quarta-feira, 22 de abril de 2020

Duas semanas depois

Como vos escrevi há duas semanas, tenho estado a acompanhar os números de óbitos e de mortes oficiais por Covid-19. Grande parte da minha análise limita-se a calcular desvios dos óbitos de 2020 relativamente ao que seria esperado pré-Covid-19. Nos dados oficiais de casos e mortes, devemos ter em conta que há um atraso de mais de uma semana relativamente aos outros países europeus, pois na Europa ocidental, Portugal foi dos últimos países a identificar o primeiro caso de Covid-19.

Ontem, dia 21, o Expresso publicou uma notícia acerca do estudo da Escola Nacional de Saúde Pública sobre este assunto e que quantifica o excesso de óbitos em 1.255, usando a média histórica como referência.

O gráfico abaixo é uma actualização do gráfico que vos mostrei há duas semanas, desta vez com dados até 15 de Abril e incluí uma linha nova que dá os óbitos após subtrairmos os que foram atribuídos a Covid-19. Recapitulando, estão ilustrados os números oficiais de óbitos diários em Portugal (linha azul), a amplitude diária de óbitos observada entre 2009 e 2019 (isto é, a amplitude entre o valor mínimo e máximo de óbitos diários, área sombreada a azul claro), a média diária de óbitos de 2009 a 2020 (linha vermelha tracejada), e a linha verde que é o número de óbitos diários menos as mortes por Covid-19. O número total de mortos devido a Covid-19 é a área entre as linhas verde e azul e que até 15 de Abril era de 629.



Que inferências podemos fazer da análise deste gráfico?

  • O número diário de óbitos continua elevado para esta altura do ano, e não se nota que, desde 8 de Março, haja a característica tendência decrescente sazonal.
  • Apesar das mortes atribuídas a Covid-19, o número de óbitos diário está aquém dos níveis observados em Janeiro, em que houve vários dias com mais de 400 óbitos, como 15 de Janeiro em que se observaram 426.
  • Desde o início de Abril, a linha verde e a linha azul movem-se quase em paralelo, o que é anormal, pois seria esperado que se afastassem, pois o número de mortes devido a Covid-19 devia aumentar, à medida que mais pessoas foram infectadas (note-se que as infecções cresceram rapidamente durante várias semanas) e também porque houve um aumento do número de testes, logo mais mortes deveriam ser atribuídas a Covid-19.
  • Com as duas linhas quase paralelas, os dados de mortes associadas a Covid-19 são pouco credíveis, pois cada linha devia ter um comportamento diferenciado da outra.
  • Desde o fim de Março, o número de óbitos diário tem quedas bruscas (dias 28/3, 5/4, e 11/4) que não eram comuns no início do ano , o que devia ser explicado pelas autoridades, mas talvez haja maior vigilância no processamento dos óbitos. Como mencionei acima, mesmo com Covid-19, os dados indicam que morrem menos pessoas agora do que no Inverno, logo o processamento das certidões de óbito devia decorrer normalmente e ter mais aquele aspecto de lâmina de serrote que era característico pré-Covid-19.

O gráfico de baixo ilustra o desvio percentual de 2020 relativamente à média de 2009-2019. Realmente é um bocado estranho que este ano tivesse havido tão poucos óbitos de 5 de Fevereiro a 8 de Março, mas já houve vários anos com óbitos abaixo da média durante semanas seguidas.



O que é mesmo único são os desvios acima da média desde 9 Março, pois 2020 tem atingido máximos diários com alguma frequência, como ilustro abaixo.



Desta vez vou-vos dar três cenários para o número de óbitos em excesso:
  1. Se compararmos o período desde 9 de Março com a média histórica, então até 15 de Abril temos 13.036 óbitos em 2020 comparado com uma média de 11.703, ou seja, um excesso de 1.333, em que 629, ou 47%, são atribuídos a Covid 19.



  2. Num segundo cenário, presumamos que 2020 continuaria 3% abaixo da média de óbitos, tal como no período de 1 de Janeiro a 8 de Março, o que nos daria um excesso de óbitos de 1673 até 15 de Abril, sendo que 38% estão atribuídos a Covid-19.


  3. O terceiro cenário é mais optimista relativamente a 2020, mas mais pessimista relativamente a Covid-19, pois presumimos que os óbitos de 2020 nesta altura do ano andariam 7% abaixo da média histórica, tal como tinha acontecido durante mês e meio, antes da primeira morte de Covid-19. Neste cenário, o excesso de óbitos seria de 2.119.



O NYT publicou ontem um artigo em que estimava haver, em 11 países, 25 mil mortes acima da média histórica que não estão incluídas nos dados de Covid-19. É consensual que o número de mortes atribuída ao Coronavírus é inferior ao real, sendo que EUA e China já fizeram revisões dos seus dados. Outros países o farão.

Acho improvável que as autoridades portuguesas desconheçam a verdadeira dimensão da situação, pois até Fevereiro havia previsões de mortalidade para os dias seguintes, logo há competências técnicas para avaliar a verosimilhança dos dados oficiais de Covid-19. Seria aconselhável uma revisão dos dados oficiais, só para não dar um aspecto relaxado do país.




2 comentários:

  1. E por que não tomar em conta que o inverno que terminou foi o mais quente desde que há registos? => https://impertinencias.blogspot.com/2020/04/de-volta-ao-covid-19-colocando-ameaca_13.html

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    1. O Inverno no hemisfério norte começou em 21 de Dezembro e durou até 20 de Março, logo só 10 dias de Inverno é que não calham no calendário de 2020, por isso os meus cálculos incluem 89% do Inverno. Ou estava a falar do Inverno do hemisfério sul? Esse realmente não incluí porque vai de Junho a Setembro.

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