideração dois aspectos que me parecem importantes: 
  1. As principais vítimas dos atentados terroristas perpetrados por fundamentalistas islâmicos por este mundo fora são muçulmanas. O facto de apenas se noticiarem as vítimas ocidentais não altera esta realidade objectiva. Quando se tem isto em consideração, parece menos óbvio que os muçulmanos sintam necessidade de manifestarem o seu desacordo com o terrorismo islâmico: são as suas principais vítimas.
  2. Mesmo que nos restrinjamos às vítimas do mundo ocidental, a verdade é que numa perspectiva de mais longo prazo podemos ver que o terrorismo nestas terras não é um exclusivo islâmico.

O grande estadista brasileiro

Nos anos 1930, Getúlio Vargas iniciou uma política económica que ficaria conhecida como industrialização por substituição de importações (ISI). O desenvolvimento seria o resultado da aplicação da ISI através do planeamento estatal. O Estado era o principal actor e o mercado era relegado para um papel secundário no processo de desenvolvimento.
A partir dos anos 50, este modelo estendeu-se a toda a América Latina, mas com resultados muito desiguais. Por exemplo, revelou-se um desastre na Argentina, que o adoptou a partir de meados dos anos 1940 com Perón. A Argentina, entre os cinco países mais ricos do mundo em termos de rendimento per capita nos anos 1930, ver-se-ia ultrapassada pelo seu rival Brasil, que passou a ser a maior potência da América Latina, sobretudo a partir dos anos 1950. De facto, a ISI funcionou no Brasil até ao início dos anos 1980, alcançando taxas de crescimento impressionantes com Juscelino Kubitschek (6% ano, na segunda metade dos anos 1950) e na ditadura militar (8%, entre 1967-1973). No início dos anos 1980, este modelo estava esgotado. A inflação atingiu níveis astronómicos e décadas de intervencionismo estatal levaram a uma dívida pública estratosférica.
Getúlio Vargas e a ditadura militar são considerados de direita no Brasil, mas essa classificação não radica com certeza na sua política económica. Ninguém de esquerda a contestou. Bem pelo contrário. A seguir a 1985, os primeiros tempos da democracia caracterizaram-se por um enorme caos. Ninguém queria reformas. A esquerda, os tecnocratas nacionalistas, os sindicatos, a comunidade empresarial todos as rejeitavam e todos pediam a protecção do Estado.
Fernando Henrique Cardoso, um socialista (para muitos, um ex-marxista), foi o maior estadista brasileiro do século XX. Em meados dos anos 1990, começou a desmantelar o Estado populista e proteccionista, fundado por Getúlio Vargas em 1930, construído pelos seus herdeiros e expandido pelos militares. Foi o homem que conduziu o Brasil no caminho da abertura e da liberalização económica. A título de exemplo, quando chegou ao poder, 19 das maiores 20 empresas brasileiras eram estatais.
O grande mérito de Lula nos seus primeiros tempos foi ter-se mantido na rota traçada pelo seu antecessor, indo contra a ideologia dominante do PT, que, na verdade, se revia na política económica protecionista e intervencionista da ditadura militar – e que, como relembra Rodrigo Mendes Pereira, o governo de Dilma tentou recuperar.
Lula tirou 40 milhões de brasileiros da pobreza, rezam as crónicas. Sim, é verdade, muitos pobres passaram a ter “geladeira” e televisão. Mas nada disso teria sido possível sem a visão e o talento de Henrique Cardoso, esse sim, o grande herói brasileiro contemporâneo. Já agora, convém acrescentar um pormenor. Socorrendo-me daquele famoso provérbio chinês, Lula deu peixe aos pobres brasileiros, mas não os ensinou a pescar. Não lhes deu sequer uma cana, uma vez que, por exemplo, o sistema de saúde e de transportes públicos continuam a ser uma vergonha. 

História gótica

9. "A minha garganta está seca como  cinzas. Dá-me mais um copo desta mistela, estalajadeiro, hoje até isto me sabe bem.

Exportações

O Manuel Cabral, Ministro da Economia, e que também escreveu na DdD, foi à Bloomberg e falou das exportações de Portugal, que têm seguido uma tendência de aumento, beneficiando da desvalorização do euro, e de como o mix de países para onde Portugal exporta está a melhorar. Sem dúvida, o papel de Álvaro Santos Pereira, o antigo Ministro da Economia, foi crucial para dizer aos portugueses que se tinha de exportar mais, nem que fosse pastéis de nata. No entanto, há um risco na política de desvalorização do euro: não dura para sempre! E se Portugal desenvolve uma estratégia partindo do princípio que o BCE vai andar a emitir euros ad eternum, é claro que a economia portuguesa irá colidir com a realidade outra vez.

Há coisa de duas semanas, uma amiga minha americana, que vive em Oakland, na Califórnia, postou no Facebook que tinha comprado umas botas feitas em Portugal. Eu congratulei-a e disse-lhe que o calçado português tinha boa qualidade. Ela disse que o vendedor tinha mencionado muitas vezes que eram portuguesas para a convencer a comprá-las; mal sabia ele que ela tinha uma amiga portuguesa e que, ao mencionar o país de origem das botas, a fez pensar em mim. O preço original das botas era $180, mas estavam em promoção e ela só pagou $90 + imposto, logo à volta de $100.

