Niall Ferguson em Civilização, o Ocidente e os Outros relembra que os colapsos de países ou impérios são, regra geral, “precedidos de desequilíbrios agudos entre as receitas e as despesas, bem como por dificuldades de financiamento da divida pública”. São vários os exemplos adiantados pelo autor.
No século XVI, a Espanha, durante a monarquia dos Habsburgos, estava atolada em dívidas – por exemplo, em 1543, quase dois terços das receitas ordinárias destinavam-se a pagar os juros dos empréstimos, em 1559 os juros já excediam as receitas e em 1584 a situação não era muito melhor, com os juros a engolirem 84% das receitas. Verificava-se um problema semelhante nas vésperas dos Bourbons serem apeados do poder e de lhes cortarem a cabeça em 1793 na guilhotina - uma das invenções da revolução francesa de 1789. A título ilustrativo, refira-se ainda o caso do império Otomano no século XIX ou da Grã-Bretanha entre 1945 e a crise do Suez em 1956, que provou definitivamente que não podia continuar a desafiar os Estados Unidos no Médio Oriente.
Entre 2001 e 2011, a dívida federal americana passou de 32% para 66% do PIB. De acordo com projeções do Congressional Budget Office, “a dívida poderá subir acima dos 90% do PIB até 2021 e chegar aos 150% até 2031 e 300% até 2047." Pior ainda: estes números não incluem “os estimados 100 biliões de dólares de passivo não financiado do Medicare e da Segurança Social, nem incluem os défices estaduais, nem o crescente passivo dos regimes de pensões dos funcionários públicos”. Tudo somado, a posição fiscal dos EUA era pior do que a da Grécia em 2009, com um rácio dívida/receita de 312%.
Estes números são assustadores. Mas, no reino da estabilidade financeira, o papel da percepção é fundamental. Por várias razões, em 2010, Portugal, a Grécia e a Irlanda perderam a credibilidade perante os investidores em títulos. Até ao momento, os mesmos investidores continuam a acreditar na capacidade dos EUA se desenvencilharem da alhada em que se meteram. Esta complacência pode até persistir por um período bastante longo – afinal de contas, os EUA não conseguiram converter os brutais défices fiscais dos anos 1980 em superavit nos anos 1990? Para quê preocupar-se agora? O problema é que esta fé pode desaparecer de um momento para o outro. Basta uma má notícia, aparentemente irrelevante – sei lá, uma descida do rating, declarações de responsáveis chineses, enfim, ninguém sabe –, e, de repente, deixarão de ser apenas meia de dúzia de especialistas a preocuparem-se com a viabilidade da política fiscal americana. Subitamente, essa preocupação poderá alastrar a todos os americanos e, pior, aos investidores.
Niall Ferguson manifesta muitas dúvidas sobre as famosas teorias de ascensão, crescimento e queda de civilizações e impérios. Os impérios não costumam cair depois de um longo torpor, mas sim subitamente – o Império Romano desfez-se numa geração e o Soviético “caiu de um penhasco” em vez de entrar suavemente em declínio. Apesar dos historiadores gostarem de retrospetivamente apurar as múltiplas causas e determinantes de quedas e colapsos, Ferguson acredita que as civilizações, como todos os sistemas complexos, podem caminhar subitamente da estabilidade para a instabilidade: “as civilizações são sistemas complexos que mais tarde ou mais cedo sucumbem a avarias súbitas e catastróficas em vez de percorrerem um ciclo modorrento da Arcádia ao Apogeu e do Apogeu ao Armagedão”.
O elevado endividamento colocou os EUA numa posição de alto risco e a administração Obama anda a brincar com o fogo ao seguir políticas expansionistas. Niall Ferguson não se tem cansado de alertar para os perigos que isso encerra, tendo inclusive entrado em polémicas violentas com Paul Krugman. Quando se brinca com o fogo, corre-se o risco de provocar um incêndio, que neste caso teria dimensões catastróficas.
