O
senhor não se amofine. Então não, quem não ficaria amofinado. Mas pense melhor,
não há razão para amofinação. Não se trata de pensar, caro senhor, esta
amofinação foi-me directamente às tripas, e as tripas não pensam.
Tem o senhor
razão, mas não pode dizer-se também que se amofinem. Pois não tem razão o
senhor, que se amofinam e bem as sente amofinadas quem tenha sido amofinado.
Mas pode desamofiná-las conversando, como tento agora fazer consigo. Isso seria
bom, só que, como lhe disse acima, as tripas não pensam. Pois já me tinha dito
isso, sim, que fazer então para que se desamofinem. Que fazer, realmente. É que
enquanto não se lhe desamofinarem as tripas, também o senhor não ficará
desamofinado, e juro-lhe que tudo isto não é razão para que se amofine. Pode
até ser, mas são as tripas. Pode tentar um arroz de marisco, assim já ficam
entretidas. Tenho medo que, amofinadas, se recusem a fazer o seu trabalho, e lá
se ia o arroz de marisco, que está caro. Tem o senhor razão, está caro, e ora
aí está uma boa razão para que nos amofinemos. Nós e as tripas que, não estando
amofinadas antes, bem poderiam apreciá-lo sem que se amofinassem. Mas não é
este o caso. Infelizmente, não. Que fazer, portanto, o problema persiste,
talvez seja uma questão de tempo. Pode ser. O tempo cura tudo. Isso aí é que já
não sei. Tem o senhor razões para desconfiar da veracidade deste lema. Fique
sabendo que sim. Interessar-me-ia mais ainda saber porquê. Pois já lhe conto.
Que não seja uma pessegada à Walter Scott, com fantasmas em castelos e filhos
pródigos que se revelam. Uma pessegada. Sim, é uma expressão que usava a minha
tia-avó quando não gostava de alguma coisa, como dos filmes do Fellini. A sua
tia-avó não gostava dos filmes do Fellini. Talvez seja um exagero dizer isto
desta maneira, acho que ela só viu um, mas passou o filme todo a dizer que
pessegada. Tem o senhor a certeza que não disse marmelada. Tenho, pois. É que o
meu tio-avô dizia marmelada. Não me diga. Sim, quando não gostava de alguma coisa,
como dos filmes do Pasolini. Não me diga que o seu tio-avô não gostava dos
filmes do Pasolini. Pois não. Que tristeza. Concordo. Isso sim, deixa qualquer
um amofinado, nem o Visconti, nem o Rosselini. Esses ele não viu. Pois, em boa
verdade a minha tia-avó também não. Pode, portanto, acontecer que não lhes
falhasse totalmente o gosto pelas glórias do cinema italiano. É da mais
elementar justiça reconhecer essa possibilidade. Que não envolvessem conservas
de fruta em todos os seus juízos cinematográficos. Já eu acho que vou comer uma
torrada com geleia, pode ser que assim se me desamofinem as tripas. Eu se fosse
a si, experimentava antes um Antonioni.
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