Como mencionei no post sobre a ignorância da Catarina Martins, a indústria do calçado português recusou-se a seguir as indicações da Troika e não baixou os salários; em vez disso apostaram em exportar calçado cada vez mais caro. O preço de venda médio dos sapatos portugueses exportados era de €22, mas o objectivo é ultrapassar os italianos que tinham um preço médio de €37,5/par. A indústria segue uma estratégia delineada até 2020, baseada na qualidade, design, e reputação. (Ler mais neste artigo do Público de 2013.)

Quase todos os produtos portugueses que eu encontro nos EUA estão em lojas de classe média/média-alta e, em muitas lojas, realça-se que o produto é feito em Portugal. É esse o nosso nicho, pois temos qualidade e reputação para isso. Mas também temos de desenvolver outras áreas de exportação, nomeadamente em serviços. Precisamos de uma classe política com um mínimo de cultura geral. Qualquer político que ache que Portugal será condenado à pobreza exportando, por causa de ter de competir com os custos de mão-de-obra da China, não sabe do que fala. Até porque as companhias de baixo custo já estão a sair da China e a ir para o Bangladesh e o Vietnam, por exemplo, pois os salários na China já estão a aumentar.

E temos de ter práticas de trabalho que nos salvaguardem no mercado global. Por exemplo, quando uma empresa de consulting é contactada por um cliente estrangeiro, a empresa portuguesa tem de fazer uma proposta de trabalho para o cliente onde diz o que vai fazer, quanto vai custar, e quando o pagamento é esperado. Tudo isso tem de estar documentado por escrito e assinado por ambas as partes antes de se começar a fazer o trabalho. Quando o trabalho é entregue, a empresa portuguesa envia uma nota a pedir pagamento. Já soube de casos em que empresas portuguesas não foram pagas porque ficaram à espera que o cliente estrangeiro lhes pagasse voluntariamente.

Silêncio ensurdecedor

Marx dizia que a religião é o ópio do povo. Durante muito tempo ouvimos a esquerda a reproduzir esse mantra. Há alguns anos percebemos que, afinal, essa máxima só se aplica ao catolicismo ou cristianismo. Os católicos tiveram de engolir ataques, acusações sobre o atraso do país e do mundo, piadas – muitas, diga-se em abono da verdade, sem piadinha nenhuma. Os católicos não gostavam? Com certeza que não. Mas não tinham outro remédio senão aguentar - embora acredite que alguns fundamentalistas e, passe a redundância, maluquinhos suspirassem pelos tempos áureos da inquisição, em que os hereges eram postos na ordem. De qualquer maneira, não passou pela cabeça de nenhum católico lançar uma campanha de ódio contra, por exemplo, Eça de Queirós devido às “heresias” de “O crime do padre Amaro” ou de “A relíquia”, um livro que é do princípio ao fim uma paródia sobre o cristianismo. Nem ninguém decretou a morte (literal) dos Monty Python, por causa de “A Vida de Brian”. Aliás, os Monty Phyton reconhecem que hoje, nestes tempos tão modernos e tolerantes, dificilmente alguém se atreveria a fazer “A vida de Brian II” – ai, meu Deus, que se pode ofender judeus, católicos, protestantes, muçulmanos, isso é que não.
Curiosamente, tratando-se do Islão a esquerda esquece-se da máxima de Marx. Os muçulmanos tratam as mulheres de forma inaceitável para os nossos padrões, mesmo quando estão em solo ocidental? Não, esse tipo de observações é racismo, discriminação, falta de respeito pelas diferenças culturais, etc.. Então, e o machismo do homem ocidental?, perguntam alguns. Confesso que fico perplexo com este tipo de desculpabilização ou relativização, sobretudo quando vêm de feministas. Mas adiante.
Por que motivo há tantos muçulmanos envolvidos em ataques terroristas? É com certeza uma coincidência. O Islão é uma “religião de paz”, asseguram-nos os “especialistas”. Os terroristas podem ser muçulmanos, mas o terrorismo não tem nada a ver com o Islão, é uma questão política. A maioria dos muçulmanos é moderada e pacífica. Eu, acreditem, esforço-me por acreditar nesta visão das coisas.

Sempre que há um ataque terrorista cometido pelos jihadistas tenho a esperança de que apareçam grandes manifestações organizadas pelas comunidades muçulmanas a criticar categoricamente os ataques, sem “mas” ou meio mas no meio dos discursos. Mas, fora uma ou outra declaração de repúdio, essas grandes manifestações nunca acontecem. Ninguém acha isso estranho? Se a maioria dos muçulmanos são moderados, pacíficos e condenam este tipo de actos, têm medo de quê em assumir publicamente o seu total repúdio? Serão uma maioria silenciosa, sem consciência de que são efectivamente uma maioria? O problema é que este silêncio tem consequências. Com o tempo, começa a instalar-se no europeu médio a suspeita de que, se calhar, a maioria dos muçulmanos até compreende as razões e motivações dos "mártires" bombistas. E os Le Pen deste mundo são os primeiros a agradecer esse silêncio ensurdecedor.

terça-feira, 22 de março de 2016

Ainda a ditadura do politicamente correcto

Chamaram mulher ao Goucha no "5 para a Meia-Noite". O antigo apresentador do programa de entrevistas "Homem para Homem" passou-se e processou-os. A juíza, em vez de se limitar a dizer que chamar mulher a alguém é perfeitamente admissível num programa de sátira, argumentou que Manuel Luís Goucha estava a pedi-las pois usava muitos gestos de mulher, além de usar cores berrantes, típicas do "universo feminino".
Goucha, revoltado, recorreu ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, ou melhor dos Direitos do Homem, queixando-se da justiça portuguesa e dizendo que foi discriminado por ser homossexual. A decisão do TEDH saiu hoje. Por unanimidade, foi decidido que Goucha não tinha razão de queixa.

