O meu nome não é Alice, mas não é só ela que corre
atrás de um coelho branco, eu também tenho corrido.
Em boa verdade, o meu
coelho, ou melhor, o coelho de quem corro atrás, não é totalmente branco. Tem
um pêlo ruivo nas costas. Um pêlo, sim, só um. Para os mais rigorosos, isto é
inaceitável e torna falsa a minha afirmação inicial. Eu não acho, tenho
tolerância para com um pêlo ruivo. Afinal, é só um. Ao longe nem se vê. E mesmo
se estivermos ao pé do coelho, é preciso saber onde está para conseguirmos vê-lo
e para começarmos a desconfiar que este coelho de quem se diz ser branco não é,
de todo, branco. Ou que não é branco por um pêlo. Enfim, não interessa. Como eu
dizia, corro atrás de um coelho branco, e não me chamo Alice. Este coelho não
parece muito preocupado em chegar a tempo a lado nenhum, visto que não tem
relógio e que não corre em linha recta. Parece, antes, mais interessado em que
eu não chegue a tempo de o apanhar pelo pescoço, e para evitar isto não é
preciso um relógio. E é, com certeza, um coelho sagaz, por não correr em linha
recta. Ele não precisa de saber em que direcção vai quando corre de forma
aparentemente tão caótica, e isso torna tudo mais rápido para ele. Mas eu, que
tenho de mudar de trajectória ao sabor daquilo que dá na gana do coelho,
desacelero. Não digo real gana porque não lhe conheço a família. Em suma, ele
corre depressa, eu corro devagar, conclusão, a distância entre nós aumenta. Mas
nem por me dar conta disto eu deixo de correr. O coelho também não me conhece a
família, e posso dizer que somos gente teimosa. Nem pense o coelho que me vai
fazer desistir na próxima curva ou no próximo ângulo recto. Mesmo que corra
triangularmente, eu continuo. E quando ele recorreu a uma corrida hexagonal,
pensando que me deixaria perplexo e sem fôlego, enganou-se e bem. É que como
ele já tinha corrido em círculos e quadrados, eu comecei a suspeitar que a este
coelho não era estranha a geometria, e já estava preparado para correr atrás
dele fossem quantos fossem os ângulos e os lados que lhe desse na gana ir
fazendo. Só que a fase geométrica da corrida do coelho não durou, e lá tive eu
de correr atrás dele sem conseguir antecipar mudanças de direcção. Uma
canseira. Principalmente tendo em conta que corro atrás deste coelho todos os
dias. É que não consigo evitar, o manhoso foge-me sempre. Tem sempre uma
corrida nova, ontem, por exemplo, correu em forma de astromélia. Uma vez tentei
gritar-lhe que corria atrás dele para lhe arrancar o pêlo ruivo e mais nada,
mas ele não deve ter acreditado porque nem assim parou. Foi muito sensato da
parte dele não ter acreditado. Os meus planos para este coelho são outros.
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