Por contraste com esta visão, o declínio do império soviético foi prevista muito antes de ocorrer pelo demógrafo Emmanuel Todd, que observou um aumento, ainda que muito ligeiro, da mortalidade infantil na URSS, deduzindo a partir daí que o sistema produtivo do país estava a esbarrar nos seus limites. Ou seja, E. Todd observou, não a "queda de um penhasco", mas sim um progressivo declínio do poderio soviético.
ResponderEliminarLuís, daí a importância da percepção, se falarmos de previsões, já em 1922 Mises tinha vaticinado o colapso e futura insustentabilidade da URSS, a questão que se põe é que no momento em que essa insustentabilidade e o eventual colapso passem a ser algo geralmente aceite então estão criadas as condições para precipitar tal colapso, tal como recentemente aconteceu nos PIIGS (em Portugal o PEC4 foi, para muitos, o ponto de viragem, para mim, mais uma consequência que uma causa...), nada impede que o mesmo aconteça nos EUA, independentemente de todos os factores diferenciadores, a realidade é que se esta política expansionista insustentável se mantiver, os EUA podem muito bem estar a cavar a própria sepultura como outros o fizeram...
ResponderEliminarPenso que o APC toca no essencial da questão levanatada pelo historiador Niall ferguson. Como diz Niall Ferguson, "os sistemas adaptativos complexos veem-se em maus lençóis quando a massa crítica dos seus constituintes perde a fé na sua viabilidade". Digamos que é esta a alteração crucial que desencadeia os colapsos. De qualquer maneira, penso que isto não colide com o que o Luís Lavoura diz acerca das previsões do Emmanuel Todd sobre o Império Soviético. Tal como o endividamento excessivo costuma preceder o colapso de nações e impérios talvez se verifique também a mesma correlação com as subidas da taxa da mortalidade infantil - não sei o que é que a evidência histórica nos diz sobre isso. Mas, como diz o APC e o Ferguson, só quando esses sinais, percepções ou expectativas (como preferem dizer os economistas desde que Keynes introduziu o termo na linguagem económica)alastram - geralmente de forma súbita - às massas é que se dá o tal ponto de viragem.
ResponderEliminarTenho algumas dúvidas que isso funcione num país que tenha a dívida na sua própria moeda.
ResponderEliminarO meu raciocínio - num país cuja dívida esteja denominada noutra moeda (ou numa moeda supra-nacional), há um potencial mecanismo de feedback positivo: se os credores começam a desconfiar que a dívida não vai ser paga, começam a exigir juros maiores, aumentando o serviço da dívida, e tornando cada vez mais díficil pagar efectivamente a dívida.
Mas num país com moeda própria e cuja dívida esteja denominada nessa moeda, esse efeito pode ser contrabalançado por um mecanismo de feedback negativo: se há suspeitas que um país vai entrar em bancarrota, a moeda desse país vai desvalorizar, reduzindo o valor real do dívida e tornando mais fácil o seu pagamento.
Sim, quando a dívida de um país está denominada na sua própria moeda, isso traz-lhe vantagens. Em última análise, poderá sempre pagar a dívida, bastando para o efeito imprimir moeda. Os EUA têm ainda por cima o "privilégio exorbitante" de poder imprimir a principal moeda de reserva do mundo. Mas isso não resolve o problema de fundo. Primeiro, ao gerar inflação e ao desvalorizar a sua moeda, fazem perder dinheiro aos credores, que poderão, a partir de um determinado limite, deixar de continuar a emprestar dinheiro - e eese é o problema. Segundo, mesmo no caso dos EUA, os dirigentes chineses já começaram a dar sinais de estarem a atingir esse limite, tendo já acusado os EUA de estarem a imprimir dinheiro de forma descontrolada e irresponsável e de estarem a obrigar a China a importar inflação.
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