Pequenez

Depois dos últimos atentados de Paris (é estranho escrever isto...), o Facebook foi criticado por causa de ter disponibilizado uma ferramenta para colorir a foto de perfil dos utilizadores com as cores da bandeira francesa. Agora, a seguir aos atentados de Bruxelas, está disponibilizada uma ferramenta para que as pessoas na área afectada se marquem como "A salvo". Na minha página já surgiram três amigos a salvo: um belga e dois portugueses.

O meu amigo belga postou no Domingo uma foto dos seus três filhos pequenos, todos alinhados à mesa, a comer sopa. Quando vi a notícia dos atentados esta manhã, assim que acordei, essa imagem veio-me logo à cabeça. Comentei no post "a salvo" dele e, logo a seguir, comentou uma amiga nossa comum, que é japonesa, mas vive na Alemanha. Como dizia o Thomas Friedman, "the world is flat". Estamos todos no mesmo barco, o mundo é cada vez mais pequeno.

This breathing house built with hands

Coleridge, precocemente envelhecido pelo uso continuado de ópio, escreveu um brilhante poema no jardim da sua casa em Highgate, no norte de Londres, a que deu o nome de youth and age. O poema lamenta o modo cruel como o corpo envelhecido lhe nega as alegrias várias da sua juventude. A certa altura, o poema refere-se ao corpo humano como uma casa que não foi construída com as mãos – this breathing house not built with hands. Esta é uma alusão a S. Paulo, que assegura aos seus seguidores que estes terão à sua espera uma casa que não foi feita pelas mãos dos humanos, mas sim por Deus. Note-se bem: a compensação pelas múltiplas agruras e humilhações da vida é uma casa que não foi construída com o uso de mãos; das mãos trémulas, imprecisas, cansáveis, impotentes dos homens. Ao contrário, a casa dos céus é perfeita, eterna, incorruptível; nunca desabará, nunca nos deixará sem um tecto. Ora Coleridge parece perguntar: e esta casa que sou eu? O meu corpo também não foi construído pelas mãos dos homens – e veja-se só em que estado está, veja-se só o tanto que se degradou! Ao contrário de me proteger para toda a eternidade, esta casa está prestes a desalojar-me. Que confiança posso afinal ter eu nas casas que não são feitas com as mãos? 

Coleridge escreveu o youth and age, dizia eu, na sua casa em Highgate, para onde se mudara com um médico amigo que o ajudaria, com relativo sucesso, a debelar o seu vício do ópio. Esta mesma casa, feita com mãos, sobrevive até aos dias de hoje – Coleridge, é bom de ver, não sobrevive. Bom, a casa faz melhor do que sobreviver – ela na verdade é altamente cobiçada, e veio a ser comprada pela Kate Moss, também ela uma viciada em ópio. Moss queria dar ao seu novo grande amor uma habitação memorável. O amor – outra casa que não foi feita com as mãos – sucumbiu passados cinco anos. Com o divórcio, Moss colocaria - no ano passado -, a casa à venda, por oito milhões de libras. 

É extraordinário, não é? A casa que foi feita com as mãos de homens sobrevive às grandes construções que não só não são feitas por nós, como parecem ser feitas contra nós. Sobrevive à morte do corpo e sobrevive ao fim do amor. Sobrevive à beleza insaciável de uma Kate Moss. Sobrevive à degradação física de um poeta tão eloquente. Será comprada por algum multi-milionário, e viverá para além, também, do incomensurável poder do homem que lhe é conferido pela riqueza – outra casa que não parece construída com mãos humanas. 

No outro dia passei pela casa que foi de Coleridge e também de Moss. Tirei esta fotografia à janela do meio. Tem vidros espelhados, pelo que nos reflete a nós.


Morra voluntariamente e salve outro

"Troca de informações, uma malha cada vez mais fina no cerco de acesso aos explosivos, a vigilância dos suspeitos. Essa cooperação tem vindo a funcionar. Por cada atentado que ocorre há dezenas que não ocorreram".

~ Primeiro-Ministro António Costa

Como fazer segurança em Portugal: juntem-se os indivíduos indesejáveis, os que estão deprimidos e querem suicidar-se, os que têm doenças terminais e querem uma morte com dignidade, etc., e informe-se os terroristas de que Portugal tem vítimas disponíveis para um atentado, pois por cada atentado que ocorre, muitos outros não ocorrem: é esse o trade-off. E coopere-se mais com os outros países a trocar informação porque isto funciona! Não percebo bem este raciocínio porque os ataques parece-me que estão a ocorrer com mais frequência: dois em Paris, agora um em Bruxelas, ou seja, não está a funcionar.

O nosso Primeiro-Ministro diz que não houve mudanças no nível de segurança, apesar de há menos de uma semana se ter realizado um forum em Bruxelas, o German Marshall Fund's Brussels Forum, onde o terrorismo foi o tópico principal. Nesse fórum foi dito que as células de terrorismo na Europa estão mais activas, melhor coordenadas, e bastante infiltradas na região, e foi dado um aviso de que haveria mais atentados, especialmente depois de Salah Abdeslam, que se supõe ser uma das pessoas que planeou o ataque de Paris, ter sido detido e ter dito que havia planos de mais ataques em Bruxelas. Nos trabalhos do fórum concluiu-se também que não era suficiente tentar identificar ameaças; tem de se tentar controlar os recursos financeiros que apoiam as células terroristas, e as condições de vida dos jovens que seguem a via do terrorismo. Se os jovens se integrarem mais na sociedade e tiverem emprego e boas oportunidades de vida, então não serão tão tentados em tornar-se terroristas.

Ao ouvir as palavras de António Costa e a sua atitude "business as usual", com que ele já nos tinha agraciado durante as inundações em Lisboa, pergunto-me se ele se deu ao trabalho de contactar os responsáveis da segurança para ser informado de estado actual de ameaças e dos esforços que existem para as controlar em Portugal. Já estive em muitos aeroportos em vários países e sempre achei que chegar a Lisboa é um grande descanso, especialmente comparado com os EUA. Depois dos ataques de 11/9/2001, numa viagem que fiz, fui revistada três vezes em aeroportos americanos, duas vezes no mesmo aeroporto: o de Chicago. Suponho que a cor do meu cabelo e o meu passaporte português faziam-me um alvo fácil; o meu marido, que é ruivo e americano, nem uma. Nessa altura, para entrar em Portugal, bastava mostrar o passaporte e ninguém se dava ao trabalho de recolher o meu nome e número de passaporte. Nem sequer faziam perguntas. Nos EUA, antes de eu entrar no país, mesmo com passaporte americano, perguntam-me coisas como onde fui, o que fui fazer, onde estive, que passaportes usei (porque eu uso os dois), etc.

Portugal tem a grande vantagem de ser periférico e os outros países não nos acharem grande coisa. Parece-me que é apenas isso que nos livra de atentados terroristas.

História gótica


7. Acordara de manhã com um pressentimento.

segunda-feira, 21 de março de 2016

História gótica


6. Sete harpias castanhas pousaram sobre o sarcófago.

A ditadura do politicamente (in)correcto

Não devo andar longe da verdade se disser que gosto de todas, ou de quase todas, as entradas do Zé Carlos. Mas, metade das vezes, não concordo com elas. Esta sua última entrada sobre a ditadura do politicamente correcto parece-me coxa. Concordo com praticamente tudo o que lá está escrito, mas penso que só vê uma das ditaduras. Diz o Zé Carlos: 
(...) as brigadas do politicamente correcto, espalhadas pelo espaço público, vergastam o menor desvio em relação ao que elas entendem ser o correto.
É fácil encontrar exemplos em que isto é verdade. Mas também é fácil encontrar exemplos do contrário. Que eu me lembre as últimas duas polémicas politicamente (in)correctas foram com o uso do "portugueses e portuguesas" e sobre o "happy meal" da McDonald's.

Peguemos no primeiro exemplo. Há uns políticos que gostam de se dirigir aos "portugueses" e outros que falam em "portugueses e portuguesas". Que me lembre, o primeiro a usar esta expressão foi Carlos Carvalhas, quando foi candidato a presidente no início dos anos 90. Nunca houve polémica sobre o assunto. Que eu tenha dado conta, nunca ninguém reclamou até que... surgiu um artigo de Miguel Esteves Cardoso com o sugestivo e imperativo título: "Calem-se!". Fala em estupidez, em machismo ignorante e por aí fora. Afinal, quem é que anda a dar vergastadas?

Nesta linha também são interessantes as reacções absolutamente histéricas à decisão da McDonald's. O clamor que se levantou neste país, de Norte a Sul passando pelo Centro, do Expresso ao Observador passando pelo Público e pelo i e, naturalmente, incluindo todas as plataformas das redes sociais. Ameaças de boicote, acusações de terrorismo, insultos, acrimónia desnecessária, etc.

Ou seja, eu não acho que o Zé Carlos não tenha razão. Pelo contrário, acho que tem muita. Ainda no ano passado um Prémio Nobel viu a sua carreira destruída por uma piada falhada sobre mulheres no laboratório. Apenas diria que vejo esse desejo pela ditadura de ambos os lados. Aquilo que hoje chamamos politicamente incorrecto, mais não é do que o politicamente correcto de direita ou, se preferirem, uns tipos armados em "enfant terribles".

A idiota

Catarina Martins anunciou ao mundo o tamanho da sua ignorância: diz que a economia portuguesa crescer através de exportações é "uma treta". Diz que não existe um país que sobreviva das exportações; os países sobrevivem do mercado interno:
"O que não existe é um país que viva das exportações. É preciso ter mercado interno, porque as exportações têm volatilidade. Nós devemos ter posições internacionais, mas um país para ter economia tem de ter mercado interno."

~ Catarina Martins

A cultura geral parece não ser o forte da senhora e, recebendo um salário pago pelos contribuintes portugueses, não se sente na obrigação de se educar e preparar para o cargo que tem. Ignora que a Alemanha é um país que mantém o seu nível de vida através de exportações e é fortemente criticada por não ter um mercado interno mais forte. Também desconhece que a Noruega se tornou rica exportando petróleo do Mar do Norte. O caso da Noruega é paradigmático, pois para lidar com a volatilidade do mercado externo de petróleo poupou dinheiro durante décadas num fundo de investimento, não gastou tudo o que recebeu; agora não é subserviente dos interesses de ninguém, a não ser dos próprios.

A Irlanda, o país que mais cresce na UE, também apostou fortemente nas exportações, tendo uma balança comercial excedentária. O país tem 4,8 milhões de pessoas, menos de metade da população portuguesa, e exportou €9.559 milhões em Janeiro de 2016; Portugal, no mesmo mês, exportou €3.731 milhões, apenas 39%. Como curiosidade, os irlandeses importaram €4.578 milhões vs. €4.375,16 milhões importados por Portugal. Mas vejamos a descrição que a Trading Econonomics dá da economia irlandesa:

Exports remain the primary engine for Ireland's growth. The country is one of the biggest exporters of pharmaceuticals in the world (28 percent of total exports). Others include: organic chemicals (21 percent), data processing equipment and software (12 percent) and food (8 percent). The European Union accounts for 60 percent of total exports. Main export partners are: United States (23 percent), United Kingdom (16 percent), Belgium (14 percent), Germany (7 percent), France (5 percent) and Switzerland (4 percent).

fonte: Trading Economics

E claro, mesmo em Portugal temos um bom exemplo: a indústria do calçado recusou-se a praticar uma política de salários baixos, mas apostou fortemente nas exportações de produtos com mais valia, em vez de se focar no mercado nacional. É um caso de sucesso em Portugal e refuta a ideia de que exportações estão associadas a salários baixos.

Percebem por que razão Portugal não cresce? É porque idiotas como Catarina Martins não só têm assento no Parlamento, como são líderes de um partido.

Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto

Doris Lessing escreveu algures que não terá sido uma coincidência o politicamente correcto ter surgido após a derrocada do comunismo. Muitos progressistas, activistas e pacifistas (zarolhos, porque só viam o perigo do “imperialismo americano”) viveram décadas a pregar “os amanhãs que cantam". Só caíram na real quando o muro de Berlim lhes caiu literalmente em cima da cabeça e o admirável mundo comunista ficou à vista de todos. Deixou então de ser possível continuar a atribuir à propaganda reccionária do ocidente as histórias que ouvíamos sobre o gulag, as filas intermináveis nos supermercados dos países comunistas, as fugas para o lado de cá. Lembro-me de no liceu uma professora de geografia me ter dito com ar muito sério que, infelizmente, ninguém falava dos milhares que tentavam fugir do ocidente para os países comunistas. A cegueira ideológica tem destas coisas.

sábado, 19 de março de 2016

Enviado especial da Destreza ao Brasil

Rodrigo Mendes Pereira (RMP) é doutorado em Economia pela Cornell University. Foi meu colega e, se bem me lembro, éramos os dois melhores alunos de Macroeconomia do nosso ano. É brasileiro, vive no Brasil e, actualmente, é funcionário público federal, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com pesquisas mais recentes nas áreas de Economia do Meio Ambiente, e Economia Agrícola.
A Destreza das Dúvidas (DdD) foi entrevistá-lo.

(DdD) Rodrigo, depois de 10 anos de crescimento notável com Lula da Silva no comando do Brasil, os últimos anos têm sido péssimos para a economia brasileira. O que se passa? É a ressaca do crescimento? Tratou-se de um crescimento desequilibrado?
(RMP) A mudança na performance da economia brasileira foi realmente notável. De um crescimento médio do PIB de 4% ao ano na década dos 2000, culminando com 7,5% no ano de 2010, sofremos uma guinada forte, inicialmente de relativa estagnação entre os anos de 2011 e 2014, e finalmente uma queda livre, com o PIB caindo 3,8% em 2015, com estimativas de queda similar em 2016. Confirmadas as previsões, nossa renda per capita será, ao final de 2016, 20% menor do que era em 2010. Não há melhor definição para uma década perdida. Parte da explicação para o tombo da economia brasileira é comum à queda de performance das demais economias exportadoras de produtos primários, sobretudo as latinoamericanas: o fim do boom das commodities. Mas nenhuma outra economia apresentou uma queda tão drástica no crescimento quanto o Brasil. As exceções seriam a Rússia, envolvida em guerras e embargos comerciais, e a Venezuela bolivariana cuja economia entrou num colapso absoluto. Tudo isso leva a crer que uma parte significante do infortúnio brasileiro tem origem doméstica. Mas qual seria essa origem?
O PT inicialmente ascendeu ao poder com Lula em 2002 com um discurso moderado. E, de fato, no primeiro mandato de Lula houve uma continuação da política econômica implementada por Fernando Henrique Cardoso, baseada no que ficou conhecido como o tripé macroeconômico: câmbio flexível, rigor fiscal, metas para a inflação. Lula escolheu um ministro da fazenda comprometido com a disciplina fiscal, Antônio Palocci, e um presidente do Banco Central comprometido com as metas inflacionárias, Henrique Meireles. A administração Lula rapidamente ganhou a confiança dos mercados. O consenso hoje é que esse tripé, juntamente ao cenário externo favorável, e à expansão do crédito doméstico, criaram as condições para o vigoroso crescimento da economia no período. Mas dentro do próprio PT essa turma era vista como neoliberal, e portanto estariam travando um crescimento potencial muito maior. Com a chegada de Dilma Rouseff e do novo ministro da fazenda Guido Mantega ao governo Lula, em 2006, a visão desenvolvimentista foi progressivamente ganhando força. Até que em 2008 a economia brasileira sofreu uma forte guinada, com o abandono completo do tripé, e a implementação do que ficou conhecida como Nova Matriz Econômica. Ali estava a origem da nossa tragédia atual. 

(DdD) O governo de Dilma está debaixo de uma enorme pressão devido a acusações de corrupção ou devido à crise económica?
(RMP) Ambas as coisas. A cada dia novas revelações são feitas a respeito do modus operandi do PT no poder. São chocantes. Entretanto, eu diria que a ameaça do governo Dilma sofrer impedimento só existe por causa da crise econômica, e da consequente baixa popularidade da presidente. Se o país estivesse crescendo e a população prosperando, o Petrolão seria uma mera repetição do Mensalão (o primeiro escândalo de corrupção da era PT). Naquela ocasião vários políticos, empresários, e operadores do esquema foram presos, mas Lula, com 80% de aprovação popular era literalmente intocável.

(DdD) A corrupção no Brasil é endémica?
(RMP) Não creio que brasileiros sejam naturalmente, ou geneticamente mais propensos a praticar atos de corrupção do que outros povos. O que existe é um conjunto de instituições que fazem com que o indivíduo racionalmente escolha o caminho da corrupção. No momento em que o balanço de payoffs esperados mudar, os níveis de corrupção vão baixar. E uma operação como a Lava Jato é fundamental para que a mude a percepção dos brasileiros de que esse balanço está mudando. Por exemplo, por causa da Lava Jato o Marcelo Odebrecht foi condenado a 19 anos de prisão. Não se trata de um cidadão comum, mas do CEO da Odebrecht, um verdadeiro império. O equivalente brasileiro de um Donald Trump.
Você conseguiria imaginar uma presidente da Cornell University desviando parte do orçamento da universidade? Impossível, não é? Mas o Timothy Mulholland, um norte-americano, renunciou ao cargo de reitor da Universidade de Brasília após ser acusado de improbidade administrativa. A corrupção não tem origem no sangue, mas sim nas instituições. 

(DdD) São os tribunais brasileiros suficientemente imparciais para lidar com corrupção de um nível tão elevado?
(RMP) Eu não tenho dúvida de que nas instâncias inferiores, os tribunais federais são imparciais. Há uma nova geração de Juízes e Promotores bastante idealistas e focados. O mesmo não se pode dizer da suprema corte. Dos onze ministros do supremo, apenas um deles, Gilmar Mendes, não foi nomeado pelo PT. Daí a manobra do PT para transformar o Lula em ministro, e com isso transferir seu foro da justiça comum para a suprema corte, onde ele dificilmente seria condenado.

(DdD) Parte da esquerda portuguesa diz que estes processos que envolvem Lula e Dilma são políticas. Que a direita brasileira não perdoa que os governos de esquerda tenham tirado milhões de pessoas da pobreza. Esta acusação faz sentido?
(RMP) Vamos dividir os argumentos aqui. O processo de impedimento da Presidente Dilma é totalmente político. A votação é feita pelo congresso, com regras estabelecidas pela suprema corte. Não se trata de um julgamento, mas sim de uma votação. O caráter é eminentemente político. Se Dilma sofrer o impedimento, não será porque participou ou não de atos ilícitos, mas sim porque sua base de apoio no congresso está esfacelada. Uma consequência direta do esfacelamento de sua popularidade. Essa popularidade caiu por terra por causa dos erros de política econômica, a direita não tem nada a ver com isso. Fez apenas oposição legítima ao governo Dilma. Lula, por sua vez, enfrenta uma investigação, e possivelmente um julgamento. O resultado vai depender de fatos e provas. É claro que por ser um ex-presidente, e figura proeminente do PT, há implicações políticas. Mas, como eu disse, eu acredito na isenção dos tribunais brasileiros nas instâncias inferiores. Quanto a tirar milhões de famílias da pobreza, há controvérsias. Primeiramente, a condição necessária para isso foi o crescimento econômico, que só ocorreu porque o PT brincou de ser neoliberal, e manteve o tripé. No momento em que o PT passou a ser PT, e a praticar a retórica de décadas com a Nova Matriz Econômica, a economia parou de crescer. E possivelmente quando o PT entregar o governo ao seu sucessor boa parte dessas milhões de pessoas estarão de volta à pobreza.

(DdD) Como vês a ida de Lula para o governo? Sede de poder ou fuga à justiça?
(RMP) Fuga à justiça. Ouça as gravações de conversas do Lula e de figurões do PT obtidas com o grampo da Polícia Federal. Não há margem para dúvida.

(DdD) Nas manifestações aí no Brasil, é normal ver pessoas a clamar pelo regresso da ditadura militar. Como se explicam esses apelos?
(RMP) Não sabem o que estão pedindo. O mais curioso de tudo é que o PT se coloca como o grande opositor à ditadura militar, mas a política econômica de Dilma, com seu desenvolvimentismo, se assemelha muito ao que foi feito durante a ditadura, mais especificamente no Governo Geisel. Intervencionismo, escolha dos campeões nacionais (empresas que recebem crédito subsidiado do Bndes), frouxidão fiscal, controle do câmbio, manutenção dos preços administrados (gasolina, energia elétrica) artificialmente baixos, com objetivo anti-inflacionários, protecionismo comercial, com o aumento generalizado das alíquotas de importação, e por aí vai. Não coincidentemente, um dos principais conselheiros econômicos de Dilma foi ministro da fazenda da ditadura militar (Antônio Delfim Netto).

(DdD) Achas que a democracia está em perigo no Brasil?
(RMP) Não, acho que a crise será resolvida dentro do paradigma institucional vigente. Até um mês atrás eu diria que a chance de impedimento era baixíssima. Dilma não tinha sustentação no congresso para aprovar nada, mas tinha sustentação suficiente para não sofrer impedimento. O mais provável era termos um governo inerte até 2018. Mas o cenário mudou muito rapidamente, e agora vemos uma verdadeira debandada. O PMDB, maior partido do país, e principal aliado e base de apoio do PT estará formalizando sua saída do governo nos próximos dias. Hoje, o impedimento está muito mais próximo. Mas tudo dentro do que prevê a constituição.
Realisticamente, eu acho que nossa democracia estava mais a perigo antes da crise, quando o PT ainda usufruía de bastante capital político, e queria implementar uma reforma constitucional nos moldes do que ocorreu na Venezuela, com o executivo se sobrepondo aos demais poderes da república, censura da imprensa, fim do direito de propriedade como conhecemos. Era o famigerado Plano Nacional de Direitos Humanos, de inspiração bolivariana, hoje devidamente engavetado pelo Congresso Nacional.

História gótica


5. A multidão repetiu "Ali, ali, ali", não como um coro mas uma noite de vendaval, daquelas em que as árvores batem contra as janelas e se espera o fim do mundo.

Mornings like this...

It is a grey, crisp morning. I was outside, watching three birds on a tree, imagining what conversations they could be having as they chirped and sang to each other. My gaze shifted lower, to the left, and a white feather floated downward, I have no idea from where it had travelled. It twirled in the air, lingering in places, up and down, then around... I wished for it to stay, I wished that I would not lose it. And then it fell, as if it were waiting to be taken, so that once again it could belong to someone. I picked it up and looked around, just to be certain that I had been its chosen one. The birds had left.

História gótica


4. A primeira coisa que todos ouviram assim que o criado abriu a porta lateral do castelo, foi o pio longo e agudo de uma coruja.

19 de Março


Caros amigos, muitos de vocês têm descendência de que não sabem, sendo a paternidade atribuída ao marido da mãe dos vossos filhos. Outros saberão que têm descendência, mas, na verdade, os filhos não o sabem e chamam pai a outro.
Em nome destes vossos filhos que nunca vos darão o devido crédito eu digo:
Bom dia do pai!

Uma fénix verde

A Phoenix Tower, em Houston, é um dos edifícios altos na zona da Greenway Plaza, mas não pertence a esse complexo, e tem 34 andares. Os primeiros oito são parque de estacionamento. O nono andar é onde fica o átrio do edifício e a recepção principal. O nono andar tem os tectos altos, pois também ocupa a altura do décimo. Para se chegar ao último andar é preciso tomar três elevadores: um elevador do parque de estacionamento até ao átrio, um do átrio até ao andar 33, e depois outro que dá acesso ao último andar. No topo ficava a penthouse da pessoa que construiu a torre, mas o edifício foi vendido e a penthouse transformada em escritório de advocacia, quando o construtor foi à falência.

"This is against my civil rights!"

Amo os EUA tanto! Qualquer gato pingado defende os seus direitos por qualquer coisa. Este vídeo tem tantos "quotable moments" -- é insano! É aquela atitude "In your face, motherfucker!", que eu gosto tanto. Então, é assim...

"I have an announcement to make to y'all, to the people of America!"
"First of all, my first issue was the drive-through was filled all the way up and I had to walk inside."
"I said 'Ain't you forgettin' somethin'... m'am?'"
"Mc'excuse me, bitch?!? I throw-punched that bitch, I knocked her down!"
"And then you throw-punch her: punch her in the cooter, I don't give a damn!"
"This is against my civil rights!"
"Fuck you, McDonald's... On Dorsett -- not all the other ones; I like all the other ones!"

http://bullet-journal-inspo.tumblr.com/post/141280786674/iwishihadafather-meecherwood

sexta-feira, 18 de março de 2016

Maravilha!

Há uns meses vi o filme "Tabu de Miguel Gomes no Netflix. Achei estranho que não houvesse outros filmes dele, mas um não é nada mau. Então vi e no início não percebi nada -- acho que não era para perceber tão cedo, é preciso cultivar um bocadinho aquele espírito de nos deixarmos levar. Como eu gosto de filmes malucos, quando cheguei ao fim estava muito feliz! Adorei... Lembrou-me um bocadinho as narrativas de David Lynch, que parece que não têm nexo ou têm uma interpretação muito pessoal. A propósito, sou completamente apanhada por "Mulholland Drive" e, numa das vezes que fui a Los Angeles, passei pela rua e fiquei extasiada: contento-me com muito pouco. A outro propósito, era eu que, nos anos 90, em Coimbra, ia ao cinema ver os filmes de David Lynch sozinha, alguns mais do que uma vez.

Decidi ir ao iTunes e escrever "Miguel Gomes" na caixa de procura. E -- tã-tã-tã -- apareceu "As Mil e Uma Noites" ("Arabian Nights", aqui no burgo). Comprei logo os três volumes, não quis alugar. Já tenho um programa de fim-de-semana (mas há outros). E agora vou ser cliente da Apple para sempre, senão perco os filmes e tenho de os comprar outra vez, o que poderá ser difícil. Já sei que alguns de vós são anti-Apple, mas descansem que eu tenho a Apple numa trela muito curta: de vez em quando, dou-lhes nas orelhas e envio um emailzito a dizer "If you delete the music I purchase via iTunes, then kindly return my fucking money". Se apagam os filmes do Miguel Gomes da minha conta, "There will be blood", caraças!!!

O wonk-in-chief Paul

Hoje, o Paul Ryan, que é o Speaker of the House of Representatives da maioria Republicana falou para criticar o Donald Trump. O Paul Ryan é o feiticeiro matemático ("math wiz", "wonk-in-chief") do Partido Republicano que ainda acredita no trickle down economics e em mais cortes de impostos, mesmo quando o défice e a dívida estão altos e os impostos estão a mínimos históricos. Quando lhe pedem para explicar a lógica dos seus argumentos matemáticos responde "It's a little bit wonky", que se traduz em "Não consigo explicar de forma a que você entenda, capisce?".

Já vos tinha dito antes que ele havia dito que Donald Trump não representava o espírito do GOP, mas parece que há uma discordância em algum sítio porque, de todos os candidatos Republicanos, o Trump é o que apela a mais Republicanos, logo ou o Paul Ryan e os seus colegas não conhecem os apoiantes do seu partido, ou os apoiantes do partido não conhecem o partido em que votam. Eleitores ou políticos ignorantes -- não há realmente nada de novo debaixo do sol. E depois de dizer isto, Paul Ryan voltou a calar-se e não tem interferido abertamente na coisa até agora.

Para quem se diz matemático, a estratégia do Paul foi um bocado arriscada. Suponho que ele pensasse que o Trump iria levar com ele a "minoria de malucos" que apoiavam o GOP e as pessoas mais razoáveis ficariam e seriam muito cordiais e compreensivas enquanto escolhiam um candidato alternativo. Afinal, descobrimos, para horror do mundo civilizado, que esta "minoria de malucos" não é assim tão pequena. O Partido Republicano não tinha nenhum candidato forte, talvez o potencial Bush III, mas dado o legado de Bush II, teria sido uma tarefa difícil confiar noutro Bush. Não havendo um candidato forte, presumiu-se que a melhor estratégia seria ter muitos candidatos a digladiarem-se uns aos outros para assim um sair vitorioso e forte para concorrer contra o candidato Democrata.

Costuma-se dizer, "dividir para conquistar", e foi isso que aconteceu: ao ter tantos candidatos, o partido dividiu demasiado o eleitorado, cada candidato canibalizou os outros em termos de doações financeiras para apoiar a sua campanha e de tempo de antena (a propósito,another one bites the dust!, o Marco Rubio saiu da corrida). E depois aparece o Donald Trump que durante vários anos teve um programa de TV em que pôs toda a gente nos EUA a dizer "You're fired!". É o que aconteceu nas eleições presidenciais portuguesas: ninguém tinha hipótese contra Marcelo Rebelo de Sousa, porque havia demasiados candidatos contra ele a dividirem o eleitorado entre si.

Mesmo que o GOP se livre de Trump, os seus apoiantes irão ficar muito chateados porque Trump é o candidato mais forte. E malucos chateados são imprevisíveis. Se Trump ficar, será a ruína do GOP com o eleitorado moderado. Ou seja, o GOP escolheu uma estratégia de alto risco e agora não tem mão nela. Gestão de risco é mesmo uma chatice, mesmo para quem é um wonk-in-chief...

Coisas elevadas

Hoje fui à rua a pé. Enquanto andava - pensando em coisas elevadas, claro - cruzei-me com um indivíduo que não conhecia de lado nenhum. O indivíduo aproximou a cara dele a um centímetro da minha e disse: que boa, ou qualquer coisa deste tipo. Alguns defensores do piropo dizem que são contra os piropos as mulheres que não costumam recebê-los, as feias, as das uvas amargas, que querem castigar as outras privando-as do privilégio de serem apreciadas pelos homens que passam, uns cavalheiros. Ora eu tenho o cabelo mais despenteado do que uma guerreira celta, não uso maquiagem nem tacões altos nem saias, sou uma caixa de óculos, as minhas unhas são uma vergonha, já tenho uns bons anos em cima e hoje vesti um casaco impermeável que comprei na secção de rapaz da Zara há anos e que me faz ainda mais quadrada do que os doze quilos que tenho a mais. Por falar na Zara, e para completar a descrição, as meninas que lá trabalham tendem a olhar-me de lado como um monstro infeminizável - hoje mereço inventar uma palavra - que não se percebe o que vai fazer à loja. Penso que isto é suficiente para tornar problemático o argumento das feias com dor de cotovelo. Lembro-me que desde pequena tendo a olhar para o chão quando me cruzo com os homens que andam sozinhos na rua. Tenho ouvido o suficiente para sentir algum medo antecipando o que o piropeiro me faria se a rua estivesse deserta. Que as pessoas digam às outras coisas simpáticas, é, concordo, simpático. Mas não quando vem de um estranho que se sente no direito de me dizer o que lhe vai na cabeça. Não tenho nada a ver com isso, e não estou interessada em ter. Dos amigos e amigas recebo com prazer observações simpáticas. Também as faço, e não apenas às amigas. Não é assim tão difícil perceber quando se trata de pessoas com quem temos uma relação próxima se elas gostam de ouvir essas coisas ou não. Mas de estranhos não quero saber o que pensam sobre o meu aspecto ou disponibilidade. Menos ainda quando me ameaçam com as suas prometidas proezas sexuais. Quero andar na rua despreocupada a pensar em coisas, claro, elevadas.